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O cuidado do filho dependente de tecnologia e suas relações com os sistemas de cuidados em saúde1 1 Artigo extraído da tese de doutorado "A experiência materna no cuidado do filho dependente de tecnologia", apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil

Resumos

OBJETIVO:

compreender a experiência do cuidado às crianças dependentes de tecnologia, a partir da vivência das mães.

MÉTODO:

estudo exploratório, com abordagem qualitativa, fundamentado pelo referencial teórico da antropologia médica e do método narrativo. Doze mães participaram e como técnica para obtenção das narrativas utilizou-se entrevista aberta, no domicílio.

RESULTADOS:

as narrativas foram organizadas em três categorias temáticas: o sistema familiar, identificando as maneiras de cuidar, a associação entre conhecimentos populares e científicos e a participação da rede social; o sistema profissional, que discute as relações entre profissionais e família, a hegemonia do modelo biomédico e o papel da enfermagem; e o sistema popular, apresentando-se as práticas populares de cuidado, como espiritualidade e religiosidade.

CONCLUSÃO:

o estudo forneceu subsídios para um projeto de cuidado em saúde, que considera valores morais, simbólicos e crenças das famílias diante do adoecimento de uma criança dependente de tecnologia. Os resultados encontrados poderão colaborar para mudanças no processo de trabalho em saúde, de forma que sua fundamentação não seja norteada apenas pelo modelo biomédico, possibilitando que as dimensões socioculturais sejam integradas ao movimento de cuidado em saúde.

Criança; Família; Enfermagem Pediátrica; Antropologia Médica; Assistência Domiciliar


OBJECTIVE:

to understand the experience of care delivery to technology dependent children based on the mothers' experience.

METHOD:

exploratory study with qualitative approach, based on the theoretical framework of medical anthropology and the narrative method. Twelve mothers participated and, as the technique to obtain the narratives, open interviews were held at the participants' homes.

RESULTS:

the narratives were organized into three thematic categories: the family system, identifying the care forms, the association between popular and scientific knowledge and the participation of the social network; the professional system, which discusses the relations between professionals and family, the hegemony of the biomedical model and the role of nursing; and the popular system, presenting popular care practices like spirituality and religiosity.

CONCLUSION:

the study provided support for a health care project that takes into account the families' moral and symbolic values and beliefs in view of the illness of a technology-dependent child. The results found can contribute towards changes in the health work process, so that its foundation is guided not only by the biomedical model, allowing the integration of the sociocultural dimensions into the health care movement.

Child; Family; Pediatric Nursing; Anthropology, Medical; Home Nursing


OBJETIVO:

comprender la experiencia del cuidado a los niños dependientes de tecnología, a partir de la vivencia de las madres.

MÉTODO:

estudio exploratorio, con aproximación cualitativa, basado en el referencial teórico de la antropología médica y del método narrativo. Doce madres participaron y como técnica para obtener las narrativas fue utilizada entrevista abierta en domicilio.

RESULTADOS:

las narrativas fueron organizadas en tres categorías temáticas: el sistema familiar, identificando las maneras de cuidar, la asociación entre conocimientos populares y científicos y la participación de la red social; el sistema profesional, que discute las relaciones entre profesionales y familia, la hegemonía del modelo biomédico y el papel de la enfermería; y el sistema popular, presentando las prácticas populares de cuidado, tales como espiritualidad y religiosidad.

CONCLUSIÓN:

el estudio facilitó el desarrollo de un proyecto de cuidado en salud que considera valores morales, simbólicos y creencias de las familias ante el adolecer de un niño dependiente de tecnología. Los resultados encontrados podrán colaborar hacia cambios en el proceso de trabajo en salud, de manera que su fundamentación no sea norteada solamente por el modelo biomédico, posibilitando que las dimensiones socioculturales sean integradas al movimiento de cuidado en salud.

Niño; Familia; Enfermería Pediátrica; Antropología Médica; Atención Domiciliaria de Salud


Introdução

Utiliza-se o termo dependente de tecnologia para descrever crianças que necessitam de algum dispositivo para compensar a perda de alguma função vital e consequente manutenção da sua existência, tais como traqueostomia, ventilação mecânica e gastrostomia(11. Wagner J, Power EJ, Fox H. Techonology- dependent children: hospital versus home care. Office of technology assessment task force. Philadelphia: Lippincott; 1988.). As crianças dependentes de tecnologia são um grupo com necessidades especiais de saúde, as quais caracterizam-se pela fragilidade clínica, exigência de cuidados de saúde além daqueles ofertados para crianças da mesma idade e, com frequência, a necessidade de dispositivos tecnológicos(22. Golden SL, Nageswaran S. Caregiver voices: coordinating care for children with complex chronic conditions. Clin Pediatr. 2012;51(8):723-9.).

Essas crianças requerem um regime terapêutico e de reabilitação complexo e contínuo, que implica na necessidade de incorporação de novos saberes e práticas incomuns ao cotidiano existencial de suas mães, pois os cuidados vão além daqueles ofertados a uma criança sadia. Tais práticas de cuidado encontram-se fundamentadas em saberes científicos(33. Neves ET, Cabral IE. O emponderamento da mulher cuidadora de crianças com necessidades especiais de saúde. Texto Contexto Enferm. jul- set 2008;17(3):552-60.).

Nesse sentido, "cuidados hospitalares em casa" são positivos conforme se prolongam, aumentando a qualidade de vida dessas crianças. Por outro lado, as famílias enfrentam extrema carga emocional e social(44. Dybwik K, Tollali T, Nielsen EW, Brinchmann BS. "Fighting the system": families caring for ventilator-dependent children and adults with complex health care needs at home. BMC Health Services Research. 2011; 11 (156) Disponível em: <http://www.biomedcentral.com/1472-6963/11/156>. Acesso em: 10 jan. 2013.
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). A sobrecarga materna, as mudanças nas dinâmicas intrafamiliar e extrafamiliar, o isolamento social e o impacto financeiro são alguns dos desafios vivenciados por essas famílias(5) .

Pesquisadores têm alertado para a necessidade de reorganização do sistema de saúde, na melhoria do atendimento a essa clientela emergente, buscando redes de apoio de profissionais que prestam cuidado no domicílio e na comunidade. Apontam ainda, a importância de uma assistência qualificada e integradora e a necessidade de implantação de novos serviços de suporte, como forma de apoio a essas famílias na continuidade do cuidado no domicílio(22. Golden SL, Nageswaran S. Caregiver voices: coordinating care for children with complex chronic conditions. Clin Pediatr. 2012;51(8):723-9.,66. Astolpho MP, Okido ACC, Lima RAG. Rede de cuidados às crianças com necessidades especiais de saúde. Rev Bras Enferm. 2014;67(2):213-9.). As instituições que prestam assistência domiciliar a esse grupo de crianças devem ser acessíveis, prestar cuidados dirigidos à família e comunidade, de forma coordenada com os demais serviços e culturalmente efetivos(77. Agrawal R, Shah P, Zebracki K, Sanabria K, Kohrman C, Kohrman A. The capacity of primary care pediatricians to care for children with special health care needs. Clin Pediatr. 2013;52(4):310-4.).

Partindo do pressuposto de que os familiares encontram-se sozinhos diante de uma realidade totalmente nova, incluindo novos saberes e práticas que necessitam ser incorporados ao cotidiano, fundamentou-se a construção desse artigo no referencial teórico da antropologia médica. Tal referencial fornece um quadro teórico para análise dos fatores culturais, intervindo no campo da saúde, ao estudar a forma como as pessoas explicam as causas das doenças, os tipos de tratamento em que acreditam e recorrem, permitindo assim, a recuperação da dimensão experiencial e simbólica da experiência do cuidado às crianças dependentes de tecnologia(88. 10 Helman CG. Cultura, saúde e doença. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.).

No que concerne à antropologia médica, destacou-se o conceito de Sistema de Cuidado em Saúde, o qual afirma que as atividades em busca de cuidados com a saúde são socialmente e culturalmente organizadas, compondo um sistema cultural a partir de três setores intercomunicantes: familiar (ou tradicional), profissional e popular ou folk. O setor familiar ou tradicional é a esfera em que a doença é definida, descoberta e onde são iniciadas as atividades relativas ao cuidado em saúde. O setor profissional é constituído pela medicina científica e o setor folk ou popular é composto por profissionais não oficiais da cura, como curandeiros, rezadores, benzedeiros, entre outros(99. Kleinman A. Patients and healers in the context of cultures: an exploration of boderland between anthropology and psychiatry. Berkeley: University of California Press; 1980. -1010. Uchôa E, Vidal JM. Antropologia médica: elementos conceituais e metodológicos para uma abordagem da saúde e da doença. Cad Saúde Pública. 1994;10(4):497-504.). Um conceito complementar a este é o Modelo Explicativo da Doença, que trata de um conjunto articulado de explicações sobre doença e tratamento que permeiam cada Sistema de Cuidado em Saúde, dentre eles, o modelo explicativo profissional, que fundamenta-se cientificamente e diz respeito ao adotado pelos profissionais da saúde e aos modelos explicativos populares, fundamentando-se na cultura compartilhada por todos os integrantes de um determinado grupo(88. 10 Helman CG. Cultura, saúde e doença. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.).

Assim, a escolha teórica baseia-se nas possibilidades de interpretação das maneiras de pensar e agir diante do adoecimento e cuidado do filho dependente de tecnologia, integrando os aspectos socioculturais das mães participantes do estudo. Para tanto, foi a partir dos pressupostos da antropologia médica que colocou-se o desafio de compreensão dos modelos explicativos elaborados por essas mães, as quais orientam suas percepções e atitudes diante da experiência de cuidado do filho dependente de tecnologia, num determinado sistema de cuidados em saúde.

O presente estudo justifica-se pela escassez de trabalhos voltados a essa clientela e necessidade do seu reconhecimento para o planejamento de políticas públicas e estratégias de cuidado. O desenvolvimento desse estudo foi motivado pela necessidade de resposta à seguinte questão de pesquisa: como é a experiência de cuidar de uma criança dependente de tecnologia? Partindo dessas considerações, o presente artigo tem como objetivo compreender a experiência do cuidado às crianças dependentes de tecnologia, a partir da vivência das mães.

Método

Trata-se de um estudo exploratório, com abordagem qualitativa, fundamentado pelo referencial teórico da antropologia médica e do método narrativo. Foi realizado em um município do interior do estado de São Paulo. Participaram doze mães de crianças dependentes de tecnologia, selecionadas intencionalmente a partir de uma amostra de 102 mães(1111. Okido ACC, Hayashida M, Lima RAG. Perfil de crianças dependentes de tecnologia no município de Ribeirão Preto. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2012;22(3):291-6.). As 102 mães foram identificadas por busca ativa no municipio, entre outubro e dezembro de 2010, participantes da primeira etapa da tese de doutorado. A busca ativa ocorreu na rede básica de saúde, em instituições de apoio às crianças com necessidades especiais de saúde e através de divulgação da pesquisa em meios de comunicação escrita e falada.

O número de participantes não foi estipulado a priori, mas definido no processo da produção dos dados empíricos, conforme considerados suficientes para compreender o fenômeno em estudo. Apoiou-se na argumentação: quando a seleção dos participantes em pesquisa qualitativa é intencional, o propósito do pesquisador é ter uma amostra selecionada de participantes que possam melhor contribuir para a pesquisa, fazendo uma seleção de casos ricos em informações para o estudo em profundidade(1212. Moreira H, Caleffe L. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP&A; 2006.).

Assim, a amostragem intencional visava a constituição de uma população heterogênia, ou seja, mães com experiências distintas, seja pelas condições socioeconômicas, situação conjugal ou tempo de experiência com a doença. Assim, os critérios de inclusão foram: ser mãe e/ou responsável de crianças com até 12 anos de idade dependentes de algum dispositivo tecnológico para manutenção de sua vida e residente no município de Ribeirão Preto, SP. Após a seleção intencional, realizou-se contato telefônico prévio, convidando as mães selecionadas a participarem dessa etapa da pesquisa. Não houve recusas e a coleta de dados foi realizada de acordo com a disponibilidade das participantes.

A produção do material empírico ocorreu entre maio e outubro de 2011. Utilizou-se o método da narrativa, julgando ser o mais adequado por possibilitar o resgate do conhecimento, a interpretação das experiências relevantes e a obtenção do significado cultural. Por narrativas obtêm-se histórias contadas pelos participantes, cujos pensamentos, emoções e experiências são fontes de dados. A narrativa privilegia a subjetividade do narrador, sendo a representação da sua experiência(1313. Mattingly C, Garro LC. Narrative and the cultural construction of illness and healing. London: University of California Press; 2000.). Como técnica para obtenção das narrativas utilizou-se a entrevista aberta. Partindo desses pressupostos, iniciou-se a construção das narrativas com a seguinte pergunta: Conte-me sobre a sua experiência de cuidar de seu/sua filho/filha dependente de tecnologia.

Selecionou-se o ambiente domiciliar como local do estudo, constituindo-se de doze visitas domiciliares, com duração de aproximadamente 90 minutos e realizadas pela mesma pesquisadora. A pesquisadora era aluna de doutorado e possuía experiência prévia com a clientela pesquisada. Considerando o envolvimento de seres humanos na pesquisa, o estudo foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, em cumprimento à Resolução 196/96 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde, e aprovado de acordo com o protocolo nº 405/2010. Para preservação do anonimato, as mães foram identificadas pela ordem cronológica das entrevistas da seguinte forma: mãe 1, mãe 2 e assim por diante.

As narrativas foram analisadas com fundamentação na análise interpretativa. Dessa forma, os conceitos da antropologia médica orientaram a interpretação da experiência materna no cuidado do filho dependente de tecnologia. Iniciou-se pela organização do material empírico, contendo identificação e narrativas transcritas na íntegra. Em seguida, foi realizada leitura exaustiva e busca por palavras, frases, comportamentos comuns e possíveis diferenças, denominando-se codificação dos dados. O processo intermediário de análise foi composto pela leitura transversal das codificações, agrupamento dos códigos comuns e incomuns e identificação das categorias empíricas. Por fim, reagrupou-se e inter-relacionou-se as categorias de acordo com suas similaridades, constituindo-se, assim, as categorias temáticas(1414. Minayo MCS, organizador. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 2007.).

Considerando-se que as ações de cuidado em saúde são organizadas de forma sociocultural, podendo ser estudadas por meio do sistema de cuidados em saúde e que, tal sistema é compreendido como a somatória de ações para lidar com a doença, como a busca por seu significado, a maneira como se trata e as instituições envolvidas no cuidado(1010. Uchôa E, Vidal JM. Antropologia médica: elementos conceituais e metodológicos para uma abordagem da saúde e da doença. Cad Saúde Pública. 1994;10(4):497-504.), as categorias temáticas apresentam o significado da experiência materna no cuidado do filho dependente de tecnologia a partir dos sistemas de cuidado em saúde: sistema familiar, sistema profissional e sistema popular.

Resultados e Discussão

Para abordar a experiência materna no cuidado do filho dependente de tecnologia foram considerados os diferentes contextos sociais das participantes. Trabalhou-se na perspectiva de complementação e enriquecimento possibilitado por cada vivência. Para tanto, a seguir, apontam-se algumas características das mães das crianças dependentes de tecnologia participantes do estudo: média de idade de 34 anos; com relação à escolaridade, sete mães possuíam ensino médio completo, duas ensino fundamental completo e três não finalizaram o ensino fundamental; quanto à ocupação, duas mães trabalhavam formalmente e as demais eram cuidadoras por tempo integral, contudo, cinco delas contribuíam com a renda familiar por meio da venda de artesanatos e alimentos no próprio domicílio; em relação à situação conjugal, oito mães tinham relacionamento estável e as demais divorciadas ou solteiras; quanto ao número de filhos, cinco delas possuíam apenas o filho dependente de tecnologia e sete mães possuíam de 3 a 7 filhos; o tempo de experiência com o cuidado do filho variou de 1 ano e 6 meses a 11 anos. No que refere-se aos dispositivos tecnológicos utilizados pelos filhos, onze crianças utilizavam dispositivos tecnológicos para alimentação, como gastrostomia, jejunostomia ou sonda gástrica; sete crianças faziam uso de dispositivos para respiração, como traqueostomia, ventilação mecânica não invasiva e oxigenioterapia; e três crianças utilizavam dispositivos para eliminação, dentre eles, a sondagem vesical de alívio e a lavagem intestinal. É importante destacar que, as doze crianças faziam uso concomitante dos dispositivos tecnológicos.

O sistema familiar

É no subsistema familiar que as doenças são primeiramente identificadas e onde, após a intervenção biomédica de diagnóstico e instituição de tratamento, as pessoas doentes retornam e, conjuntamente com outros membros do sistema, avaliam a adequação do tratamento e decidem o que fazer dali em diante. Neste sistema, a mãe é a principal provedora dos cuidados e requer a aquisição de habilidades e conhecimentos para essa nova forma de cuidado. Contudo, as narrativas refletem a dificuldade de assimilação a esse novo cuidado, por ser pouco presente no cotidiano de pessoas leigas, sendo necessário a incorporação de práticas exclusivas do modelo explicativo profissional: No começo, quando ele fez a gastrostomia, eu nem encostava. Eu tinha pavor de ver aquilo, eu não conseguia assimilar que aquilo servia para ele se alimentar, eu olhava aquilo e achava que causava dor, que aquilo doía, tinha medo. (Mãe 9)

Inicia-se uma transação entre o modelo explicativo leigo e o modelo explicativo profissional, acerca de uma determinada doença e cuidados exigidos(88. 10 Helman CG. Cultura, saúde e doença. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.). Dessa forma, a cada novo encontro entre mães de crianças dependentes de tecnologia e profissionais de saúde, um novo modelo explicativo leigo vai sendo organizado e ressignificado, construindo um cuidado singular para seus filhos, permeado por noções biomédicas relacionadas aos cuidados de saúde complexos, bem como pelas percepções culturais acerca do fenômeno vivido. O depoimento da mãe número quatro vai ao encontro dessas afirmativas, uma vez que o filho foi acompanhado por diferentes profissionais de saúde, sendo ela quem gerenciava todas as orientações de cuidado e aplicava de acordo com sua experiência: No começo ficamos meio perdidos mesmo e depois eu comecei a criar os meus métodos. Eu fiquei toda perdida, cheguei em casa sem rumo. São vários profissionais envolvidos, é neurologista, é pediatra, é fisioterapia, é fono [fonoaudiologia], fiquei doida. Mas com o tempo eu fui criando o meu próprio método, adaptando os horários. (Mãe 4)

Em um estudo que objetivava descrever a inter-relação e comunicação nos setores de cuidado à saúde sob a perspectiva de cuidadores familiares de adoecidos crônicos, os resultados foram semelhantes ao apontarem que, embora os profissionais determinem o cuidado a ser prestado, os cuidadores acabam desenvolvendo suas próprias maneiras, correspondendo a uma associação entre conhecimentos populares e científicos. Concluíram que os saberes encontram-se interligados e que é o cuidador quem define quando procurar um ou outro sistema de cuidado(1515. Garcia RP, Budó MLD, Oliveira SG, Beuter M, Girardon-Perlini NMO. Setores de cuidado à saúde e sua inter-relação na assistência domiciliar ao doente crônico. Esc Anna Nery. 2012;16(2):270-6. ). Diante da disposição em proporcionar o melhor para o filho, a experiência de cuidado considerada inicialmente amedrontadora vai, com o tempo, sendo ressignificada e as práticas transformadas, tornando as mães mais tranquilas no manejo diário do cuidado: Eu não tinha experiência nenhuma quando o meu filho saiu do hospital. Eu não sabia cuidar, quando eu ia aspirar ele, eu chorava. Não tinha ninguém para me ajudar, mas não tive opção ou aprendia ou morava no hospital. Aí ficamos cuidando, cuidando, hoje, graças a Deus, conseguimos controlar tudo em casa. (Mãe 12)

Em relação ao envolvimento dos demais membros do sistema familiar, trata-se de um cuidado indireto, sob forma de apoio emocional e financeiro. Segundo a experiência narrada pela mãe número oito, os familiares não se sentem preparados para cuidar da criança, diante do cuidado complexo exigido: Olha, eu vou viajar hoje e volto amanhã à tarde, vocês ficam? [referindo-se aos familiares]. Não tem condição. Mas eles me ajudam assim, eles me apoiam, sempre vêm aqui. Toda a semana eles estão aqui, todo mundo, todo mundo vem. Eles não deixam eu ficar aqui sozinha, se preocupam demais, tudo o que tem. Sempre estão mandando presentinho, festinha que tem eles ligam, então são bem preocupados com a família. Só de cuidar dela mesmo que não estão preparados ainda. (Mãe 8)

Contudo, na experiência vivenciada pela maioria das mães identificou-se uma rede social familiar fragilizada e pouco participativa no processo do cuidado da criança dependente de tecnologia, sinalizando o isolamento da família nuclear, em relação aos demais membros: Não tenho participação de ninguém, não tenho família, não tenho minha mãe que mora aqui, que nós não somos daqui, somos de Recife, então, de ninguém, só de quem mora aqui dentro mesmo. (Mãe 7)

Ao estudar a experiência de famílias que convivem com a fibrose cística, as pesquisadoras também apontaram que diante de doenças crônicas infantis, a mãe passa a ser a principal figura para execução dos cuidados e manejo da terapia, gerando sobrecarga(1616. Pizzignacco TMP, Mello DF, Lima RAG. A experiência da doença na fibrose cística: caminhos para um cuidado integral. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(3):634-44.). Nesse sentido, apoia-se a argumentação de que as mulheres foram socializadas para serem cuidadoras e boas mães, de modo que o cuidado ao filho doente configura-se como legado de dedicação, abnegação e obrigação moral, os quais estão intimamente relacionados às questões culturais, valores, crenças, religião e visão de mundo(33. Neves ET, Cabral IE. O emponderamento da mulher cuidadora de crianças com necessidades especiais de saúde. Texto Contexto Enferm. jul- set 2008;17(3):552-60.).

Considerando-se que o sistema familiar de cuidado à saúde inclui o indivíduo doente, a família, a rede social e os membros da comunidade próxima(88. 10 Helman CG. Cultura, saúde e doença. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.), pode-se dizer que a constituição de parceria entre as mulheres, mães de crianças com necessidades especiais de saúde, também integra esse sistema. Observa-se pelas narrativas constituídas, informalmente, uma rede de solidariedade entre as mães, que se aproximavam e se ajudavam mutuamente: Minha família é assim, cada um por si e Deus por todos. Eu não tenho apoio de família, isso é uma coisa que me abala. Minha família é as mães, as pessoas que me ajudam. (Mãe 9)

A constituição dessa parceria entre as mulheres, mães de crianças com necessidades especiais de saúde, pode ser compreendida por meio do legado de solidariedade que envolve o universo feminino e as empodera para o cuidado(33. Neves ET, Cabral IE. O emponderamento da mulher cuidadora de crianças com necessidades especiais de saúde. Texto Contexto Enferm. jul- set 2008;17(3):552-60.). A importância da aproximação de grupos de pessoas que convivem com a mesma situação é evidenciada em estudo com mães de crianças portadoras de fibrose cística(1616. Pizzignacco TMP, Mello DF, Lima RAG. A experiência da doença na fibrose cística: caminhos para um cuidado integral. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(3):634-44.). Estas aproximações possibilitam o suporte emocional, instrumental, o compartilhamento de experiências, informações e materiais, bem como o preenchimento da lacuna criada no setor familiar tradicional.

O sistema profissional

O sistema familiar é responsável por 70% a 90% das atividades de cuidado à saúde e envolve crenças, práticas, escolhas, decisões, papéis e relacionamentos(99. Kleinman A. Patients and healers in the context of cultures: an exploration of boderland between anthropology and psychiatry. Berkeley: University of California Press; 1980. ). Contudo, a gravidade das condições clínicas e a complexa demanda de cuidados exigidos por essas crianças requer habilidade, aliando prática do cuidado e conhecimentos científicos, necessários à prevenção ou minimização de agravos, para identificação de alterações clínicas, bem como intervenção ágil, caso necessário. Nesse sentido, observa-se que as narrativas das mães sobre a experiência da doença dos filhos dependentes de tecnologia foram elaboradas de acordo com os termos técnicos e em conformidade com os modelos explicativos profissionais, confirmando a hegemonia das ciências médicas no paradigma ocidental(1717. Kleinman A, Eisenberg L, Good B. Culture, illness and care: clinical lessons from anthropologic and cross-cultural research. Washington: FOCUS; 2006.).

Justifica-se essa apropriação do discurso biomédico partindo da seguinte premissa: durante a interação entre profissional e indivíduo doente há o compartilhamento dos modelos explicativos, no entanto, a classe profissional influencia e molda, de forma que os pacientes e familiares se ajustem ao modelo biomédico da doença. Essa influência pode estar relacionada ao poder social da classe profissional, em especial a classe médica, em virtude de sua origem e treinamento(88. 10 Helman CG. Cultura, saúde e doença. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.).

A narrativa da mãe número doze evidencia a organização da sua vida ao redor do sistema profissional, ou seja, em virtude das crises convulsivas de difícil controle apresentadas pelo filho. Ela e sua família já haviam mudado de casa três vezes, sempre em busca de uma residência que possibilitasse melhor acesso aos serviços de saúde: Nós queríamos ficar perto de uma unidade, tínhamos muito medo. Aí falaram que lá era bom, então começamos a procurar casa por ali, porque falaram que o posto Cuiabá era um dos melhores postos de Ribeirão. (Mãe 12)

As narrativas traçaram um percurso pela busca terapêutica, principalmente no sistema profissional, no entanto, as experiências narradas mostraram que o conhecimento materno adquirido ao longo de sua experiência é, muitas vezes, desconsiderado pelo profissional que realiza o atendimento: Porque tem médico que não te ouve, não deixa a mãe falar: Teve uma médica que fazia medicação nele sem ser preciso. Ele tremia a mãozinha, os dedinhos, ficava contínuo. Eu falava para médica que não era preciso fazer medicação, ela mandava fazer e punha ele para dormir. Não ouvia. Se for fazer o Valium [diazepam], vai fazer dia e noite porque a hora que ele acordar vai vir os tremorzinhos. (Mãe 12)

As relações entre profissionais da saúde e pacientes devem ser construídas de maneira dialógica e não hierárquica. Para tanto, a comunicação deve ser considerada na perspectiva intercultural, ou seja, o profissional da saúde deve possuir conhecimento distinto da cultura do leigo; assim, o profissional não precisa abandonar seus conhecimentos, contudo deve ouvir o outro. Caso não haja diálogo, o paciente, ao retornar ao sistema familiar de cuidados, fará o que bem entender e o que considerar mais adequado, dependendo da forma como interpreta esse adoecimento(1818. Becker SG, Rosa LM, Marini GC, Baques MTS, Meirelles BHS, Santos SMA. Dialogando sobre o processo saúde/doença com a antropologia: entrevista com Esther Jean Lando. Rev Bras Enferm. 2009;62(2):323-6.).

Nessa perspectiva, embora as narrativas tenham sido elaboradas para o reconhecimento da necessidade de intervenções de saúde, muitas vezes essa situação de adoecimento remete a uma experiência marcada por desconfortos e frustração. A mãe número sete relatou a dificuldade de aceitação do seu esposo para a realização da cirurgia de gastrostomia: Quando nossa filha estava para pôr a sonda, eu quase entrei em depressão, porque eu não aceitava. Tive que passar por psicóloga, se eu soubesse tinha colocado há mais tempo, porque quase que eu perco a minha filha de tanto que ela engasgou. O pai dela não aceitava e ainda era pior do que eu, ele chegou a brigar com os médicos. (Mãe 7)

Diante da narrativa acima, concorda-se que a prática médica deve centralizar-se no indivíduo e em sua cultura, de forma a resgatar a humanização do cuidado e a integralidade da atenção à saúde. Os serviços de saúde devem ser "culturalmente sensíveis", ou seja, os profissionais precisam estar preparados para reconhecer as diferenças culturais existentes no indivíduo que busca por atendimento de saúde, possibilitando, assim, atuação efetiva frente ao seu problema, caso contrário, a abordagem do problema será parcial e o sucesso esperado terá menor chance de ser alcançado(1919. Oliveira FA. Antropologia nos serviços de saúde: integralidade, cultura e comunicação. Interface (Botucatu). 2002;6(10):63-74.).

Dentre os profissionais que compõem o setor profissional, as narrativas revelaram que a enfermagem, por meio das orientações realizadas ao longo da internação e no momento da alta, foi essencial para construção da autonomia dessas mães, em relação ao cuidado dos seus filhos, facilitando a continuidade da assistência no domicílio: Quando eu cheguei em casa, tem um enfermeiro que eu aprendi muito com ele. Ele que me ensinou tudo, falou: olha, é assim que você passa medicação, é assim que você faz, é assim que aspira. Ele que me ensinou tudo. (Mãe 10)

A enfermagem tem um papel fundamental no cuidado às crianças dependentes de tecnologia e suas famílias, tendo o compromisso de ampará-las no processo de transição para o domicílio e posterior acompanhamento(55. Okido ACC, Pizzinacco TMP, Furtado MCC, Lima RAG. Criança dependente de tecnologia: a experiência do cuidado materno. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1066-73. ), contudo, trata-se ainda de um treinamento pautado no paradigma biomédico, na realização das técnicas e na doença.

O sistema popular

O sistema popular consiste de especialistas de cura não profissionais, fortemente ligados ao sistema familiar. Dessa forma, uma vez que o sistema profissional por si só não é capaz de responder às expectativas e necessidades das mães, elas iniciaram uma busca por outros sistemas de cuidados. Nas narrativas a seguir, a mãe número quatro mencionou alguns tratamentos realizados paralelamente ao tratamento alopático tradicional, com o intuito de melhorar a condição neurológica do filho: Estou dando a cabeça do peixe. Me ensinaram que é bom para o cérebro, e eu faço com tanta fé que um dia eu vou ter resultados nisso, se eu já não estou tendo. Em seguida continua: Agora ele está com um tratamento bioenergético, aplica argila na cabeça, não sei se você sabe do poder de cura da argila. Jesus Cristo usava argila para curar os cegos e, se você procurar no Google, o poder de cura da argila, tanto estético, então, estamos procurando trabalhar aqui [apontando para a cabeça do filho]. Coloca argila, deixa por 2h. Faz uma meleca só. (Mãe 4)

Dentre outras práticas populares de cuidado com a saúde, as mães narraram a utilização de chás e ervas no combate a diferentes agravos: Macela o hortelã, põe um pouquinho de água, coa e dá para ele. Para os vermes da barriga. Faz o chá bem forte. (Mãe 9)

A prática das terapias alternativas e complementares vem ganhando destaque no cenário atual, em especial, pelas crianças com doenças crônicas. Essas terapias podem ser definidas como uma abordagem não convencional, adotada para fins terapêuticos, dentre elas, fitoterapia, homeopatia, medicina antroposófica e acupuntura, as quais podem ser utilizadas isoladamente ou associadas à medicina tradicional(2020. Gottschling S, Gronwald B, Schmitt S, Schmitt C, Langler A, Leidig E et al. Use complementary and alternative medicine in healthy children and children with chronic medical conditions in Germany. Complementary Ther Medicine. 2013;21(S):561-9.).

A religião constitui-se, também, como integrante do sistema popular do Sistema de Cuidado à Saúde. Nessa perspectiva, a narrativa da mãe número cinco revela esta participação simultânea durante a realização da cirurgia cardíaca, por meio de vibrações e energias: Ajudam, mandam vibrações, energias e cirurgias também. No dia dessa cirurgia [referindo-se à cirurgia cardíaca], o pessoal do centro [espírita] se reuniu, todo mundo. Eu lembro até que eles se programaram, no trabalho, alguns que tiveram que sair do trabalho, para poder fazer vibração na hora da cirurgia. (Mãe 5)

As experiências vivenciadas pelas mães número seis e onze também destacam a importância da religião no cuidado aos seus filhos dependentes de tecnologia: Aí a igreja lá da minha mãe, sabe que minha mãe é evangélica, foi lá, fez uma oração para ele. Eu nem dormia. (Mãe 6) e O meu filho está internado, a igreja inteira está orando. O meu filho passou por isso, o pastor vai na hora, onde ele está. O dia que ele entrou na CTI, foi questão de minutos, o pastor já estava lá dentro. Já estava lá. (Mãe 11)

A religião contribui para formação de significados da existência humana. É também uma fonte de motivação, proteção e recurso pessoal de energia, ajudando no enfrentamento da doença e da morte(2121. Campana HCR, Domingos ACP, Sanches PG, Correa DAM. A percepção dos mestrandos de enfermagem a respeito da religião como recurso terapêutico no processo de recuperação do ser humano doente e sua família. Cogitare Enferm. 2008;13(1):44-51.). Nessa direção, a mãe número cinco complementa: O centro espírita que me deixou muito forte. O espiritismo te ajuda a aceitar de uma forma que te conforta. Foi a minha fortaleza, de onde eu tirei todas as forças. Eles nunca me falaram: vamos curar a sua filha, ela vai andar, ela vai falar. Eles não te prometem uma cura, mas eles te orientam de como funciona, o porquê de tudo, a minha parte e a dela nessa situação. (Mãe 5)

A espiritualidade e a religiosidade encorajam a família, gerando sentimentos de esperança ou aceitação da condição imposta pela doença. Em um estudo que abordou o cuidado espiritual na enfermagem pediátrica oncológica, as autoras também concluíram que religião e espiritualidade são fontes de conforto e esperança, auxiliando na aceitação do adoecimento da criança e do adolescente(2222. Nascimento LC, Oliveira FCS, Moreno MF, Silva FM. Cuidado espiritual: componente essencial da prática da enfermeira pediátrica na oncologia. Acta Paul Enferm. 2010; 23(3):437-40.).

Conclusão

Nesse estudo, partiu-se do pressuposto de que as mães atribuem significado à doença do filho para além do reconhecimento objetivo e diagnóstico formal. Assim, considerou-se oportuno fundamentar a análise a partir desses conceitos, por melhor se adequarem aos objetivos, uma vez que esse referencial teórico consiste no entendimento das interfaces entre conhecimento popular e conhecimento médico científico sobre a doença e suas causas, a fim de serem negociadas no processo de cura.

O estudo identificou a necessidade de maior aproximação entre profissionais de saúde, crianças e suas famílias. Assim, profissionais de saúde poderão compreender melhor o que é viver com uma doença crônica, como a doença passa a fazer parte do cotidiano e como influencia suas decisões. A intenção deste estudo foi iniciar uma discussão sobre a temática, a fim de mobilizar a reflexão dos integrantes do sistema profissional e dos demais subsistemas envolvidos no cuidado sobre estratégias inovadoras, garantindo um cuidado domiciliar de qualidade para essas crianças, bem como para as famílias cuidadoras.

Identificou-se, também, que a experiência da doença é centrada, prioritariamente, no sistema profissional, contudo, este apresenta-se pouco resolutivo no atendimento à complexidade envolvida no cuidado à criança dependente de tecnologia, sendo fundamental na experiência materna o sistema familiar e popular. Assim, as interpretações podem contribuir para mudanças no processo de trabalho em saúde, de modo que deixe de ser fundamentado exclusivamente no modelo biomédico e que os aspectos socioculturais sejam integrados ao movimento de cuidado à saúde. Revela-se, então, a necessidade de valorização do suporte espiritual no planejamento das ações dos profissionais que atuam com essa clientela e, nesse sentido, destaca-se a importância da enfermagem como veiculadora desse suporte face a sua presença contínua nas situações em que é requerido.

Considerando os resultados relativos à importância do profissional de enfermagem e tendo em vista sua formação generalista, que considera não apenas o cuidado individual, mas o cuidado coletivo e gerencial, o enfermeiro é um personagem chave para integração desses sistemas de cuidados. Para tanto, essa temática deve constar na grade de disciplinas, tão logo os futuros enfermeiros iniciem os cursos de graduação.

Destaca-se a rede de solidariedade constituída informalmente pelas mães, as quais se ajudam mutuamente. Nessa perspectiva, faz-se necessário o desenvolvimento de ações formais que viabilizem o encontro dessas mães, com o objetivo de fortalecimento desses laços de solidariedade, uma vez que compartilham facilidades e dificuldades diante da experiência de possuir um filho que exige cuidados para além daqueles requeridos por uma criança saudável. Além disso, considera-se que esse tipo de aproximação confere visibilidade às questões socioculturais, as quais são pouco valorizadas no setor profissional.

Em relação às limitações do estudo, aponta-se a delimitação de um grupo específico de crianças com necessidades especiais de saúde, ou seja, crianças denominadas dependentes de tecnologia. Esse recorte foi necessário para otimização do tempo de realização da investigação, contudo, sabe-se que para contribuição no processo de mudanças políticas que assegurem assistência integral a essas crianças e suas famílias é preciso um movimento de inclusão. Outra limitação diz respeito ao caráter dinâmico das narrativas, as quais relataram as experiências que ainda estão sendo vividas por essas mães, portanto, passíveis de serem reconstruídas, a partir da interação e negociação entre indivíduos que compartilham um determinado contexto sociocultural.

Assim, considera-se que o estudo constitui-se em subsídio para reflexão de como os profissionais podem desenvolver uma assistência personalizada, que leve em consideração valores morais e crenças dos familiares diante do processo de adoecimento da criança. Acredita-se ser necessário a produção de novos estudos, os quais auxiliarão nesta construção.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Feb-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2014
  • Aceito
    01 Dez 2014
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