Acessibilidade / Reportar erro

O trabalho em turnos alternados e seus efeitos no cotidiano do trabalhador no beneficiamento de grãos

Resumos

Objetivou-se identificar os efeitos do trabalho em turnos alternados, no cotidiano dos trabalhadores no beneficiamento de grãos. Foi realizada pesquisa de coleta de dados, com abordagem quantitativa, em uma empresa de beneficiamento de grãos em Goiás, Brasil. Participaram da pesquisa 53 trabalhadores de turnos alternados. Foi elaborado e utilizado um questionário para a coleta de dados, baseado nos princípios da cronobiologia e no índice de qualidade do sono de Pittsburgh, com 31 questões fechadas e uma aberta. O resultado evidenciou que a qualidade de sono não é satisfatória para 50% dos participantes. As alterações fisiológicas mais evidenciadas se referiram ao trato digestivo. Quanto aos aspectos comportamentais, a irritabilidade foi destacada. Dos pesquisados, 70% consideraram que o lazer e a vida social ficam prejudicados pelo horário de trabalho. Conclui-se que existem manifestações negativas no cotidiano de pessoas que trabalham em turnos alternados, podendo afetar sua saúde física, mental e social.

Trabalho em Turnos; Saúde do Trabalhador; Riscos Ocupacionais; Condições de Trabalho


This study aimed to investigate the effects of alternating shift work in the daily life of grain processing workers. A quantitative data collection research was carried out at a grain processing company in Goiás - Brazil. Research participants were 53 alternating shift workers. A questionnaire was developed and used for data collection, based on the principles of chronobiology and Pittsburgh Sleep Quality Index, with 31 closed and one open question. The result showed dissatisfactory sleep quality for approximately 50% of the participants. The most evidenced physiological changes referred to the digestive tract. As for behavioral aspects, irritability was highlighted. Among the research participants, 70% considered that their work hours affect their leisure and social life. In conclusion, negative manifestations exist in the daily life of people working in alternating shifts, which can affect their physical, mental and social health.

Shift Work; Occupational Health; Occupational Risks; Working Conditions


Se tuvo por objetivo identificar los efectos del trabajo en turnos alternados en lo cotidiano de los trabajadores que benefician granos. Fue realizada una investigación de recolección de datos con abordaje cuantitativo en una empresa de beneficio de granos en Goiás - Brasil. Participaron de la investigación 53 trabajadores de turnos alternados. Fue elaborado y utilizado un cuestionario para la recolección de datos, basado en los principios de la cronobiología y en el Índice de Calidad del Sueño de Pittsburgh, con 31 preguntas cerradas y una abierta. El resultado evidenció que la calidad del sueño no es satisfactoria para 50% de los participantes. Las alteraciones fisiológicas más evidenciadas se refirieron al tracto digestivo. En cuanto a los aspectos de comportamiento, la irritabilidad fue destacada. De los investigados, 70% consideraron que el descanso y la vida social quedan perjudicados por el horario de trabajo. Se concluye que existen manifestaciones negativas en lo cotidiano de personas que trabajan en turnos alternados, lo que puede afectar su salud física, mental y social.

Trabajo por Turnos; Salud Laboral; Riesgos Laborales; Condiciones del Trabajo


ARTIGO ORIGINAL

O trabalho em turnos alternados e seus efeitos no cotidiano do trabalhador no beneficiamento de grãos

Mariana Roberta Lopes SimõesI; Flávia Cristina MarquesII; Adelaide de Mattia RochaIII

IEnfermeira, Mestranda, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil. E-mail: mari_curvelo@yahoo.com.br

IIEnfermeira, Especialista em Enfermagem do Trabalho. E-mail: fravia23@hotmail.com

IIIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil. E-mail: adelaide@enf.ufmg.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Objetivou-se identificar os efeitos do trabalho em turnos alternados, no cotidiano dos trabalhadores no beneficiamento de grãos. Foi realizada pesquisa de coleta de dados, com abordagem quantitativa, em uma empresa de beneficiamento de grãos em Goiás, Brasil. Participaram da pesquisa 53 trabalhadores de turnos alternados. Foi elaborado e utilizado um questionário para a coleta de dados, baseado nos princípios da cronobiologia e no índice de qualidade do sono de Pittsburgh, com 31 questões fechadas e uma aberta. O resultado evidenciou que a qualidade de sono não é satisfatória para 50% dos participantes. As alterações fisiológicas mais evidenciadas se referiram ao trato digestivo. Quanto aos aspectos comportamentais, a irritabilidade foi destacada. Dos pesquisados, 70% consideraram que o lazer e a vida social ficam prejudicados pelo horário de trabalho. Conclui-se que existem manifestações negativas no cotidiano de pessoas que trabalham em turnos alternados, podendo afetar sua saúde física, mental e social.

Descritores: Trabalho em Turnos; Saúde do Trabalhador; Riscos Ocupacionais; Condições de Trabalho.

Introdução

O trabalho em turnos existe desde o início da vida social dos homens e, atualmente, além de razões tecnológicas e econômicas, os turnos estão sendo introduzidos de forma crescente, em função do atendimento à sociedade moderna. Além dos serviços essenciais, vem ocorrendo aumento do número de trabalhadores em turnos, que trabalham em horário noturno ou em horários irregulares, em serviços que funcionam ininterruptamente para que bens sejam produzidos e para que outros serviços atendam às demandas crescentes da população(1). Essa situação ocorre com maior frequência nas chamadas indústrias de processo contínuo, onde não é possível interromper a produção a cada dia, dada às características da própria forma de produzir.

Nesta pesquisa, optou-se por definir trabalho por turnos como um tipo de organização laboral que visa assegurar a continuidade da produção (de bens e/ou serviços) graças à presença de várias equipes que trabalham em tempos diferentes, num mesmo posto de trabalho(2).

As escalas de trabalho em turnos, geralmente adotadas, são bastante variadas, e em um mesmo ambiente de trabalho pode haver várias escalas(1).

Pode-se dizer que existem duas formas básicas de trabalho em turnos:

- permanentes - são os turnos em que o trabalhador tem um determinado horário por muitos anos, ou por toda a vida, de trabalho, ou seja, esse trabalhador trabalha todos os dias no mesmo horário, por exemplo, só durante o dia, ou à tarde, ou ao anoitecer, ou turno da noite;

- alternados ou rodiziantes - acontece quando os trabalhadores fazem rodízios de turnos, ou seja, todos devem cumprir tanto horários matutinos quanto vespertinos ou noturnos. Essa forma de turnos, pode ter rotação lenta ou rápida, dependendo da organização do local de trabalho.

Embora o trabalho em turnos seja visto por muitos como solução natural para o problema de manutenção de atividades durante 24 horas, essa organização do trabalho, levando em conta, basicamente, razões técnicas e econômicas, conflita-se com os ritmos biológicos, familiares e com aqueles da comunidade, originando prejuízos para a saúde e a vida social dos trabalhadores.

Para alguns autores(3-4), a organização temporal dos seres vivos é detectada através de ciclos regulares nas suas funções. Tais ciclos funcionam independentes da exposição dos organismos aos ciclos ambientais, porém, influenciados por fatores externos como o fenômeno claro e escuro (dia/noite) ou, ainda, no caso do homem, o fator social, que formaliza hábitos como o de atividade diurna e repouso noturno.

Bem como o trabalho fixo em turnos noturnos, o rodízio de turnos também é identificado por alguns estudos como fator de maximização de efeitos negativos na saúde, por dificultar qualquer tentativa de adaptação do ritmo biológico ao de trabalho(4-6).

A desordem na estrutura dos ritmos, ocasionada pelo trabalho realizado em turnos alternados, tem consequências diretas no ciclo vigília/sono e nos sistemas orgânicos(3,6–7). O indivíduo é obrigado a modificar seus horários de sono, de alimentação, de lazer e outros. Em geral, dentre os efeitos orgânicos, podem estar o agravamento de doenças, maior suscetibilidade a agentes nocivos, cansaço, sofrimento mental, envelhecimento precoce e alterações gastrointestinais(3,5,8).

Apesar disso, o rodízio de turnos é utilizado como alternativa à permanente inversão dos ritmos humanos naturais, imposta por turnos fixos como o noturno(1,3), entretanto, ainda são pouco conhecidas as especificidades que a organização alternada de turnos de trabalho pode representar para o cotidiano, a saúde e a vida social dos trabalhadores.

Várias pesquisas têm buscado compreender as relações trabalho e saúde do trabalhador sob diversas perspectivas, sendo consenso a conclusão de que as condições de trabalho são determinantes dos modos de viver e adoecer da população trabalhadora. Em outras palavras, a vida e a saúde do trabalhador é constituída a partir da dinâmica de trabalho, por vezes resultante de questões de ordem organizacional(6,9-10).

Nesse contexto, abordar a questão da alternância de turnos, mesmo que em um grupo específico de trabalhadores, contribuirá para que novo olhar possa ser lançado a essa forma de organização temporal do trabalho tão atual e presente em diversos setores produtivos e da prestação de serviços.

O presente estudo parte do conceito de tempo biológico, segundo o qual as funções orgânicas diferem entre o dia e a noite, de forma que o trabalho em turnos alternados implica em alterações não só na vida social, mas também no organismo do trabalhador(11-12).

Objetivos

Geral

Conhecer os efeitos do trabalho em turnos alternados, no cotidiano dos trabalhadores de uma empresa de beneficiamento de grãos.

Específicos

- identificar se o trabalhador de turno alternado apresenta alterações de sono/vigília;

- identificar se as necessidades de sono e repouso são atendidas;

- identificar se o trabalhador mantém o convívio social quando trabalha em turno alternado;

- identificar se esses trabalhadores apresentam alterações na saúde.

Metodologia

Trata-se de estudo observacional, quantitativo, de corte transversal, com abordagem descritiva.

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade São Camilo, em Minas Gerais, e aprovado (Parecer nº059/08). Só após essa aprovação foi iniciada a coleta de dados.

A coleta de dados foi realizada através da aplicação de questionários entre os trabalhadores de turnos alternados (rodiziante) de uma empresa de beneficiamento de grãos, situada na cidade de São Simão, GO, Brasil.

As informações foram organizadas e categorizadas com o uso de uma planilha do programa Microsoft Office Excel. Tratamento estatístico básico, como distribuição percentual e cálculo de médias, foi realizado para apresentação e discussão dos resultados.

A empresa em estudo faz parte de um grupo que se dedica à industrialização de grãos, desde a produção de semente, armazenagem, degerminação, pré-cozimento de milho, extração e refino de óleos especiais de soja, milho, girassol e canola, como também na produção de farelos. A escala de trabalho dos trabalhadores em turnos alternados dessa empresa é a seguinte: o trabalhador trabalha consecutivamente dois dias no período matutino, dois dias no período vespertino, dois dias no período noturno e dois dias de folga. Nesse tipo de rodízio, os dias da semana em que o trabalhador tem folgas são sempre aleatórios, podendo ser em qualquer dia da semana, dependo do cumprimento do rodízio e não necessariamente aos domingos.

O quadro de trabalhadores dessa empresa é composto por 233 indivíduos, dos quais 68 trabalham em turnos rodiziantes. Compreende a amostra deste estudo 53 trabalhadores dos turnos rodiziantes que se dispuseram, espontaneamente, a responder o questionário, após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. As funções dos mesmos se dividem em: operador de produção, operador de pá-carregadeira, auxiliar de produção, motorista e encarregado.

O questionário utilizado foi elaborado com 31 questões fechadas e uma questão aberta. Esse instrumento de coleta de dados, autoaplicável, foi subdivido didaticamente em questões sociodemográficas (idade, sexo, situação conjugal, números de filhos e outras) e questões referentes ao ritmo circadiano e à saúde do trabalhador.

Para construção de tal instrumento foram usados como referenciais os paradigmas da cronobiologia, ramo da biologia contemporânea que se ocupa da ritmicidade das funções biológicas, considerando-se a variabilidade das atividades humanas, ao longo das 24 horas, conhecido como ritmo circadiano(4,13). Além disso, foram adaptados alguns componentes do índice de qualidade de sono de Pittsburg (PSQI), que consiste em uma forma estruturada para avaliação subjetiva do sono, abordando aspectos como qualidade subjetiva do sono, duração do sono, uso de medicamento para dormir, sonolência diurna e distúrbios durante a vigília(14-15).

O questionário foi entregue aos trabalhadores, acompanhado pelo termo de consentimento livre e esclarecido que garante a participação voluntária e o sigilo sobre a identificação dos participantes.

Resultados

A coleta de dados ocorreu no mês de fevereiro de 2009, durante as reuniões de turno da empresa. O questionário foi entregue aos trabalhadores pelo técnico de segurança da empresa.

Responderam ao questionário 53 trabalhadores de turnos alternados, o que correspondeu a 77,9% do total de trabalhadores nesse esquema de trabalho. As causas de não participação da pesquisa se dividem em: férias (5%), afastamentos (5%) e não puderam ou não quiseram participar do estudo (12%).

Todos os sujeitos participantes são do sexo masculino, 41,5% informaram ter filhos, 37,7% informaram ser solteiros, seguindo-se os casados (34%), amasiados (24,5%) e divorciados (3,7%). A idade variou de 17 a 38 anos, sendo que 37 dos participantes encontram-se na faixa de 20 a 28 anos. Conforme a escolaridade, 11,3% dos trabalhadores concluíram o 1º grau, 37,7% completaram o 2º grau e 25% completaram ou estão cursando o ensino superior.

As categorias profissionais dos trabalhadores estudados se dividem em operador de produção (47,9%), operador de pá-carregadeira (9,4%), auxiliar de produção (38,7%) e encarregado (3,8%).

Da amostra analisada, 43% informaram ter sonolência excessiva durante a jornada de trabalho, 13% usam algum tipo de bebida para manutenção da vigília e 49% já fizeram uso, no último ano, de algum medicamento para se manterem acordados durante o período de trabalho. Nenhum deles informou qual medicamento. Entre as bebidas citadas, as mais comuns foram: café, coca-cola e pó de guaraná.

Dos pesquisados, 51% confirmaram ter insônia, frequentemente, no último ano, e 11% fizeram referência ao uso esporádico de medicamentos para dormir.

De modo subjetivo, a nota dada pelos trabalhadores para a qualidade do seu sono diário teve média 5,7, em uma escala de 0 (zero) a 10 (dez), sendo que 42% informaram dormir menos de 6 horas/dia.

Dentre as manifestações clínicas citadas na pesquisa, 52,8% dos entrevistados referiram constipação intestinal, 43,3% azia, 43,3% irritabilidade, 35,8% falta de apetite, 26,41% cefaleia frequente e 68% deles consideraram, subjetivamente, o fator trabalho em turno como prejudicial à sua saúde.

Com relação à interação entre a vida social e o trabalho em turno alternado, 70% dos entrevistados consideraram que o lazer e a vida social são prejudicados pelo seu horário de trabalho, por estar em desacordo com horários de amigos e parentes. O total de 62,3% informaram que o tipo de trabalho com rodízio é mais cansativo que os outros, e 80% consideraram que as folgas não são suficientes para descansar. Dentre a amostra, ainda, 56,6% não conseguem conciliar o seu horário com o das outras pessoas de seu convívio.

Em uma escala de ótimo, bom, regular, ruim e péssimo, 50% dos pesquisados reconheceram seu horário de trabalho como "regular" e 20% o consideraram ruim.

Ao final da pesquisa, os trabalhadores propuseram algumas mudanças para melhoria de sua condição de trabalho, essas sugestões foram pontuadas, analisadas e, de maneira geral, suscitaram: fixação dos horários com revezamento pelo menos semestral e ampliação das folgas.

Discussão

Através dos resultados apresentados, pode-se perceber que os trabalhadores pesquisados apresentam manifestações negativas no seu cotidiano. Considerando o ciclo sono/vigilia, grande parte dos pesquisados apresentaram sonolência durante o trabalho e dificuldade para dormir, insônia, no período de descanso. Destaca-se, também, o relato do uso de medicamentos tanto para se manterem acordados quanto para dormir. Tais achados despertam para o aumento, inclusive, do risco para acidentes de trabalho pelo declínio da capacidade de concentração desses trabalhadores.

Essas dificuldades de ajustar-se ao esquema de sono alternado, geralmente, estão presentes em trabalhadores de turnos rotativos. Como consequência, a dificuldade para manter o alerta, durante o horário de trabalho, pode resultar em desempenho ocupacional menor ou até mesmo tornar o trabalho mais perigoso ou arriscado(13).

Com relação ao sono, as alterações ocorridas devidas ao trabalho em turno são atribuídas à dessincronização dos ritmos circadianos, provocada pelas mudanças no ciclo atividade/repouso(7,16).

A insônia ou a redução no período de sono ocorre pela mudança forçada do horário de dormir que, às vezes, passa a ser de dia, e é extremamente desfavorável devido à não adaptação dos ritmos biológicos a essa inversão(7,13). Além disso, o sono no período diurno é de má qualidade devido às condições ambientais não favoráveis, como iluminação, ruídos e acontecimentos domésticos, modificando a distribuição das fases do sono e interferindo em sua propriedade restauradora(17). Até mesmo pequenos períodos de alteração do ritmo circadiano, como uma hospitalização, podem interferir na qualidade do sono com tempos variáveis para sua recuperação(18).

O sono de má qualidade provoca aumento da sonolência no período de trabalho, o que pode ser constatado nos resultados desta pesquisa. Essa sonolência, muitas vezes, é responsável por acidentes, desinteresse, ansiedade, irritabilidade, perda da eficiência e estresse(3,7,14). Os distúrbios do sono têm custo social alto devido ao aumento de riscos de acidentes de trânsito, ao uso abusivo de medicamentos para dormir, no caso de insônia, e de medicamentos para não dormir, principalmente em trabalhadores noturnos, o que contribui para a má qualidade de vida(19).

Sabe-se que, para a obtenção de bom desempenho, o trabalhador deve começar a trabalhar descansado. O cansaço impede o bom rendimento físico, diminui o nível de atenção e perturba sensivelmente a coordenação motora e o ritmo mental(3,13). Por isso, o sono e o descanso, adquirem importância especial para trabalhadores que, como os desta pesquisa, trabalham em turnos, operando máquinas ou mesmo próximos a elas.

Em relação à percepção dos trabalhadores de alterações na saúde física, destacam-se os distúrbios gastrointestinais como azia, gastrite, constipação intestinal, entre outros. Esses agravos aparecem, geralmente, pelo fato de os trabalhadores não terem horários adequados para a alimentação, ocorrendo frequentemente a troca de refeições por lanches. As perturbações digestivas, então, são geralmente imputadas à irregularidade dos horários alimentares e aos tipos de comida, assim como à falta de sincronização do sistema circadiano individual(13).

Outro achado diz respeito à sensação de irritabilidade, também potencializada por desordem do ritmo circadiano. Soma-se a isso o fato de a irritabilidade comprometer os relacionamentos profissionais e afetivos, além de aumentar os riscos no desempenho das suas atividades pela falta de atenção(3-4,7,13).

Durante grande parte de sua vida, o trabalhador em turnos está na contramão da sociedade, não apenas durante as jornadas noturnas, mas também nos horários vespertinos, fins de semana e feriados. Com a alternância de horários de trabalho é grande a dificuldade de programação de atividades, sempre dependente da "nova" escala de trabalho(13). Os benefícios compensatórios, como adicionais nos salários, não contrabalançam, necessariamente, as restrições enfrentadas por esses trabalhadores em suas vidas.

A interferência negativa na vida social é uma das maiores fontes de problemas para o trabalhador que se submete a esses ritmos de trabalho. Quando se é obrigado a dormir quando todos estão acordados e a trabalhar quando o resto da sociedade dorme, o trabalhador fica impedido de acompanhar normalmente a vida de seus familiares, acarretando inúmeros problemas de relacionamento com filhos e o cônjuge, e a participação em atividades sociais organizadas: estudo, lazer, vida sindical, vida política(7-8).

São frequentes as queixas dos trabalhadores em relação aos prejuízos causados por relativo isolamento social, discriminação de atividades e dificuldades para conciliar suas horas de folga com as de seus amigos e familiares(1).

As dificuldades de relacionamento social são confirmadas nas sugestões dos sujeitos desta pesquisa que propõem, entre outras coisas, a fixação do turno, pelo menos semestralmente. O envolvimento interativo das partes (empregador e trabalhador) na definição do esquema de trabalho é apontado por alguns estudos como fator de sucesso na relação de trabalho(1).

Conclusão

O trabalho em turnos mostrou-se para a população estudada fonte de efeitos de grande importância à saúde, no que diz respeito aos aspectos físicos, emocionais e sociais (familiares e interpessoais).

Como perturbador da ritmicidade circadiana, o trabalho em turnos alternados tem implicações negativas em muitos dos processos biológicos de autorregulação. Um dos problemas evidenciados neste estudo foi o relacionado ao sono. Entre os distúrbios do sono, a insônia, a sonolência excessiva durante o trabalho e o uso de medicamento para se manter acordado, durante a atividade laboral, se mostraram especialmente importantes. Levando-se em consideração que o descanso físico, proporcionado pelo sono, é fundamental para o bom desempenho das atividades laborais, tem-se aqui um histórico conflito: de um lado a satisfação às necessidades econômicas e técnicas e de outro as necessidades humanas do trabalhador.

A mudança constante nos padrões fisiológicos, ocasionada pela alternância nos horários de trabalho, mostrou-se relacionada às manifestações como a constipação intestinal, azia, falta de apetite e irritabilidade.

A interferência negativa do trabalho em turnos alternados, na vida social do trabalhador, foi substancialmente relatada pelos sujeitos da pesquisa. Esses trabalhadores têm dificuldade de se fazerem presentes no convívio familiar e sair com os amigos, fato que compromete suas relações sociais e afetivas, podendo frustrar as expectativas da família.

Considerando nossa sociedade como uma sociedade que não pode parar, número crescente de trabalhadores se depara com a necessidade e dificuldade de trabalhar em horários alternados e/ou noturnos.

Em razão dessa realidade, portanto, e da constatação de prejuízos tanto de ordem física como social para o trabalhador, faz-se necessário esforços contínuos dos pesquisadores e profissionais de saúde, a fim de conhecer e encontrar formas de organização da temporalidade do trabalho que minimizem os impactos que a alternância de horários de trabalho traz para a vida do trabalhador. Além disso, é fundamental a efetivação de vigilância em saúde do trabalhador, atuante, que propicie o cumprimento dos dispositivos legais da saúde do trabalhador.

Referencias

  • 1. Moreno CRC, Fischer FM, Rotenberg L. A saúde do trabalhador na sociedade 24 horas. Săo Paulo Perspect. 2003; 17(1):34-46.
  • 2. Silva CF. Ritmos biológicos e Trabalho por Turnos. Rec Hum Mag. [internet].2000; (6). [acesso 10 ago 2008). Disponível em: http://aeiou.expressoemprego.pt/scripts/indexpage.asp?headingID=4160
  • 3. Campos MLP, Martinho MMF. Aspectos cronobiológicos do ciclo vigília-sono e níveis de ansiedade dos enfermeiros nos diferentes turnos de trabalho. Rev Esc Enferm USP. 2004; 38(4):415-21.
  • 4. Moreno CRC, Louzada FM. [O que acontece com o corpo quando se trabalha ŕ noite?] Cad Saúde Pública. 2004;20(6):1739-45. Inglęs.
  • 5. Lima AMJ, Soares CMV, Souza AOS. Efeito da inversăo dos turnos de trabalho sobre capacidade aeróbia e respostas cardiovasculares ao esforço máximo. Rev Bras Med Esporte. 2008;14(3):201-4.
  • 6. Marziale MHP, Rozestraten RJA. Turnos alternantes: fadiga mental de enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 1995;3(1):59-78.
  • 7. Rocha MCP, Martino MMF. Estresse e qualidade do sono entre enfermeiros que utilizam medicamentos para dormir. Acta Paul Enferm. 2009;22(5):658-65.
  • 8. Ferreira LL. Trabalho em turnos: Temas para Discussăo. Rev Bras Saúde Ocupacional. 1987;15(58):27-32.
  • 9. Dal Pai D, Lautert L. O trabalho em urgęncia e emergęncia e a relaçăo com a saúde das profissionais de enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(3):439-44.
  • 10. Elias MA, Navarro VL. A relaçăo entre o trabalho, a saúde e as condiçőes de vida: negatividade e positividade no trabalho das profissionais de enfermagem de um hospital escola. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2006;14(4):517-25.
  • 11. Martinez D, Lenz MCS, Menna-Barreto L. Diagnóstico dos transtornos do sono relacionados ao ritmo circadiano. J Bras Pneumol. 2008;34(3):173-80.
  • 12. Martinho MMF. Arquitetura do sono diurno e ciclo vigília-sono em enfermeiros nos turnos de trabalho. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(1):194-9.
  • 13. Gaspar S, Moreno C, Menna-Barreto L. Os plantőes médicos, o sono e a ritmicidade biológica. Rev Assoc Med Bras. 1998;44(3):239-45.
  • 14. Souza JC, Paiva T, Reimăo R. Sono, qualidade de vida e acidentes em caminhoneiros Brasileiros e Portugueses. Psicol Estudo. 2008;13(3):429-36.
  • 15. Backhaus J, Junghanns K, Broocks A, Riemann D. Test-retest reliability and validity of the Pittsburg Sleep Quality Index in primary insomnia. Psychosom Res. 2002;53(3), 737-40.
  • 16. Martinez MAR, Oliveira LR. Trabalho em turnos nas empresas de Botucatu, Săo Paulo: estudo descritivo. Cad Saúde Pública. 1997;13(2):639-49.
  • 17. Martino MMF. Estudo comparativo de padrőes de sono em trabalhadores de enfermagem dos turnos diurno e noturno. Rev Panam Salud Pública. 2002;12(2):95-9.
  • 18. Zaros MC, Ceolim MF. [Ciclo vigília/sono de mulheres submetidas a cirurgia ginecológica eletiva com um dia de hospitalizaçăo]. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008; 16(5):838-43. Inglęs.
  • 19. Inocente NJ. Paraíba Valley university teachers occupational stress: burnout, depression and sleep evaluation. Arq. Neuro-Psiquiatr. [Internet]. 2005;[acesso 06 abr 2010]; 63(2a):367. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2005000200035&lng=pt
  • Corresponding Author:
    Adelaide de Mattia Rocha
    Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Enfermagem.
    Departamento de Enfermagem Básica
    Rua Alfredo Balena, 190 Sala 204
    Bairro Santa Efigênia
    CEP: 30130-100 Belo Horizonte, MG, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      11 Set 2009
    • Aceito
      17 Set 2010
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br