Acessibilidade / Reportar erro

Sobre a consideração da semicontinuidade de vigas mistas de aço e concreto biapoiadas, para eliminar o revestimento contra fogo para TRRF inferiores a 30 minutos

Resumo

Estudos anteriores do comportamento sob ação do incêndio de vigas mistas de aço e concreto, sem instabilidades locais (ditas compactas), considerando a rigidez à flexão nos apoios fornecida pela armadura negativa longitudinal à viga (semicontinuidade), mostraram que não é possível justificar a ausência de revestimento contra fogo para tempos requeridos de resistência ao fogo (TRRF) de 30 minutos utilizando métodos normatizados. O objetivo deste trabalho é verificar a viabilidade dessa proposta para tempos inferiores, que, embora raros, podem ocorrer com o uso do método do tempo equivalente.

Palavras-chave:
incêndio; viga mista de aço e concreto; semicontínua

Abstract

Previous studies of the behavior under fire conditions of composite steel and concrete beams, not subjected to local buckling (compact steel profile), showed that it’s not possible to justify, by design code methods, the absence of fire coating for 30 minutes standard-fire resistance requirement, even when considering the support rotational stiffness provided by the upper longitudinal slab reinforcement (semi-continuity). The purpose of this work is to verify the viability of this proposal for lower standard-fire resistance time, which, although rare, may occur with the use of the equivalent time method.

Keywords:
fire; composite steel concrete beam; semi-continuous

1. Introdução

1.1 Objetivo

Uma viga mista de aço e concreto biapoiada dimensionada para a temperatura ambiente, quando verificada para a situação de incêndio de acordo com os procedimentos normatizados, comumente, não oferece segurança estrutural adequada, a não ser que seja provida de revestimento contra fogo. Tal solução conduz à elevação de custos.

O objetivo deste estudo é aferir o comportamento de vigas mistas de aço e concreto em situação de incêndio, considerando a rigidez à rotação dos apoios proporcionada pela armadura negativa longitudinal e pela restrição da mesa inferior do perfil, formando uma ligação mista, conforme ilustração da Figura 1, garantindo a semicontinuidade da viga.

Figura 1
Ligação mista nos apoios (adaptado de ABNT NBR 8800 [11[11] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8800: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios. Rio de Janeiro, 2008.])

O Estado-limite Último foi analisado por meio de método simplificado segundo ABNT NBR 14323 [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.], considerando as propriedades plásticas da seção transversal. Visto a norma em questão não apresentar a formulação necessária de maneira explicita toda formulação está desenvolvida com maior detalhe em Romagnoli e Silva [2[2] ROMAGNOLI, L.C; SILVA, V. P. Sobre o aproveitamento da semicontinuidade para eliminar o revestimento contra fogo em vigas mistas de aço e concreto biapoiadas. Revista Ibracon de Estruturas e Materiais, 2017. No prelo.].

Para melhor entendimento dos resultados apresentados, define-se aqui fator de carga como a relação entre os momentos fletores resistentes analisados na situação de incêndio (considerando a semicontinuidade da viga mista) e o momento fletor resistente à temperatura ambiente (considerando a viga mista biapoiada), segundo Equação (1).

f a t o r d e c a r g a = M R d , f i + + M R d , f i - M R d , 0 + (1)

Resultados anteriores (Romagnoli e Silva [2[2] ROMAGNOLI, L.C; SILVA, V. P. Sobre o aproveitamento da semicontinuidade para eliminar o revestimento contra fogo em vigas mistas de aço e concreto biapoiadas. Revista Ibracon de Estruturas e Materiais, 2017. No prelo.]) mostraram que, para TRRF de 30 min, não é possível justificar fatores de cargas superiores a 0,7 para vigas mistas semicontínuas sem revestimento contra fogo seguindo procedimentos normatizados (tal critério foi adotado visto a ABNT NBR 14323 [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.] permitir, por simplicidade, a adoção de um fator de carga de 0,70, descrito em termos dos esforços solicitantes, para análise do Estado-limite último em situação de incêndio). Vê-se necessário avaliar os mesmos procedimentos para TRRF inferiores a 30 min que, embora não tão comuns, podem ser adotados conforme o denominado método do tempo equivalente.

1.2 Revisão da literatura

Usualmente a escolha por estruturas de aço é associada à necessidade imprescindível de adoção de revestimento contra fogo. Estudos na área de estruturas em situação de incêndio visam quebrar esse paradigma e compreender melhor os fenômenos associados ao incêndio em si ou ao comportamento de estruturas a temperaturas elevadas, permitindo, assim, edificações mais seguras e econômicas.

Robinson e Latham (1986 apud Wang [3[3] WANG, Y. C. Steel and composite structures. Behavior and design for fire safety. London: Spon Press, 2002.]) apontam que em 1986 o uso de revestimentos contra fogo representava 30% do custo total de uma estrutura de aço, o que gerava uma enorme desvantagem em relação, principalmente, às estruturas de concreto. Com esse problema em mente, tanto a indústria do aço como a comunidade científica buscaram estudar o efeito do incêndio no comportamento das estruturas.

Os benefícios da construção mista de aço e concreto na resistência à ação do fogo em um edifício, quando comparado ao elemento de aço isolado analisado em testes de laboratório, vêm sendo alvo de estudos por diversos autores. Comparando um modelo numérico de uma viga mista de aço e concreto a resultado dos testes de Cardington, Usmani et al.[4[4] USMANI, A. S.; ROTTER, J. M.; LAMONT, S.; SANAD A. M.; GILLIE M. Fundamental principles of structural behavior under thermal effects. Fire Safety Journal, v.36, p. 721-744. Elsevier, 2001.] ressaltam a importância de se considerar o coeficiente de dilatação térmica dos materiais para que os resultados sejam próximos da realidade e concluem, também, que as grandes deformações na laje de concreto induzem um comportamento de catenária na viga, responsável por impedir seu colapso, destacando a importância da armadura passiva para resistir a esses efeitos, aumentando expressivamente a capacidade das vigas mistas.

Kodur et al. [5[5] KODUR, V. K. R.; NASER, M.; PAKALA, P.; VARMA, A. Modeling the response of composite beam-slab assemblies exposed to fire. Journal of Constructional Steel Research, v.80, p. 163-173. Elsevier, 2013.] observam a importância da consideração do efeito de catenária na laje de concreto na resistência ao fogo de um piso ao comparar um modelo numérico com testes de laboratório de um sistema de piso simples. As vigas internas não receberam revestimento contra fogo, enquanto as vigas externas de borda (que suportam as vigas internas) receberam revestimento para um TRRF de 60 min. Tanto na análise numérica como nos testes de laboratório o sistema resistiu a tempos superiores, variando de 85 a 110 min. A laje de concreto foi capaz de transferir às cargas das vigas internas enfraquecidas para as vigas externas.

Huang et al. [6[6] HUANG, Z.; LIN, S.; FAN, M. The effects of protected beams and their connections on the fire resistance of composite buildings. Fire Safety Journal, v.78, p. 31-43. Elsevier, 2015.] ressaltam o papel da armadura passiva presente na laje de concreto para resistir aos esforços de catenária. Analisaram por meio de elementos finitos o impacto de três diferentes malhas de armadura, notando que o impacto da armadura passiva passa a ser relevante após as vigas sem revestimento, que suportam o pavimento, atingirem uma temperatura de 500 ºC, quando o efeito de catenária é mobilizado pelas grandes deformações. O autor conclui que a capacidade última da laje de concreto, em situação de incêndio, tem dependência direta da configuração e resistência da malha de armadura passiva.

A consideração da semicontinuidade na análise da capacidade da viga mista em situação de incêndio já foi proposta por Ioannides e Mehta [7[7] IOANNIDES, S. A.; MEHTA, S. Restrained versus unrestrained fire ratings for steel structures - a practical approach. Modern Steel Construction. Chicago: AISC, 1997.] que adotaram como metodologia a análise das capacidades plásticas da seção transversal no meio do vão e nos apoios e afirmou, para o caso de adoção de revestimento contra fogo, que existe um ganho relevante na capacidade resistente da viga. Os autores afirmam que a maioria das vigas mistas é dimensionada à temperatura ambiente para atender aos limites de serviço e que existe uma reserva em sua capacidade resistente, visto não se considerar o ELS em incêndio.

Fakury et al. [8[8] FAKURY, R. H.; CASAS, E. B.; PACÍFICO, F. F.; ABREU, L. M. P. Design of semi-continuous composite steel-concrete beams at the fire limit state. Journal of Constructional Steel Research, v.61, p.1094-1107. Elsevier, 2005.] compararam os casos de vigas mistas biapoiadas e semicontínuas, com revestimento contra fogo, utilizando o método proposto pelo Eurocode EN 1994-1-2 [9[9] EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. EN 1994-1-2: Eurocode 4: Design of composite steel and concrete structures - part 1-2: General rules - Structural fire design. Brussels: CEN, 2005.]. Como conclusão, encontraram um ganho de capacidade resistente de 116% a 123% da viga mista, protegida contra fogo, quando analisada como semicontínua em comparação da análise como biapoiada.

Fischer e Varma [10[10] FISCHER, E. C.; VARMA, A. H. Fire resilience of composite beams with simple connections: Parametric studies and design. Journal of Constructional Steel Research, v.128, p.119-135. Elsevier, 2017.] analisaram modelos tridimensionais em elementos finitos de pórticos compostos por vigas mistas com ligações articuladas típicas (chapas de cisalhamento, cantoneiras simples e cantoneiras duplas). Compararam o modelo de um pórtico simples com modelos considerando a continuidade da laje através do pavimento, existindo, assim, um momento fletor negativo resistente na região dos apoios. Como conclusão, afirmam que a continuidade da laje nos apoios e a armadura passiva presente na laje têm grande influência no comportamento da viga e das ligações durante o incêndio, concluindo também que não ocorreu falha prematura das conexões durante exposição ao fogo.

Romagnoli e Silva [2[2] ROMAGNOLI, L.C; SILVA, V. P. Sobre o aproveitamento da semicontinuidade para eliminar o revestimento contra fogo em vigas mistas de aço e concreto biapoiadas. Revista Ibracon de Estruturas e Materiais, 2017. No prelo.] estudaram o comportamento sob ação do incêndio de vigas mistas de aço e concreto sem revestimento contra fogo considerando a rigidez à flexão nos apoios fornecida pela armadura negativa longitudinal à viga e restrição da mesa inferior do perfil de aço, formando uma ligação mista, e avaliaram que, apesar de haver um aumento significativo da capacidade resistente da viga mista semicontínua em comparação ao caso biapoiado (em cerca de 90%), tal procedimento não é suficiente para prescindir a adoção de revestimentos contra fogo utilizando métodos normatizados da ABNT NBR 14323 [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.] para TRRF de 30 min. Este artigo representa a continuação desses estudos, para TRRF inferiores.

1.3 Problema analisado

O estudo foi realizado para diversas seções transversais mistas, percorrendo a variedade de perfis da marca Gerdau e espessuras de laje de 8 a 18 cm. Seguindo recomendação do item O.2.4.1.1 da ABNT NBR 8800 [11[11] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8800: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios. Rio de Janeiro, 2008.], ajustada para situação de incêndio conforme recomendação da ABNT NBR 14323 [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.] de reduzir os parâmetros de esbeltez para 0,85 do seu valor à temperatura ambiente, alguns perfis classificados como de mesa esbelta em situação de incêndio, ou seja, com relação entre largura e espessura superior a 0,32E/fy, não foram considerados na análise. Admitiu-se a resistência característica de compressão do concreto de 30 MPa e a resistência ao escoamento do aço de 345 MPa. O fator de sombreamento foi calculado conforme recomendado por [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.].

Não foi considerada a instabilidade distorcional que pode ocorrer na região de momentos negativos da viga mista. Portanto, para utilização direta dos resultados apresentados deve-se assegurar que λdist, calculado conforme recomendação O.2.5.2 da ABNT NBR 8800 [13[13] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15200: Projeto de estruturas de concreto em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2012.], seja superior a 0,4. A ABNT NBR 14323 [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.] não traz recomendação específica para o caso de instabilidade distorcional em vigas mistas em situação de incêndio, porém para o caso de perfis formados a frio aconselha que λdist seja calculado como à temperatura ambiente, entretanto com utilização do fator redutor da resistência do aço à alta temperatura para instabilidade local, kσ,θ.

A largura colaborante da laje de concreto foi de 2 m para todos os casos. A taxa de armadura adotada foi tal que possibilitou o desenvolvimento do máximo momento fletor negativo resistente. A quantidade de conectores de cisalhamento adotada foi a necessária para iteração completa à temperatura ambiente.

A capacidade resistente das vigas mistas semicontínuas foi avaliada variando o TRRF (tempo requerido de resistência ao fogo) de um em um minuto. Uma das recomendações da IT08 [12[12] CORPO DE BOMBEIROS - POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. Instrução Técnica Nº08. Resistência ao fogo dos elementos de construção. São Paulo, 2011.] na utilização do método do tempo equivalente é adotar limite inferior de 15 min para o TRRF, portanto as análises compreendem o intervalo de 15 min até 30 min.

O objetivo aqui é calcular os fatores de carga para cada caso de perfil Gerdau e espessura de laje estudado. Variando o TRRF é possível definir em qual tempo o fator de carga torna-se superior a 0,7 adotando a máxima taxa de armadura possível. Novamente, tal critério foi adotado visto a ABNT NBR 14323 [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.] permitir, por simplicidade, a adoção de um fator de carga de 0,70, descrito em termos dos esforços solicitantes, para análise do Estado-limite último em situação de incêndio.

Estudos numéricos, ainda a serem publicados, mostram que a distribuição de temperatura ao longo da altura do perfil de aço torna-se mais uniforme com a evolução do incêndio-padrão, de modo que efeitos associados ao gradiente térmico são reduzidos com o tempo. Todos os TRFs (tempo de resistência ao fogo) encontrados nos modelos numéricos para a condição semicontínua foram superiores aos estimados por método normatizado e superiores ao caso biapoiado, mesmo considerando o surgimento de esforços indiretos provenientes da dilatação térmica. Visto isso, a hipótese de desprezar esforços causados pelo gradiente térmico é valida para tempos superiores a 15 minutos, já que a consideração da não linearidade geométrica e de material foi suficiente para mitigar os efeitos nocivos da dilatação térmica e restrição dos apoios. Vale ressaltar que para tomar proveito de tais efeitos benéficos, a armadura longitudinal presente na laje deve se estender a todo comprimento da viga, e não apenas na região de momentos fletores negativos, pois a laje deve resistir a esforços de catenária ao longo do vão, que surgem dos grandes deslocamentos observados durante o incêndio.

2. Temperatura na laje de concreto

Visto que a ABNT NBR 14323 [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.] não indica a temperatura das camadas para TRRF inferiores a 30 min foi necessário avaliar as temperaturas com auxílio de programa de computador. Para realizar a análise térmica um modelo numérico foi desenvolvido no ABAQUS simulando o campo de temperatura de uma laje com 8 cm de espessura submetida ao incêndio-padrão. As propriedades térmicas do concreto seguiram as recomendações da ABNT NBR 15200 [13[13] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15200: Projeto de estruturas de concreto em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2012.]. A emissividade foi considerada constante e igual a 0,7 e a constante de Stefan-Boltzmann igual a 5,669x10-8 W/(m² ºC).

A malha de elementos finitos foi composta por elementos tridimensionais prismáticos com 8 nós denominados DC3D8.

Para avaliar o comportamento do modelo numérico, os resultados foram inicialmente comparados aos valores recomendados pela ABNT NBR 14323 [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.]. Os gráficos ilustrados na Figura 2 e Figura 3 representam a distribuição de temperatura ao longo da altura da laje de concreto para TRRF de 30 e 60 min respectivamente, onde 0 é a face inferior da laje. A linha pontilhada indica os valores recomendados por norma e a linha cheia os calculados pelo programa. Nota-se que os resultados do modelo numérico são coerentes e apresentam boa relação quando comparados às recomendações.

Figura 2
Gráfico temperatura x altura da laje de concreto, 30 min.

Figura 3
Gráfico temperatura x altura da laje de concreto, 60 min.

Cumprindo com o objeto de avaliar temperaturas inferiores a 30 min o gráfico da Figura 4 indica os resultados para tempos de 15 min, 20 min e 25 min. Tempos inferiores não foram registrados visto 15 min ser o tempo mínimo recomendado pela instrução técnica IT08 [12[12] CORPO DE BOMBEIROS - POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. Instrução Técnica Nº08. Resistência ao fogo dos elementos de construção. São Paulo, 2011.] quando utilizado o método do tempo equivalente.

Figura 4
Gráfico temperatura x altura da laje de concreto, tempos inferiores a 30 min.

A Tabela 1 apresenta os valores de temperatura de cada fatia da laje de concreto encontrados na análise térmica numérica de maneira análoga à da ABNT NBR 14323 [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.]. Tais valores são adotados na determinação do momento fletor resistente positivo de cálculo da seção mista. Para tempos intermediários realizou-se interpolação linear.

Tabela 1
Distribuição de temperatura na altura das lajes de concreto, para TRRF inferiores a 30 min

3. Resultados

A Tabela 2 até a Tabela 5 indicam os fatores de carga, Equação (1), para TRRF variando de 15 min até 30 min, para espessura de laje de 10 cm e perfis de aço da marca Gerdau. A coluna indicada como “B” mostra o fator de carga para a condição biapoiada, ou seja, sem consideração do momento fletor resistente negativo. A coluna indicada como “S” mostra o fator de carga para a condição semicontínua com adoção da máxima taxa de armadura possível, sendo essa indicada na Tabela 6 e Tabela 7. Os valores em destaque representam fatores de carga superiores a 0,7, ou seja, caso exista destaque na coluna indicada como “B” conclui-se que a viga, sem revestimento contra fogo, tem capacidade resistente suficiente em situação de incêndio sem mesmo considerar a semicontinuidade (valor nulo de taxa de armadura) para o valor de TRRF associado.

Tabela 2
Fatores de carga para vigas mistas com laje de 10 cm e perfis Gerdau da série W150 a W360, em função do TRRF
Tabela 3
Fatores de carga para vigas mistas com laje de 10 cm e perfis Gerdau da série W150 a W360, em função do TRRF (continuação)
Tabela 4
Fatores de carga para vigas mistas com laje de 10 cm e perfis Gerdau da série W410 a W610, em função do TRRF
Tabela 5
Fatores de carga para vigas mistas com laje de 10 cm e perfis Gerdau da série W410 a W610, em função do TRRF (continuação)

Em posse de tais valores determina-se, para certo fator de carga, que, para um perfil Gerdau em específico, a consideração da semicontinuidade com adição da máxima taxa de armadura é suficiente para justificar o TRRF de projeto. As tabelas devem ser utilizadas conforme o seguinte roteiro de cálculo:

  • Determinar o fator de carga de projeto, lembrando que 0,7 é uma recomendação simplificada da ABNT NBR 14323 [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.]; uma determinação mais precisa dos carregamentos atuantes na edificação, pode conduzir a fatores de carga menores. Exemplo: um projeto apresenta o fator de carga 0,6;

  • Identificar as características geométricas do projeto. Exemplo: a viga mista a ser verificada é composta por um perfil W460x74,0 e laje maciça de 10 cm;

  • Utilizar a Tabela 2 à Tabela 5 para determinar o TRRF em que o fator de carga é superior ao de projeto na situação biapoiada (coluna “B”). Exemplo: a Tabela 5 mostra que o perfil W460x74,0 apresenta, para condição biapoiada, fator de carga de 0,62 para TRRF de 15 min. Para tempos superiores todos os fatores de carga são inferiores ao de projeto (0,6);

  • Utilizar a Tabela 2 à Tabela 5 para determinar o TRRF em que o fator de carga é superior ao de projeto na situação semicontínua (coluna “S”). Exemplo: a Tabela 5 mostra que o perfil W460x74,0 apresenta, para condição semicontínua, fator de carga de 0,67 para TRRF de 19 min. Para tempos superiores todos os fatores de carga são inferiores ao de projeto (0,6);

  • Utilizar a Tabela 6 ou Tabela 7 para determinar qual a taxa de armadura utilizada na situação semicontínua para desenvolvimento do máximo momento fletor resistente. Exemplo: a Tabela 7 mostra que o perfil W460x74,0 apresenta taxa de armadura de 1,28% para o TRRF de 19 min encontrado no item 4;

  • Como conclusão, é possível prescindir revestimento contra fogo com base nos procedimentos normatizados para TRRF variando entre o caso biapoiado, sem armadura adicional, e semicontínuo, com adoção da armadura máxima. Exemplo: prescinde-se revestimento contra fogo para TRRF de 15 minutos a 19 minutos para taxa de armadura variando de 0% até 1,28%;

  • Caso o TRRF de projeto seja um valor intermediário aos encontrados é possível adotar taxas de armaduras inferiores à máxima, calculando o momento fletor negativo resistente seguindo os procedimentos descritos por Romagnoli e Silva [2[2] ROMAGNOLI, L.C; SILVA, V. P. Sobre o aproveitamento da semicontinuidade para eliminar o revestimento contra fogo em vigas mistas de aço e concreto biapoiadas. Revista Ibracon de Estruturas e Materiais, 2017. No prelo.]. Até que mais estudos sejam desenvolvidos não se permite a interpolação linear dos resultados extremos. Exemplo: outra conclusão é de que não será possível, a partir dos procedimentos normatizados, prescindir revestimento contra fogo para TRRF superior a 19 minutos, independente da taxa de armadura adotada.

Tabela 6
Taxa de armadura para desenvolvimento do máximo momento fletor negativo de vigas mistas com perfil Gerdau, séries W150 a W360, e laje de 10 cm em função do TRRF

Tabela 7
Taxa de armadura para desenvolvimento do máximo momento fletor negativo de vigas mistas com perfil Gerdau, séries W410 a W610, e laje de 10 cm em função do TRRF

O gráfico da Figura 5 mostra o tempo de resistência ao fogo (TRF) para outras espessuras de laje e perfis Gerdau da série W200 para o caso semicontínuo, ou seja, ilustra os pontos em que o fator de carga foi superior a 0,7. A Figura 6 abrange os resultados para as demais séries de perfis Gerdau, ocultando os marcadores do gráfico para facilitar a visualização.

Figura 5
Gráfico TRF (fator de carga 0,7) do caso semicontínuo x perfil Gerdau analisado (série W200)

Figura 6
Gráfico TRF (fator de carga 0,7) do caso semicontínuo x perfil Gerdau analisado

Nota-se que a influência da espessura da laje é muito baixa, variando o TRF em apenas um minuto geralmente. Também é possível perceber que nos perfis mais leves dificilmente atinge-se TRF superiores a 20 min e, em alguns casos nem mesmo 15 min. Isso fica bem evidente na série W310. Os perfis mais pesados e de baixa altura atingiram valores mais altos, se aproximando de 30 min. Isso é bem evidenciado na série W200, W250 e W360. Tais perfis, porém, não são usualmente utilizados como vigas de piso de edifício, sendo mais indicados para pilares, onde predominam as forças axiais.

O gráfico da Figura 7 indica as taxas de armadura adotadas para o tempo em que o fator de carga foi superior a 0,7, ou seja, no tempo de resistência ao fogo indicado na Figura 6.

Figura 7
Gráfico taxa de armadura x perfil Gerdau analisado, para TRF (fator de carga 0,7) do caso semicontínuo

Os perfis mais leves possuem taxas de armadura máxima razoáveis, entre 0,5% a 1,5%. Já os perfis mais pesados necessitam de taxa de armadura muito elevada, variando entre 2% ao valor máximo de 4,5% para o perfil W610x174,0 com laje de 8 cm.

4. Conclusões

Foram estudadas as capacidades resistentes em situação de incêndio de vigas mistas de aço e concreto sem proteção contra fogo, formadas por perfis W da Gerdau e laje maciça considerando a semicontinuídade proporcionada por armadura negativa longitudinal da laje para TRRF entre 15 min e 30 min. Análises anteriores mostraram que não é possível justificar a ausência de revestimento contra fogo seguindo procedimentos normatizados para TRRF de 30 min, tempo mínimo fornecido pelo método tabular da IT08 [12[12] CORPO DE BOMBEIROS - POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. Instrução Técnica Nº08. Resistência ao fogo dos elementos de construção. São Paulo, 2011.]. Tempos inferiores, embora não tão comuns, podem ser adotados de acordo com o denominado método do tempo equivalente, limitado a 15 min.

A análise simplificada aplica os métodos normatizados vigentes onde se avalia a formação de rótulas plásticas no apoio e no meio do vão, a fim de justificar a ausência de revestimento contra fogo. Foram tomadas hipóteses simplificadoras em que se desprezam esforços indiretos provocados pela dilatação térmica e gradiente térmico. Uma tentativa de propor um método de intensificar os esforços solicitantes sem considerar outros fenômenos mais complexos como não linearidade dos materiais e geométrica penalizaria excessivamente o modelo simplificado, levando a resultados muito conservadores (como já evidenciado por Silva [14[14] SILVA, V. P. Estruturas de aço em situação de incêndio. São Paulo: Zigurate Editora, 2001.], para o caso dos esforços indiretos em vigas de aço biapoiadas e pórticos simples submetidos a temperaturas próximas à crítica), indo de encontro ao objetivo de avaliar a possibilidade de dispensar revestimento contra fogo em alguns casos. Tal hipótese foi verificada e validada em análises numéricas ainda a serem publicadas.

Dos resultados obtidos pode-se concluir que:

  • Utilizando procedimentos normatizados para TRRF inferiores a 30 min é possível prescindir revestimento contra fogo em vigas mistas ao se considerar a semicontinuidade na região do apoio;

  • Em geral os perfis mais leves, com geometria própria para serem utilizados como vigas de piso de edifícios, obtiveram fator de carga de 0,7 (critério simplificado da ABNT NBR 14323 [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.] para avaliar os esforços solicitantes em situação de incêndio) para TRRF entre 15 min e 20 min;

  • Perfis mais pesados obtiveram resultados melhores, com TRRF entre 20 min e 30 min, porém com adoção de taxa de armadura negativa elevada, entre 2% e 4,5%, valores pouco usuais em prática.

Cumprindo com o objeto inicialmente proposto é possível prescindir revestimento contra fogo em casos específicos, usualmente relacionados a construções de pequeno porte e com bom gerenciamento do risco de incêndio, resultando em TRRF próximos de 20 min segundo o método do tempo equivalente.

Para o caso de perfis em que a análise feita aqui não consegue demonstrar que o revestimento pode ser prescindido, eles ainda podem ser analisados por métodos numéricos avançados. Esse trabalho está em desenvolvimento pelos autores.

5. References

  • [1]
    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14323: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2013.
  • [2]
    ROMAGNOLI, L.C; SILVA, V. P. Sobre o aproveitamento da semicontinuidade para eliminar o revestimento contra fogo em vigas mistas de aço e concreto biapoiadas. Revista Ibracon de Estruturas e Materiais, 2017. No prelo.
  • [3]
    WANG, Y. C. Steel and composite structures. Behavior and design for fire safety. London: Spon Press, 2002.
  • [4]
    USMANI, A. S.; ROTTER, J. M.; LAMONT, S.; SANAD A. M.; GILLIE M. Fundamental principles of structural behavior under thermal effects. Fire Safety Journal, v.36, p. 721-744. Elsevier, 2001.
  • [5]
    KODUR, V. K. R.; NASER, M.; PAKALA, P.; VARMA, A. Modeling the response of composite beam-slab assemblies exposed to fire. Journal of Constructional Steel Research, v.80, p. 163-173. Elsevier, 2013.
  • [6]
    HUANG, Z.; LIN, S.; FAN, M. The effects of protected beams and their connections on the fire resistance of composite buildings. Fire Safety Journal, v.78, p. 31-43. Elsevier, 2015.
  • [7]
    IOANNIDES, S. A.; MEHTA, S. Restrained versus unrestrained fire ratings for steel structures - a practical approach. Modern Steel Construction. Chicago: AISC, 1997.
  • [8]
    FAKURY, R. H.; CASAS, E. B.; PACÍFICO, F. F.; ABREU, L. M. P. Design of semi-continuous composite steel-concrete beams at the fire limit state. Journal of Constructional Steel Research, v.61, p.1094-1107. Elsevier, 2005.
  • [9]
    EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. EN 1994-1-2: Eurocode 4: Design of composite steel and concrete structures - part 1-2: General rules - Structural fire design. Brussels: CEN, 2005.
  • [10]
    FISCHER, E. C.; VARMA, A. H. Fire resilience of composite beams with simple connections: Parametric studies and design. Journal of Constructional Steel Research, v.128, p.119-135. Elsevier, 2017.
  • [11]
    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8800: Projeto de estruturas de aço e de estruturas mistas de aço e concreto de edifícios. Rio de Janeiro, 2008.
  • [12]
    CORPO DE BOMBEIROS - POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. Instrução Técnica Nº08. Resistência ao fogo dos elementos de construção. São Paulo, 2011.
  • [13]
    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15200: Projeto de estruturas de concreto em situação de incêndio. Rio de Janeiro, 2012.
  • [14]
    SILVA, V. P. Estruturas de aço em situação de incêndio. São Paulo: Zigurate Editora, 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2019

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2018
  • Aceito
    14 Ago 2018
IBRACON - Instituto Brasileiro do Concreto Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON), Av. Queiroz Filho, nº 1700 sala 407/408 Torre D, Villa Lobos Office Park, CEP 05319-000, São Paulo, SP - Brasil, Tel. (55 11) 3735-0202, Fax: (55 11) 3733-2190 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: arlene@ibracon.org.br