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A vida social de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, usuárias de um centro de atenção psicossocial

Resumos

Esta é pesquisa qualitativa, cujos objetivos foram: investigar a vida social de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, usuárias de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e identificar como o processo terapêutico, oferecido pelo CAPS, colabora na vida social dessas pessoas. Participaram do estudo indivíduos com esquizofrenia, na faixa etária de dezoito a quarenta anos, matriculados no CAPS de Uberaba, Brasil. Utilizou-se a entrevista semiestruturada que originou três categorias: vida dos pacientes antes e após o adoecimento, cotidiano dos usuários no ambiente extra CAPS e assistência do CAPS, colaborando na vida social e na estabilização de sintomas. Detectou-se que a terapêutica empregada colabora para a adesão ao tratamento e redução das internações psiquiátricas, mas a vida social dessas pessoas ocorre no contexto familiar e no ambiente de tratamento. Essa realidade mostra a necessidade de parcerias junto à Estratégia Saúde da Família e à comunidade para ampliar intervenções socializantes.

transtornos mentais; qualidade de vida; enfermagem


This qualitative research aimed to investigate the social life of patients with a diagnosis of schizophrenia at a Psychosocial Care Center (CAPS), and identify how the therapeutic process offered by the CAPS has contributed to their social lives. The subjects of the study were patients with schizophrenia, between eighteen and forty years of age and registered at the CAPS in Uberaba, Brazil. The data were collected through a semi-structured interview. Three categories were identified: the patients' life before and after the illness, their everyday life outside CAPS and CAPS care contributing to their social life and stabilization of symptoms. The results showed that the CAPS regimen enhances treatment compliance and decreases hospitalization. However, social functioning for schizophrenic patients occurs within the family and treatment contexts. This reality evidences the need for a partnership with the Family Health Strategy and the community to improve socialization.

mental disorders; Schizophrenia; quality of life; nursing


Esta es una investigación cualitativa, cuyos objetivos fueron investigar la vida social de personas con diagnóstico de esquizofrenia, usuarias de un Centro de Atención Psicosocial (CAPS) e identificar como el proceso terapéutico, ofrecido por el CAPS, colabora con la vida social de esas personas. Participaron del estudio individuos con esquizofrenia, con edades entre los 18 y 40 años, matriculados en el CAPS de Uberaba, Brasil. Se utilizó la entrevista semiestructurada que originó tres categorías: vida de los pacientes antes y después de enfermarse, cotidiano de los usuarios en el ambiente fuera del CAPS y asistencia del CAPS, colaborando en la vida social y en la estabilización de síntomas. Se detectó que la terapéutica empleada colabora para la adhesión al tratamiento y reduce las internaciones psiquiátricas, sin embargo la vida social de esas personas ocurre en el contexto familiar y en el ambiente de tratamiento. Esa realidad muestra la necesidad de trabajar en conjunto con la Estrategia Salud de la Familia y la comunidad para ampliar intervenciones socializantes.

trastornos mentales; esquizofrenia; calidad de vida; enfermería; esquizofrenia


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ARTIGO ORIGINAL

A vida social de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, usuárias de um centro de atenção psicossocial

Marciana Fernandes MollI; Toyoko SaekiII

IEscola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil: Enfermeira, Mestranda, e-mail: mrcna13@yahoo.com.br

IIEscola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil: Enfermeira, Professor Doutor, e-mail: maryto@eerp.usp.br

RESUMO

Esta é pesquisa qualitativa, cujos objetivos foram: investigar a vida social de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, usuárias de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e identificar como o processo terapêutico, oferecido pelo CAPS, colabora na vida social dessas pessoas. Participaram do estudo indivíduos com esquizofrenia, na faixa etária de dezoito a quarenta anos, matriculados no CAPS de Uberaba, Brasil. Utilizou-se a entrevista semiestruturada que originou três categorias: vida dos pacientes antes e após o adoecimento, cotidiano dos usuários no ambiente extra CAPS e assistência do CAPS, colaborando na vida social e na estabilização de sintomas. Detectou-se que a terapêutica empregada colabora para a adesão ao tratamento e redução das internações psiquiátricas, mas a vida social dessas pessoas ocorre no contexto familiar e no ambiente de tratamento. Essa realidade mostra a necessidade de parcerias junto à Estratégia Saúde da Família e à comunidade para ampliar intervenções socializantes.

Descritores: transtornos mentais; esquizofrenia; qualidade de vida; enfermagem

INTRODUÇÃO

Ao se levantar a história dos transtornos mentais, depara-se com a menção de alguns sintomas, hoje associados à esquizofrenia, em textos hindus e gregos, no período antes de Cristo. Porém, foi a partir do século XIX que surgiram descrições mais precisas que delinearam a esquizofrenia tal como é conhecida hoje(1).

A esquizofrenia é patologia séria e persistente que ocasiona comportamentos psicóticos e diversas dificuldades ligadas aos relacionamentos interpessoais, ao processamento de informações, à solução de problemas, entre outras. De acordo com essa afirmativa, a esquizofrenia é um transtorno psicótico, uma vez que a psicose é definida segundo a percepção da realidade de um paciente e do comportamento advindo dessa percepção(2).

O transtorno psicótico em estudo se inicia entre a adolescência e o início da vida adulta jovem (geralmente entre 13 e 28 anos), gerando consideráveis prejuízos para a regularidade da participação das pessoas em atividades sociais, essenciais às suas vidas, tais como estudar, manter relacionamentos amorosos e interagir em grupos de amigos, entre outras(3).

Uma das principais evidências do prognóstico da esquizofrenia é o prejuízo no ajustamento social, o que pode ser evidenciado pela presença de diversos pacientes que atualmente residem na comunidade, os quais apresentam graves incapacidades e sinais de baixos níveis de funcionamento social(4).

Diante disso, percebe-se que existem pacientes que apresentam dificuldades para a adaptação social, expressas por meio de comportamentos sociais variados. Ao se descrever as experiências práticas, vivenciadas durante a realização deste estudo, verificou-se que muitos indivíduos que foram internados por longos períodos, na atualidade estão em tratamento nos serviços comunitários, onde participam de atividades, tais como festas e grupos terapêuticos diversos. Percebeu-se que adquiriram algum nível de autonomia que lhes permite gerir as suas próprias vidas, ainda que parcialmente. Outra percepção se relaciona àqueles pacientes que têm evolução desfavorável, por se mostrarem menos propensos às abordagens psicossociais.

As abordagens psicossociais compreendem um conjunto de ações capazes de proporcionar aos pacientes melhor integração social, profissional e, consequentemente, melhor qualidade de vida, considerando os limites impostos pela doença(1).

Ao se abordar a vida social dos pacientes, enfocou-se as relações sociais e a capacidade de inclusão de pessoas portadoras de esquizofrenia em eventos sociais, bem como sua capacidade para interação em grupos (amigos, religiosos, entre outros), o que parece ser um dos objetivos do tratamento centrado nas abordagens psicossociais.

Do exposto até então, vê-se que a esquizofrenia é considerada transtorno mental grave, não apenas por suas características sintomatológicas, mas também pela realidade que impõe ao paciente, tornando-o frágil às circunstâncias de seu ambiente, o que pode comprometer sua autonomia, afetando, direta ou indiretamente, várias esferas de sua vida.

Ao efetuar a revisão bibliográfica acerca do tema em estudo, observa-se que as pesquisas com enfoque na vida social dessa clientela ainda são restritas. Estudo de revisão de literatura, a partir dos Anais dos Encontros de Pesquisadores em Saúde Mental e Encontros de Especialistas em Enfermagem Psiquiátrica, promovidos pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP, verificou que o tema mais abordado pelos participantes dos encontros relacionou-se às Práticas Assistênciais(5). Essa realidade justifica a relevância para investigar como o próprio paciente avalia sua vida, enfocando o que considera importante para si, uma vez que, na atualidade, estão sendo oferecidas novas alternativas de tratamento, centradas na reabilitação psicossocial.

Dispositivo inovador de tratamento, que tem seus objetivos centrados na reabilitação psicossocial, é o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), o qual foi regulamentado pela Portaria 336, de 19 de fevereiro de 2002(6).

O CAPS é "um espaço de criatividade, de construção de vida, de novos saberes e práticas. Ao invés de excluir, medicalizar e disciplinar, deve acolher, cuidar e estabelecer pontes com a sociedade"(7).

Diante dessas considerações, desenvolveu-se este estudo com os seguintes objetivos: investigar a vida social de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, usuárias de um Centro de Atenção Psicossocial e identificar como o processo terapêutico, oferecido pelo referido Centro, tem colaborado na vida social dessas pessoas.

Considera-se importante este estudo, uma vez que o CAPS faz parte de nova proposta assistencial que deve oferecer tratamento que valorize a reinserção social e a melhora das condições de vida dos usuários, assistidos nesse espaço terapêutico. A partir dessa nova concepção assistencial, as práticas buscam favorecer o ajustamento social e, consequentemente, a vida social de portadores de transtorno mental, e não apenas a mera abolição de sintomas.

METODOLOGIA

Trata-se de pesquisa do tipo descritivo-exploratório, desenvolvida segundo abordagem qualitativa. A descrição e exploração possibilitam a identificação de problemas, estabelecendo relações entre as variáveis que, à luz da análise teórica, aprimora o conhecimento do objeto de estudo.

Durante a observação participante, realizou-se, por meio dos prontuários, o levantamento dos dados sobre os pacientes com vistas à seleção das pessoas a serem entrevistadas, cujos critérios de inclusão foram os seguintes: pacientes na faixa etária de dezoito a quarenta anos, portadores de esquizofrenia e matriculados no Centro de Atenção Psicossocial da cidade de Uberaba. A escolha da faixa etária se deve ao fato de a maioria dos relatos de dificuldades de interação social ter advindo de pessoas que se enquadravam nessa faixa etária, proposta durante a "Oficina de Notícias".

Os dados foram coletados após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética de Pesquisa em Seres Humanos da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Para coleta de dados, utilizou-se a entrevista semiestruturada. As entrevistas foram realizadas nos meses de junho a novembro de 2007, no CAPS, e foram gravadas. Ressalta-se que foi solicitado o consentimento informado aos participantes do estudo.

Para a análise dos dados, as fitas gravadas durante as entrevistas foram transcritas na íntegra pela própria pesquisadora, após uma primeira leitura para se obter visão geral do conteúdo obtido. Posteriormente, foi realizada análise temática dos dados para que se pudesse efetivar a discussão dos dados. Para tanto, utilizou-se como embasamento os seguintes passos: ordenação dos dados, classificação dos dados e categorias de análise(8).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Participaram da pesquisa 12 pacientes, uma vez que se utilizou o critério de saturação. Segundo esse critério, as entrevistas devem ser realizadas até o ponto em que se perceba que não estão sendo obtidos novos dados(9).

A partir das entrevistas, foi possível observar que os pacientes expressaram o seu cotidiano, as mudanças ocorridas após o adoecimento, bem como a forma em que o processo terapêutico, proposto pelo CAPS, tem colaborado para a vida social e estabilização de seus sintomas, o que pode ser observado através das categorias temáticas que emergiram de seus depoimentos.

A vida social dos pacientes antes e após o adoecimento

Os entrevistados mantiveram-se residindo junto aos seus familiares, após o adoecimento, o que os faz demonstrar satisfação, sobretudo por não terem vivenciado alterações no relacionamento familiar, como expresso no depoimento que se segue.

Antes, eu morava com minha mãe, com minha família e atualmente eu moro com minhas irmãs, porque minha mãe faleceu, mas elas me tratam bem e eu gosto disso (E2).

Deve ser enfatizado que o atual contexto da reforma psiquiátrica busca recriar as relações existentes entre a família, a sociedade e o portador de transtorno mental(10).

Prioriza-se, na atualidade, a aliança da família no tratamento de forma a possibilitar ao paciente o desenvolvimento de suas potencialidades, fortificando suas relações sociais em ambiente comunitário(11).

Dessa forma, é inegável que a família deva ser incluída no acompanhamento e tratamento da pessoa portadora de transtorno mental.

Observa-se, entretanto, que as relações parecem ocorrer apenas entre os pacientes e seus familiares, o que não possibilita a expansão da rede social dessas pessoas.

Nesse sentido, mencionam que as trocas sociais não devem acontecer somente nos domicílios, mas também nas praças, nos mercados, na comunidade e nas redes sociais(10).

Ao especificar a participação do paciente em eventos sociais, foram observadas algumas dificuldades, as quais podem ser identificadas por algumas de suas falas.

Antes, eu passeava e ia a festas e hoje, às vezes, faço caminhada perto da minha casa, porque fiquei mais mole por causa dos remédios e sinto muito sono... (E11). Nós costumávamos viajar muito junto com o pessoal da igreja, mas hoje não tenho ânimo para nada... (E9).

Depoimentos como esses foram frequentes e podem sinalizar para as dificuldades que os pacientes têm para se manterem participativos em eventos sociais após o adoecimento, considerando que a doença lhes trouxe limitações advindas da sintomatologia e/ou dos efeitos da medicação.

Ao se refletir a respeito da importância do CAPS na reinserção social desses pacientes, percebe-se que é um espaço de tratamento que deve oferecer recursos para uma vida digna, por meio de práticas terapêuticas diversas.

Considera-se importante apresentar o relato de uma entrevistada que expressou significativa mudança em sua vida após o adoecimento. Tal mudança decorreu de sua participação regular nas atividades terapêuticas, propostas pelo CAPS.

Antes de eu ficar doente, eu nunca tinha como passear... Depois que eu fiquei doente e me adaptei aos remédios ..., eu consigo participar das atividades da igreja e passear com algumas amigas... (E10).

Ao se abordar a questão da participação desses sujeitos no mercado de trabalho, apreende-se suas dificuldades para inserção no mercado de trabalho formal. Veja-se algumas falas nesse sentido.

...eu trabalhava muito para dar o sustento para casa e, hoje, ajudo os irmãos da igreja porque tenho uma igreja em casa... (E8). Eu trabalhava como secretária antes, mas agora ajudo minha mãe a cuidar de casa e, às vezes, faço unha de alguém... (E4).

Os sujeitos entrevistados expressaram suas dificuldades para inserção no mercado de trabalho, uma vez que nenhum deles apresentou vínculo empregatício formal. Essa realidade é muito frequente e uma das áreas sociais mais afetadas é sempre a performance no trabalho(12).

Essa realidade fez com que surgisse o trabalho protegido no cenário da reforma psiquiátrica brasileira, constituindo-se em mais um recurso terapêutico. Sua finalidade está focada na socialização, expressão e inserção social, por meio de oficinas. Nesse sentido, outra alternativa é a cooperativa social, visando a integração social dos cidadãos em desvantagem no mercado de trabalho econômico, por meio da oferta de trabalho(13).

O último aspecto relevante diz respeito às relações extrafamiliares, assim consideradas pela presença de amigos e/ou namorados na vida dos entrevistados. Quanto a esse aspecto, é possível observar que, anteriormente ao adoecimento, eles tinham amigos, presentes no cotidiano. Entretanto, atualmente, essa presença é muito rara ou até inexistente e, nesse sentido, eles atribuem tal situação ao adoecimento. Em alguns momentos expressaram considerar que seus familiares eram os únicos amigos.

Tinha amigos principalmente lá no trabalho, mas perdi o contato com essas pessoas porque não tenho muito ânimo nem para conversar e não os conheço mais... (E5).

Os transtornos mentais ainda são alvos de discriminação social por gerarem mal-estar nas pessoas, não só pelo medo do desconhecido, mas por se referirem a algo permeado por crenças e preconceitos, principalmente quando se fala em esquizofrenia(14).

Da mesma forma que referiram ter dificuldades para manter relações de amizade após o adoecimento, os entrevistados também expressaram dificuldades para namorar, o que, muitas vezes, não acontecia com frequência antes do adoecimento.

De vez em quando eu até namorava! Mas, depois que adoeci não tive mais namorado não... (E11).

Diferentemente das demais, outra entrevistada referiu ter se casado após o adoecimento.

É eu sempre gostava de namorar, mas eu tinha uma vontade de ter um relacionamento sério. E, atualmente, consegui me casar e estou grávida de quatro meses... (E10).

De forma geral, é possível identificar que o adoecimento gerou modificações significativas na vida dos pacientes, considerando que seus relatos expressaram dificuldades para manterem relações extrafamiliares, para participar de eventos sociais e, principalmente, para se manterem ativos no mercado de trabalho.

Cotidiano dos usuários no ambiente extra CAPS

Considera-se que essa seja uma discussão relevante para delinear o alcance das abordagens psicossociais para a reinserção social da pessoa com transtorno mental.

As relações sociais do paciente dentro e fora do CAPS foram apresentadas, de forma clara e objetiva, pelos pacientes. Durante sua permanência no ambiente interno do CAPS, a maioria construiu novas amizades. Entretanto, os encontros ocorreram somente no espaço do CAPS, conforme expressa o relato a seguir.

Tenho amigos aqui e gosto de todo mundo, mas é difícil eu encontrar eles fora daqui; de vez em quando, alguém vai na minha casa... (E4).

É possível observar que as atividades oferecidas no CAPS favorecem a construção de vínculos entre os pacientes, mas as socializações ficam restritas ao ambiente do CAPS. Isso possibilita refletir acerca da reinserção social com alcance parcial, principalmente porque os entrevistados expressaram não ter amigos fora do CAPS, centralizando seus ciclos de amizade na família, como se vê nos depoimentos.

Só tenho minha esposa como amiga e só saio quando minha esposa vai comigo... (E5).

Não tenho amigos e minha família é muito grande e eu sempre saio e converso com eles... (E12).

Percebe-se que é de grande importância o fortalecimento dos vínculos familiares, o que favorecerá o tratamento do paciente. Entretanto, por meio do tratamento, acredita-se ser importante que o paciente busque por vínculos extrafamiliares, para o enriquecimento de sua vida social.

Também é importante apresentar as atividades que os pacientes realizam no ambiente extra CAPS, pois, antigamente, a reabilitação era compreendida como o retorno do indivíduo ao estado anterior ou até mesmo à normalidade, perante suas atividades sociais e profissionais. Hoje, considera-se que a reabilitação psicossocial seja processo facilitador ao usuário com limitações, no sentido de melhorar sua autonomia para exercer funções junto à comunidade(15).

As atividades desenvolvidas no ambiente extra CAPS são muito variadas e todos os entrevistados concentram o seu tempo em afazeres domésticos e em atividades religiosas. E até nos finais de semana buscam atividades que eles chamam de lazer, como expresso a seguir.

Eu limpo a minha casa e também fico com meus irmãos e sobrinhos (E4). Fico na igreja e me reúno com os irmãos para rezar (E8). Vou passear na praça da Abadia com minha prima e, de vez em quando, vou para a missa... (E11).

Mesmo diante dessa realidade, que parece ser positiva, vê-se que a participação social não possibilita a expansão do ciclo de amigos dessas pessoas e, mais uma vez, nota-se a ênfase na presença da família durante essas atividades.

A assistência do CAPS colaborando na vida social e estabilização dos sintomas da clientela

Dentre as atividades oferecidas pelo CAPS, as que foram consideradas mais favoráveis pelos pacientes foram os atendimentos psicoterápicos grupais, a terapêutica medicamentosa, o atendimento médico, as oficinas de trabalhos manuais e as festas de confraternização.

Os atendimentos psicoterápicos grupais possibilitam ao grupo de pacientes a aquisição de recursos emocionais para enfrentarem o cotidiano, o que parece aproximá-los de uma vida social mais ativa, conforme expresso, a seguir.

Eu faço terapia em grupo com o psicólogo e converso bastante, doando palavras amigas pra quem tá desanimado, converso bastante... (E4).

Outra atividade relatada foi a terapêutica medicamentosa. Sob a ótica deles, a equipe de enfermagem do CAPS não apenas administra a medicação, mas também oferece orientações acerca da forma correta de utilizá-la, em ambiente domiciliar, bem como enfatiza a importância dessa prática para a estabilização de sintomas.

...pego os meus remédios com o técnico em enfermagem que me explica como devo tomar em casa e me dá ânimo para continuar o tratamento e ficar bom... (E5).

A equipe de enfermagem não deve centrar suas ações apenas em administração medicamentosa, ou no auxílio aos cuidados alimentares, ou de higiene, e sim na oferta de assistência que enfoque a autonomia do paciente em todas as esferas de sua vida. Tais ações podem se centrar em orientações que reforcem as práticas de vida para favorecer o autocuidado, uso correto da medicação e participação efetiva no tratamento.

Outra menção frequente relaciona-se ao atendimento médico por esse profissional, possibilitando a liberdade de expressão dos pacientes. Veja-se um desses relatos.

... passo pelo médico que me escuta sem julgamento e me receita os remédios direitinho... (E7).

A oficina de trabalhos manuais também foi verbalizada enquanto importante recurso terapêutico.

... a oficina me faz muito bem e eu até ensino o pessoal a fazer tapetes que faço aqui e na minha casa para vender... (E11).

As oficinas caminham no sentido de permitir aos envolvidos estabelecer cuidados consigo mesmos, de trabalho e de afetividade com os outros, configurando, assim, sua finalidade social associada à clínica(16).

Diante dos depoimentos, verifica-se que as oficinas de trabalhos manuais são atividades que possibilitam o convívio de pessoas com transtorno mental, exercendo a cidadania, promovendo a expressão da liberdade e realizando a convivência dos pacientes por meio de suas produções.

A última atividade a ser destacada relaciona-se às festas promovidas pelo serviço, que parecem ser um dos recursos mais significativos para o enriquecimento da vida social dos entrevistados.

... não perco nenhuma festa e até ajudo quando precisam de ajuda... (E11).

Partindo do depoimento supracitado, atividades socializantes, como as festas, fazem parte dessa importante proposta de reabilitação psicossocial, uma vez que elevam a autoestima do paciente, fazendo-o se sentir capaz de exercer alguma função social. Assim, é necessário que seja estimulada a participação dos envolvidos nessas atividades.

Ao averiguar as percepções sobre a forma como o CAPS lhes ajudou, sob a ótica psicossocial e clínica, verificou-se grande número de pacientes que disse ter havido redução de sintomas psicóticos e das crises.

O uso dos meus remédios que não me deixam ter tanta cisma e isso eu só consegui aqui no CAPS (E12).

Os sintomas da doença mental são vividos como experiência de grande sofrimento, desespero, nervosismo, prejudicando as vivências do cotidiano. A minimização desses sintomas contribui para a participação social do portador de transtorno mental(17).

Dessa forma, percebe-se que a presença de sintomas psicóticos dificulta a participação da pessoa em eventos sociais e/ou laborais, resultando em empobrecimento de sua vida social. No entanto, os depoimentos obtidos e os dados da literatura permitem observar que a remissão desses sintomas favoreceu a vida social dos entrevistados.

A redução de internações parece ser um dos resultados positivos da terapêutica proposta, como expressa o relato abaixo.

Vindo aqui eu faço o tratamento direitinho; isso me faz não piorar e ter que internar... tem quatro anos que eu não vou ao sanatório (E2).

Face a essas considerações e aos depoimentos, verifica-se que o CAPS colabora, significativamente, para o enriquecimento da vida de usuários com diagnóstico de esquizofrenia, além de amenizar as alterações que interferem nas várias esferas de suas vidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parece ser essencial enfatizar que as ações desenvolvidas no CAPS, especialmente as oficinas de trabalhos manuais e os eventos de socialização são atividades facilitadoras da relação entre usuários, profissionais e famílias. Destacam-se, ainda, as contribuições dos recursos terapêuticos propostos pelo CAPS para a adesão ao tratamento e redução das internações psiquiátricas.

A partir da realidade apresentada pelos participantes deste estudo, verifica-se que a vida social dessas pessoas se centra no contexto familiar e no ambiente do CAPS, revelando, assim, dificuldades para a interação social com a comunidade.

Nesse sentido, parece ser essencial a reflexão acerca da necessidade de a equipe atuante no CAPS estabelecer parcerias intersetoriais junto à Estratégia Saúde da Família e à própria comunidade, de forma que o paciente tenha oportunidade de ampliar suas possibilidades terapêuticas relacionadas à socialização. Há necessidade de se investir na desmistificação social acerca da esquizofrenia, o que se acredita, aqui, possibilitar a ampliação da vida social dessas pessoas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009

Histórico

  • Aceito
    28 Jul 2009
  • Recebido
    27 Set 2008
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