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Mário de Andrade: o sequestro do desejo e a música popular em versos

Mário de Andrade: the sequestration of desire and the popular music in verses

Resumos

Em Remate de males (1930), quarto volume de poemas do modernista Mário de Andrade, o texto de abertura do grupo Tempo da Maria - "Moda do corajoso" - apresenta voz lírica que hesita entre a consciência do despropósito de seu amor por uma mulher casada e, ao mesmo tempo, a constatação de estar subjugada por ele. Como leitor de Freud, Mário deixa transparecer em seus versos preocupações com o processo de sublimação e de repressão - o sequestro da Dona Ausente - , percebido por ele na cultura popular brasileira. Além disso, há nos poemas a reinvenção da musicalidade do povo. O estudo detido de "Moda do corajoso", realizado neste artigo, mostra a atualização, por meio de versos, da sublimação do desejo pela dona proibida, assim como a influência da música popular na escrita mariandradina.

Poesia; música; sequestro; Remate de males; Mário de Andrade


In Remate de males (1930), the fourth modernist book of Mário de Andrade, the first poem of the group Tempo da Maria - "Moda do corajoso" - has a lyrical voice that wavers between the consciousness of the absurdity of his love for a married woman and, at the same time, the awareness of been overwhelmed by it. As a reader of Freud, Mário de Andrade is concerned of the process of sublimation and repression - the so called "sequestration of the absent lady" - found by him in Brazilian popular culture and also present is his verses. Moreover, there is in the poem the reinvention of the popular Brazilian musicality. The careful study of the verses of "Moda do corajoso" shows, therefore, the sublimation of desire for a prohibited lady, as well as the influence of music in Mário de Andrade's thought, constant concern that can be found in his verses.

Poetry; music; "sequestro"; Remate de males; Mário de Andrade


  • 2 Este artigo é resultado de comunicação apresentada em congresso da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic), compilada em atas do evento, e de tese de doutorado orientada pelo Prof. Dr. Alcides Villaça (SOUZA, C. R. Remate de males: a música de poemas amorosos de Mário de Andrade. 2009. 163 f. Tese (Doutorado em Letras Clássicas e Vernáculas) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2009.
  • 3 ANDRADE, M. Poesias completas Edição crítica de Diléa Zanotto Manfio. Belo Horizonte: Villa Rica, 1993. p. 509.
  • 4 LOPEZ, T. P. A. Mário de Andrade: ramais e caminhos. São Paulo: Duas Cidades, 1972. p. 105.
  • 5 Cf. NITES, T. F. Leituras em francês de Mário de Andrade São Paulo: Publicação do IEB, 1969. p. 77-78.
  • 6 FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Rio de Janeiro: Imago, 1973. p. 57.
  • 9 ANDRADE, M. A Dona Ausente. Atlântico: revista luso-brasileira. Rio de Janeiro, n. 3, p. 9, 1943.
  • 10 Cf. LOPEZ, T. P. A. Mariodeandradeando São Paulo: Hucitec, 1996. p. 118-122.
  • 11 CARVALHO, R. S. Edição genética d'O seqüestro da dona ausente de Mário de Andrade 2001. 258 f. Dissertação (Mestrado em Letras Clássicas e Vernáculas) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2001. p. 23-24.
  • 14 ANDRADE, M. Poesias completas Edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Tatiana Longo Figueiredo e Telê Ancona Lopes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013. p. 315-316.
  • 15 ANDRADE, M. Dicionário musical brasileiro Coordenação de Oneyda Alvarenga, 1982-84, e de Flávia Camargo Toni, 1984-89. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999. p. 342.
  • 16 CORREA, R. A arte de pontear viola Brasília; Curitiba: Editora do Autor, 2000. p. 21 e 24.
  • 17 LOPEZ, T. P. A. A biblioteca de Mário de Andrade: seara e celeiro da criação. ZULAR, R. Criação em processo Ensaios de crítica genética. São Paulo: Iluminuras, 2002. p. 68-69.
  • 20 LAFETÁ, J. L. Figuração da intimidade São Paulo: Martins Fontes, 1986. p. 4.
  • 23 "Ô pescador da barquinha/ O que é?/ Ai qui tu vai iludido/ - Pruquê?/ Qu'essa mulé-é-quem vai/ É casada e tem marido." (ANDRADE, M. Peças para "A dona ausente". In: _____. As melodias do boi e outras peças Preparação, introdução e notas de Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1987. p. 293).
  • 24 A substituição da imagem da mulher ausente pela viola aparece em quadra popular presente em um dos livros da biblioteca particular de Mário de Andrade: "Tenho minha viola nova/ Feita de pau de colher/ Pra mim dançar com ela,/ Já que não tenho mulher". (ROMERO, S. Cantos populares do Brasil Rio de janeiro: Livraria Francisco Alves, 1897. p. 197-198).
  • 26 CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos Rio de Janeiro: José Olympio, 2002. p. 393.
  • 33 ANDRADE, M. Contos novos Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Itatiaia, 1999. p. 25.
  • 34 ALIGHIERI, D. Da monarquia; Vida nova Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 107.
  • 37 O nome Maria, além de ser comum nas peças folclóricas brasileiras, aparece com frequência na série intitulada "Peças para a 'dona ausente'", colhida pelo poeta--pesquisador e publicada, depois, em livro por Oneyda Alvarenga - "Na barra grande ôh Maria/ No outro lado di lá", "Maria, passageira/ Venha me passá", "A barca virou [...] Por causa de Maria/ Que ela não soube remá" (ANDRADE, M. As melodias do boi e outras peças Preparação, introdução e notas de Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1987. p. 294-298).
  • 38 AZEVEDO, S. L. Dicionário de nomes de pessoas Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993. p. 395.
  • 39 ANCHIETA, J. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões do padre Joseph de Anchieta Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1933. p. 13, 201-202, 239.
  • 42 Imagem retratada por Benedito Calixto, em sua famosa tela O poema na praia, assim como por estudiosos e poetas, como Gonçalves de Magalhães, Varela e Machado de Assis. (Cf. CARDOSO, Pe A. Introdução. In: ANCHIETA, J. O Poema da Virgem São Paulo: Edições Paulinas, 1958. p. 31-36, 41-42).
  • 43 KANT, I. Crítica da faculdade do juízo Trad. Valério Rohden e António Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. p. 107.
  • 45 Mário escreve, em 1925, em carta a Manuel Bandeira: "A forma mais universal e popular é incontestavelmente a da circunferência: serpente mordendo o rabo, a gente acaba por onde principiou e fica o moto-contínuo balançando sensação. Não derruba a gente assim na realidade" (ANDRADE, M. Cartas a Manuel Bandeira Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1967. p. 104).
  • 46 BASTIDE, R. Poetas do Brasil São Paulo: Edusp; Duas Cidades, 1997. p. 79.
  • 58 ANDRADE, M. Ensaio sobre a música brasileira São Paulo: Livraria Martins, 1967. p. 37.
  • 62 WISNIK, J. M. Machado maxixe: o caso Pestana. Teresa: Revista de Literatura Brasileira, São Paulo, 34, n. 4/5, 2003. p. 36.
  • 65 ANDRADE, M. O turista aprendiz Estabelecimento de texto, introdução e notas de Telê Porto Ancona Lopez. Belo Horizonte: Itatiaia, 2002. p. 204.
  • 67 Em anotação feita a lápis por Mário de Andrade, em seu exemplar de Poesias de Gonçalves Dias, ao lado do poema "Sonho de virgem", podemos identificar uma possível matriz do verso-refrão de "Moda do corajoso". O poeta anota, ao lado de "Virgem, virgem de amor, quais são teus sonhos?", verso de Gonçalves Dias sublinhado pelo modernista, a expressão "Rosa, rosa de amor", o que nos leva a pensar em "Maria, viola de amor" (Cf. exemplar de Mário de Andrade: DIAS, G. Poesias de Gonçalves Dias Nova edição organizada e revista por J. Norberto de Souza Silva. Rio de Janeiro; Paris: Livraria Garnier, (1919?). p. 194).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2013
  • Aceito
    06 Set 2013
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