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Como ter sucesso nas artes sem ser um homem? Manual para artistas mulheres do século XIX

How to succeed in the arts without being a man? Handbook for women artists of the 19th century

RESUMO

Neste artigo propõe-se um conjunto de conselhos para artistas mulheres do passado para que sejam reconhecidas em vida e organizem a preservação póstuma de seus nomes e suas obras, com vistas a inscrevê-los na história. Inspiramo-nos em pesquisas sobre a população de pintoras, escultoras e gravadoras ativas na França na primeira metade do século XIX e em trabalhos sociológicos e históricos acerca da construção da reputação artística e da inscrição dos nomes na memória coletiva. Assim, de um modo não desprovido de distanciamento irônico, sugere-se às artistas mulheres: partir com boas cartas na mão; fazer boas escolhas; não perder tempo em se fazer (re)conhecer; saber se vender; e pensar na posteridade.

PALAVRAS-CHAVE:
Gênero; artistas; mulheres; reconhecimento; história; posteridade

ABSTRACT

This article proposes a set of advice for women artists of the past to be recognized in life and organize the posthumous preservation of their names and their works, with a view to inscribing them in history. We are inspired by research on the population of painters, sculptors and recorders active in France in the first half of the nineteenth century and in sociological and historical works on the construction of artistic reputation and the inscription of names in the collective memory. Thus, in a way not devoid of ironic detachment, it is suggested to women artists: leave with good letters in hand; make good choices; do not waste time in making yourself known; know to sell yourself; and think of posterity.

KEYWORDS:
Gender; artists; women; recognition; history; posterity

Estudando os percursos individuais e coletivos de artistas mulheres na passagem do século XIX na França por mais de dez anos, creio ter acumulado dados suficientes para poder propor-lhes um pequeno vademecum1 1 O termo designa um livro de referências para o leitor. A expressão tem origem latina, sendo bastante utilizada no campo do direito, mas também dos fármacos. (N. da T.) na esperança de lhes ser útil. Gostaria, assim, de alertá-las sobre certos elementos a serem levados em conta, bem como das armadilhas a serem evitadas a fim de obterem reconhecimento em sua vida (esse é um desafio real para as mulheres, como sabemos), de modo que seus nomes possam sobreviver nos livros de história da arte (NOCHLIN, 1988NOCHLIN, Linda. (1971). Why have there been no great women artists?. In: _____. Women, art and power and other essays. Boulder: Westview Press, 1988, p. 147-158.). Com efeito, é extremamente frustrante ver quantas artistas claramente talentosas, e por vezes prolíficas, caíram nas mesmas armadilhas, inclusive em um momento que lhes foi relativamente favorável2 2 Eu me refiro aqui ao período que vai dos últimos decênios do Antigo Regime a meados do século XIX na França. Esse momento, que eu qualifiquei de “parênteses encantado”, se caracteriza pela conjunção particular de certo número de fatores sociais, políticos, econômicos ou culturais que puderam, se não favorecer, ao menos permitir a profissionalização de um contingente inédito de mulheres nas belas-artes. Isso em um contexto de relativa igualdade de tratamento entre os sexos, igualdade essa que foi, porém, temporária e, sobretudo, limitada a esse espaço social. Daí o termo “parênteses”. Ver: Sofio, 2016a. , a ponto de obras e carreiras da maioria delas hoje se encontrarem, na melhor das hipóteses, resumidas a uma ou duas linhas em dicionários especializados. Gostaria de propor aqui um manual para o uso de candidatas à profissão de pintora na França, atuantes entre o final do século XVIII e ao longo da primeira metade do XIX. Com algumas adaptações, talvez também possa servir às suas colegas de outros países e, mesmo como um método, talvez seja útil tanto no passado (Figura 1) quanto no presente (Figura 2).

Figura 1
P como “Pintura” no Guia para escolha de um estado. Dicionário das profissões (1842)

Figura 2
WikiHow “Como se tornar um artista célebre”, página consultada em 23 de novembro de 20163 3 Esse método on-line se propõe a explicar aos artistas “como alcançar a celebridade em treze etapas”: vale notar que as imagens escolhidas para o ilustrarem colocam em cena uma mulher. Isso denota uma mudança muito interessante nas representações da criação... isso se esse WikiHow da consagração artística não aparecesse na seção “Passatempo e bricolagem”. Nota da tradução: o termo “bricolage” significa “fazer você mesmo”.

Logo, concebi esse pequeno guia destinado a chamar a atenção da população de artistas ativas na França durante a primeira metade do século XIX para os erros a serem evitados, inspirando-me em suas trajetórias individuais e coletivas. Recorro igualmente a dois estudos que servem aqui de quadro teórico sobre a questão das possibilidades objetivas, para artistas do passado, de lograrem acesso ao reconhecimento ao longo de suas vidas, e de sobreviverem na memória coletiva.

O primeiro desses estudos é o trabalho que Daniel Milo (1986MILO, Daniel. Le phénix culturel: de la résurrection dans l’histoire de l’art. L’exemple des peintres français (1650-1750). Revue française de sociologie, v. 27, n. 3, p. 481-503, 1986.) dedicou à manutenção e ao esquecimento de certos nomes de artistas junto ao cânone da história da arte, ao longo do tempo. A partir de um estudo estatístico que teve como fonte um conjunto de dicionários e livros de história da arte publicados ao longo de dois séculos, o autor mostra que a notoriedade póstuma está estritamente condicionada pela celebridade que o artista obteve em vida. Em outras palavras, Milo prova, com base em dados concretos, que a noção de “gênio desconhecido” é uma aberração. Vale mais, segundo ele, falar de “fênix cultural”, porque raros são os artistas que foram sempre referências estéticas absolutas. Na realidade, cada época extrai, dentre o reservatório de nomes que celebra, aqueles que serão tomados como referências. Assim, os rankings artísticos (ou os “consensos culturais”, nos termos de Daniel Milo) se transformam em função da evolução dos gostos (HASKELL, 1999HASKELL, Francis. La norme et le caprice - Redécouvertes en art: aspects du goût et de la collection en France et en Angleterre, 1789-1914. Paris: Champs-Flammarion, 1999. (1e éd. 1976).). É por isso que a reputação da maioria dos artistas conhece períodos de vazio e de renascimento - justificando a analogia com a fênix - durante a sua carreira póstuma.

O segundo estudo que me serve de base teórica é aquele levado a cabo por Gladys e Kurt Lang sobre a notoriedade, o qual mensurou a reputação de um conjunto de gravadores e gravadoras ativos nos Estados Unidos e na Inglaterra na virada do século XX, antes e depois de suas mortes (LANG; LANG, 2001LANG, Gladys Engel; LANG, Kurt. Etched in memory: the building and survival of artistic reputation. Chicago: University of Illinois Press, 2001 (1e éd. 1990).). A dupla Lang logrou, por um lado, avaliar estatisticamente as disparidades de gênero em matéria de acesso ao reconhecimento artístico, especialmente no que diz respeito à manutenção de certos nomes na memória coletiva, e, de outro lado, a isolar certo número de fatores objetivos suscetíveis de explicar tais disparidades.

Assim, é me apoiando nas conclusões dessas duas pesquisas magistrais que proponho às aspirantes à carreira artística em inícios do século XIX uma lista de precauções a serem levadas em conta; de ações a serem empreendidas a fim de lhes permitirem alcançar a consagração artística. Eu reagrupei tais conselhos4 4 Como nota a autora, os conselhos são resultantes de um conjunto de dados e pesquisas que evidenciam as dificuldades enfrentadas pelas mulheres artistas do Oitocentos no que diz respeito a terem seus nomes e obras reconhecidos pela história da arte. (N. da T.) em cinco categorias: 1. Partir com boas cartas na mão; 2. Fazer as boas escolhas; 3. Não perder tempo em se fazer (re)conhecer; 4. Saber se vender; 5. Pensar na posteridade; as quais serão abordadas sucessivamente5 5 Não é necessário dizer que estas dicas devem ser tomadas com toda a distância da ironia. Essa ironia, no entanto, é constituída de dados científicos confiáveis e baseia-se na ideia de que o reconhecimento e o conhecimento cultural são socialmente construídos. .

Partir com “boas cartas nas mãos”

A primeira dessas categorias é evidente: é melhor efetivamente partir com as “boas cartas em mãos”. O primeiro conselho é, portanto, nascer numa família de artistas. Com efeito, sem ser indispensável a uma carreira nas artes, trata-se de uma condição objetiva que facilita enormemente as carreiras na medida em que está estreitamente interligada a dois fatores importantes de acesso à notoriedade: ter uma carreira longa e obter marcas de reconhecimento institucionais. Assim, dentre as artistas ativas em Paris durante a primeira metade do século XIX, 52% das filhas de artistas tiveram uma carreira de mais de 15 anos, enquanto para as nascidas fora do mundo da arte esse número é de apenas 28%6 6 As estatísticas aqui apresentadas foram retiradas de uma base de dados prosopográfica constituída a partir de uma lista exaustiva de mulheres que expuseram ao menos uma vez no Salão, em Paris, entre 1791 e 1848. Uma parte dos resultados do tratamento dessa base foi exposta em: Sofio, 2016a. . E mais: para as gerações ativas durante os anos de 1830 e 1840, ou seja, no momento em que os artistas dependem mais do Salão, quando o júri rejeita sistematicamente mais de 50% dos postulantes, a proporção de premiações obtidas também é reveladora. São 26% das filhas de artistas que obtêm uma medalha no Salão, uma encomenda do Estado ou a aquisição de um quadro pelo Museu de Luxemburgo, enquanto tais índices caem para 19% para as nascidas fora do meio das artes.

Como explicar tais números? Nascer numa família de artistas implica antes de mais nada ter acesso a uma socialização precoce no seio do mundo da arte, o que torna “natural” a aquisição de certo número de códigos e princípios tácitos que permitem se orientar mais livremente, mais precocemente e mais eficazmente nesse espaço social específico. Assim, torna-se mais simples fazer as boas escolhas, encaminhar-se mais facilmente às pessoas certas em caso de necessidade, identificar espontaneamente os melhores mestres, detectar mais rapidamente as últimas tendências etc. Nascer numa família de artistas também implica beneficiar-se de redes já tecidas por aqueles que lhe são próximos no mundo da arte: confrades e comadres, vendedores de tintas, funcionários administrativos ou mecenas e colecionadores que conformam uma rede importante de apoio, e podem ser consumidores em potencial. É por fim portar um nome já conhecido, até mesmo famoso: num mundo em que a reputação é um capital primordial que necessita ser conquistado e alimentado ao longo de toda a carreira, isso significa um ganho de tempo não negligenciável.

Segundo conselho para partir com as boas cartas na mão quando se é uma jovem artista: é sempre melhor ser bela, ou, ao menos, charmosa. É certo que se trata de um valor bastante distante dos recursos propriamente artísticos. Entretanto, diversos cientistas políticos e sociólogos já mostraram a importância da aparência ou do “capital estético” nas carreiras (profissionais, políticas etc.)7 7 Ver, por exemplo, Matonti, 1998. Ver igualmente os artigos sobre a percepção social da obesidade reunidos no dossiê “Le poids des corps” (ACTES DE LA RECHERCHE, 2015). . Nesses últimos tempos em que a história contrafactual está na moda, eu os convido a se colocarem a seguinte questão: teria Élisabeth Vigée-Lebrun a carreira e a notoriedade conhecidas sem seu lindo rosto? A própria pintora de Maria Antonieta reconheceu, em suas memórias, o efeito que pode ter tido sua beleza e sua juventude no começo de sua carreira na Paris mundana dos anos 17708 8 Ver, por exemplo, seu relato divertido das sessões de pose dos homens, os quais procuravam se fazer retratar no intuito de cortejá-la (VIGÉE LE BRUN, 1835, p. 24). . A moda dos autorretratos femininos, própria a esse época, claramente beneficiou certo número de pintoras mulheres que não hesitaram em se representar fortemente desnudadas para atrair - com sucesso - a atenção dos críticos e do público (SOFIO, 2016b_____. “Portrait of the artist at work”. Painting self-portraits in late eighteenth-century France. Arts et Savoirs, 6, 2016b. Disponível em: <http://journals.openedition.org/aes/795>. Acesso em: ago. 2018.
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). Uma artista de físico agradável não teria mais facilidades em se fazer conhecida do que uma outra, também talentosa mas menos bem-dotada nesse domínio? Sem dúvida seria interessante comparar sob esse ângulo a estreia de Vigée-Lebrun com a de sua contemporânea, que era claramente mais laboriosa: Adélaïde Labille-Guiard. Sabe-se, é claro, que em todas as épocas e em todos os ambientes sociais, por razões ligadas à socialização do gênero, as mulheres, muito mais do que os homens, são conscientes da importância de serem belas para existirem socialmente (WOLF, 1991WOLF, Naomi. The beauty myth: how images of beauty are used against women. New York: William Marrow & Cie, 1991.). Em pintura isso pode se traduzir no cuidado nutrido com os autorretratos; as artistas foram absolutamente conscientes de que esses serviriam de vetores à persistência de seus nomes na história, como testemunha o seguinte excerto de carta de Sophie Rude (Figura 3) a um amigo, em 1841, quando ela tinha 44 anos:

Eu passei meu verão fazendo retratos, o meu por exemplo [...], mas que são considerados muito sérios, quer dizer, burgueses, eu respondo que me pintarei rindo quando for imbecil, pois realmente é preciso estar no fim para sorrir durante todo um dia, quando se está impaciente por ter uma personagem feia e velha para retratar. Eu quero no meu retrato ter o ar de alguma coisa, a posteridade crerá que ele se parecerá, vejam só uma perspectiva agradável. (apud GEIGER, 2005GEIGER, Monique. Sophie Rude, peintre et femme de sculpteur: une vie d’artiste au XIXe siècle (Dijon-Bruxelles-Paris). Dijon: Société des Amis des Musées de Dijon, 2005., p. 101)9 9 Sophie Rude faz alusão ao autorretrato conservado no Museu de Belas Artes de Dijon. Ver catálogo on-line na base Joconde, número 00000077522. No original: “J’ai passé mon été à faire des portraits, le mien par exemple [...], mais qu’on trouve trop sérieux, c’est-à-dire les bourgeois, moi, je leur réponds que je me peindrai en riant quand je serai imbécile, car vraiment il faudrait l’être au dernier point pour se sourire toute une journée, quand on s’impatiente d’avoir une laide et vieille figure si difficile à attraper. Je veux dans mon portrait avoir l’air de quelque chose, la postérité croira qu’il était ressemblant, voilà une agréable perspective”. .

Figura 3
Sophie Rude, La duchesse de Bourgogne arrêtée aux portes de Bruges, 1841. Museu de Belas Artes de Dijon.

Fazer as boas escolhas

Vir ao mundo com as boas cartas em mãos é importante, mas não é o suficiente: é preciso ainda fazer as boas escolhas, o que constitui o nosso segundo conjunto de conselhos.

Dado que a aprendizagem do ofício de pintor ou escultor era, tradicionalmente, forte e duradouramente caracterizada não apenas por um cursus preciso e incontornável, mas ainda pela ausência total de certificação institucional, a primeira escolha decisiva que se impunha à aluna-artista era eleger bem seu ateliê de formação10 10 A formação do ofício de pintor comporta com efeito vários estágios, depois da cópia de desenhos até a composição pictórica, que traduzem posições diferentes na hierarquia dos ateliês. Ver: Sofio, 2016a, capítulo 4. Sobre o funcionamento dos ateliês, consultar: Bonnet, 2013. . Com efeito, diante da inexistência de um diploma oficial suscetível de oferecer índices sobre os tipos de formação recebida e de garantir qualidade, o pertencimento a esse ou aquele ateliê específico acaba por desempenhar tal papel. Em outros termos, o nome do mestre se impõe, para os artistas, como um verdadeiro passaporte para o resto de suas carreiras.

A escolha do mestre é, portanto, uma decisão determinante. Em uma época em que o Salão era tão essencial para a carreira, ter por mestre um acadêmico - quer dizer, um dos membros do júri - se impunha como uma evidência tanto para os homens quanto para as mulheres. Ao longo de toda a primeira metade do século XIX, a lista de mestres declarados nos salões pelos expositores era, aliás, praticamente a mesma para os dois sexos. No entanto, aí também as estatísticas permitem examinar de modo mais fino as evidências. Para uma jovem artista, com efeito, e contra todas as expectativas, considerando-se os mestres consagrados dos dois sexos11 11 Considera-se aqui que um artista é consagrado uma vez que obtém um sinal de reconhecimento institucional em sua vida - tal como um título oficial (Pintor do Rei...), a legião de honra, a presença de várias de suas obras no Museu de Luxemburgo, a medalha de honra do salão etc. - e, é claro, é eleito para a Academia de Belas-Artes (o que só era possível para os homens). , parecia mais eficaz ter por mestre uma mulher do que um homem (mesmo em se tratando de acadêmicos): 52% das alunas saídas de ateliês de mulheres consagradas obtiveram algum sinal de reconhecimento oficial ao longo de suas carreiras, contra 34% das alunas oriundas dos ateliês de homens consagrados. Evidentemente, os ateliês de mulheres consagradas eram muito menos numerosos - contabilizava-se dois ou três por geração, não mais que isso -, mas eles se revelaram particularmente importantes para as artistas que ali se formaram, uma vez que neles elas têm a vantagem de serem enquadradas e apoiadas, inclusive ao final de seu aprendizado.

O problema, porém, é que essas mestres mulheres geralmente se dedicavam a gêneros relativamente menores, ou mediuns que envelheceram mal, o que constitui um grande obstáculo para o acesso à posteridade. Detenhamo-nos por um instante sobre o caso de Victoire Jaquotot (1772-1855) (Figura 4). Pintora de porcelana celebrada pelo público, ela era reconhecida não apenas pelos seus pares, mas também pelo poder. Sem dúvida a pintora mais bem paga de seu tempo, Jaquotot era consciente da raridade de seu talento e não hesitava em negociar o preço de suas obras (algumas dezenas de milhares de francos) ou suas condições de trabalho. Essa falta de traquejo na negociação infelizmente lhe rendeu uma reputação póstuma execrável, sustentada por um de seus biógrafos, o crítico René-Jean (1913), que fala de Victoire Jaquotot como uma pessoa “rabugenta, irascível, vaidosa, de uma pretensão sem igual e de uma suscetibilidade sem paralelo”. Mesmo que objetivamente desprovida de fundamento histórico, essa reputação de megera que se colou a seu nome no começo do século XX certamente tem ligação com o fato de que Jaquotot era manifestamente uma mulher emancipada, que viajava sozinha pela Itália, que se casou com dois homens, e teve um filho com um terceiro dez anos mais novo que ela. Era ainda uma professora respeitada: seu prestigioso ateliê acolhia mulheres e mesmo alguns homens. Ela supervisionou a formação de dezenas de pintoras de porcelana, dentre as quais muitas obtiveram medalhas nos Salões da Monarquia de Julho. A produtividade de Jaquotot era considerável; suas obras mais celebradas pela crítica em vida (dentre as quais muitas estão conservadas no Museu de Sèvres) são cópias de quadros famosos, do passado ou contemporâneos, que ela reproduzia sobre as placas de porcelana. Essa técnica complexa e minuciosa permitia espelhar as telas com toda a vivacidade de suas cores originais: essa era a única maneira de preservar um traço duradouro das obras conhecidas em um momento em que a fotografia estava apenas balbuciando. Bem, hoje em dia nos interessamos pouco pelas cópias, sejam elas virtuosas ou sobre porcelana (Figura 5), e, assim, o principal handicap para a manutenção dessa artista (que foi popular e brilhante) na memória coletiva está inegavelmente ligado à depreciação que a pintura sobre porcelana teve ao longo do século XIX. Sem dúvida, se Jaquotot tivesse pintado batalhas, ela teria hoje uma sala no Louvre dedicada a seu nome.

Figura 4
Victoire Jaquotot, retrato em miniatura (autorretrato?), primeiro quarto do século XIX, coleção particular.

Figura 5
Victoire Jaquotot, oito retratos em miniatura para a caixa de rapé do rei, esmalte sobre porcelana, 1819-1820, Museu do Louvre.

Não perder tempo em se fazer (re)conhecer

O exemplo das pintoras de porcelana, para quem a celebridade não resistiu à primeira metade do século XIX, mostra a importância de escolher bem não apenas o mestre, mas também o médium no qual seria melhor se especializar. Uma vez assegurada a boa escolha, é melhor ter uma duração prolongada no ofício a fim de conquistar um nome. A terceira categoria de conselhos, portanto, se enquadra nesse campo: não demore a se fazer (re)conhecer.

No espaço das belas-artes, a principal maneira de se fazer conhecer é mostrar logo suas obras, portanto, sugere-se expor o mais cedo possível. Essa é de fato uma recomendação seguida pelos artistas em geral, atuantes particularmente no espaço de produção artística parisiense (ou francês) que, durante o século XIX, se organiza em torno do Salão. Após ter sido assumido por Dominique-Vivant Denon em 1800, o Salão se impôs como espaço em que as reputações eram feitas, o lugar em que era preciso estar para existir como artista, vender e se tornar famoso.

No entanto, dadas as circunstâncias mencionadas acima, expor rapidamente se tornava um “diploma de artista” (segundo uma expressão de época). Em outros termos, ser capaz de passar pela seleção pelo júri e aparecer no catálogo do Salão pela primeira vez concretizava simbolicamente o fim do aprendizado e a entrada na carreira artística. Ao longo da primeira metade do século XIX, a idade média de participação no primeiro Salão diminui drasticamente, embora tenha permanecido substancialmente a mesma para ambos os sexos. Passou-se de 28 anos para as gerações formadas sob o Império, para 21 anos (em média) para aqueles que foram formados sob a Monarquia de Julho. A razão dessa queda é simples: os Salões tornaram-se mais numerosos (passando a ser anuais a partir de 1834) e, também, cada vez mais seletivos, sobretudo para os primeiros expositores. Nos anos 1840 esperava-se por uma ou duas recusas no mínimo no começo da carreira, o que não era o caso quinze ou vinte anos antes. Paralelamente, a obtenção de encomendas de cópias provenientes da administração (uma fonte de recursos importante para muitos artistas, como veremos) cada vez mais passa a depender da participação dos artistas nos Salões. Logo, era preciso começar a submeter as obras cada vez mais cedo ao júri para poder desenvolver a carreira sem perder muito tempo.

Devido à crescente seletividade para conseguir expor inicialmente, era também recomendado submeter muitas obras ao júri de cada vez. Com efeito, como a seleção era feita por obra e não por artista, cada postulante tinha interesse de apresentar o maior número de obras possível para, assim, aumentar as chances de ver ao menos uma delas selecionada (o essencial era, na verdade, aparecer no catálogo). Contudo, o número de obras a serem examinadas pelo júri aumentou tanto que isso se tornou ingerenciável. Sob a Restauração, um limite foi então estipulado: doravante não seriam autorizadas mais do que três obras por artista e por gênero (CHAUDONNERET, 2008CHAUDONNERET, Marie-Claude. Le portrait et la hiérarchie académique après 1815. HAL-Sciences de l’Homme et de la Société, n. 3, 2008, p. 6. Archive ouverte en Sciences de l’Homme et de la Société. Disponível em: <http://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00260123>. Acesso em: ago. 2018.
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). Sob a aparência de igualdade, na realidade essa medida favoreceu de fato enormemente os pintores de gênero ou de história, os quais podiam sempre apresentar também retratos, em detrimento dos gêneros tecnicamente mais especializados, como a natureza-morta ou a paisagem, por exemplo.

Expor, como já foi dito, era a principal maneira de se fazer conhecido e ganhar a vida para os artistas, mas não era a única. A renovação do catolicismo na França sob a Restauração provocou um crescimento considerável da procura por quadros chamados de “devoção”, para ornar as paredes das igrejas e dos conventos (FOUCART, 1987FOUCART, Bruno. Le renouveau de la peinture religieuse en France (1800-1860). Paris: Arthéna, 1987.). O controle da produção desses quadros - em sua maioria cópias de quadros antigos - passou então para a administração de belas-artes, onde o Ministério do Interior gerenciava as compras e suas atribuições. Centenas de telas foram então encomendadas todos os anos pelo Estado, e as mulheres constituíam ao menos um terço do contingente de copistas mobilizado (SOFIO, 2008SOFIO, Séverine. Les vertus de la reproduction. Les peintres copistes en France dans la première moitié du XIXe siècle. Travail, genre et sociétés, 19, 2008, p. 23-39.).

Seria enganoso ver essa atividade como uma prática desvalorizada: a cópia era para a administração uma fonte significativa de renda e uma iguaria12 12 No original, “sésame” seria traduzível diretamente por “gergelim”, mas o sentido mais próximo seria o de “iguaria”, “acepipe”. (N. da T.) . Era, portanto, objeto de uma seleção severa; nem todos tinham o direito a fazê-la, e nem todas as cópias executadas eram aceitas pelos inspetores encarregados de avaliar o trabalho dos artistas. Do ponto de vista desse pequeno guia para o sucesso nas artes, a cópia merece ser mencionada porque ela poderia abrir muitas portas: sob a Monarquia de Julho, 80% dos artistas nascidos fora do mundo da arte trabalharam como copistas para a administração (contra 23% das filhas dos artistas). E, ainda, 26% dos copistas obtiveram medalhas no Salão (comparado a 10% dos “não copistas”). A cópia era um investimento particularmente rentável do ponto de vista econômico e simbólico: ela permitia ao artista se exercitar nas grandes composições, oferecendo assim certa legitimidade no “grande gênero” (isto é, a pintura da história, o gênero pictórico de maior prestígio na época); representava um complemento de renda muito útil e permitia, ainda, que o artista se fizesse favoravelmente conhecido pela administração das artes plásticas.

Para obter uma encomenda como copista, o procedimento mais comum era o de submeter uma solicitação na administração. Mas, para se distinguir, era útil buscar uma recomendação por meio do envio de cartas, nas quais o maior número possível de nomes deveria ser mencionado - um general, um homem de letras... às vezes a simples menção a um amigo do diretor dos museus se tornava suficiente! As cartas de solicitação de cópias enviadas pelos pintores eram, assim, recheadas de notas diversas que certificavam os méritos dos impetrantes. Pois era fora do espaço das belas-artes - índice flagrante de sua heteronomia na época - que era preciso buscar as promessas de seriedade e de honorabilidade suscetíveis de convencer o governo. As redes de recomendação eram às vezes longas, mas geralmente eficazes. Por exemplo, no final de 1841, a jovem Henriette Cappelaere, retratista que acabara de deixar o ateliê de Léon Cogniet, apelou para o marido de sua irmã, o sr. Bellaguet, ex-professor do Bourbon College. Ele então contata um antigo aluno, Edmond Blanc, conselheiro do Estado e inspetor geral da Lista Civil. Blanc, que estava acostumado a trabalhar com o diretor de Belas-Artes, Edmond Cavé, lhe recomenda o trabalho de Cappelaere (Figura 6). Dois meses mais tarde, após algumas trocas de correspondências, mesmo sem ter exposto ainda no Salão (o que fará apenas em 1846), a jovem pintora recebe uma encomenda, o que constituía um fato raríssimo (SOFIO, 2016a_____. Artistes femmes. La parenthèse enchantée (XVIIIe-XIXe siècles). Paris: CNRS Éditions, 2016a. , p. 324).

Figura 6
Henriette Cappelaere, Retrato de Miss Harryet-Howard, 1850, Museu do Castelo de Compiègne.

Saber se vender

Obter recomendações eficazes participava, efetivamente, dessa competência primordial para todo artista que desejava fazer carreira: saber se vender.

Com essa meta, era conveniente frequentar as pessoas certas, ou seja, aliados suscetíveis de ajudar na constituição e manutenção de uma reputação positiva. A partir de 1820, quando o monopólio do discurso sobre arte escapa definitivamente dos artistas para se tornar uma prerrogativa dos homens de letras, torna-se fundamental frequentar escritores e jornalistas13 13 Sobre as consequências, no espaço da pintura, da mudança do monopólio da palavra sobre o discurso artístico, ver: Sofio, 2015. Para uma análise em termos de gênero sobre a história da crítica de arte nessa época, ler: Lafont, 2012. . Para ilustrar a importância de lidar com os meios literários, basta lembrar o caso de Lucile Franque. Pintora de história e retratista formada pelos ateliês de David e de Guérin no final dos anos 1790, Lucile Franque, nascida Messageot, morreu aos 23 anos, após ter exposto apenas em dois Salões. Ela produziu também poucos quadros, sendo apenas dois deles conhecidos hoje em dia14 14 O primeiro, La famille Messageot-Charve, é um retrato de família convencional, datado de 1799, atualmente na reserva do Museu de Belas Artes de Lyon. O segundo, Portrait de Jean-Marie Gleizes, pintado entre 1800 e 1802, parece estar nas mãos de um colecionador particular. Consultar: Hanselaar, 2014 . Entretanto, a despeito do desaparecimento quase absoluto de sua obra, seu nome sobreviveu na memória coletiva graças a Charles Nodier, autor de cenáculos românticos, que consagrou algumas lindas linhas a Lucile Franque, por quem esteve apaixonado:

Sua face fazia sonhar com belas ações, e não era possível se lembrar dela sem desejar ser melhor [...]. Ela, que teria sido Michelangelo da poesia ou Ossian da pintura [sic!] [...], contava com vinte e duas primaveras e, ao final desse curto exílio, retomou o caminho de sua pátria eterna. (NODIER, 1804NODIER, Charles. Essais d’un jeune barde. Paris: Chez Mme Cavanagh, 1804, p. 94-95.).

É bom, porém, frequentar não apenas escritores, pois frequentemente eles não possuem dinheiro para serem clientes potenciais. Assegurar-se do apoio de um mecenas influente, além daquele advindo dos homens de letras que se ocuparão de inscrever o nome na posteridade, é um expediente útil do ponto de vista tanto da reputação quanto das finanças.

Pensar na posteridade

Mecenas e poetas, no entanto, não serão realmente influentes para uma carreira póstuma de sucesso se não forem capazes de concretizar algumas precauções elementares para se pensar na posteridade, a saber, antecipar a persistência do nome e da obra do artista na memória coletiva. Se, com efeito, é raro que o nome de um artista sobreviva sem uma obra, é impossível as obras sobreviverem sem um nome, em alguns casos sendo elas atribuídas a outros autores mais conhecidos.

Nesse sentido, no que concerne ao nome, é preferível não modificá-lo (ou não de modo recorrente). Em outras palavras, para uma mulher, é melhor evitar casamentos múltiplos, expondo cada vez sob nomes distintos, sem um índice capaz de ligá-los uns aos outros. A pintora nascida como Marie Élisabeth Blavot, em 1810, em Paris, constitui um contraexemplo notável a esse postulado: casada duas vezes, não apenas ela se fez conhecida por um tempo sob o sobrenome de sua mãe (Marie Monchablon), antes de expor no Salão, entre 1835 e 1842, como Boulanger e, em seguida, como Cavé, entre 1845 e 1855, mas, ainda, ela modificou o próprio nome. Tanto assinando pelo nome próprio diminutivo (Élise, em 1835), como acrescentando ao próprio nome o de seu primeiro marido (Élise-Clément, em 1840 ou 1842) e, finalmente, assinando com seu nome inteiro (Marie-Élisabeth em 1845). Isso sem contar com o erro de impressão no catálogo de 1847, em que está registrada como senhorita. No caso de Mme Boulanger-Cavé, sua biografia é relativamente conhecida, graças ao sucesso editorial de seus métodos de desenho (Figura 7), a seu estatuto de esposa de alto funcionário e por ter sido amiga do pintor Delacroix, o que permite colar os pedaços de seu percurso sem muita dificuldade15 15 Ver a biografia escrita por: Angrand, 1966. . Mas quantas carreiras de artistas mais obscuras permanecem ainda totalmente fragmentadas nos índex de expositores e de dicionários biográficos? Note-se também que as carreiras femininas artificialmente recortadas podem, nos estudos realizados por pesquisadores pouco escrupulosos, reforçar a reputação de mulheres artistas como amadoras ao reafirmar a suposta brevidade de suas trajetórias16 16 Harrison e Cynthia White, que trabalharam a partir de dicionários biográficos baseados nos catálogos dos Salões, recusaram às mulheres o estatuto de artistas profissionais por essa razão, e, com isso as excluem de seu importante estudo, publicado em francês como La carrière des peintres au XIXe siècle (WHITE, 1991, p. 66). . Então, caso escolha se casar, é melhor simplificar a vida dos historiadores da arte e trabalhar a vida toda sob o nome de nascimento, como fez Mme Jaquotot, por exemplo...

Figura 7
Folha de rosto de A cor, de Marie-Élisabeth Cavé. Obra aprovada pelo sr. Eugène Delacroix para aprender pintura a óleo e aquarela

Outro erro básico suscetível de dificultar a manutenção das mulheres artistas na história: portar o mesmo nome de outro artista contemporâneo. É isso que ocorreu a duas pintoras (vagamente) homônimas, confundidas pela primeira vez no dicionário de Louis Auvray e Émile Bellier de la Chavignerie (1885), os quais as fundem de modo estranho na mesma notícia (digo estranho porque uma praticava pintura de cavalete, e a outra, miniatura em marfim e porcelana). Foi preciso aguardar a exposição que houve no Museu Léon Dierx, em 2016, para restabelecer a identidade distinta entre as duas “Adéle Ferrand”17 17 Exposição Adèle Ferrand, une femme peintre dans les années romantiques, Museu Léon Dierx, La Réunion, 10 de outubro-26 de março de 2016. . Uma nasceu como Adéle Julie Ferrand em 1817 numa família rica de Nancy e tornou-se Mme de Kervéguen ao casar-se. Em 1847 acompanhou seu marido a La Réunion, onde morreu, no ano seguinte, com apenas 31 anos. Ela foi aluna de François Dejuinne, e dedicou-se à pintura de história e ao retrato. Muitas de suas telas foram admitidas no Salão entre 1837 (quando tinha 20 anos) e 1846, quando sua partida para La Réunion a obrigou a interromper sua carreira como expositora, mas não sua prática de desenho e pintura. A outra vítima da confusão foi a pintora Élisabeth Marcel (denominada erroneamente de Adéle no dicionário de Bellier-Auvray), esposa de Ferrand, nascida em Ain entre 1807 e 1809. Ela foi aluna da sra. Jaquotot e expôs no Salão retratos em miniatura sobre marfim e porcelana no começo dos anos 1830, após ter trabalhado para a Manufatura de Sèvres entre 1823 e 1826 (PRÉAUD, s. d.).

Fazer de tudo para garantir a preservação de seu nome é, portanto, para um artista, uma precaução tão vital quanto a preservação de seu trabalho. Ligação por excelência entre a obra e o nome, a assinatura é, assim, uma necessidade18 18 Sobre a relação entre a assinatura e os valores do mercado, ver: Guichard, 2008. . Especialmente porque sabemos o quanto a atribuição de obras não assinadas foi feita em detrimento de mulheres artistas na história da arte. As pesquisas desenvolvidas depois dos anos 1980, animadas pelo movimento feminista e pela ascensão da história das mulheres, permitiram a reatribuição da autoria de muitas telas. A exemplo do Retrato de Wolf (chamado Bernard), que ingressou no Louvre como sendo de David e foi posteriormente atribuído a Sophie Rude, que o pintou durante o período em que trabalhava com o mestre em Bruxelas (GEIGER, 2005GEIGER, Monique. Sophie Rude, peintre et femme de sculpteur: une vie d’artiste au XIXe siècle (Dijon-Bruxelles-Paris). Dijon: Société des Amis des Musées de Dijon, 2005., p. 145).

Infelizmente, por vezes nem mesmo a assinatura é o suficiente para garantir uma atribuição correta: o caso de Constance Mayer é paradigmático a esse respeito. Aluna de Greuze, Mayer foi ligada ao pintor Pierre- Paul Prud’hon durante o período mais significativo de sua carreira, numa espécie de osmose profissional apaixonante, a ser mais bem estudada19 19 A esse respeito consultar: Guffey, 2001. . Prud’hon e Mayer trabalharam conjuntamente na composição de suas telas, produziram dezenas de desenhos (jamais assinados, é claro) os quais em seguida inspiraram seus respectivos quadros. Seus estilos eram tão fusionais que é extremamente difícil distinguir a influência de um sobre a obra do outro, e inversamente. Essa incerteza, no entanto, jogou a favor de Prud’hon, a despeito de Mayer ter assinado vários de seus quadros; e sendo a sua assinatura feita de modo original “C. Mayer Pinxit.”, seguida da data. Em 1931, um quadro atribuído a David, retratando um garoto com ar zombeteiro, entrou na coleção do Museu Nelson-Atkins, na cidade de Kansas20 20 O quadro pode ser acessado na rede: The Nelson-Atkins Museum of Art, s. d. . A assinatura havia sido parcialmente rabiscada e refeita com o nome de David. Depois, um novo rabisco foi inscrito, revivendo a assinatura primeira “Pinxit./1799” (Figura 8). A tela se apresenta, hoje em dia, com uma assinatura parcialmente apagada, e nós devemos a Margaret Oppenheimer a sua reatribuição à jovem Constance Mayer, numa época em que o estilo de sua pintura estava mais próximo ao de David que ao de Greuze (OPPENHEIMER, 2005OPPENHEIMER, Margaret A. The French portrait: revolution to restoration. Exhibition catalogue. Northampton, MA: Smith College Museum of Art, 2005. , p. 157-159, 219)21 21 Apesar dessa reatribuição absolutamente convincente, o quadro continua exposto no Museu Nelson-Atkins sob atribuição “desconhecida”. .

Figura 8
Atribuído a Constance Mayer, Retrato de um jovem, Kansas City, Museu Nelson-Atkins - detalhe (assinatura)

A partir do caso de Mayer, sugiro às nossas futuras artistas que evitem ficar muito próximas de um artista mais conhecido do que elas, em particular se essa proximidade for também estilística. Isso porque não apenas elas serão colocadas sempre à sua sombra, mas, quando forem evocadas, serão condenadas a aparecer eternamente como “alunas de” tal artista célebre, mesmo quando não for absolutamente o caso. Os exemplos são inúmeros na história da arte, e estão presentes mesmo dentre as mais célebres de nossas artistas. Até hoje é surpreendente que se veja Berthe Morisot ser qualificada como aluna de Manet...

Do ponto de vista da posteridade a situação é ainda mais complexa no caso das duplas de artistas. Ocorre que, após a metade do século XIX, a expectativa de vida das mulheres, no caso da França pelo menos, era ligeiramente mais longa do que a dos homens. Esses homens, além do mais, tendiam a se casar com mulheres mais jovens do que eles, logo, não é surpreendente que as esposas tenham sobrevivido, nessa época, aos seus maridos. Ocorre que, num casal de artistas, é geralmente comum que aquele (ou melhor seria dizer aquela) que se ocupa do necessário trabalho da memória à conservação póstuma do nome do cônjuge desapareça. Trata-se de realizar a organização de exposições retrospectivas; doações de obras e de papéis aos museus e arquivos; encomendar ou supervisionar homenagens escritas (necrológicos, biografias, catálogos fundamentados etc.) (LANG; LANG, 2001LANG, Gladys Engel; LANG, Kurt. Etched in memory: the building and survival of artistic reputation. Chicago: University of Illinois Press, 2001 (1e éd. 1990)., capítulo 10). Com isso, as mulheres artistas que se encontram nesse lugar de empreendedoras da memória a serviço da posteridade de seus maridos são, de fato, as maiores vítimas consentidas de uma concorrência memorial por elas próprias realizada. Nesse caso, mais uma vez, os exemplos são numerosos: já se evocou Sophie Rude, que não existe a não ser na sombra de seu marido, o grande escultor republicano, distinguido como tal especialmente pela III República. Assim, na cidade de ambos, Dijon, encontra-se o “Museu Rude”, inteiramente dedicado à obra de François (Figura 9). Já para ver as telas de Sophie é preciso ir ao Museu de Belas Artes, onde, bastante numerosas22 22 É preciso, contudo, aqui reconhecer a qualidade do trabalho de valorização das obras dessa artista no seio das coleções do museu. Ver: Geiger, 2005. , estão representadas em meio a outras do século XIX, o que, verdade seja dita, já não é pouco...

Figura 9
Página inicial do site do Museu Rude de Dijon (imagem capturada em consulta em 20 de julho 2018)

Somando tudo, para uma mulher artista a melhor maneira de sobreviver à concorrência memorial e permanecer na história da arte continua a ser a de ter uma vida romântica, ou pelo menos singular, o que não deixa de despertar o interesse de alguns contemporâneos e, por conseguinte, dos futuros historiadores. A escultora Félicie de Fauveau foi, assim como Rosa Bonheur, um raro exemplo de artista mulher frequentemente representada por seus contemporâneos (Figura 10): sua consagração instantânea aos 26 anos, no Salão, sua juventude amorosa que diríamos ter sido retirada de um romance de Alexandre Dumas, seu exílio florentino, seu temperamento inflamado, seu gosto por trajes estranhos são elementos que suscitaram numerosos comentários e imagens de sua maneira de viver. Seria preciso ao menos isso para compensar a dispersão relativa de sua obra fora da França, ou em coleções particulares, e conceder a Faveau a honra póstuma de ser agraciada com uma grande exposição retrospectiva em 2014 (FÉLICIE DE FAUVEAU, 2013FÉLICIE DE FAUVEAU. L’amazone de la sculpture. Catalogue d’exposition. Paris: Musée d’Orsay/Gallimard, 13 jun-15 septembre, 2013.).

Figura 10
Anônimo, Félicie de Fauveau em seu ateliê na Piazza del Carmine em Florença, aquarela (circa 1845). Coleção particular da autora

Para encerrar essa compilação de conselhos às artistas mulheres do passado, proponho mostrar o quanto a utilização dessas recomendações pode ser eficaz, retomando brevemente o caso de Rosa Bonheur, que soube preencher todas as alternativas corretas para se manter na memória coletiva23 23 No original, “qui a su cocher toutes les cases pour se maintenir dans la mémoire collective”. A expressão “cocher toutes les cases” não possui tradução idêntica no português. (N. da T.) . Do ponto de vista do acesso ao reconhecimento, Bonheur “partiu com boas cartas em mãos”: filha e irmã de artistas, dotada de um físico chamativo, ela beneficiou-se do interesse que sua aparência despertava junto a seus contemporâneos; ainda hoje há dezenas de representações, pintadas ou fotografadas, com os pincéis em punho ou vestida com calças ou camisas rústicas, pelas quais ela nutria afeto ao final de sua vida (KLUMPKE, 2001KLUMPKE, Anna. Rosa Bonheur. The artist’s (auto)biography. Ed. by Gretchen Van Slyke. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2001.)24 24 Todos os fatos biográficos mencionados a respeito de Bonheur foram tirados de: Klumpke, 2001. .

Em seguida, Bonheur fez “as boas escolhas”: sua condição de filha de artista a dispensou de se filiar a um ateliê específico. Mas muito jovem ainda ela trabalhava sozinha, como copista no Museu do Louvre, onde todos a conheciam pelo apelido de “pequena hussard25 25 Como não há um equivalente preciso para “pequena hussard” - o mais próximo seria “pequena soldada combativa” -, optamos por deixar como no original. (N. da T.) , por conta de seu gênio voluntarioso. A escolha original em se especializar em pinturas de animais poderia parecer perigosa para obter uma consagração oficial; mas esse gênero, que contava com muitos apreciadores então, tinha a vantagem de evitar a escolha de certos temas, dentre os quais alguns poderiam obrigá-la a recorrer a modelos nus (nuas), o que a colocaria sob o risco do escândalo. Pode-se enfim dizer, principalmente, que o fato de ter sido a única mulher nesse domínio lhe aportou algumas dificuldades (como obrigá-la a se travestir de homem), mas lhe abriu um grande caminho para a posteridade.

Da mesma forma, ela não perdeu tempo em se fazer (re)conhecer: garantindo com sua irmã a direção da Escola Livre de Desenho para meninas, Bonheur aparece no encarte do Salão de 1841, aos 19 anos. Posteriormente, produziu muito e exibiu regularmente. Ela obteve três medalhas no Salão, sendo a primeira em 1845, aos 23 anos. Em 1853 assegurou a entrada de duas de suas pinturas no Museu de Luxemburgo e mais uma isenção de júri. Por algum tempo, durante os anos 1860, pensa-se nela para ser recebida na Academia de Belas-Artes, uma ideia que foi logo abandonada; mas, por outro lado, ela foi a primeira mulher condecorada com uma distinção muito importante: a Légion d’Honneur. Alguns de seus quadros foram adquiridos pelo Estado na França, o que consiste em um trunfo considerável para mantê-la dentro de uma história da arte nacional. Todavia, La foire aux chevaux, sua tela mais imponente (cerca de 2,5 m por 5 m), foi adquirida por um homem de negócios americano que, posteriormente, a legou para o Museu Metropolitan de Nova York, o que certamente assegurou a Bonheur renome internacional.

Percebe-se que, pelas honrarias obtidas e pela difusão de sua obra, Bonheur soube se vender muito bem. Muito cedo foi consciente da importância de controlar sua imagem pública, sabendo ficar longe dos escândalos da vida parisiense. Por outro lado, beneficiou-se das estratégias comerciais eficazmente empregues por seu marchand, Ernest Gambart (FLETCHER, 2007FLETCHER, Pamela M. Creating the French gallery: Ernest Gambart and the rise of the commercial art gallery in mid-victorian London. Nineteenth-Century Art Worldwide, v. 6, n. 1, Spring 2007. Disponível em: <http://www.19thc-artworldwide.org/spring07/143-creating-the-french-gallery-ernest-gambart-and-the-rise-of-the-commercial-art-gallery-in-mid-victorian-london>. Acesso em: ago. 2018.
http://www.19thc-artworldwide.org/spring...
), que soube inserir sua produção no mercado britânico, e em seguida no norte-americano, no qual o gênero pintura de animais contava com muito mais colecionadores ricos do que na França.

No que concerne à posteridade, ainda nesse campo, Bonheur soube fazer bem as escolhas, pois viveu muito tempo (77 anos), produziu bastante e se beneficiou do trabalho considerável de uma empreendedora devotada à sua memória: a pintora americana Anna Klumpke (Figura 11). Essa publicou, em 1908, em francês e em inglês, as memórias que a artista lhe havia ditado. Manteve também o ateliê no Castelo de By, perto de Fontainebleau26 26 Transmitido aos herdeiros de Anna Klumpke após sua morte em 1942, o Castelo de By se tornou um museu privado, visitável duas vezes por semana após os anos de 1980. Colocado à venda em 2014, o Castelo e seu parque de 350 hectares foram comprados em 2018, enquanto os trabalhos de tombamento levados a cabo pelos Monumentos Históricos estão em curso. O castelo-ateliê foi reaberto em 2018, agora ligado a um hotel de luxo que comporta um salão de chá, uma sala de recepção, uma piscina e um spa, sob o nome de Château de Rosa Bonheur (Castelo de Rosa Bonheur). , a última propriedade da pintora, que ela herdou e da qual cuidou para que permanecesse em bom estado. Enfim, Bonheur, que portava calças e viveu por 40 anos com sua amiga de infância, Nathalie Micas, pôde se beneficiar de uma existência muito singular em sua época, a ponto de se ver eleita ícone feminista e homossexual em finais do século XX. Isso certamente a teria surpreendido; justamente ela, cujas opiniões em termos de ordem social não eram as mais subversivas. Como uma verdadeira “fênix cultural”, Bonheur assinala, desde os anos 1980, uma incrível carreira póstuma.

Figura 11
Anna Klumpke, Retrato de Rosa Bonheur, 1898, Nova York, Museu Metropolitan de Arte

REFERÊNCIAS

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  • WOLF, Naomi. The beauty myth: how images of beauty are used against women. New York: William Marrow & Cie, 1991.
  • 27
    O artigo resulta de conferência realizada por ocasião da exposição Femmes artistes. Les peintresses en Belgique de 1880 à 1914 no Museu Félicien Rops de Namur, em dezembro de 2016. Agradeço o convite de Véronique Carpiaux (curadora no Museu Rops) e Denis Laoureux (Universidade Livre de Bruxelas). Minha gratidão também a Ana Paula Cavalcanti Simioni, que traduziu o texto para o português.
  • 29
    Tradução: profa dra. Ana Paula Cavalcanti Simioni
  • 1
    O termo designa um livro de referências para o leitor. A expressão tem origem latina, sendo bastante utilizada no campo do direito, mas também dos fármacos. (N. da T.)
  • 2
    Eu me refiro aqui ao período que vai dos últimos decênios do Antigo Regime a meados do século XIX na França. Esse momento, que eu qualifiquei de “parênteses encantado”, se caracteriza pela conjunção particular de certo número de fatores sociais, políticos, econômicos ou culturais que puderam, se não favorecer, ao menos permitir a profissionalização de um contingente inédito de mulheres nas belas-artes. Isso em um contexto de relativa igualdade de tratamento entre os sexos, igualdade essa que foi, porém, temporária e, sobretudo, limitada a esse espaço social. Daí o termo “parênteses”. Ver: Sofio, 2016a.
  • 3
    Esse método on-line se propõe a explicar aos artistas “como alcançar a celebridade em treze etapas”: vale notar que as imagens escolhidas para o ilustrarem colocam em cena uma mulher. Isso denota uma mudança muito interessante nas representações da criação... isso se esse WikiHow da consagração artística não aparecesse na seção “Passatempo e bricolagem”. Nota da tradução: o termo “bricolage” significa “fazer você mesmo”.
  • 4
    Como nota a autora, os conselhos são resultantes de um conjunto de dados e pesquisas que evidenciam as dificuldades enfrentadas pelas mulheres artistas do Oitocentos no que diz respeito a terem seus nomes e obras reconhecidos pela história da arte. (N. da T.)
  • 5
    Não é necessário dizer que estas dicas devem ser tomadas com toda a distância da ironia. Essa ironia, no entanto, é constituída de dados científicos confiáveis e baseia-se na ideia de que o reconhecimento e o conhecimento cultural são socialmente construídos.
  • 6
    As estatísticas aqui apresentadas foram retiradas de uma base de dados prosopográfica constituída a partir de uma lista exaustiva de mulheres que expuseram ao menos uma vez no Salão, em Paris, entre 1791 e 1848. Uma parte dos resultados do tratamento dessa base foi exposta em: Sofio, 2016a.
  • 7
    Ver, por exemplo, Matonti, 1998. Ver igualmente os artigos sobre a percepção social da obesidade reunidos no dossiê “Le poids des corps” (ACTES DE LA RECHERCHE, 2015).
  • 8
    Ver, por exemplo, seu relato divertido das sessões de pose dos homens, os quais procuravam se fazer retratar no intuito de cortejá-la (VIGÉE LE BRUN, 1835, p. 24).
  • 9
    Sophie Rude faz alusão ao autorretrato conservado no Museu de Belas Artes de Dijon. Ver catálogo on-line na base Joconde, número 00000077522. No original: “J’ai passé mon été à faire des portraits, le mien par exemple [...], mais qu’on trouve trop sérieux, c’est-à-dire les bourgeois, moi, je leur réponds que je me peindrai en riant quand je serai imbécile, car vraiment il faudrait l’être au dernier point pour se sourire toute une journée, quand on s’impatiente d’avoir une laide et vieille figure si difficile à attraper. Je veux dans mon portrait avoir l’air de quelque chose, la postérité croira qu’il était ressemblant, voilà une agréable perspective”.
  • 10
    A formação do ofício de pintor comporta com efeito vários estágios, depois da cópia de desenhos até a composição pictórica, que traduzem posições diferentes na hierarquia dos ateliês. Ver: Sofio, 2016a, capítulo 4. Sobre o funcionamento dos ateliês, consultar: Bonnet, 2013.
  • 11
    Considera-se aqui que um artista é consagrado uma vez que obtém um sinal de reconhecimento institucional em sua vida - tal como um título oficial (Pintor do Rei...), a legião de honra, a presença de várias de suas obras no Museu de Luxemburgo, a medalha de honra do salão etc. - e, é claro, é eleito para a Academia de Belas-Artes (o que só era possível para os homens).
  • 12
    No original, “sésame” seria traduzível diretamente por “gergelim”, mas o sentido mais próximo seria o de “iguaria”, “acepipe”. (N. da T.)
  • 13
    Sobre as consequências, no espaço da pintura, da mudança do monopólio da palavra sobre o discurso artístico, ver: Sofio, 2015. Para uma análise em termos de gênero sobre a história da crítica de arte nessa época, ler: Lafont, 2012.
  • 14
    O primeiro, La famille Messageot-Charve, é um retrato de família convencional, datado de 1799, atualmente na reserva do Museu de Belas Artes de Lyon. O segundo, Portrait de Jean-Marie Gleizes, pintado entre 1800 e 1802, parece estar nas mãos de um colecionador particular. Consultar: Hanselaar, 2014
  • 15
    Ver a biografia escrita por: Angrand, 1966.
  • 16
    Harrison e Cynthia White, que trabalharam a partir de dicionários biográficos baseados nos catálogos dos Salões, recusaram às mulheres o estatuto de artistas profissionais por essa razão, e, com isso as excluem de seu importante estudo, publicado em francês como La carrière des peintres au XIXe siècle (WHITE, 1991, p. 66).
  • 17
    Exposição Adèle Ferrand, une femme peintre dans les années romantiques, Museu Léon Dierx, La Réunion, 10 de outubro-26 de março de 2016.
  • 18
    Sobre a relação entre a assinatura e os valores do mercado, ver: Guichard, 2008.
  • 19
    A esse respeito consultar: Guffey, 2001.
  • 20
    O quadro pode ser acessado na rede: The Nelson-Atkins Museum of Art, s. d.
  • 21
    Apesar dessa reatribuição absolutamente convincente, o quadro continua exposto no Museu Nelson-Atkins sob atribuição “desconhecida”.
  • 22
    É preciso, contudo, aqui reconhecer a qualidade do trabalho de valorização das obras dessa artista no seio das coleções do museu. Ver: Geiger, 2005.
  • 23
    No original, “qui a su cocher toutes les cases pour se maintenir dans la mémoire collective”. A expressão “cocher toutes les cases” não possui tradução idêntica no português. (N. da T.)
  • 24
    Todos os fatos biográficos mencionados a respeito de Bonheur foram tirados de: Klumpke, 2001.
  • 25
    Como não há um equivalente preciso para “pequena hussard” - o mais próximo seria “pequena soldada combativa” -, optamos por deixar como no original. (N. da T.)
  • 26
    Transmitido aos herdeiros de Anna Klumpke após sua morte em 1942, o Castelo de By se tornou um museu privado, visitável duas vezes por semana após os anos de 1980. Colocado à venda em 2014, o Castelo e seu parque de 350 hectares foram comprados em 2018, enquanto os trabalhos de tombamento levados a cabo pelos Monumentos Históricos estão em curso. O castelo-ateliê foi reaberto em 2018, agora ligado a um hotel de luxo que comporta um salão de chá, uma sala de recepção, uma piscina e um spa, sob o nome de Château de Rosa Bonheur (Castelo de Rosa Bonheur).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2018
  • Aceito
    19 Set 2018
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