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A construção/invenção do samba: Mediações e interações estratégicas

The construction/invention of samba: Mediations and strategic interactions

RESUMO

O objetivo do presente artigo é debater, a partir de uma bibliografia sobre a formação do samba e sua consolidação como canção urbana brasileira do início do século, aspectos da atuação dos primeiros sambistas dentro do contexto em que estes estavam inseridos na produção cultural à época. O texto procura destacar o caráter estratégico dessa atuação e desconstruir certas noções que conferem à formação do samba uma interpretação romantizada e pouco atenta à capacidade de intervenção destes sambistas no cenário cultural do seu tempo.

PALAVRAS-CHAVES:
Samba; música popular; canção

ABSTRACT

The aim of the present article is to debate aspects of the actuation of the first samba artists within the context in which they were inserted in the cultural production of the period, based on a bibliography about the formation of samba and its consolidation as the Brazilian urban song of the beginning of the century. The text attempts to highlight the strategic character of this actuation and to deconstruct certain notions that give the formation of samba a romanticized interpretation that does not pay enough attention to the capacity of intervention and organization of these samba artists within the cultural scene of their time.

KEYWORDS:
Samba; popular music; song

O samba, como foi formatado no início do século XX no Rio de Janeiro, acabou se tornando, por vários motivos, ponto pacífico em nossa sociedade como um dos agentes culturais que melhor representa o "ethos" brasileiro. Esse é um dado irrefutável da nossa história e que coloca o samba, de certa forma, como uma referência fundamental para os debates sobre nossa formação social.

O que uma extensa bibliografia nos demonstrou nas últimas décadas, com muita clareza, é que essa eleição do samba como elemento que melhor representa nossa cultura, para além de sua eficiência em solucionar o dilema identidade-tradição típico de uma experiência pós-colonial, falseou uma série de fatores que o constituíram como um produto cultural híbrido, conferindo a ele uma ideia de essência e de autenticidade cultural que solucionava as interrogações postas por esse debate, mas que pouco corresponde aos dados históricos de sua formação. De nenhuma forma pretendo sugerir que podemos encontrar um consenso nessa bibliografia em relação a esse caráter híbrido. Como sabemos, existem leituras diferentes sobre esse processo de mixagem cultural na formação do samba e da música popular em geral. Nelas se misturam muitos fatores que, dependendo da ordem, sugerem resultados díspares.

O que pretendo "extrair" dessa bibliografia centrada na discussão sobre a formação do samba, e destacar no presente texto, é mais uma percepção do quanto foi necessária uma inteligência estratégica por parte desse intelectual popular, o sambista, para consolidação do gênero como canção urbana brasileira por excelência e como traço distintivo e determinante da nossa modernidade no campo cultural. A partir dos trabalhos de autores como Muniz Sodré, Hermano Vianna, Cláudia Neiva de Matos, Carlos Sandroni e Giovanna Dealtry, acredito que é possível elencar alguns aspectos que tornam clarividente o entendimento de que nesse processo seminal do samba, muito mais do que um desenvolvimento orgânico de uma linguagem que veio a ser absorvida pelo incipiente mercado de bens culturais. O que temos é um projeto articulado por um grupo social consciente de seu papel marginalizado no contexto socioeconômico brasileiro e consciente, naquele momento, da possibilidade de fazer emergir sua voz através da música popular.

A tese de Hermano Vianna em O Mistério do Samba (cuja primeira edição é de 1995), por exemplo, é construída no intuito de desmontar teorias que enfocavam o samba como forma cultural livre de negociações e mediações transculturais entre diversas classes sociais no Brasil. O autor parte de um encontro entre os jovens intelectuais Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda, Prudente de Moraes Neto, e os músicos eruditos Heitor Villa-Lobos e Luciano Gallet, com músicos populares, como Pixinguinha e Donga, ocorrido em um café do Rio de Janeiro, em 1926, para desenhar ao leitor um quadro de intensas trocas entre diferentes grupos sociais que ajudaram a consolidar a presença da música popular como protagonista no processo de invenção de uma tradição no Brasil.

Na verdade, no caso desse encontro, o que se deu foi mais uma apresentação especial dos músicos para esses jovens intelectuais. É só atentarmos para os detalhes que o próprio antropólogo traz em seu livro, como a localização do café, numa das áreas mais nobres da cidade naquele momento, e o fechamento do café para essa ocasião especial. Nesse período, músicos como Pixinguinha e Donga já excursionavam o Brasil inteiro com enorme sucesso com o grupo Oito Batutas, e haviam, inclusive, realizado uma temporada de sucesso em Paris, de onde trouxeram o primeiro saxofone e a primeira bateria da nossa música popular1 1 Um detalhe interessante: no início do século, a música popular ainda era muito ligada às formas mais folclóricas. Pixinguinha e seus batutas tocaram durante um bom tempo, representando um típico grupo regional - termo que inclusive determinava uma série de grupos que tinha por característica uma rítmica mais percussiva. Os membros do grupo se caracterizavam com roupas típicas do nordeste e do norte do Brasil, numa tentativa, a princípio quase incompreensível, de se associar ao folclore brasileiro. Na volta de Paris, todos passaram a tocar de terno e gravata, como os músicos das jazz band internacionais. . Faziam também apresentações com as companhias de teatro de revista e em outros espaços importantes, como no restaurante Assirius, do Theatro Municipal, ou nas salas de cinema, como a do prestigiado Cine Palais, onde músicos importantes, como o maestro Ernesto de Nazareth, se apresentavam.

Porém, é por essa perspectiva de um encontro "natural" que o autor sublinha a noitada musical da qual participaram Sérgio Buarque, Gilberto Freyre e os outros já citados. Utilizando-a como dispositivo para a tese desenvolvida no livro, Hermano apresenta uma série histórica de intermediações que possibilitaram a abertura, no Brasil, do terreno para as intensas trocas entre alta e baixa cultura, entre a elite e as classes populares2 2 Diversos trabalhos na área da antropologia e da sociologia apontam para impossibilidade de utilizarmos essas categorias (alta e baixa cultura, elite e classes populares) como formas estáveis de designação de determinado grupo social. Concordo plenamente com essa impossibilidade. Porém as utilizo aqui como parâmetros indicativos de uma evidente alteridade entre, por exemplo, o que representava o grupo desses jovens intelectuais como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque, e o que representava o grupo de músicos do qual Pixinguinha e Donga faziam parte. . Além disso, explicita como essas intermediações já eram recorrentes na história cultural do próprio samba, demonstrando-o como fruto de uma longa negociação entre distintas práticas culturais e sociais, que tinham o Rio de Janeiro como território de inscrição. Hermano cita uma série de exemplos desses "encontros", como a relação de João da Bahiana com o senador Pinheiro Machado e a do empresário Arnaldo Guinle com Pixinguinha e os Oito Batutas; ou como a apresentação de músicos populares para rainha da Suécia ou ainda a presença e interesse de Darius Milhaud e Blaise Cendrars sobre esse universo da música popular no Rio de Janeiro do início do século.

Poderíamos avançar nesse terreno até uma série de eventos do século XIX, muito bem descritos pelo historiador José Ramos Tinhorão3 3 TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira, São Paulo, Ed. 34, 1997. - e que foram incorporados na tese de Hermano - como os encontros na livraria Paula Britto ou outros eventos que representam para esses dois autores a existência de uma rede contínua desse tipo de aproximação na nossa história cultural. O exemplo, ainda mais longínquo, sobre Gregório de Mattos e seus últimos anos de vida como "músico" na Bahia, vale ser citado como um dos mais sedutores nessa linha.

É necessário frisar aqui que Hermano Vianna não tenta dar ao que chama de "mediações transculturais" um perfil exclusivamente pacífico e harmonioso. O antropólogo afirma que sua intenção não é a de negar a repressão a determinados aspectos da cultura negra que formaram nossa ideia de popular, mas mostrar como a repressão convivia com outros tipos de interação social, como a desse encontro entre os jovens intelectuais e os músicos populares, e que tiveram papel crucial nesse processo. Utilizando a teoria do pensador argentino Nestor Garcia Canclini de que "o popular se constitui em processos híbridos e complexos, usando como signos de identificação elementos procedentes de diversas classes e nações"4 4 VIANNA, Hermano. O mistério do samba, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 35. , Hermano escreve:

Levando isso em conta, não penso ser uma afirmação arriscada dizer que o samba não é apenas criação de grupos negros pobres moradores dos morros do Rio de janeiro, mas que outros grupos, de outras classes e outras raças e outras nações, participaram desse processo, pelo menos como "ativos" espectadores e incentivadores das performances musicais. Por isso serão privilegiadas, aqui, as "relações exteriores" ao mundo do samba5 5 Idem, ibidem. .

Diante desse quadro, e sob um olhar antropológico, é surpreendente para Hermano que o samba tenha sido propagandeado tão rapidamente, nas décadas de 1920 e 1930, como esse elemento de pureza que garantia uma referência estável ao passado brasileiro e à nossa cultural popular. E que tenha, inclusive, servido a interesses oficiais do Estado para inventar essa tradição.

Hermano cita, por exemplo, com grande espanto, uma história sobre uma edição especial do programa de rádio A Hora do Brasil, criado pelo Departamento de Imprensa do governo Getúlio Vargas, no momento em que buscava uma aproximação com a Alemanha nazista. O exemplo, que chega a parecer uma anedota, é de 1936, menos de vinte anos do registro de "Pelo Telefone", canção de Donga e Mauro de Almeida, que teria marcado o surgimento do samba no circuito da canção de consumo. E é, sem dúvida alguma, mesmo de se espantar, pois o programa se encerrava com uma contagiante gravação da batida da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, que ainda não havia completado nem dez anos de história, mas já ocupava o papel de portadora da verdadeira expressão cultural brasileira.

O importante, nesse caso, para a análise de Hermano, é demonstrar e constatar o quão confortável foi a adesão do samba como um agente que resolvia de forma satisfatória a crise de identidade brasileira; afirmar esse conforto como resultado de uma interação muito praticada entre as elites e as classes populares no Brasil e, consequentemente, como isso lhe garantiu uma posição privilegiada como fiel e autêntica representante da nossa cultura. Mesmo que o autor dimensione ainda de uma forma um tanto etnocêntrica o desigual quadro das hierarquias sociais e da opressão à época, Hermano é bem-sucedido em comprovar que essa era uma prática constante no Rio de Janeiro da virada do século, e que influenciou, em maior ou menor escala, a emergência do samba dentro de um circuito de consumo da música popular.

Muniz Sodré, em seu livro Samba, o Dono do Corpo6 6 SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo, Rio de Janeiro: Mauad, 1998.[primeira edição- 1979]. , não nega a existência de uma negociação e de um processo dialógico que levou à configuração do samba do Rio de Janeiro como música símbolo da identidade nacional. Porém, o autor acredita que essa negociação tem um caráter mais estratégico, por parte de um grupo minoritário e dominado da sociedade, do que por uma relativa conciliação de projetos culturais, como me parece ser a tese levantada por Hermano.

Muniz acredita que a imposição do samba como música urbana fundadora no Brasil deve-se muito mais à capacidade do negro em proteger e afirmar seu patrimônio cultural africano do que à síntese de um encontro multiétnico colaborativo. Se, em 1926 - época em que já eram músicos bem-sucedidos -, artistas como Donga e Pixinguinha faziam uma apresentação de caráter especial para os jovens intelectuais e para outros importantes personagens da elite carioca que lá estavam presentes, é porque sabiam muito bem a importância estratégica desse tipo de interação e sabiam utilizá-la como mais um elemento para emergência de sua expressão musical e de seu corpo na cena.

Nesse sentido, o trabalho de Muniz Sodré parece privilegiar exatamente o componente contrário ao de Hermano, destacando o samba, elemento originado na cultura negra, em suas relações internas. Dessa forma, mostra, por um lado, como o samba conseguiu se manter como traço expressivo dessa comunidade, mesmo diante dos inúmeros processos de segregação e dominação sobre o negro no início do século. E, por outro, como foi a afirmação dessa voz do sambista na cultura urbana em fase de industrialização e de inserção na engrenagem do capitalismo da primeira metade do século XX. Logo no início do seu livro, Muniz Sodré afirma:

O que pretendemos mesmo é indicar como um aspecto da cultura negra - continuum africano no Brasil e modo brasileiro de resistência cultural - encontrou em seu próprio sistema recursos de afirmação da identidade negra. E implicitamente pretendemos rejeitar os discursos que se dispõem a explicar o mesmo fenômeno, o samba, como uma sobrevivência consentida, simples matéria-prima para um amálgama cultural realizado de cima pra baixo7 7 SODRÉ, Muniz. Op. cit., 1998, p. 10. .

É possível ver, tanto na passagem que destaquei do texto de Hermano, quanto nessa de Muniz, propostas distintas na forma de enfocar o nascimento do samba no Rio de Janeiro das décadas de 1910 e 1920. Este samba, que logo se transformaria na "raiz" da cultura oficial brasileira, e que seria utilizado de forma indiscriminada como produto brasileiro de exportação e de representação da nação perante o mundo, é, portanto, termo de uma disputa que sempre esteve e permanece até hoje na agenda de debate nos meios culturais e intelectuais do país. Entre as noções de resistência ou interação, de imposição ou conciliação, ficou o sambista, fruto de uma expressão que, independente da sua emergência como dado histórico, serve a nós, brasileiros, como uma ancestralidade de natureza cultural.

Não há de minha parte a pretensão de afirmar que há uma linearidade nesse debate e que essas posições tenham permanecido sempre estáveis e ligadas pelos grupos que as assumiram em distintos momentos históricos. Não é possível colocar nessas condições um processo muito mais complexo, atravessado por uma série de outros fatores ao longo do tempo. Pelo contrário, essa questão foi se remodulando e ganhando novos contornos quanto mais a cultura se desenvolveu como produto na sociedade de massas, quanto mais se fragmentou em novas propostas estéticas, e quanto mais se intensificaram os meios de comunicação que possibilitam um trânsito entre produções distintas.

Talvez os exemplos de Muniz Sodré e de Hermano Vianna nem sejam os que delineiam com mais precisão uma oposição que se desenvolveu posteriormente, tanto no meio cultural quanto no acadêmico. Até porque se referem à constituição dessa categoria de popular e não ao "ataque ou defesa" aos termos desse debate.

Nenhum dos dois trabalhos, inclusive, sugere ou apresenta ideias de perfil sectário por parte dos autores. Ambos tomam os devidos cuidados para não caírem na armadilha da afirmação racial intransigente, como poderia ocorrer no caso de Muniz Sodré, ou no elogio irrestrito às teses da mestiçagem, que poderíamos sugerir a partir de uma leitura menos atenta do trabalho de Hermano. Afirmo também, de maneira peremptória, que os dois livros contribuem muito para compreensão da criação do samba no Brasil e sua localização em nossa cultura popular. Considero, também, que as informações e reflexões construídas em ambos os trabalhos, mesmo colocando em oposição relações interiores e exteriores, nos ajudam a demarcar uma áurea "aristocrática" designada à forma-canção, criada pelos sambistas cariocas dos anos de 1920 e 1930, e, consequentemente, a sua centralidade num debate que figura em disputa há tantos anos no campo cultural.

Em relação a esse momento incipiente da gestação do samba como bem cultural, acredito ser valioso trazer um aspecto que costuma atravessar esse debate e que contribui para o quadro que tento estabelecer aqui. Nessa época, já havia gravações de música popular no Brasil. Na maioria das vezes, as canções gravadas eram lundus, maxixes ou mesmo ritmos estrangeiros que já tocavam por aqui, como a polca e o schottisch. Diante disso, parece que há, no que se refere à gravação de "Pelo Telefone", uma insistência dos pesquisadores do samba em mitificar a "descoberta" dessa forma-gênero musical no início do século. Muitos se referem à casa da Tia Ciata como um espaço que teria se tornado um protagonista da cidade. Ela exerceria tamanha força, que fez emergir dali automaticamente a forma-samba para os meios de gravação e, dez anos depois, para as rádios que foram inauguradas no Brasil.

Na verdade, não foi bem assim, como o próprio Donga afirma em entrevista a Muniz Sodré. Segundo o compositor, desde 1914, ele e outros compositores da pequena África, que frequentavam as festas dessas tias baianas - das quais uma das mais importantes, Prisciliana, era sua mãe - já apertavam o cerco em torno da Odeon para que se gravasse um samba. As palavras são estas mesmas, "apertar o cerco em torno da Odeon", e não há como não sublinhar a afirmação de Donga como uma fonte decisiva para as análises históricas sobre o período. Isso é uma demonstração do quanto já havia se estabelecido por aqui um regime, no mínimo, semiprofissional de trabalho com música, e do quanto havia uma inteligência popular estratégica e bem formulada entre estes sambistas.

A biografia de Pixinguinha, escrita por Sérgio Cabral, apresenta muitos documentos que provam a existência dessa estrutura que, apesar de precária e pouco rentável, já estava estabelecida. A ideia de que a consolidação do samba tem relação com essa junção da "fome com a vontade de comer", de que houve uma consonância entre os interesses de uma gravadora e o surgimento do gênero musical, precisa, dessa forma, ser relativizada. Nesse contorno, a afirmação de Muniz Sodré de que o samba é uma estratégia de um grupo minoritário ganha mais força. Não que isso lhe dê um fundo de verdade inquestionável, de forma alguma, mas inclui na história do samba um elemento menos romântico do que os que tradicionalmente compõem essa configuração toda apropriada para a emergência do corpo do sambista. A ideia de que os sambistas estavam, na década de 1910, pela região da chamada pequena África, praticando somente uma experiência comunitária que, em algum momento, se encaixou como uma luva nas aspirações da criação de um circuito de consumo ligado à música, é pouco condizente com essa afirmação de Donga.

É claro que foi a partir dessa experiência comunitária que se chegou à formulação do samba, mas não foi só pela força que dali emergiu que o samba se viabilizou como produto cultural. Foi preciso que atores como Donga requeressem essa posição de artista popular que buscava se inserir na indústria da produção musical que seria consolidada poucos anos depois com a relação dos sambistas do Estácio com Francisco Alves e com a obra de Noel Rosa.

Como demonstra a pesquisadora Giovanna Dealtry em No Fio da Navalha8 8 DEALTRY, Giovanna. No fio da navalha - Malandragem na literatura e no samba, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009. , no universo do samba "'Direito' e 'Autor' passariam a ser termos que garantem a mobilidade e a inserção social do sambista"9 9 Idem, p.73. . Donga e muitos outros intervieram nessa dinâmica de maneira decisiva, através de sua própria e exclusiva vontade de afirmar a expressão musical que produziam nesse universo da Cidade Nova e da praça Onze, qual seja: a de se colocar na engrenagem da indústria cultural. Segundo Giovanna:

Nesse âmbito, quanto mais se constrói um "eu", mais se termina por falar em "nós". O corpo do negro é, enfim, essa primeira e última instância de negociação e intervenção no mundo burguês, dominado pelo elemento branco. Calado é corpo escravo, corpo de molambo, corpo tatuado por pertencer a outro. Tomado pelo "dom da palavra", que se traduz também na presença do malandro, é corpo ativo, constituinte da individualidade. Capaz, senão de mudar seu destino, de mudar as narrativas que constituem sua história10 10 Idem, p.72. .

De qualquer maneira, é importante afirmar que esse ainda era um campo complicado e complexo. Muitos artistas dessas primeiras gerações do samba tinham como costume renegar a denominação sambista, pois percebiam nela uma aproximação da ideia de vadiagem e malandragem, que não lhe interessava assinalar. Há inúmeros casos de letras que tentam conferir ao sambista um estatuto social mais assimilável aos padrões sociais estabelecidos. O exemplo, já dos anos de 1930, da polêmica entre Noel Rosa e Wilson Batista, talvez tenha rendido as mais elucidativas letras de samba que corroboram um impasse nesse sentido. Um caso interessante a destacar aqui é o de João da Bahiana, que hoje é um nome de importância para a cultura popular brasileira, mas que em 1921 deixou de ir para Paris com o grupo de Pixinguinha e Donga. Ele temia perder seu emprego de fiscal no porto do Rio - o que dava uma clara demonstração dessa postura que referendava uma ideia de que trabalho era seu cargo no porto, não a prática de fazer sambas.

Nessa conjuntura da emergência do samba na região da pequena África e nessa individualização da função de autor, era muito comum, como no caso citado de "Pelo Telefone", que houvesse controvérsias em relação aos nomes dos compositores dos sambas que foram lançados naqueles anos. Ficou muito famosa, extrapolando até o universo dos críticos e pesquisadores de música, uma frase que atribuem a Sinhô e que dizia: "Samba é que nem passarinho, é de quem pegar".

Isso foi possível naquele período devido à dinâmica do partido-alto, na qual vários músicos ou simples membros da comunidade recitavam, em suas festas, estrofes em cima de quadraturas melódicas cíclicas. A partir daí, qualquer um poderia fixar uma forma com trechos dessas letras e pequenas intervenções melódicas sobre essa quadratura. Era comum que, ao fazer isso, um sambista deixasse outros compositores descontentes, pois estes também tinham, de alguma forma, participado do processo criativo das canções durante as festas. Isso gerou muitos mal-entendidos entre os músicos. Anos depois, principalmente no Estácio, ainda ocorreria a questão da compra de sambas, que revelava a precariedade óbvia da "economia" da música do período e também certo desprendimento desses autores à "aura" da sua criação artística.

Em geral, em toda formação da música popular, e isso não só no Brasil, é confuso apontar de forma definida a questão da autoria sobre as músicas. Outro bom exemplo em nosso país dessa dificuldade é a obra de Gonzagão, reconhecido por todos nós como inventor do gênero forró. Um olhar mais atencioso ao trabalho biográfico realizado por Dominique Dreyfus11 11 DREYFUS, Dominique. Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga, São Paulo: Ed 34, 1996. sobre o rei do baião mostra que muitas das suas composições que entraram para a história da nossa canção popular foram retiradas de temas populares, tocados pelos músicos da região no nordeste do Brasil. Vários desses temas, inclusive, foram apresentados a ele pelo seu pai Januário, profundo conhecedor das tradições folclóricas locais da região de Exu, entre os estados do Ceará e de Pernambuco.

Carlos Sandroni, autor de um dos livros mais detalhados sobre as diferenças entre o grupo de sambistas da pequena África e o do Estácio - que ainda na década de 1920 assumiria essa posição de reduto do samba -, demonstra com muita perspicácia o que estava envolvido no processo de apropriação dos motivos folclóricos realizado pela primeira geração de sambistas da praça Onze. O autor faz sua análise a partir dessa mesma declaração de Donga, em que o compositor falava em "apertar o cerco na Odeon". Vejamos o trecho da referida entrevista:

Eu e o Germano... e bem assim o não menos saudoso Didi da Gracinda, sempre procurávamos o falecido Hilário Jovino [todos os citados são figuras de destaque na comunidade baiano-carioca da época].... e nos aconselhávamos entre nós dentro do nosso repertório folclórico escolher aí [sic] qual o melhor para ser introduzido na sociedade, logo que se oferecesse a oportunidade, o que se deu em 1916, quando começamos a apertar o cerco... Porque a hora era aquela12 12 SANDRONI, Carlos. Feitiço decente; transformações do samba no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 119. .

Seguindo em sua análise, Sandroni apresenta um vasto número de elementos que Donga soube colocar em jogo para fazer emergir o corpo do sambista da praça Onze na cena cultural da época. Apesar de longa, vale aqui, pela sua riqueza de detalhes, reproduzir toda a citação em que o autor elenca esses elementos:

No empreendimento que Donga se propõe, no entanto, esse repertório folclórico deverá passar por diversas mediações. Um carnaval dificilmente seria suficiente para "introduzir na sociedade" o que o samba efetivamente era até então - isto é, uma modalidade de divertimento, que incluía coreografia, códigos de conduta, improvisação poética etc. Era preciso, destes comportamentos e relações entre pessoas, destacar resíduos, objetos capazes de transitar entre os biombos da sociedade (criando na sua passagem sem dúvida novas relações). E moldar estes objetos em formas capazes de adequarem-se aos meios de comunicação de que se dispunha na época: a partitura para piano a ser comercializada; o arranjo para banda; a letra impressa, cuja rigidez transforma todas as improvisações posteriores em meras paródias; a gravação em disco. Mas o sucesso dessa empreitada dependia ainda de outros fatores: o registro na Biblioteca Nacional visando à preservação dos direitos autorais, e à obtenção de um aliado branco, jornalista, figura de destaque no Clube dos Democráticos (uma das principais instituições do carnaval oficial de então), Mauro de Almeida. A consequência de toda essa atividade de Donga foi a de transformar algo que até então se restringia a uma pequena comunidade em um gênero de canção popular no sentido moderno, com autor, gravação, acesso à imprensa, sucesso no conjunto da sociedade.

Assim Donga pode não ter sido o "autor" de "Pelo Telefone", como alguns anos depois se dirá no Rio de Janeiro que Noel Rosa é o autor de "Feitiço da Vila". Mas, como bem nota [Flávio] Silva, é ele o autor da história, é ele quem inventa a canção e assim fazendo inventa o samba carioca em muitas das características que veio a guardar até hoje. Para usar a expressão de Foucault, este é o primeiro momento da constituição de uma "função autor" no universo do samba13 13 Idem, p. 120.

O que tanto o caso de Gonzagão quanto a ação empreendida por Donga e as polêmicas da pequena África, que normalmente envolviam Sinhô, nos demonstram, é que na passagem de uma forma cultural coletiva para uma assinatura individual dessa forma, há um inevitável processo de apropriação, pelos músicos, de obras e temas que não necessariamente foram compostos por eles. Mais do que querer impor a esses artistas uma crítica que só teria sentido após a estabilização dessa forma nova e individualizada da autoria, parece-me que cabe um agradecimento aos que foram capazes de traduzir para o objeto-canção esses temas/passarinhos que sobrevoavam a vida musical de suas comunidades.

Sobre a experiência comunitária praticada na praça Onze no início do século e as casas das tias baianas como Ciata e Prisciliana, cabe ainda acrescentar um dado histórico muito bem explicitado pelo antropólogo Antonio Risério em seu livro Dorival Caymmi: uma utopia de lugar14 14 RISÉRIO, Antonio. Caymmi: uma utopia de lugar, São Paulo: Perspectiva, 1993. . Segundo Risério, é fundamental entender determinadas diferenças no longo e cruel processo da escravidão brasileira que criaram o contexto específico no qual se inserem essas mulheres e no qual se desenvolve uma prática social que teve a praça Onze como um dos seus centros e a cidade Bahia, hoje Salvador, como seu "lócus" original.

No livro, o antropólogo nos lembra que a escravidão no Brasil tem dois momentos distintos e que determinaram aspectos decisivos para entendermos a permanência de elementos das culturas africanas em nossa sociedade. Risério faz questão, inclusive, de ressaltar e chamar a atenção para o que seria um equívoco da etnografia brasileira em relação à reflexão sobre a influência das culturas africanas em solo brasileiro. Assim, denuncia o que seria um nagô-centrismo da nossa pesquisa etnográfica, que teria gerado diversos mal-entendidos ao tratar o continente africano como um bloco homogêneo, sem diferenças entre suas regiões e estados.

Esse nagô-centrismo seria justificado por toda a primeira fase da escravidão brasileira quando, em sua maior parte, os escravos eram os bantos oriundos do sul da África. Essa primeira geração teve seus laços familiares e afetivos totalmente desarticulados e foi, além de fisicamente e psiquicamente, culturalmente violentada e dizimada por esse processo. Sem nenhuma proximidade com seus comuns, esses escravos tiveram uma dificuldade muito maior de manter práticas culturais, religiosas, sociais ou políticas que traziam de seus países e comunidades. Além disso, o sul da África era uma região com pouco desenvolvimento de um sistema econômico e quase nenhuma experiência de vida urbana, mesmo como a entendemos para o período.

O autor destaca de forma veemente que num segundo momento, quando os escravos chegados ao Brasil são em sua maioria os sudaneses e outros oriundos de países do norte da África, o quadro muda radicalmente. Primeiro porque estes escravos não tiveram seus laços familiares rompidos como ocorria aqui desde o início da escravidão e, segundo, porque vinham de cidades relativamente organizadas dentro dos padrões modernos de urbanidade e muitas vezes mais desenvolvidas que as cidades existentes em nosso país, o que lhes conferia uma compreensão mais elaborada e complexa de certos valores comunitários. Dessa forma, conseguiram manter minimamente organizadas heranças e práticas sociais desenvolvidas em suas sociedades de origem. Isso é fundamental para compreendermos a força com que a cultura iorubana conseguiu se manter no Brasil e influenciar nossas práticas religiosas e culturais. Não há como entender, por exemplo, a revolta dos malês na Cidade da Bahia, assim como uma série de outros eventos e referências da nossa cultura , sem fixarmos esse dado histórico da formação do Brasil.

No caso da nossa reflexão esse é um ponto fundamental, pois nos ajuda a entender a força que as tias da praça Onze tinham na vida carioca da entrada do século XX. Chegadas de uma Bahia onde se conseguia, à época, manter relativamente protegidos valores e costumes de suas culturas de origem, elas puderam transmitir a seus filhos, e toda geração de jovens negros daquele período, um sentido mais organizado e coeso de suas práticas socioculturais. Se é possível falar de uma inteligência estratégica por parte destes então jovens sambistas, ela com certeza é consequência do capital cultural acumulado e protegido dentro deste contexto particular. Isso também diz muito sobre a força "ancestral" que a Bahia viria a exercer dentro do mundo do samba e da canção popular brasileira ao longo do século XX. Os intermináveis exemplos que poderiam ser dados com relação aos enredos das escolas de samba e os sambas compostos para eles, que têm a Bahia mítica como pano de fundo, são um índice dessa força que atravessa nossa produção cultural há muito tempo. A ala das baianas, hoje obrigatória em qualquer agremiação do desfile do carnaval carioca e símbolo dos mais significativos desse carnaval, corporifica esse fato melhor do que qualquer outra referência que eu poderia citar aqui.

A ideia de que o samba nasceu no morro é outro paradigma que volta constantemente à discussão cultural brasileira, e que na maioria das vezes apresenta esse morro em sua concepção romântica, tentando designá-lo como um território mais autêntico e menos contaminado para prática do gênero.

Não pretendo me ocupar longamente das inúmeras declarações de sambistas que deixam claro que essa é uma alusão equivocada ao surgimento do samba. Autores já citados aqui, como Hermano Vianna, Giovanna Dealtry e também a pesquisadora Cláudia Neiva de Matos, reúnem em seus trabalhos uma série de reflexões e documentos que confirmam essa imprecisão. O que aconteceu, e que nos faz associar o morro ou a favela à origem do samba, foi uma série de eventos relacionados muito mais à criminalização e perseguição policial aos negros sambistas e, também, ao precário desenvolvimento da cidade, que excluía cada vez mais a população pobre do tecido urbano, do que a uma territorialidade específica a qual pudesse fixar uma localização geográfica e cultural para o samba.

O samba nasceu em bairros da cidade e não nas favelas, num trânsito que colocava distintos atores e instituições em diálogo, como alguns que já foram citados, e como outros presentes em trabalhos que analisam a conjuntura social e cultural na praça Onze, e depois no Estácio, com maior riqueza de detalhes. Porém, quanto mais marginalizado o trabalhador negro, o morro, por ser um lugar com um sistema de poder e de gestão próprios, pode abrigá-lo, tanto em sua expressão cultural - ainda vista como "violenta" aos olhos da lei -, quanto em sua inviabilidade econômica de permanecer nos bairros do chamado "asfalto". Uma declaração de João da Bahiana ao Museu da Imagem e do Som em 1966, destacada por Cláudia Neiva de Matos, ilustra esse movimento de uma aproximação posterior do samba ao território do morro, ou favela, de forma bem precisa e definitiva:

O samba saiu da cidade. Nós fugíamos da polícia e íamos para os morros fazer samba. Não havia essas favelas todas. Existiam a Favela do Meus Amores, e o Morro de São Carlos, mais conhecido como Chácara do Céu. Nós sambávamos nestes dois morros. [...] Mas o samba não nasceu no morro, nós é que o levávamos, para fugir da polícia que nos perseguia. Os delegados Meira Lima e o Dr. Querubim não queriam o samba15 15 MATOS, Cláudia Neiva de. Acertei no milhar: samba e malandragem no tempo de Getúlio, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 28. .

Segundo a autora conclui:

Quando a polícia persegue os sambistas no início da história do samba, estes vão fazer do morro o seu reduto. E o morro passa a representar para sambistas e favelados em geral um domínio como lugar reservado à alegria e à liberdade, onde tem lugar o rito do samba e onde o sujeito se liberta das pressões cotidianas, da falta de dinheiro, da imposição do trabalho16 16 Idem, p. 32. .

Com o tempo, muitos compositores e intérpretes da nossa música foram ajudando a moldar esse perfil do morro carioca como um território que acolheria o samba de forma mais natural e o tornaria uma expressão mais autêntica e coerente com sua origem popular. Muitas letras cantaram essa intimidade entre morro e samba, e muitos artistas partiram dela para inscrever sua voz na cena musical. Em diversas entrevistas, por exemplo, a cantora Elza Soares afirma que desenvolveu sua habilidade de sambista quando, ainda jovem, subia e descia o morro com uma lata d'água na cabeça. Muitos outros símbolos similares à lata d'água seriam, ao longo do tempo, chamados por artistas ligados ao samba para representar essa naturalidade com que sua subjetividade se expressa por meio da música e por consequência a autenticidade dessa manifestação. É a partir principalmente das referências a esses símbolos nas letras de samba que essa noção morro/autenticidade se tornou presente de forma tão determinante no imaginário brasileiro.

Muniz Sodré, novamente, pensa essa eleição do morro de forma bem específica. Para o autor essa idealização do morro nas letras de samba, por mais que tenha um caráter mitificado, faz parte de uma estratégia importante, de oposição à cultura dominante que impera na cidade, e de construção de um imaginário próprio para cultura negra das regiões marginalizadas. Para Muniz essa representação do morro no samba é uma ação de afirmação perante o processo de segregação da identidade negra no espaço urbano e na estrutura econômica vigente na sociedade.

Como se pode perceber, o morro, no contraste com a planície, significa um espaço mítico de liberdade. No samba tradicional carioca, a frequente louvação (por muitos considerada alienante) de aspectos da vida no morro pode ser entendida como a referência a um dispositivo simbólico capaz de minar o sistema de valor da cultura dominante. O morro [...] é a utopia do samba. Utopia não é mero sonho ou devaneio nostálgico, mas a instauração "filosófica" de uma ordem alternativa, onde se contestam os termos vigentes no real-histórico. É essa utopia que outorga transitividade à promessa, ao sonho, à poesia da letra17 17 SODRÉ, Muniz.Op. cit., p. 65. .

Temos, portanto, percepções controversas dessa relação com o morro, mas que em ambos os casos revelam com clareza que ela também faz parte de um quadro mais complexo e menos romântico que uma interpretação mais superficial nos sugere sobre o tema.

Pondo em diálogo as afirmações aqui citadas de Cláudia Matos, Carlos Sandroni e Giovanna Dealtry - dentre as de muitos outros pesquisadores que poderiam ser chamados a esse debate - com as teses apresentadas de Hermano Vianna e Muniz Sodré, fica transparente também o paradoxo sobre o qual o samba e o sambista se equilibravam nessa no início do século, e sobre o qual ele soube atuar ao longo do tempo, criando estratégias muito eficazes para a emergência da sua voz e a defesa de sua faixa de atuação na cena cultural brasileira.

Ao mesmo tempo em que esse sambista e sua expressão musical conseguiam "penetrar no Municipal" e frequentar salões e festas do Itamaraty, como diz a letra de "Tempos Idos", ele precisava, muitas vezes, refugiar-se nos morros da cidade para poder "pintar o sete", como dizia a letra de "Ganha-se pouco mas é divertido", composição de Wilson Batista e Cyro de Souza gravada pela primeira vez em 1941. E, ainda, ao mesmo tempo em que apertava o cerco a uma multinacional da música, como a Odeon, ele temia perder seu emprego de fiscal do porto, como no caso de João da Bahiana diante da ida dos Oito Batutas para Paris.

Na verdade, esses duplos movimentos, para além de referendarem a existência de uma hierarquia social muito presente em nossa sociedade, são marcas da inscrição desse corpo marginalizado na música popular brasileira. Corpo que, através do samba, se impôs como discurso a partir de estratégias de sua afirmação pensadas e postas em prática por atores como Donga e outros dessa primeira geração de sambistas da praça Onze, e que se circunscreveu a determinados territórios culturais e geográficos, no caso, o morro e favela, foi com o objetivo de defender sua autonomia diante das ameaças da lei e da desigualdade social perversa existente neste país. Corpo que, nesse jogo entre o claro e o escuro de sua presença, entre sua vitalidade cultural e sua exclusão política e econômica, soube encenar a trama que o tornou a referência por excelência da nossa cultura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • CABRAL, Sérgio. Pixinguinha, vida e obra Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1997.
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  • DEALTRY, Giovanna. No fio da navalha - Malandragem na literatura e no samba Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.
  • DREYFUS, DominiqueVida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga. São Paulo: Ed 34, 1996.
  • EFEGÊ, Jota. Figuras e coisas da MPB Rio de Janeiro: Editora MEC, 1978.
  • MATOS, Cláudia Neiva de. Acertei no milhar: samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
  • MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Funarte, 1983.
  • RISÉRIO, Antonio. Caymmi: uma utopia de lugar. São Paulo: Perspectiva, 1993.
  • SANDRONI, Carlos. Feitiço decente; transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
  • SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998. [1 ed. -1979]
  • TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo, Ed. 34, 1997.
  • VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. [1. ed. -1995]
  • 1
    Um detalhe interessante: no início do século, a música popular ainda era muito ligada às formas mais folclóricas. Pixinguinha e seus batutas tocaram durante um bom tempo, representando um típico grupo regional - termo que inclusive determinava uma série de grupos que tinha por característica uma rítmica mais percussiva. Os membros do grupo se caracterizavam com roupas típicas do nordeste e do norte do Brasil, numa tentativa, a princípio quase incompreensível, de se associar ao folclore brasileiro. Na volta de Paris, todos passaram a tocar de terno e gravata, como os músicos das jazz band internacionais.
  • 2
    Diversos trabalhos na área da antropologia e da sociologia apontam para impossibilidade de utilizarmos essas categorias (alta e baixa cultura, elite e classes populares) como formas estáveis de designação de determinado grupo social. Concordo plenamente com essa impossibilidade. Porém as utilizo aqui como parâmetros indicativos de uma evidente alteridade entre, por exemplo, o que representava o grupo desses jovens intelectuais como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque, e o que representava o grupo de músicos do qual Pixinguinha e Donga faziam parte.
  • 3
    TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira, São Paulo, Ed. 34, 1997.
  • 4
    VIANNA, Hermano. O mistério do samba, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 35.
  • 5
    Idem, ibidem.
  • 6
    SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo, Rio de Janeiro: Mauad, 1998.[primeira edição- 1979].
  • 7
    SODRÉ, Muniz. Op. cit., 1998, p. 10.
  • 8
    DEALTRY, Giovanna. No fio da navalha - Malandragem na literatura e no samba, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.
  • 9
    Idem, p.73.
  • 10
    Idem, p.72.
  • 11
    DREYFUS, Dominique. Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga, São Paulo: Ed 34, 1996.
  • 12
    SANDRONI, Carlos. Feitiço decente; transformações do samba no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 119.
  • 13
    Idem, p. 120.
  • 14
    RISÉRIO, Antonio. Caymmi: uma utopia de lugar, São Paulo: Perspectiva, 1993.
  • 15
    MATOS, Cláudia Neiva de. Acertei no milhar: samba e malandragem no tempo de Getúlio, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 28.
  • 16
    Idem, p. 32.
  • 17
    SODRÉ, Muniz.Op. cit., p. 65.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2015
  • Aceito
    14 Ago 2015
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