Acessibilidade / Reportar erro

Barreiras em relação aos exames de rastreamento do câncer de próstata

Resumos

Com o objetivo de descrever barreiras sobre rastreamento do câncer de próstata, realizou-se inquérito domiciliar, abrangendo 160 homens, de uma área da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Pouco mais da metade já havia realizado o exame. Em relação às crenças sobre a doença, 95% deles acreditam na cura se detectado precocemente, 29,4% referiram possibilidade de vida normal embora doente, 56,3% acreditam que pode ser assintomático, 36,1% concordam/discordam que o tratamento é pior que a doença e 34,4% concordam que o exame afeta a masculinidade e, se estiver bem, não é necessário fazê-lo. Quanto às barreiras, 15% informaram que o médico nunca solicitou, 10,9% não acham importante e 16,9% têm medo de fazer o exame. Embora não seja o único determinante, disseminar conhecimentos adequados sobre o exame pode se constituir em estratégia fundamental para a formação de atitude positiva em relação à detecção precoce.

Religião; Neoplasias da Próstata; Saúde do Homem


With the aim of describing barriers to screening for prostate cancer, a domicile survey was carried out covering 160 men of a Family Health Strategy (FHS) area. Slightly over half had undergone the examination. Regarding beliefs related to the disease, 95% of the men believed there is a cure if detected early, 29.4% mentioned the possibility of a normal life while ill, 56.3% believed it may be asymptomatic, 36.1% agreed/disagreed that the treatment is worse than the disease and 34.4% agreed that the examination affects masculinity and that if you are well it is not necessary to perform it. Regarding barriers, 15% reported that the physician had never requested it, 10.9% did not consider it important and 16.9% were afraid to take the examination. While not the sole determinant, the dissemination of adequate knowledge regarding the examination can constitute a key strategy for the formation of a positive attitude in relation to early detection.

Religion; Prostatic Neoplasms; Men's Health


Con el objetivo de describir barreras sobre rastreo del cáncer de próstata, se realizó una encuesta domiciliar abarcando 160 hombres de una área de la Estrategia de Salud de la Familia (ESF). Poco más de la mitad ya había realizado el examen. En relación a las creencias sobre la enfermedad, 95% de ellos creen en la cura si es detectado precozmente, 29,4% refirieron la posibilidad de vida normal a pesar de estar enfermo, 56,3% creen que puede ser asintomático, 36,1% está de acuerdo/no está de acuerdo que el tratamiento es peor que la enfermedad y 34,4% está de acuerdo que el examen afecta la masculinidad y si estuviese bien no sería necesario hacerlo. En cuanto a las barreras, 15% informaron que el médico nunca lo solicitó, 10,9% no lo encuentran importante y 16,9% tiene miedo de hacer el examen. A pesar de que no es el único determinante, diseminar los conocimientos adecuados sobre el examen puede constituirse en una estrategia fundamental para la formación de una actitud positiva en relación a la detección precoz.

Religión; Neoplasias de la Próstata; Salud del Hombre


ARTIGO ORIGINAL

Barreiras em relação aos exames de rastreamento do câncer de próstata1

Elenir Pereira de PaivaI; Maria Catarina Salvador da MottaII; Rosane Harter GriepIII

IEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Secretaria Municipal de Saúde de Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: elenirbolpato@yahoo.com.br

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto, Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: macatauna@gmail.com

IIIEnfermeira, Doutor em Saúde Pública, Pesquisadora, Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde, Fundação Oswaldo Cruz , RJ, Brasil. E-mail: rohgriep@gmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

Com o objetivo de descrever barreiras sobre rastreamento do câncer de próstata, realizou-se inquérito domiciliar, abrangendo 160 homens, de uma área da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Pouco mais da metade já havia realizado o exame. Em relação às crenças sobre a doença, 95% deles acreditam na cura se detectado precocemente, 29,4% referiram possibilidade de vida normal embora doente, 56,3% acreditam que pode ser assintomático, 36,1% concordam/discordam que o tratamento é pior que a doença e 34,4% concordam que o exame afeta a masculinidade e, se estiver bem, não é necessário fazê-lo. Quanto às barreiras, 15% informaram que o médico nunca solicitou, 10,9% não acham importante e 16,9% têm medo de fazer o exame. Embora não seja o único determinante, disseminar conhecimentos adequados sobre o exame pode se constituir em estratégia fundamental para a formação de atitude positiva em relação à detecção precoce.

Descritores: Religião; Neoplasias da Próstata; Saúde do Homem.

Introdução

No Brasil, o câncer de próstata é o segundo mais comum entre os homens. Em valores absolutos é o sexto mais comum no mundo e o tipo mais prevalente em homens, representando cerca de 10% do total de cânceres. A taxa de incidência para esse câncer, no Brasil, é cerca de 6 vezes maior do que em países desenvolvidos(1). Estima-se, para 2010, em torno de 52.350 casos novos(1).

Diversos fatores têm sido apontados como determinantes para o aumento das taxas de câncer de próstata, dentre eles destacam-se: a maior expectativa de vida da população masculina, maior conhecimento dos leigos sobre as doenças da próstata e as constantes campanhas de identificação desses, passando, assim, a revelar mais pacientes com a doença, além das influências ambientais e alimentares, tais como o alto consumo energético, ingestão de carne vermelha, gorduras e leite(2).

Nos últimos anos, a tecnologia revolucionou o conhecimento sobre o diagnóstico precoce, tratamento e a assistência ao portador de câncer de próstata. No entanto, as taxas de mortalidade pela doença no Brasil são crescentes(1). Ainda não se tem respostas definitivas para essa neoplasia, até mesmo porque dúvidas persistem a respeito das suas causas e acerca da melhor abordagem para a detecção precoce e seu tratamento(1-2). Essas e outras questões serão respondidas na medida em que pesquisas nessa área sejam desenvolvidas e que biomarcadores mais específicos sejam identificados, para subsidiar protocolos de assistência adequados para essa patologia(2). Enquanto isso, as medidas conhecidas de detecção precoce indicadas devem ser estimuladas(2).

Dentre essas, destacam-se o rastreamento de homens assintomáticos, por meio da realização do exame de toque retal (ETR) e pela dosagem do antígeno prostático específico (PSA). A melhor forma de diagnosticar o câncer de próstata é a combinação entre esses dois exames, já que o primeiro exclusivamente falha de 30 a 40% dos diagnósticos, o segundo, exclusivamente, falha em 20% e a associação perde apenas 5% dos casos(2).

Levando em conta todos esses fatores, o Ministério da Saúde elaborou a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer da Próstata, cujo principal objetivo é reduzir a incidência e a mortalidade por esse câncer, no Brasil. O programa propõe o desenvolvimento de ações contínuas que levem à conscientização da população quanto aos fatores de risco para câncer, promovam a detecção precoce daqueles passíveis de rastreamento e propiciem o acesso a tratamento equitativo e de qualidade em todo o território nacional(3).

Para que a detecção ocorra de forma efetiva, um dos maiores desafios ainda diz respeito à desigualdade de acesso, refletido, muitas vezes, na vulnerabilidade social da população(3). Percebe-se que o acesso ao sistema de saúde não se dá de forma homogênea nas diversas regiões do país e nem nos diversos segmentos populacionais(4). Alguns estudos(5-6) já demonstraram que as mulheres utilizam mais regularmente os serviços de saúde do que os homens. Elas buscam os serviços por motivos ligados aos exames de rotina e prevenção e os homens principalmente por motivo de doença.

Culturalmente, a identidade masculina está relacionada à desvalorização do autocuidado e à pouca preocupação com a saúde(6). Sabe-se que os homens preferem serviços de saúde que atendam mais objetivamente às suas demandas, tais como farmácias e prontos-socorros que garantam atendimento mais rápido e resolvam suas necessidades, com maior facilidade(5). Além disso, a falta de vínculo e acolhimento por parte das unidades de saúde pode levar ao afastamento dos homens para o cuidado com a saúde(7); isso, além de fatores como a inadequação de horários de atendimentos que não se pautam no contexto do trabalhador(5). É importante considerar que, até pouco tempo, não existia oferta de serviços específicos, destinados à saúde masculina, no serviço de atenção primária.

No que se refere especificamente à realização do toque retal, além dos fatores mencionados, destacam-se os aspectos simbólicos relacionados ao seu caráter invasivo, do ponto de vista físico e emocional, e à disseminação do medo da realização do exame entre os próprios homens. Além desses, não se pode desconsiderar outros aspectos de ordem estrutural, tais como o acesso ao exame nos serviços de saúde e a recomendação dos profissionais de saúde que, direta ou indiretamente, também comprometem a realização para a sua detecção(8).

Reconhecendo a importância dos agravos à saúde masculina no contexto da saúde pública, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Atenção Integral a Saúde do Homem, buscando promover ações de saúde que contribuam para a compreensão da realidade da saúde masculina nos seus diversos contextos socioculturais e político-econômicos e que, respeitando os diversos níveis de desenvolvimento e organização dos sistemas locais de saúde, possibilitem o aumento da expectativa de vida e a redução dos índices de morbimortalidade, por causas preveníveis e evitáveis nessa população(9). Portanto, intervenções em nível de saúde pública são necessárias. Essas devem ser capazes de atingir e sensibilizar os homens em relação ao câncer de próstata, permitindo conhecimentos necessários que estimulem práticas positivas de rastreamento, principalmente entre aqueles grupos de maior risco. Nesse sentido, as ações de saúde, bem como a avaliação da efetividade se fazem necessárias. Embora haja ações de estímulo à adesão ao rastreamento, promovido anualmente em algumas unidades de saúde, não se encontrou estudos que avaliem a abrangência, a efetividade e a assimilação dos conhecimentos difundidos. Portanto, essa investigação pode ser útil nessa avaliação e poderá subsidiar abordagens assertivas no planejamento das próximas ações, ou no desenvolvimento de campanhas. Entender os fatores envolvidos nos comportamentos, crenças, cultura e tabus dos homens, frente ao rastreamento proposto e preconizado como a melhor forma de abordagem para detecção precoce, pode favorecer estratégias voltadas a práticas de prevenção mais adequadas(9). Levando em conta esses aspectos, o presente estudo teve como objetivo descrever as barreiras sobre rastreamento do câncer de próstata, de uma área adscrita à Estratégia de Saúde da Família do Município de Juiz de Fora, MG.

Métodos

Realizou-se estudo seccional, desenvolvido por meio de inquérito domiciliar, cuja população de estudo foi constituída por amostra aleatória simples de 160 homens, com idade entre 50 e 80 anos, de um total de 457 homens residentes de uma área adscrita à Estratégia de Saúde da Família no Município de Juiz de Fora, MG. O cálculo do tamanho da amostra foi feito a partir da seguinte fórmula: n = Nz2p (1-p)/[d2(N-1) + z2p (1-p)]. Onde N=população total de homens na faixa etária considerada na área adscrita (457); z=valor correspondente ao nível de confiança ao quadrado (1,962=3,84); d=precisão absoluta ao quadrado (0,062=0,0036); p=proporção da população com a característica em estudo (0,5).

Adotaram-se como critérios de inclusão: homens residentes na comunidade com idade entre 50 e 80 anos, independente da existência de história anterior de câncer de próstata. Já os critérios de exclusão englobaram: homens com menos de 50 anos, pois não constituem grupos prioritários para a detecção precoce para esse câncer(3); homens com idade superior a 80 anos, uma vez que, entre eles, problemas urológicos e o próprio câncer já são muito frequentes, minimizando chances de detecção precoce(2-3).

Utilizou-se como instrumento de pesquisa questionário composto de perguntas abertas e fechadas, construídas a partir de questionários de outros estudos(10-12). A tradução das perguntas dos questionários internacionais foi feita por pesquisadora brasileira, com domínio da língua inglesa. A validade do conteúdo do instrumento foi feita por pesquisadora com experiência em estudos populacionais acerca dos métodos de rastreamento do câncer de próstata. Após essa etapa, foram realizadas as três rodadas de pré-testes, entre homens com características sociodemográficas semelhantes aos da população de estudo, permitindo o nível de entendimento das perguntas e o aperfeiçoamento do instrumento. O estudo piloto, que testou a logística do estudo, foi feito com amostra de 30 homens da mesma comunidade e que não fizeram parte do estudo principal. O conteúdo das questões abrangeu variáveis socioeconômicas e demográficas (idade, escolaridade, situação conjugal, ocupação, renda e religião), além de crenças e barreiras na realização de exames de rastreamento do câncer de próstata. A análise dos dados foi feita, inicialmente, através da revisão e codificação manual dos formulários. Os dados foram então digitados, utilizando-se o programa Epi-info (2005) e submetidos às técnicas estatísticas exploratórias: média, desvio padrão (dp) e distribuição de frequências. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob Protocolo nº007/07, em 5/2/2007.

Resultados

A média de idade da amostra era de 61,5 anos (±8,0 anos). Em relação à raça/cor, 40,6% se autodeclararam brancos, 20,0%, negros e 39,4%, mestiços. A grande maioria era casada. Identificou-se baixa escolaridade entre os entrevistados, sendo que 66,9% informaram possuir apenas o ensino fundamental incompleto, 6,3% cursaram o ensino fundamental completo, 8,7% concluíram o ensino médio, 1,2% informaram ter curso superior e 16,8% informaram não ter frequentado escola. No que se refere à renda familiar, a média de salário, em relação ao mês anterior, foi de R$ 308,00 reais (±276,4 reais), sendo que 11,3% recebem até ¼ do salário mínimo, 21,3% recebem de ¼ a ½ salário, 29,4% recebem de ½ a um salário mínimo por mês, 15% informaram receber mais que um salário mínimo e 23,1% não informaram a renda familiar. Além disso, apenas 23,1% declararam ter plano de saúde e 88,8% dos homens entrevistados informaram ter filhos (Tabela 1).

Das práticas de rastreamento realizadas pelos entrevistados, 61,3% dos homens referiram que algum médico já havia informado que deveria fazer exame de próstata; apenas 54,4% já realizaram o exame, e o principal motivo para a realização foi "rotina de prevenção", referida por 61,6% dos entrevistados. No entanto, pouco mais da metade realizou o exame há menos de um ano (58,8%). Quanto à realização do PSA, 51,9% afirmaram já ter realizado e 65,5% informaram ter feito esse exame há menos de um ano.

Com referência às crenças que envolvem a detecção e o tratamento do câncer de próstata, apresentadas na Tabela 3, identificou-se que 95% dos homens concordaram que o câncer de próstata pode ser curado se for detectado precocemente e 57,5% discordaram de que um homem com câncer de próstata possa ter vida normal. Proporções semelhantes de entrevistados (36,1%) concordaram e discordaram com a afirmativa de que o tratamento é pior do que a doença. Entre eles, 56,3% concordam que um homem pode ter câncer de próstata e não apresentar nenhum sintoma e 74,4% discordou da afirmativa de que é melhor não tratar. Outro aspecto que merece ser salientado é que, embora a maioria (53,1%) tenha discordado que o exame de próstata afeta a masculinidade, cerca de um terço deles concordou com essa afirmativa e dois terços deles discordaram que, se o homem estiver bem, não é necessário fazer o exame.

Ressalta-se, ainda, com base na Tabela 3, o desconhecimento dos entrevistados em relação às afirmativas que dizem respeito ao tratamento e ao câncer de próstata em si, por exemplo, quando se identifica que responderam "não sei" 27,8% à afirmativa "o tratamento do câncer é pior do que a doença" e 18,8%, à afirmativa "um homem pode ter câncer de próstata sem sintomas".

O principal motivo alegado pelos entrevistados, que ainda não haviam realizado os exames de rastreamento de câncer de próstata, foi o "médico nunca solicitou". Proporção considerável referiu "ter medo de fazer", seguido de "prefere nunca saber que tem câncer", "nunca apresentou sintomas" e "nunca considerou importante" (Tabela 4).

Discussão

Identificou-se situação socioeconômica baixa na amostra, característica de muitas áreas adscritas à Estratégia de Saúde da Família, nos municípios. As condições socioeconômicas desfavoráveis propiciam menor acesso ao sistema de saúde e, consequentemente, maior exposição aos agravos de saúde, podendo o câncer ser um deles(10). Os exames de rastreamento para o câncer de próstata são, com certeza, a etapa mais importante do tratamento do mesmo, principalmente em países em desenvolvimento, pois é nessa fase inicial da doença que se tem a oportunidade de oferecer aos homens método de tratamento eficaz e mais barato, contribuindo para a manutenção da qualidade de vida(2). Desse modo, não é possível dissociar o papel dos responsáveis pela adoção de políticas públicas e o dos profissionais da área de atuação, no aspecto da educação em saúde da população.

Complementando o perfil socioeconômico da amostra, a análise da escolaridade demonstra situação nada favorável. Há autores(10-11) que associam falta de informação sobre a prevenção ou sobre o tratamento do câncer de próstata a baixos níveis de escolaridade. Apontam que a desinformação atinge, mais intensamente, a população masculina com menor nível de escolaridade e poder socioeconômico, o que demanda ações educativas voltadas principalmente para esse grupo.

Pouco mais da metade dos homens informou já ter realizado os exames de rastreamento de câncer de próstata, identificando-se, ainda, frequência inadequada de realização nos últimos doze meses. Esses resultados refletem a inadequada cobertura de rastreamento junto à população, já que a recomendação é a de que sejam realizados anualmente(2-3); portanto, os dados refletem oportunidades perdidas de prevenção. Esses dados apontam para a necessidade de responsabilidade e comprometimento pelo planejamento de ações de saúde, pois os exames de detecção precoce são primordiais para o câncer de próstata. Em relação às crenças referidas pelos homens do estudo, observou-se que a grande maioria acredita que o câncer pode ser curado se diagnosticado precocemente. Em um estudo, onde os sujeitos tinham perfil sociodemográfico semelhante ao da amostra(11); encontrou-se resultados semelhantes, sendo que os autores descrevem que a maioria dos sujeitos acredita que o câncer pode ser encontrado nos exames de rastreamento. No entanto, um percentual considera que o tratamento é pior que a doença (36,1%), pelo desconhecimento acerca dos mesmos. O forte impacto causado pelo câncer de próstata faz com que os homens criem barreiras quanto ao seu tratamento. Isso acontece devido a fatores como a falta de informação, o preconceito do toque retal e o medo de procurar o urologista e levar uma "dedada", a dificuldade de acesso médico especializado e o medo de ficar impotente(12).

Cerca de um terço dos homens entrevistados considerou que o exame de próstata afeta a masculinidade. A questão subjetiva da masculinidade, ainda pouco discutida, pode ser vista como "a possibilidade de admitir fraqueza ou debilidade, ou sentir que a enfermidade possa reduzir sua capacidade produtiva, poderia colocar em risco a invulnerabilidade atribuída ao homem e, consequentemente, sua masculinidade"(12-13). Sabe-se que o momento do exame de próstata, mais precisamente o toque retal, coloca o homem em situação constrangedora, portanto, os profissionais de saúde devem considerar os aspectos subjetivos que envolvem o toque retal nas suas discussões. Nessa linha de pensamento, há autores(5,8,14) que aprofundam a discussão sobre o toque retal, considerando também a dor e o medo, sendo que esse exame pode suscitar ao homem ser tocado em sua parte "inferior" e que o toque envolve penetração e pode estar associado à dor e, também, à violação. Nesse sentido, faz-se necessário observar essas questões ao se planejar atividades de rastreamento.

Parte dos entrevistados referiu como barreira o medo de realizar o toque. Esse fato não é incomum entre os homens, sendo que alguns autores(8,12,14) consideram que, "mesmo que o homem não sinta a dor, no mínimo, experimenta o desconforto físico e psicológico de estar sendo tocado, numa parte interdita". Essa barreira também foi expressa pelos participantes de estudos internacionais(14-15) como "falta de coragem (medo)" e outras como ausência de sintomas, o médico não recomendar, o médico não informar as causas. Esses resultados mostram que tanto o homem latino como o norte-americano têm tabus semelhantes, em relação aos exames de detecção precoce. O ato de realização do toque retal é delicado para o homem, pois, nesse momento, sua visão da masculinidade pode ser ameaçada(6).

Em geral, os estudos relativos à prevenção do câncer de próstata focam aspectos relativos à parte clínica dos exames envolvidos, não levando em conta os aspectos subjetivos, relacionados principalmente à masculinidade(5,7-8). Geralmente, o homem tem um imaginário machista: traz consigo que seu corpo não foi feito para ser penetrado e sim para penetrar. A abordagem dos aspectos sexuais remete à questão da força cultural nos padrões de comportamento das pessoas. O toque retal pode remeter à questão da homossexualidade, comportamento considerado desviante na sociedade, principalmente para a Igreja, que realça a procriação como a finalidade principal da vida sexual. Assim, os homens são educados para exercer a heterossexualidade e repelir qualquer atitude que os aproxime da homossexualidade(6,8).

Em relação às diversas barreiras identificadas, destacou-se a ausência da solicitação do médico. Esse fato representa perda de oportunidade de prevenção para saúde pública, pois a proposta da ESF busca ressaltar uma nova concepção de assistência à saúde, através de ações preventivas e intervenção sobre os fatores de risco e do desenvolvimento da promoção e qualidade de vida. Propõe, prioritariamente, ações a serem realizadas com ênfase em atividades educativas, prevenção de riscos e agravos específicos, além de ações básicas de atenção à saúde aos grupos prioritários em um determinado território(15). Além disso, esse resultado poderia estar associado ao fato de muitos homens não se sentirem com o direito para requerer o exame preventivo, durante as consultas médicas. Portanto, oportunidades de detecção de uma doença, cuja prevenção é essencial, podem estar sendo perdidas no serviço de saúde, uma vez que os homens, que vão ao mesmo, saem sem que seja solicitado o exame.

O fato de parte dos homens não achar importante fazer o exame pode ser reflexo de total desconhecimento a respeito da doença, e falta de acesso desse grupo nas ações de saúde local. Diante de tal fato, medidas educativas devem ser prioritárias para esse grupo específico, pois um dos maiores desafios na saúde ainda diz respeito à desigualdade de acesso, refletido, muitas vezes, na desigualdade social da população(4,7).

Não ter tempo foi também uma questão apontada pelos homens. Esse aspecto é fundamental para o planejamento das ações de saúde, pois se sabe que as unidades básicas de saúde geralmente funcionam no horário diurno, coincidente com a jornada de trabalho de muitos homens, portanto, há de se incluir esse grupo no cronograma diário das unidades. Ao se analisar a assistência de saúde nas Unidades de Atenção Primária à Saúde(5); percebe-se que o trabalho desenvolvido acontece com enfoque direcionado a mulheres, crianças, idosos, onde a assistência à saúde dos homens acontece de forma indireta, quando esses são incluídos em grupos de atenção preventiva como hipertensos ou diabéticos. O atendimento de urgência se constitui em forma predominante de acesso dos homens aos serviços de saúde. No entanto, essa forma de atendimento pode propiciar aos homens a sensação de os mesmos não pertencerem ao espaço da saúde preventiva, e afastá-los cada vez mais da busca pela prevenção em saúde.

Alguns homens da amostra informaram preferir nunca saber de uma doença como o câncer. Esse relato mostra que o medo da doença está presente na população avaliada. Aqui, certamente, caberia falar sobre o medo da doença e das possibilidades de tratamento e cura existentes hoje.

Em relação ao medo do toque, que envolve penetração, pode estar associado tanto à dor física quanto simbólica, que se associa também à violação. Outro fator considerado é o medo de ereção durante o toque que pode ser visto como prazer. No imaginário masculino, "a ereção pode estar associada ao prazer que e não consegue imaginá-lo como fisiológico"(6).

Nesse sentido, as ações nas Unidades de Atenção Primária à Saúde deveriam envolver tanto as estratégias preventivas de caráter primário, englobando os fatores de risco ou predisponentes quanto aquelas de caráter secundário, que abrangem o diagnóstico precoce e a abordagem terapêutica adequada, para prevenir a incapacidade e mortalidade que a doença possa ocasionar(5,7,15).

A ausência de sintomas referentes ao câncer de próstata é barreira que pode ser tomada como indicador de desconhecimento das ações preventivas nesses homens, já que eles acham que, para realizar o exame, é preciso estar doente. É comum entre as populações de países em desenvolvimento o entendimento de que não há necessidade de ir ao médico quando não se sente nada(14,16-18).

Considerações Finais

A prevenção e a detecção precoce, estratégias básicas para o controle do câncer de próstata, têm como requisito essencial um conjunto de atividades educativas constantes, persistentes e dinâmicas para os homens, segundo seu padrão de valores, escolaridade, entre outras variáveis. Consideram-se que tais atividades educativas devam priorizar a necessidade urgente de mudança de comportamento, tanto por parte dos homens quanto dos serviços, priorizando os exames de rastreamento.

Aqui, destaca-se a incorporação da comunidade na atenção à saúde, através do planejamento de ações, articulados com setores organizados da comunidade e outros setores governamentais. Embora reconhecendo que não seja o único determinante, disseminar conhecimentos adequados sobre o exame pode se constituir em estratégia fundamental para a formação de atitude positiva em relação à detecção precoce.

Por fim, esses achados apresentam-se como oportunidade para o debate sobre o tema, oferecendo subsídios para repensar a formação do enfermeiro e sua prática na saúde do homem, além de apontar a necessidade de condução de novas pesquisas na área.

Referências

  • 1
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção a Saúde: Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (Princípios e Diretrizes). Brasília (DF); agosto 2008.
  • 2. Srougi M. Próstata: isso é com você. São Paulo: Publifolha; 2003.
  • 3
    Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer. Estimativas 2008: Incidência de Câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2007.
  • 4. Lima AJC, Azory EB, Bastos LHC, Coutinho MM, Pereira NN, Ferreira SCC. Desigualdades no acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Saúde Debate. 2002; 26(2):62-70.
  • 5. Figueiredo W. Assistência à saúde dos homens: um desafio para os serviços de atenção primária . Ciênc Saúde Colet. 2006; 10(1):105-9.
  • 6. Araújo MAL, Leitão GCM. Acesso à consulta a portadores de doenças sexualmente transmissíveis: experiências de homens em uma unidade de saúde de Fortaleza, Ceará, Brasil. Cad Saúde Pública. março-abril 2005; 21(2):396-403.
  • 7. Schimith MD, Lima MADS. Acolhimento e vínculo em uma equipe do programa saúde da família. Cad Saúde Pública. novembro-dezembro 2004; 20(6):1487-94.
  • 8. Gomes R, Nascimento EF, Rebello LEFS, Araújo FC. As arranhaduras da masculinidade: uma discussão sobre o toque retal como medida de prevenção do câncer prostático. Rev Ciênc Saúde Colet. (RJ) 2008; 13(6):1975-84.
  • 9. Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Saúde do Homem. Página na internet 2009 [citado em 2009 ago 27]: [cerca de 8 p.] [acesso 2010 ago 17]. Disponível em: http:// www.portalsaude.gov.br- saude do homem.
  • 10. Hegarty V, Burchett BM, Gold DT, Cohen HJ. Racial differences in use of cancer prevention services among older americans. J Am Geriatr Soc. 2000; 48(5):735-40.
  • 11.Wahnefried, WD, Robertson CN, Walther PJ, Polascik TJ, Paulson DF, Vollmer RT. Pilot study to explore effects of low-fat, flaxseed-supplemented diet on proliferation of benign prostatic epithelium and prostate-specific of benign prostatic epithelium and prostate-especific antigen. J. Adult Urol. 2004;63(5):900-4.
  • 12. Burack RC & Wood DP Jr. Screening for prostate cancer. The challenge of promoting the informed decision making in the absence of definitive evidence of effectiveness. Med Clin North Am 1999;13(83):1423-42.
  • 13. Lara M. Com todas as letras. O estigma do câncer por quem enfrentou esse inimigo silencioso e cruel. Rio de Janeiro: Record; 2005.
  • 14. Lucumí-Cuesta DI, Cabrera- Arana GA. Creencias de hombres de Cali. Colômbia sobre el examen digital rectal: hallazgos de um estúdio exploratório. Cad Saúde Pública. 2005; 21(5):1491-8.
  • 15. Czresnia D, Freitas CM. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003.
  • 16. Gomes R, Rebello L, Araujo F, Nascimento EF. A prevenção do câncer de próstata. Ciênc Saúde Colet. 2008; 12(1):235-46.
  • 17. Arroll B, Pandit S, Buetow S. Prostate câncer screening: Knowledge, experiences and attitudes of men aged 40-79 years. NZ Med J. June 2003, 116(1176):1-8.
  • 18. Cormier L, Kwan L, Reid K, Litwin MS. Knowledge and beliefs among brothers and sons of men with prostate cancer. Rev Adult Urol. 2002; 59(6):895-900.
  • Corresponding Author:
    Elenirr Pereira de Paiva
    Universidade Federal de Juiz de Fora
    Rua Severino Meireles, 23
    Bairro Passos
    CEP: 30040-025 Juiz de Fora, MG, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Nov 2009
    • Aceito
      22 Nov 2010
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br