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Tribos indígenas da Amazônia Oriental como população de risco para a hepatite D (Delta)

CARTA AO EDITOR

Tribos indígenas da Amazônia Oriental como população de risco para a hepatite D (Delta)

Muito tem sido discutido a respeito da distribuição da infecção pelo vírus da hepatite D (HDV) na Amazônia brasileira 1,2,4,8. Cumpre-nos aqui levantar a questão inerente às perspectivas da morbiletalidade por hepatite D nas tribos indígenas da Amazônia Oriental Brasileira.

Juntos, os estados do Pará, Amapá, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, albergam grande parcela dos indígenas brasileiros, distribuidos entre diversas tribos como: Xicrin, Paracanã, Mundurucu, dentre muitas outras. Embora algumas comunicações já tenham demonstrado níveis endêmicos e, até hiperendêmicos, de infecções pelo vírus da hepatite B (HBV) em tribos indígenas das áreas citadas3,5,9, a pesquisa de marcadores para o HDV se mostrou, sistematicamente, negativa quando realizada. No entanto, a partir de 1989, o Instituto Evandro Chagas, através do seu Laboratório de Hepatites, já diagnosticou, sorologicamente, 4 casos de hepatite D em indígenas procedentes da tribo Mundurucu, localizada no Município de Itaituba, sudoeste do Estado do Pará7. Todos portadores de doença crônica sendo que, pelo menos, 2 casos evoluíram para óbito até esta data.

Investigação soroepidemiológica no local, realizada por este Instituto e com o apoio da FUNAI em setembro de 1990, quando foram coletadas 436 amostras de soro de indígenas Mundurucu (aldeias Sai-Cinza, Kaburuá, Katõ) entre 1 e 70 anos de idade, demonstrou uma prevalência de 66% para marcadores de infecção pregressa pelo HBV, sendo que em 50% dos HBsAg positivos havia concomitante positividade para o anti-HD. Dados adicionais sobre a morbiletalidade anterior por hepatite na referida tribo, ainda continuam sendo investigados, com algumas dificuldades já esperadas como, por exemplo, a escassez de informações com comprovação satisfatória.

Questionamentos sobre o modo de entrada do HDV naquela tribo, imediatamente, nos obriga a relatar que o município de Itaituba é conhecido pelas suas inúmeras áreas de garimpo, e, este Instituto, também, tem registrado vários casos de hepatite D em garimpeiros daquele Município7. Considerando a relação hoje existente entre os indígenas e garimpeiros daquela região, é razoável admitir tal situação como a hipótese mais provável para a introdução do HDV.

Muito embora, o exposto já justifique o contexto como preocupante, gostaríamos de priorizar para reflexão alguns aspectos, como: (a) a existência de tribos indígenas com elevada prevalência de portadores do HBsAg, a freqüente relação de muitas dessas tribos com áreas de garimpo, o potencial migratório dos garimpeiros entre os vários garimpos da Amazônia, isso tudo, pode levar à disseminação da infecção com repercussões de gravidade variável; (b) o estilo de vida dos indígenas já os coloca como "grupos de risco" para as infecções pelo HBV e HDV na Amazônia, sendo, pois, justificado um possível programa de imunização e (c) concluindo, assinalamos que já se tem documentado epidemia de hepatite D com elevada letalidade em tribo indígena do norte da América do Sul, onde havia previamente alta prevalência de portadores do HBsAg6.

M.C.P. SOARES Instituto Evandro Chagas

FSESP

G. BENSABATH Av. Almirante Barroso, 492

66050 - Belém - Pará - Brasil

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido para publicação em 2/4/1991

Aceito para publicação em 16/4/1991

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 1991
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