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Confiabilidade de vigas projetadas de acordo com as normas brasileiras

Resumos

Este artigo apresenta uma investigação da segurança de elementos estruturais submetidos à flexão simples, em concreto armado, em aço e em material misto, e dimensionados segundo as normas NBR8681:2003, NBR6118:2007 e NBR8800:2008. O estudo permite uma comparação da segurança relativa de vigas produzidas com estes materiais e através destas normas. Estudos comparativos entre diferentes materiais são raros na literatura. Resultados da presente investigação mostram que, enquanto os índices de confiabilidade dos elementos de concreto são satisfatórios, as vigas metálicas apresentam resultados abaixo dos limites estabelecidos por normas internacionais. No caso das vigas mistas, os índices de confiabilidade encontrados estão entre os valores para concreto e aço.

vigas; concreto armado; aço; estruturas mistas; confiabilidade; segurança


This paper presents an investigation on the safety of structural elements submitted to pure bending, produced in reinforced concrete, in steel and steel-concrete composites, and designed according to Brazilian codes NBR8681:2003, NBR6118:2007 and NBR8800:2008. The study allows a comparison of the relative safety of beams produced with these materials and designed using these codes. Comparative studies between the performances of different materials are difficult to find in the published literature. The present study shows that reliability indexes for reinforced concrete beams are satisfactory; however, results for steel beams are below limit values established in international design standards. Reliability indexes found herein for steel-concrete composite beams are intermediate to concrete and steel beams.

beam; reinforced concrete; steel; composite structures; reliability; safety


Confiabilidade de vigas projetadas de acordo com as normas Brasileiras

D. M. SantosI; F. R. StucchiII; A. T. BeckIII

IEGT Engenharia, São Paulo, SP, Brasil E-mail: danielmiranda@usp.br

IIEscola Politécnica da USP/EGT Engenharia, São Paulo, SP, Brasil E-mail: fernando.stucchi@poli.usp.br

IIIDepartamento de Engenharia de Estruturas, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, SP, Brasil E-mail: atbeck@sc.usp.br

RESUMO

Este artigo apresenta uma investigação da segurança de elementos estruturais submetidos à flexão simples, em concreto armado, em aço e em material misto, e dimensionados segundo as normas NBR8681:2003, NBR6118:2007 e NBR8800:2008. O estudo permite uma comparação da segurança relativa de vigas produzidas com estes materiais e através destas normas. Estudos comparativos entre diferentes materiais são raros na literatura. Resultados da presente investigação mostram que, enquanto os índices de confiabilidade dos elementos de concreto são satisfatórios, as vigas metálicas apresentam resultados abaixo dos limites estabelecidos por normas internacionais. No caso das vigas mistas, os índices de confiabilidade encontrados estão entre os valores para concreto e aço.

Palavras-chave: vigas, concreto armado, aço, estruturas mistas, confiabilidade, segurança.

1. Introdução

As normas brasileiras para projeto de estruturas de edifícios [1 a 10] estão baseadas no método dos estados limites. Incertezas inerentes às ações estruturais e à resistência dos materiais são consideradas indiretamente, através do uso de coeficientes parciais de segurança. Tais coeficientes parciais, quando bem avaliados, devem garantir segurança adequada para a estrutura.

Hoje em dia, é reconhecido internacionalmente que a maneira mais racional de avaliar a segurança de uma estrutura é de forma probabilística. A Europa, com os EUROCODES, e os Estados Unidos, com seu Load and Resistance Factor Design, por exemplo, já utilizam a confiabilidade estrutural na calibração dos coeficientes parciais de segurança de suas normas de projeto.

No Brasil, existe pouca informação com relação à quão seguras são as estruturas projetadas utilizando as normas nacionais. Por outro lado, apesar de apresentarem o formato de estados limites, as normas nacionais nunca foram calibradas com vias a se obter, por exemplo, confiabilidade equivalente no projeto de estruturas de diferentes materiais [11]. Estudos isolados são encontrados, reportando a confiabilidade de elementos estruturais projetados em concreto armado [12 a 16], em aço [11, 17] ou em estruturas mistas [18, 19]. Os autores desconhecem estudos comparativos entre o nível de segurança de elementos estruturais produzidos com diferentes materiais, tal qual proposto neste trabalho. Neste artigo, empregam-se dados estatísticos utilizados na calibração das normas americanas [20 a 22] e europeias [23 a 27], bem como alguns dados nacionais [16]. O estudo apresenta uma comparação dos níveis de confiabilidade de vigas de concreto armado, de aço e vigas mistas projetadas segundo normas de projeto brasileiras.

2. Sobre as normas estruturais brasileiras de edificações

A NBR8681 [1] é a norma mãe" que apresenta as diretrizes gerais para o projeto de estruturas civis. Esta norma estabelece critérios e príncipios que, juntamente com normas específicas de ações (NBR6120 [5], NBR6123 [6], entre outras), norteiam o projeto de um edifício.

Já com relação ao comportamento e a resistência dos materiais estruturais do edifício, normas específicas devem ser observadas: projetos em concreto armado ou protendido devem atender aos critérios de dimensionamento e detalhamento da NBR6118 [2]; edifícios estruturados em aço devem atender à NBR8800 [3]. Existem ainda algumas normas complementares", como a NBR9062 [7] (concreto pré-moldado), a NBR14762 [8] (perfis formados a frio), além das normas de estruturas em situação de incêndio (NBR15200 [9] e NBR14323 [10]).

A NBR8681 [1] especifica coeficientes de ponderação das ações, bem como os coeficientes de combinação de ações, a serem utilizados no projeto de edifícios. As normas específicas dos diferentes materiais estruturais deveriam lidar apenas com os aspectos de resistência, como coeficientes parciais de segurança dos materiais, critérios sobre o comportamento do material estrutural, etc. Infelizmente, observa-se nas normas dos materiais estruturais [2, 3, 7 a 10, entre outras], uma duplicidade de definições referentes às ações estruturais. Mais grave, na opinião dos autores, é o fato das diferentes comissões de norma estabelecerem prescrições conflitantes entre si. Há, na opinião dos autores, algumas definições conflitantes que se devem à lacunas da NBR 8681 [1]; portanto, mostra-se necessária uma revisão desta norma, com o intuito de uniformizar as recomendações e eliminar as divergências.

Neste trabalho, é analisada a confiabilidade de vigas submetidas à flexão conforme as normas NBR8681 [1], NBR6118 [2] e NBR8800 [3], o que inclui algumas das prescrições divergentes mencionadas acima.

3. Projeto estrutural segundo as normas brasileiras

3.1 Condição usual relativa aos estados limites últimos

Em casos usuais, a condição de segurança referente aos estados limites de um elemento estrutural pode ser descrita como:

onde Sd é o valor de cálculo dos efeitos das ações (ou solicitação de cálculo") e Rd é a resistência de cálculo do elemento estrutural em relação ao tipo de solicitação S.

3.2 Ações

Na análise estrutural deve ser considerada a influência de todas as ações que possam produzir efeitos significativos para a estrutura [2, 3]. As ações podem ser classificadas, por exemplo, através da variação no tempo (permanentes, variáveis e excepcionais), da origem (direta ou indireta), da variação no espaço (fixa ou móvel) e da natureza ou resposta estrutural (estática e dinâmica).

Ações permanentes são aquelas que agem na estrutura por um período de referência, com variação desprezível de magnitude no tempo; ou ainda, a variação é sempre na mesma direção até a ação atingir um certo limite (ação monotônica).

As ações variáveis são aquelas que possuem duração, intensidade ou direção variável ao longo do tempo e que não são monotônicas. Por exemplo: sobrecargas em pavimentos de edifícios, ações do vento e temperatura.

As ações excepcionais são aquelas que possuem duração muito curta e probabilidade pequena de ocorrência durante a vida útil de uma estrutura, mas possuem intensidade significativa como explosões, ações de impacto, sismos de magnitude elevada.

Neste trabalho apenas as ações permanentes e variáveis são consideradas. Além disso, as ações permanentes são consideradas agrupadas e apenas uma ação variável é adotada: a sobrecarga ou ação acidental em pavimentos.

3.3 Valores característicos das ações

A NBR8681 [1] define os valores característicos das ações permanentes como os valores médios, quantil de 50%, seja quando os efeitos forem desfavoráveis, seja quando os efeitos forem favoráveis. O modelo probabilístico para as ações permanentes é, normalmente, a distribuição normal [20 a 26].

Segundo a NBR8681 [1], os valores característicos das ações variáveis, estabelecidos por consenso e indicados em normas específicas, correspondem a valores que têm de 25% a 35% de probabilidade de serem ultrapassados no sentido desfavorável, durante um período de 50 anos. Embora a NBR8681 [1] defina os valores característicos das ações variáveis desta maneira, ainda não existem, no Brasil, dados estatísticos realistas que comprovem que os valores definidos na NBR6120 [5] estejam respeitando esta prescrição. Portanto, é necessário uma mobilização nacional para o levantamento dos dados de campo de forma a entendermos melhor o nível de segurança das estruturas construídas no Brasil. As ações tratadas neste artigo são do tipo sobrecarga em edificações, comumente representadas através de distribuição de máximos de Gumbel [20, 22, 24 a 26]. Alternativamente, modelos estocásticos [23] descrevem a variação temporal destas ações (não considerado neste trabalho).

3.4 Combinação última das ações

As ações permanentes agrupadas e a ação variável devem ser combinadas pela seguinte expressão:

onde:

Fd - é a ação de cálculo ou de projeto;

Fgk - é o valor característico das ações permanentes agrupadas;

Fqk - é o valor característico da ação variável;

yg e yq - são os coeficientes parciais (ou de ponderação) das ações permanentes e variáveis, respectivamente.

É importante ressaltar que, na expressão (2), são as ações que devem ser majoradas e não as solicitações. No entanto, no caso de análise linear de estruturas (efeitos de 1ª ordem) o principio da superposição é válido; neste caso, pode-se majorar os efeitos das ações. Com isso, a equação da combinação última se torna:

onde:

Sd - é a solicitação de cálculo ou de projeto;

Gk - é o valor característico da solicitação permanente;

Qk - é o valor característico da solicitação variável.

A equação (3) deve ser aplicada a cada tipo de solicitação ao qual um elemento estrutural está submetido (momento fletor, esforço cortante, momento torsor, etc.).

Os coeficientes de ponderação das ações, segundo a NBR8681 [1], são mostrados na Tabela 1.

A NBR6118 [2] estabelece um valor para0 os coeficientes de ponderação das ações permanentes e variáveis: yg = yq = 1,4 , com exceção ao caso de estruturas de concreto pré-fabricado.

A NBR8800 [3] prescreve os mesmos valores da NBR8681 [1] para os coeficientes das ações permanentes (ações consideradas agrupadas) e um valor único para o coeficiente de ponderação da carga variável: yq=1,5.

3.5 Valores característicos das resistências dos materiais

Os valores característicos fk das resistências são os que, num lote de material, têm uma determinada probabilidade de serem ultrapassados, no sentido desfavorável para a segurança [1]. No caso do estado limite último, essa probabilidade costuma ser igual a 5%. Considerando uma distribuição normal, caso usual para a resistência do concreto e do aço, temos a resistência característica definida por:

onde:

μf é a resistência média;

σf é o desvio padrão da resistência.

3.6 Resistência de cálculo de elementos fletidos

3.6.1 Vigas de concreto armado

O momento resistente (Mrd) de uma seção retangular de concreto com armadura simples (Figura 1) é dado por:


onde:

As - área de aço passivo;

fyk - tensão de escoamento característica do aço passivo;

fck - resistência característica à compressão do concreto;

h - altura da seção;

d’ - distância da face inferior do concreto em relação ao eixo das barras de aço;

b - largura da seção;

ys e yc - coeficientes parciais do aço passivo e do concreto, respectivamente.

A equação (5) é válida apenas para os domínios 2 e 3, ou seja, quando a armadura passiva estiver em regime plástico no estado limite último.

3.6.2 Viga metálica compacta com travamento lateral contínuo

O momento resistente (Mrd) de um perfil metálico compacto (classes 1 e 2) com travamento lateral é dado por:

onde:

Z - módulo plástico;

fy - tensão de escoamento característica do aço estrutural;

ga1 - coeficiente parcial do aço em relação ao escoamento da seção.

3.6.3 Viga mista de aço e concreto

O momento resistente (Mrd) de uma seção mista aço e concreto (Figura 2), com linha neutra plástica na laje de concreto, é dado por:


onde:

d - altura do perfil metálico;

ds - distância entre centro de gravidade e fibra extrema superior da seção metálica;

Aa - área de aço do perfil metálico;

hc - altura da laje de concreto;

bc - largura colaborante da laje de concreto.

Os coeficientes de ponderação das resistências estão resumidos na Tabela 2.

4. Princípios da análise de confiabilidade

A análise de confiabilidade do elemento estrutural estudado (viga submetida à flexão simples) consiste em avaliar a probabilidade de ruptura (ou o índice de confiabilidade) durante a vida útil da estrutura. Um estado limite em uma análise probabilística pode ser descrito em termos de uma função de desempenho, definida por:

onde:

X - vetor de variáveis aleatórias do problema;

R(X) - variável aleatória que representa a resistência do elemento estrutural;

S(X) - variável aleatória que representa a ação ou o esforço solicitante.

O estado limite é definido como o evento g(X)=0 e a probabilidade de falha é dada por:

Uma vez definido o evento falha, a probabilidade da ocorrência deste evento pode ser descrita como [28]:

onde fX (x) é a função densidade de probabilidade conjunta das variáveis aleatórias e x|G(x)≤0 é o domínio de falha. Existem vários métodos de resolver esta integral e, de maneira geral, as técnicas são caracterizadas pelo seu nível de sofisticação e podem ser definidas como:

  • Métodos totalmente probabilísticos que consideram a distribuição conjunta de todas as variáveis aleatórias. A confiabilidade é associada diretamente a probabilidade de falha (ex. integração numérica, simulação de Monte Carlo);

  • Métodos totalmente probabilísticos com aproximações. A confiabilidade não é associada diretamente à uma probabilidade, mas a um índice fixado previamente e conhecido como índice de confiabilidade (β). Assume-se que a probabilidade de ruína associada ao índice de confiabilidade é

    , sendo Φ(∙) a função de distribuição acumulada de uma variável aleatória que segue a distribuição normal padrão, ou seja, cuja média é igual a 0 e o desvio padrão é igual a 1 (ex. FORM e SORM);

  • Análise semi-probabilística ou método dos estados limites. A segurança é introduzida por uma escolha cuidadosa dos valores representativos das ações e por intermédio de coeficientes parciais de segurança, que devem cobrir não somente as incertezas associadas aos valores escolhidos, mas também as incertezas ligadas aos modelos das ações e das resistências, além das incertezas relativas aos modelos estruturais adotados. Nenhuma probabilidade é calculada ou estimada.

Neste trabalho é utilizado o método FORM (método de confiabilidade de primeira ordem), descrito em [30, 31]. Alguns pontos foram verificados via simulação de Monte Carlo, verificando-se resultados muito próximos ao FORM. Isto mostra que as equações de estado limite são fracamente não-lineares nas proximidades do ponto de projeto.

5. Seções analisadas

5.1 Vigas de concreto armado

A seção transversal de concreto armado adotada é muito comum em edifícios que costumam ter distância entre pilares de cinco a seis metros: possui 20 cm de largura (b) por 50 cm de altura (h). Várias taxas de armadura simples são consideradas na avaliação da segurança estrutural, conforme Tabela 3.

Os dados assumidos para a análise de confiabilidade estão resumidos na Tabela 3. Todas as vigas foram avaliadas com concreto C25 (fck = 25 MPa), assumido conforme, e aço CA-50 (fyk = 500 MPa). Observe-se que a presunção de que o concreto é conforme pode não refletir a realidade das estruturas de concreto armado produzidas no Brasil, conforme [15].

É interessante ressaltar que no caso de armadura de CA – 50, com o coeficiente de ponderação ys = 1,15, o limite entre o domínio 3 e 4 é x/(h-d’)=0,628.

5.2 Lajes de concreto armado

Considera-se uma laje com espessura de 10 cm, com taxas de armadura variando entre 0,15% e 0,95% (Tabela 4). Os materiais assumidos são o mesmo para a viga, ou seja, concreto C25 e aço CA-50.

5.3 Viga metálica

Neste trabalho assume-se que a variabilidade das propriedades geométricas da seção são tão pequenas que são incorporadas na variabilidade da tensão de escoamento (na Tabela 6, verifica-se que o desvio padrão é maior no aço estrutural que no aço passivo). Com esta hipótese, e como a resistência da seção metálica (eq. (6)) varia linearmente com o módulo plástico, os índices de confiabilidade independem de Z, ou seja, independem da geometria da seção.

5.4 Viga mista de aço e concreto

Para as seções mistas, compararam-se o perfil metálico mais leve e o mais pesado de uma mesma série (VSM400x33 e VSM400x46) assumindo sempre a mesma largura de colaboração (bc=250 cm) e a mesma espessura da laje (hc=10 cm), conforme Tabela 5.

A linha neutra plástica (LNP) está sempre situada na laje de concreto (ac<10 cm).

6. Análise de confiabilidade de vigas em flexão

O procedimento geral da análise de confiabilidade realizada é mostrado no fluxograma da Figura 3.


O primeiro passo é selecionar o elemento estrutural e o tipo de seção transversal a ser analisada. Definida a seção transversal, determina-se a resistência de cálculo em relação ao esforço solicitante desejado (Rd) e, por meio de um dimensionamento econômico", é assumido o mesmo valor para o esforço solicitante.

Para transformar o esforço solicitante em valores característicos de cada ação é necessário, primeiramente, definir a relação entre as cargas permanente e variável que se deseja avaliar. Isso pode ser feito pela expressão a seguir:

Logo,

Uma vez determinados os valores característicos ou nominais, procede-se a avaliação dos parâmetros estatísticos de cada variável aleatória e, por fim, a análise da confiabilidade. Para as seções analisadas, as funções de desempenho são:

onde:

θR são as incertezas de modelo das resistências;

θS são as incertezas de modelo das ações.

7. Modelos probabilísticos

Os parâmetros estatísticos e as distribuições de cada variável aleatória estão resumidos na Tabela 6. Esses dados foram retirados de diversas referências [20 a 27] e comparados com alguns dados nacionais [16].

No caso da resistência à compressão do concreto, foi considerado que o coeficiente de variação do material recebido em uma dada obra é de 10% (referente ao valor característico de projeto), mas que na estrutura o coeficiente de variação é diferente (devido ao processo de concretagem e cura) e o valor assumido na Tabela 6 foi igual a 15%.

8. Resultados

Os resultados obtidos para as seções de concreto armado dimensionadas utilizando os coeficientes parciais da NBR6118 [2] e NBR8681 [1] para edificações tipo 2 são apresentados na Figura 4.


Observa-se na Figura 4 que o índice de confiabilidade depende da taxa de armadura da seção. A confiabilidade de uma viga de concreto armado aumenta com o aumento da taxa de armadura, uma vez que a variabilidade da resistência do aço é menor do que a variabilidade da resistência do concreto.

Com base na Figura 4, o pior cenário é na situação em que a ação variável (Qk) é relativamente grande em relação à permanente (Gk). O caso usual de x para vigas de concreto armado de edifícios é entre 0,1 e 0,61 e, para vigas dimensionadas pela NBR6118 [2], o índice de confiabilidade para x = 0,6 e r = 0,15% é 3,35. Este valor é ligeiramente menor que o valor limite assumido pela norma americana ACI [22] que é de 3,5 e, também, do limite do EC0 [29] que é de 3,8.

Uma possibilidade para aumentar a confiabilidade para razões de cargas maiores é dimensionar a viga através dos coeficientes parciais da NBR8681 [1] para edificações tipo 1. A Figura 5 mostra que quando o parâmetro x é alto, esta combinação fornece melhores índices de confiabilidade.


A forma mais apropriada de obter índices de confiabilidade mais uniformes do que os mostrados nas Figuras 4 e 5 é, em casos como esse, a diminuição do coeficiente parcial das ações permanentes (yg), junto com aumento do coeficiente parcial das ações variáveis (yq), conforme a norma Americana [20] e tal como obtido em [11].

Nosso objetivo inicial é ter uma avaliação completa da confiabilidade de todos os elementos estruturais usuais para em seguida propor um conjunto de mudanças que procure homogeneizar a confiabilidade em todos esses casos. Nessa primeira etapa já se identificaram pelo menos 2 casos mais urgentes em que modificações já foram propostas e aprovadas na última revisão da norma NBR 6118: as marquises e os pilares com 12 a 15 cm de espessura como descrito em [13].

Para lajes com momentos positivos foram obtidos os resultados apresentados na Figura 6.


Os valores dos índices de confiabilidade obtidos são baixos, mas no caso de lajes altamente hiperestáticas, o valor de 2,5 é permitido pelo ACI [22]. Como neste trabalho a avaliação da confiabilidade se baseia em uma seção e não no elemento estrutural como um todo (prática comum na calibração de normas), os índices obtidos para as lajes são nominais: sabe-se que os índices de confiabilidade reais serão maiores em função da redistribuição de esforços. No entanto, dada a complexidade de uma análise probabilística em um elemento bidimensional que possui alta capacidade de redistribuição de esforços através de plastificações, a recomendação prática de limitar em 2,5 o índice de confiabilidade de uma seção de laje será assumida.

No caso de lajes em balanços (marquises), onde a capacidade de redistribuição de esforços é limitada ou nula, o ideal seria termos um índice de confiabilidade da ordem de 3,8 conforme EC0 [29] ou o equivalente de vigas (b = 3,5) do ACI [22]. No entanto, a Figura 7 mostra que, com a maior variabilidade na posição da armadura negativa, os índices de confiabilidade são baixos, o que evidencia a segurança inadequada de marquises (lajes em balanço).


Os baixos índices de confiabilidade para lajes em balanço já haviam sido discutidos em [12] e uma proposta de coeficiente de segurança adicional foi feita. O projeto de revisão da NBR6118 [4] prevê que para lajes com espessuras menores que 19 cm, um coeficiente adicional yn deva ser aplicado, conforme a expressão:

Para o exemplo em questão, uma laje com 10 cm de espessura, o coeficiente adicional é yn=1,45. A Figura 8 mostra o efeito deste coeficiente nos índices de confiabilidade.


Os valores, embora melhorem, ainda são baixos para marquises.

É interessante observar que os resultados obtidos para lajes mostra que o índice de confiabilidade, em geral, decresce com o aumento da taxa de armadura. A justificativa para esse comportamento ser diferente em relação aos resultados obtidos para as vigas de concreto é que a altura da seção é pequena e a posição da armadura (d’ = h – d que é 40% da altura) tem grande variabilidade. Isto quer dizer que os parâmetros mais sensíveis nas análises de confiabilidade de vigas e de lajes de concreto são diferentes, como é possível perceber ao comparar os coeficientes de sensibilidade de ambas as análises. Estes coeficientes mostram quais variáveis aleatórias tem maior contribuição nas probabilidades de falha calculadas. Sendo αi o coeficiente de sensibilidade da i-ésima variável aleatória, tem-se que ∑ αi2=1. Para variáveis de solicitação, o coeficiente é negatico; para variáveis de resistência o coeficiente é positivo.

Na Figura 9, referente à viga de concreto, percebe-se que a ação permanente G é a variável mais importante quando x é pequeno e, em contra partida, a ação variável Q torna-se a variável mais relevante quando x é grande.


Para x grande, a variável aleatória Q possui coeficiente de sensibilidade muito maior que as outras variáveis. No entanto, quando x é pequeno, G não possui a mesma influência e outras variáveis aleatórias como h, fy, qR e qS também tem certa influência. Isto é evidente a medida em que x cresce e os índices de sensibilidade destas variáveis se torna menor.

Na caso de lajes (Figura 10), a variável aleatória que tem maior contribuição nas probabilidades de falha é a posição da armadura d’ e, por isso, o comportamento do índice de confiabilidade de lajes e vigas são distintos.


O coeficiente de sensibilidade de d’ é praticamente constante e só tem leve redução para valores de x muito altos (com o respectivo aumento da sensibilidade de Q). No entanto, quando a taxa de armadura aumenta e, por consequência, reduz o braço de alavanca (e o índice de confiabilidade), a sensibilidade de b em relação a G e Q se torna menor.

No caso de vigas metálicas dimensionadas de acordo com a NBR8800 [3], os resultados (Figura 11) mostram valores de índice de confiabilidade relativamente baixos se comparados aos limites citados, especialmente para razões de carregamento x > 0,8.


Em [3], a única diferença entre edificações dos tipos I e II é no coeficiente parcial aplicado às ações permanentes e, portanto, as duas curvas mostradas na Figura 11 não se cruzam. Isso significa que os índices de confiabilidade no limite entre os dois tipos de edificações são diferentes, ou seja, há uma descontinuidade nos índices obtidos através das prescrições de [3].

Os resultados obtidos para viga mista são apresentados na Figura 12.


Observa-se que os índices de confiabilidade estão entre os valores obtidos para a seção de concreto armado e os obtidos para a viga metálica.

Utilizando o mesmo coeficiente parcial de resistência do aço da NBR6118 [2] para barras, obtém-se índices de confiabilidade semelhantes aos obtidos para a seção de concreto armado, conforme ilustrado na Figura 12.

9. Conclusões

Este artigo apresentou um estudo comparativo da segurança de vigas de concreto armado, de aço e de vigas mistas aço-concreto projetadas segundo normas brasileiras de projeto estrutural.

Resultados mostram que a confiabilidade de vigas de concreto armado dimensionadas pela NBR6118 [2] está compatível com prescrições internacionais. Entretanto, para valores altos da razão de carregamento (x > 0,5), os índices de confiabilidade decrescem bastante, sendo recomendavel utilizar-se os coeficientes da NBR8681 [1].

Para lajes sob momento positivo, valores aceitáveis de índice de confiabilidade também foram encontrados. No caso de lajes em balanço, os índices de confiabilidade ficaram muito aquém do desejável. Recomenda-se o uso de um coeficiente adicional de segurança (já previsto no projeto de revisão da NBR6118 [4]). Investigações mais aprofundadas são necessárias para atingir-se a segurança adequada a este tipo de elemento estrutural.

Resultados obtidos para vigas metálicas mostram índices de confiabilidade aceitáveis para boa parte das razões x, mas índices muito baixos para x > 0,8. Observa-se que em geral os índices de confiabilidade para vigas metálicas são menores que os índices obtidos para vigas de concreto. Os índices de confiabilidade de uma viga mista estão entre o de uma viga de concreto armado e uma viga metálica. Isso ocorre, em parte, devido aos coeficientes de ponderação das resistências dos aços para armadura (ys = 1,15) e para perfis (ya = 1,10) serem diferentes.

Em geral, observa-se uma variação muito grande, ou uma falta de uniformidade, dos índices de confiabilidade obtidos para diferentes razões de carregamento x, bem como para os diferentes materiais. Estes resultados demonstram a importância de se realizar a calibração baseada em confiabilidade dos coeficientes parciais de segurança das normas brasileiras, tal qual realizado para as normas americanas e européias. Esforços neste sentido já foram iniciados por Beck e Souza Jr. [11] e continuarão sendo objeto de estudo futuro. A ideia, como dito anteriormente, é levantar essas variações para todos os elementos estruturais usuais, identificar e corrigir problemas localizados como os das marquises e dos pilares com dimensões muito pequenas. Nesse contexto os pilares, que são os elementos mais importantes para a sustentação das construções, também devem ser considerados e constituem um número grande de casos não só pela variação da relação momento/normal e flexão obliqua, mas também por conta da esbeltez.

10. Agradecimentos

O terceiro autor agradeçe ao CNPq pela bolsa de produtividade em pesquisa, que financiou sua dedicação a este projeto de pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2014
  • Data do Fascículo
    Out 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2014
  • Aceito
    16 Jul 2014
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