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Interação enfermeiro-familiar de paciente com comunicação prejudicada

Interacción enfermero-familiar del paciente con comunicación perjudicada

Impaired communication in interactions between nurses and patients' family members

Resumos

O presente estudo tem por objetivo apresentar a análise de uma interação da enfermeira com familiar de paciente com comunicação prejudicada, tendo por base o referencial teórico do relacionamento interpessoal. A paciente, uma jovem de 20 anos com feto morto, apresentava várias complicações. A interação ocorreu com a tia (mãe de criação) da paciente. Quanto a sua estrutura, esta interação foi diagnóstica, terapêutica e permitiu estabelecer uma proposta de ajuda conjunta. Quanto ao conteúdo foi possível encontrar os pontos de apoio dos familiares e identificar fatos novos para a equipe poder melhorar a assistência à paciente.

saúde mental; família; comunicação


El presente estudio tiene el objetivo de presentar el análisis de una interacción de la enfermera con el familiar de un paciente con comunicación perjudicada, basada en el referencial teórico de la relación interpersonal. La paciente, una joven de 20 años con el feto muerto, presentaba diversas complicaciones. La interacción ocurrió con la tía (madre de creación) de la paciente. En relación con su estructura, esta interacción fue diagnóstica como terapéutica y permitió establecer una propuesta de ayuda conjunta. En relación con el contenido fue posible encontrar los puntos de apoyo de los familiares e identificar hechos nuevos para el equipe poder mejorar el cuidado al paciente.

salud mental; familia; comunicación


This study aims at presenting the analysis of an interaction between a nurse and a patient's family member in which impaired communication was observed. The interpersonal-relationship theoretical framework was used. The patient was young, 20 years old, bore a dead fetus and presented various complications. The interaction took place with her aunt (stepmother) and as to the structure, it was diagnostic, therapeutic and made it possible to establish a proposal of continuous assistance. As to content, it was possible to find the points of support given by family members and identify new facts so that the nursing team could improve the assistance given to the patient.

mental health; family; communication


Artigo Original

INTERAÇÃO ENFERMEIRO-FAMILIAR DE PACIENTE COM COMUNICAÇÃO PREJUDICADA 1 Projeto elaborado na disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-paciente; 2 Pós-Graduanda do Curso de Doutorado em Enfermagem Fundamental e Professor Assistente junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 3 Professor Titular junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 4 Professor Doutor junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 1 1 Projeto elaborado na disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-paciente; 2 Pós-Graduanda do Curso de Doutorado em Enfermagem Fundamental e Professor Assistente junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 3 Professor Titular junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 4 Professor Doutor junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Adriana Aparecida Delloiagono de Paula2 1 Projeto elaborado na disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-paciente; 2 Pós-Graduanda do Curso de Doutorado em Enfermagem Fundamental e Professor Assistente junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 3 Professor Titular junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 4 Professor Doutor junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Antonia Regina F. Furegato3 1 Projeto elaborado na disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-paciente; 2 Pós-Graduanda do Curso de Doutorado em Enfermagem Fundamental e Professor Assistente junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 3 Professor Titular junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 4 Professor Doutor junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Maria Cecília Morais Scatena4 1 Projeto elaborado na disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-paciente; 2 Pós-Graduanda do Curso de Doutorado em Enfermagem Fundamental e Professor Assistente junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 3 Professor Titular junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 4 Professor Doutor junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

O presente estudo tem por objetivo apresentar a análise de uma interação da enfermeira com familiar de paciente com comunicação prejudicada, tendo por base o referencial teórico do relacionamento interpessoal. A paciente, uma jovem de 20 anos com feto morto, apresentava várias complicações. A interação ocorreu com a tia (mãe de criação) da paciente. Quanto a sua estrutura, esta interação foi diagnóstica, terapêutica e permitiu estabelecer uma proposta de ajuda conjunta. Quanto ao conteúdo foi possível encontrar os pontos de apoio dos familiares e identificar fatos novos para a equipe poder melhorar a assistência à paciente.

UNITERMOS: saúde mental, família, comunicação

IMPAIRED COMMUNICATION IN INTERACTIONS BETWEEN NURSES AND PATIENTS' FAMILY MEMBERS

This study aims at presenting the analysis of an interaction between a nurse and a patient's family member in which impaired communication was observed. The interpersonal-relationship theoretical framework was used. The patient was young, 20 years old, bore a dead fetus and presented various complications. The interaction took place with her aunt (stepmother) and as to the structure, it was diagnostic, therapeutic and made it possible to establish a proposal of continuous assistance. As to content, it was possible to find the points of support given by family members and identify new facts so that the nursing team could improve the assistance given to the patient.

KEY WORDS: mental health, family, communication

INTERACCIÓN ENFERMERO-FAMILIAR DEL PACIENTE CON COMUNICACIÓN PERJUDICADA

El presente estudio tiene el objetivo de presentar el análisis de una interacción de la enfermera con el familiar de un paciente con comunicación perjudicada, basada en el referencial teórico de la relación interpersonal. La paciente, una joven de 20 años con el feto muerto, presentaba diversas complicaciones. La interacción ocurrió con la tía (madre de creación) de la paciente. En relación con su estructura, esta interacción fue diagnóstica como terapéutica y permitió establecer una propuesta de ayuda conjunta. En relación con el contenido fue posible encontrar los puntos de apoyo de los familiares e identificar hechos nuevos para el equipe poder mejorar el cuidado al paciente.

TÉRMINOS CLAVES: salud mental, familia, comunicación

INTRODUÇÃO

Para o ser humano, a doença é a quebra da harmonia orgânica, interferindo, com todos os setores da sua vida, especialmente na convivência com os familiares mais próximos.

Quando a hospitalização se faz necessária, o indivíduo é retirado de seu ambiente familiar e no hospital encontra um mundo completamente estranho, onde rotinas e normas rígidas controlam e determinam suas ações.

CERIBELLI (1977) afirma que ao ser hospitalizado, o paciente deixa sua família, trabalho e meio ambiente para adentrar em um mundo diferente, sendo obrigado, inclusive, a ter seus hábitos modificados para se ajustar às rotinas do hospital. Afirma ainda que este indivíduo traz conceitos advindos de suas relações com vizinhos, conhecidos, leituras de jornais ou revistas, ou mesmo por experiências anteriores de hospitalizações que favorecem a fuga da realidade ou a sua distorção.

Estudiosos como COSPER (1977) e SKIPPER et al. (1964) concordam com a importância da comunicação entre o profissional e a pessoa hospitalizada tanto no que se refere à compreensão do jargão local quanto da segurança necessária ao paciente nessas condições.

Diante dessas possibilidades, a equipe de enfermagem procura amenizar as sensações de desequilíbrio bio-psico-sócio-espirituais apresentadas pelo paciente, aumentando sua confiança e auto-estima.

A relação interpessoal que se dá entre o enfermeiro e a pessoa hospitalizada está calçada na comunicação entre ambos.

Para LITTLEJOHN (1982), a comunicação interpessoal se dá através da troca de mensagens codificáveis (verbal e não verbalmente) entre os envolvidos, marcadas pela informalidade e flexibilidade.

Numa abordagem compreensiva sobre a mesma questão, RODRIGUES (1993) afirma que quando alguém busca ajuda e outra pessoa capaz de prestar auxilio coloca-se profissionalmente disposta a compreender o problema, a ajudar o outro a evoluir pessoalmente no sentido de sua melhor adaptação pessoal, através da comunicação interpessoal, temos a relação de ajuda.

Para ROGERS (1982), a relação de ajuda é uma relação na qual pelo menos uma das partes procura promover na outra o crescimento, o desenvolvimento, a maturidade, o melhor funcionamento e maior capacidade de enfrentar a vida.

A relação de ajuda se dá através de todas as interações enfermeiro-paciente de duas formas básicas: a) no desempenho das tarefas rotineiras de enfermagem e b) no seguimento de pacientes ou grupos, dentro ou fora do contexto hospitalar (RODRIGUES, 1993 e 1996b). Assim, em todas as situações de contato com o paciente está presente a comunicação. Esta comunicação poderá ser impessoal (robótica) ou pessoal (compreensiva) e, portanto, terapêutica ou não. Terapêutica será toda interação na qual o enfermeiro esteja voltado para atender as reais necessidades de quem precisa de ajuda. Essa ajuda pode se dar junto a uma pessoa e seus familiares ou junto a grupos específicos da população.

De acordo com TRAVELBEE (1982), a relação de ajuda possui uma caraterística muito importante, ou seja, o enfermeiro usa sua própria pessoa como instrumento terapêutico, através da relação interpessoal.

PAULA (1995) afirma que o enfermeiro possui formação pedagógica que facilita sua interação com o paciente. RODRIGUES (1996b) ressalta que, na relação de ajuda, o enfermeiro utiliza-se tanto de seus conhecimentos gerais de enfermagem e os específicos da situação em questão como dos procedimentos técnicos e principalmente de si próprio, como instrumento terapêutico.

Na relação de ajuda, espera-se que o enfermeiro promova um ambiente favorável, onde o indivíduo sinta tranqüilidade e confiança para expressar-se, pois segundo LAZURE (1994), o objetivo da relação de ajuda é dar ao indivíduo a possibilidade de identificar, sentir, saber, escolher e decidir se deve mudar.

Esta afirmação vai ao encontro do posicionamento de RUDIO (1990). Para ele, quando o indivíduo possui liberdade experiencial é capaz de entrar num processo de exploração de sua personalidade a fim de descobrir e reconhecer por si mesmo as incoerências que nele existem. Da mesma forma, o Modelo de Procedimento de Enfermagem de Saúde Mental (M.P.E.S.M.) oferece subsídios para o profissional conduzir compreensivamente a relação de ajuda (RODRIGUES, 1996a).

Este processo é possível quando utilizamos a comunicação interpessoal não-diretiva, estimulando a comunicação da pessoa consigo mesma e com a situação com a qual convive.

Diante das colocações dos estudiosos das relações interpessoais na área da saúde, temos refletido sobre nossa atuação profissional que encontra-se centrada principalmente na instituição, transferindo para o paciente as normas e rotinas desta, com prevalência de atitudes autoritárias.

A disciplina "Relacionamento interpessoal enfermeiro-paciente", como parte de um projeto de aprofundamento dos estudos desta temática, tem propiciando os elementos teórico-vivenciais para repensarmos a essência do trabalho da enfermagem e a possibilidade da humanização da assistência com responsabilidade.

Através deste estudo, os enfermeiros são estimulados a avaliar sua conduta profissional diante das mais variadas situações do cotidiano. Esta avaliação promove profundas reflexões sobre o exercício de sua prática, sobre o suporte no qual é baseada, sobre as possibilidades terapêuticas do desempenho humanista e sobre a responsabilidade que recai sobre sua conduta profissional em respeito ao ser humano sob seus cuidados.

Assim, a enfermeira-pós graduanda experiencia uma vivência do seu cotidiano que é analisada em profundidade. Por este motivo, optamos por interagir com um familiar de paciente da Clínica de Ginecologia e Obstetrícia, onde a enfermeira-aluna era a encarregada do turno.

OBJETIVO

- Analisar uma interação enfermeira-familiar de paciente com comunicação prejudicada, tendo por base o referencial teórico do relacionamento interpessoal.

INFORMAÇÕES TÉCNICAS SOBRE O ESTUDO

R.C.S., paciente com 20 anos, com diagnóstico médico de Insuficiência Renal Aguda, acompanhada de insuficiência respiratória, coma hiperosmolar e cetoacidose diabética. Tal quadro deu-se após 34 semanas de gestação, culminando com o nascimento de um feto morto. Paciente primigesta deu entrada na instituição com um distúrbio metabólico e, após constatação de feto morto, foi submetida ao parto cesárea, registrando-se a ocorrência de duas paradas cardio-respiratórias, uma no intra-operatório e uma no pós-operatório imediato. Evoluiu para estado febril e foco infeccioso no útero, sendo submetida, após dois dias do parto, a uma cirurgia de histerectomia total, por via abdominal. Permaneceu 20 dias no CTI, sendo transferida para a enfermaria em coma vigil, respondendo apenas aos estímulos.

A interação ocorreu entre uma tia da paciente que se apresentou como "mãe" (responsável pela criação da paciente) e a enfermeira encarregada do turno. A enfermeira obteve permissão da Diretora do Serviço de Enfermagem da Unidade de Ginecologia e Obstetrícia onde atuava. Sua anuência teve por base o benefício que esta interação traria à paciente e sua acompanhante naquele momento, como também a análise do material registrado reverteria em beneficio para o desempenho do profissional, nesta Unidade. A paciente foi devidamente informada e concordou com a utilização dos dados para ensino e pesquisa. O local escolhido foi uma sala reservada, evitando-se interrupções.

A tia da paciente foi informada sobre os objetivos da interação. Obtivemos sua permissão para gravar as comunicações, para analisar seu conteúdo na disciplina Relacionamento Interpessoal e para divulgação dessa análise, garantindo seu anonimato.

Procurou-se realizar uma relação de ajuda, conduzindo a interação segundo o Modelo de Procedimento de Enfermagem de Saúde Mental de RODRIGUES (1996a), com enfoque não-diretivo.

O registro verbal foi transcrito e depois analisado pelas enfermeiras da Unidade de internação, bem como pelo grupo de alunos, enfermeiros de várias especialidades e psicóloga, que participaram da disciplina, do Curso de Pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica -"Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-Paciente".

O material foi novamente objeto de análise considerando o registro da interação original, as avaliações já mencionadas e o referencial teórico que o embasou.

ANÁLISE

Como diz RODRIGUES (1993,1996a,b), toda interação terapêutica tem início, desenvolvimento e encerramento. Diz ainda que o primeiro contato com a pessoa que precisa de ajuda tem características especiais que o diferencia dos demais encontros do terapeuta com o paciente. Este primeiro contato comporta três finalidades distintas porém concomitantes: diagnóstica, terapêutica e fixação de um contrato (proposta terapêutica).

A interação da enfermeira com a tia da paciente foi diagnóstica pois ofereceu oportunidades de reconhecimento e observação mútuas. Os dados primários puderam ser captados através dos sentidos e reações instintivas da enfermeira frente às situações relatadas de tal forma que houve até um momento da relação em que esta exclamou "Meu Deus!", com toda a naturalidade.

D* 1 Projeto elaborado na disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-paciente; 2 Pós-Graduanda do Curso de Doutorado em Enfermagem Fundamental e Professor Assistente junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 3 Professor Titular junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 4 Professor Doutor junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - E nem eu tenho dinheiro prá ficar gastando na passagem, que sempre fica R$ 125 cada.

E** 1 Projeto elaborado na disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-paciente; 2 Pós-Graduanda do Curso de Doutorado em Enfermagem Fundamental e Professor Assistente junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 3 Professor Titular junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 4 Professor Doutor junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - É bem caro, não dá pra ficár indo e vindo...Como é que está a família da sra lá?

D - A minha filha, a minha ...o meu...tenho um menino com 15 anos, que toma remédio controlado; tenho a menina com 9 anos estudando; tem outra com 11. Tem meu marido que toma comprimido prá pressão, um pela manhã, um pela noite ...desempregado.

E - Meu Deus!

D - Pois é ...

Esta interação foi diagnóstica também porque a pessoa que precisava de ajuda pôde seguir o curso natural de sua comunicação e, com raros momentos de corte, a enfermeira esteve concentrada na queixa expressa e pôde formar uma idéia bastante próxima da realidade dos fatos que estavam acontecendo.

Através das pistas oferecidas pela tia, na comunicação, foi possível conhecer a situação da paciente, contextualizada e com detalhes, de forma a ajudar a equipe de enfermagem a compreendê-la melhor, visto que ela própria não tinha condições de expressar-se verbalmente.

Por ter tido a sensibilidade necessária para deixar fluir a comunicação naturalmente (sem a preocupação comumente usada em se fazer um inquérito da vida da paciente), a senhora entrevistada relatou detalhadamente desde os fatos atuais, os seus sentimentos, os da paciente e os do marido, até a história pregressa com antecedentes pessoais e de saúde, informações sobre a assistência recebida e suas expectativas.

A adequação do posicionamento da enfermeira permitiu-lhe ainda ajudar a entrevistada a clarificar algumas comunicações. Ela própria (entrevistadora) colocou suas impressões para verificar se estavam sendo adequadamente interpretadas, como ilustram os trechos abaixo:

D - Aí casou-se, né? E ficou... Depois que ela casou na Igreja, ela num foi mais lá em casa Mais todo...

E - A sra... mora aonde?

D - Eu moro no Juazeiro do Norte.

E - Juazeiro do Norte.

D - É. Então todo sábado, e quando eu num ligava pra ela no sábado, ligava no domingo... Aí, vez em quando passava até 15 dias sem ligá porque... o telefone era numa casa vizinha e a gente sempre ficava ressabiado de chamá a pessoa pra...

E - Ficava preocupado.

D - Se preocupa um pouco, né?

E - Isso.

D - Então, agora há pouco, o sogro dela comprô telefone; então ficou bem mais fácil, aí...

E - É que ela morava com o sogro e a sogra?

D - É, morava dentro da casa do sogro e da sogra. Intão ela sempre falava pra mim que vinha moleza, que tinha desânimo no corpo...

Note-se que a enfermeira fez um corte na comunicação da tia da paciente que dizia: mais todo ... Entretanto, ela respondeu à pergunta da enfermeira sobre a localização de sua moradia mas, imediatamente, retornou ao assunto que para ela era mais importante naquele momento: a vida da paciente.

No final deste mesmo trecho, a enfermeira quis confirmar a informação sobre a residência da paciente. A informante respondeu e voltou imediatamente a focalizar a paciente.

Apesar de alguns momentos de ansiedade, em que a enfermeira interviu de forma não muito adequada, a interação da enfermeira com a tia (mãe da paciente) foi terapêutica.

A entrevistada deve ter percebido real interesse da enfermeira visto que informou objetivamente o que sabia, manifestou seus sentimentos a respeito da situação, expressou sua confiança no serviço (especialmente no cuidado de enfermagem) e colaborou na busca de pontos positivos que poderiam ajudar à paciente, sua sobrinha/filha.

Esta interação foi terapêutica também porque a enfermeira foi capaz de permitir à Sra. D. que aliviasse sua ansiedade, verbalizando suas preocupações. No início, ela foi apenas relatando os fatos e a enfermeira manifestando assentimento e seu real interesse em ouvi-la.

Nesta fase da interação, a enfermeira fez algumas colocações de esclarecimento para melhor situar sua compreensão.

E - A sra é é é ...mãe dela?

D - É, sou mãe de criação

E - De criação...Ah!

D - É, criei ela desde os 8 anos, né?

E - Os pais dela separaram...

D - É, são separados

E - E aonde que tá a mãe dela de sangue?

D - A mãe dela mora em Brasília ...

E - Ah!

D - Né?

E - Mas a sra. é que é a mãe mesmo?

D - É, exato... Aí que eu mandei R $ 200 prá ela, aliás mandei 300, era 100 pra ela se maquiá... e 200 pra ela... filmá o casamento, né?

E - Certo.

D - Aí com isso ela ficou alegre, filmô o casamento e mandô pra mim... Fui, eu nunca vi assim, 15 anos pra cá num via tristeza nela não, sempre uma menina alegre... Quando ela dizia, hoje eu vou arrumá a casa, vou dá uma geral aqui, o som era ligado até ela terminá...

No trecho acima, percebe-se que a enfermeira, introduziu um conceito que poderia ter despertado outros sentimentos quando ela disse: "mas a sra. é que é a mãe mesmo"? Entretanto, como esta não era a preocupação da Sra. D. naquele momento, prosseguiu contando que ajudava a paciente a ficar feliz no dia do casamento, ressaltando o quanto a paciente era alegre e disposta.

Esta questão foi focalizada durante toda a interação fazendo um contraponto entre alegria/tristeza, disposição/moleza-desânimo, como nos trechos aqui destacados:

"...era um pouco triste, sabe? Da separação dos pais dela ..."

"...já tinha casado no civil, voltou lá mais alegre e satisfeita..."

"...ficou um pouco triste porque eu não pude vir..."

"...com isso ela ficou alegre, filmô o casamento..."

"...foi duas veiz na casa da mãe dela, mais todas as 2 veiz o esposo foi com ela porque ela se sentia mal , numa só noite de viagem ela já se sentia mal..."

" Ai sempre que eu ligava, ela me contava mais moleza...de que tava bem forte, a barriga já estava grande".

" Aí quando deu no ultrassom que era homem, ela ligou para mim. Antes, ela num sabia o que era e ficou morrendo de alegre...e...tudo bem né?..."

Conforme D. contava a história da paciente foi emocionando-se. Não sabemos se conscientemente ou não, foi apontado os fatos que levaram a paciente ao atual estado:

"...ele era empregado numa firma que ela tinha direito à Unimed, né? Então ela tratava na clínica com esse Dr. M..."

"...Passou o tratamento dela pro postinho que tem no bairro".

"...O Dr. M.. num me atendeu mais como ele me atendia lá em baixo. Ela disse, mais como assim? Porque lá em baixo, ele me examinava, ele me procurava as coisa, e agora eu é que falo tudo o que eu quero falá e ele parece qui nem mi escuta, num me examina; tô achando muito devagar... ele desligou por causa que ficou mais fraco o ganho pra ele..."

Ela vai relatando que, naquele mesmo dia, a paciente não conseguiu chegar sozinha em casa, e à noite, começou a passar mal e que quando chegou a ser atendida no hospital, gritava de dor. O médico achou que era exagero dela mas examinou e disse: " Vamos fazer o ultassom que eu acho que essa, esse, que essa criança já tá é morta...né?".

Relata que imediatamente após o médico dizer que a criança estava morta, a paciente desacordou. A tia enfatizou: "acho que ela não aceitou a perda do filho...".

Nesse ponto, chorando, ela continuou a contar que a paciente entrara imediatamente em estado de coma, pois estava toda largada. Foi levada à cirurgia e retirado o bebê, possivelmente morto há 15 dias.

Segundo BLEGER (1989),

"se uma pessoa chora, significa que está triste; seu pranto é sua tristeza. A origem psicológica dessa conduta não deriva do fato de que a " tristeza psicológica" "transformou-se" em pranto. A origem psicológica de sua tristeza, que aparece na área do corpo como pranto, emerge de uma situação, de um acontecimento. O mesmo pode-se dizer do papel que joga a ansiedade na psicogênese, porque a ansiedade não é a causa de um sintoma e sim ambos são emergentes de uma situação".(p.121)

A enfermeira, segurando as mãos da tia da paciente, permitiu que, em meio ao choro, ela continuasse a verbalizar seus sentimentos e os últimos acontecimentos, voltando mais a comunicação para ela própria. Nesse ponto, D. falou mais de si, de suas dificuldades para estar junto com a sobrinha devido à distância de sua casa no Nordeste, das condições dos outros membros da família e de todo o seu conflito de querer ficar, mas tendo que ir.

Na sua tarefa de ajuda, a enfermeira esteve atenta às informações da entrevistada, procurando pontos de apoio para tentar ajudá-la e principalmente à paciente que não se comunicava, embora já tivesse tido alta do C.T.I. (Centro de Terapia Intensiva). Ficou sabendo quanto tempo poderia ainda contar com a presença da tia D. sobre os sentimentos e a dedicação do marido.

D - Vê, a recuperação dela pra mim é tudo.

E - Nossa... E como é que tá o marido dela D.?

D - Triste...triste. Sempre que ele chega aí, ele olha pra ela e num si controla, as lágrimas dele cai...Mais ele disse que tem o peito cheio de esperança que ela sai dessa, e que nunca abandona ela, ama ela de coração.

E - É, isso é importante, não é?

D - É, ele gosta muito dela, sobre isso aí eu num tenho dúvida, que ele gosta dela sim.

E - E o que a sra. acha que a gente poderia fazer?

A enfermeira ajuda a tia da paciente a fazer uma análise da situação atual da paciente e juntas tentam encontrar os pontos de apoio para a paciente.

E - É importante a sra. estar aqui, porque a sra. é um pessoa muito importante, para ela.

D - É...

E - E o marido vêm, fazer carinho, também?

D - É, também...Ai sábado eu tô com vontade de ir em casa, ai meu Deus. Eu fico rezando, que Deus me ajudasse, que ela reagisse mais um pouco da qui pra Sábado, pra mim já sair com mais esperança, né?

E - E tranquila, né D.?

...............................................

E - Gosta de música então?

D - É. Ela sempre gostou.

E - Então nós vamos ver isso daí...

D - Pois é.

E - ...pelo menos colocar alguma música lá prá ela ouvir durante o dia.

D - Mas ela já reagiu, que eu tenho esperança que ela vai se levantar daí, viu? Eu só tenho medo que ela fique com alguma coisa no cérebro,...

Esta interação atingiu também seu terceiro objetivo, o de estabelecimento de um contrato. Esse contrato é o resultado das propostas feitas pela enfermeira que é a pessoa que conduz conscientemente a interação para o prosseguimento da ajuda terapêutica. Isto pode implicar em marcar novos encontros, fazer encaminhamentos, propor orientações e principalmente propor ações em benefício daquele que precisa de ajuda.

Nesta entrevista com um familiar, a enfermeira buscou os pontos de apoio dos familiares; incentivou a presença e a participação destes no processo de recuperação da paciente; buscou descobrir fatos novos para estimulá-la; propôs a utilização do recurso da música em alguns períodos do dia; propôs a presença de profissionais mais preparados para ajudá-la; buscou ainda, conhecer a versão do familiar sobre os acontecimentos para que a equipe pudesse entender melhor a conduta da paciente.

Para BLEGER(1989), o afeto é uma conduta e como tal é sempre uma reação, uma resposta sem suficiente discriminação entre o interno e o externo e pode ser utilizado como índice perceptivo do que ocorreu em dado momento. Assim, estimulando o afeto consciente das pessoas em torno da paciente que mostra sinais de melhora do estado de coma, esperam-se resultados positivos em seu benefício.

Segundo RODRIGUES (1993), não se espera num primeiro e único contato, o estabelecimento de diagnósticos da situação toda mas é sempre possível ter uma definição mais clara do problema e importantes dados para determinar como se poderá prosseguir no trajeto da ajuda.

O propósito da interação da enfermeira com o familiar da paciente era de poder ajudá-la tendo em vista sua dificuldade de comunicação direta. Dessa forma, foi atingido o objetivo proposto.

CONCLUSÕES

O aspecto mais positivo da condução da comunicação fica por conta da percepção da enfermeira sobre a necessidade da tia da paciente em contar detalhadamente os acontecimentos que levaram a paciente ao quadro clínico em que se encontra, mostrando seu ponto de vista sobre a situação.

Conforme foi diminuindo a ansiedade da informante, o diálogo foi mais participativo e a enfermeira teve oportunidade de conduzir para a objetivação da ajuda à paciente. Por outro lado, foi também sensível às necessidades da sua interlocutora tendo sido claramente terapêutica e compreensiva com seus sentimentos.

Como já apontamos, a enfermeira, em função de sua ansiedade pessoal, fez alguns cortes na comunicação, foi diretiva em alguns momentos, tentou dar explicações desnecessárias e usou alguns termos introduzindo valores pessoais sobre a situação da paciente tais como "com certeza", "que bom", "certo". Reconhecemos que não é tão simples ser compreensiva, evitar a diretividade e colocar a pessoa realmente no centro de nossas atenções.

Quanto ao objetivo da interação, que era de ajudar a paciente em estado de coma, este foi atingido visto que as informações foram consideradas e a díade enfermeira-informante pôde estabelecer propostas de ajuda à paciente.

A interação aqui apresentada e analisada oferece subsídios para a enfermagem, tanto no seu aspecto técnico como do conteúdo focalizado.

No aspecto do conteúdo, destacamos que se toda conduta tem um sentido fica o alerta para que o profissional valorize toda comunicação verbal ou não verbal apresentada pela pessoa que enfrenta o episódio de sofrimento.

Quanto ao aspecto técnico temos que destacar a possibilidade de ajuda a alguém com comunicação prejudicada, através de outros interlocutores, neste caso um familiar.

Recebido em: 11.8.1998

Aprovado em: 10.9.1999

* D - Entrevistada (tia da paciente)

** E - Enfermeira

  • 01. BLEGER, J. Psicologia da conduta Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
  • 02. CERIBELLI, M.I.P.F. Micção espontânea em decúbito no período pós-operatório. Ribeirão Preto, 1977. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
  • 03. COSPER, B. How do patiente understand hospital jargon? Am. J. Nurs., v. 77, n. 12, p. 1930-4, 1977.
  • 04. LAZURE, H. Viver a relação de ajuda Lisboa: Lusodidacta, 1994.
  • 05. LITTLEJOHN, S.W. Fundamentos teóricos da comunicação humana Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
  • 06. PAULA, A.A.D. Ensino sobre perioperatório a pacientes: estudo comparativo de recurso audiovisual (vídeo) e oral. Ribeirão Preto, 1995. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
  • 07. RODRIGUES, A.R.F. Relações interpessoais enfermeiro-paciente: análise teórica e prática com vistas à humanização da assistência em saúde mental. Ribeirão Preto, 1993. Tese (Livre-docência) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
  • 08. ¾¾¾¾¾¾¾¾ Enfermagem psiquiátrica: prevenção e intervenção. São Paulo: EPU, 1996a.
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  • 11. RUDIO, F.V. Orientação não diretiva: na educação, no aconselhamento e na psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1990.
  • 12. SKIPPER, J.K. et al. What comunication means to patients? Am. J. Nurs., v. 64, n. 4, p. 101-3, 1964.
  • 13. TRAVELBEE, J. Interventión en enfermeria psiquiátrica Colômbia: Carvajal, 1982.
  • 1
    Projeto elaborado na disciplina Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-paciente;
    2
    Pós-Graduanda do Curso de Doutorado em Enfermagem Fundamental e Professor Assistente junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo;
    3
    Professor Titular junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo;
    4
    Professor Doutor junto ao Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2000

    Histórico

    • Aceito
      10 Set 1999
    • Recebido
      11 Ago 1998
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