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Adaptação e Validação do Instrumento Inventory of Family Protective Factors para a cultura portuguesa

Resumos

OBJETIVOS:

adaptar e validar o Inventory of Family Protective Factors para a cultura portuguesa. Esse instrumento avalia os fatores protetores que contribuem para a resiliência familiar. Os estudos sobre resiliência inserem-se no paradigma salutogênico, abordando os fatores protetores dos indivíduos, ou grupos, sem subestimar os fatores de risco ou vulnerabilidade.

MÉTODO:

para avaliar a equivalência linguística e conceitual do Inventory of Family Protective Factors realizou-se a tradução, retroversão e reflexão falada; para aferir as características psicométricas do instrumento, verificou-se a sensibilidade, confiabilidade e a validade dos resultados. Foi realizada uma análise fatorial de componentes principais com rotação Varimax dos itens da escala e calculou-se o coeficiente alfa de Cronbach para cada dimensão. Através de uma amostragem aleatória simples, aplicou-se esse instrumento a 85 famílias de crianças com necessidades especiais que o autopreencheram.

RESULTADOS:

o Inventory of Family Protective Factors apresenta características psicométricas adequadas para a população portuguesa (alfa de Cronbach de .90).

CONCLUSÃO:

o Inventory of Family Protective Factors foi adaptado e validado para a cultura portuguesa. Considera-se que se trata de um instrumento útil para estudos nos quais há a proposta de avaliar os fatores protetores da resiliência familiar.

Família; Resiliência Psicológica; Validade dos Testes


OBJECTIVES:

to adapt and validate the Inventory of Family Protective Factors (IFPF) for the Portuguese culture. This instrument assesses protective factors that contribute to family resilience. Studies addressing resilience are embedded within the salutogenic paradigm, i.e. it addresses protective factors of individuals or groups without underestimating risk factors or vulnerability.

METHOD:

in order to assess the IFPF's linguistic and conceptual equivalence, the instrument was translated, retro-translated and the think-aloud protocol was used. We then verified the instrument's sensitiveness, reliability and validity of results to assess its psychometric characteristics. A factor analysis was performed of the principal components with varimax rotation of the scale's items and Cronbach's alpha coefficient was calculated for each dimension. A total of 85 families with disabled children, selected through simple random sampling, self-administered the instrument.

RESULTS:

the IFPF presents psychometric characteristics that are appropriate for the Portuguese population (Cronbach's alpha = .90).

CONCLUSION:

the IFPF was adapted and validated for the Portuguese culture and is an instrument to be used in studies intended to assess protective factors of family resilience.

Family; Resilience, Psychological; Validity of Tests


OBJETIVOS:

adaptar y validar el Inventory of Family Protective Factors(IFPF) para la cultura portuguesa. Este instrumento evalúa los factores protectores que contribuyen para la resiliencia familiar. Los estudios sobre resiliencia se insieren en el paradigma salutogénico, abordando los factores protectores de los individuos o grupos, sin subestimar los factores de riesgo o vulnerabilidad.

MÉTODO:

para evaluar la equivalencia lingüística y conceptual del IFPF realizamos la traducción, retrotraducción y reflexión hablada; para evaluar las características psicométricas del instrumento verificamos la sensibilidad, confiabilidad y la validez de los resultados. Realizamos un análisis factorial de los componentes principales con rotación varimax de los ítems de la escala y calculamos el coeficiente Alpha de Cronbach para cada dimensión. A través de un muestreo aleatorio simple, aplicamos este instrumento a 85 familias de niños con necesidades especiales que lo autollenaron.

RESULTADOS:

el IFPF presenta características psicométricas adecuadas para la población portuguesa (alfa de Cronbach de 0,90).

CONCLUSIÓN:

el IFPF fue adaptado y validado para la cultura portuguesa. Consideramos que se trata de un instrumento útil para estudios que se propongan evaluar los factores protectores de la resiliencia familiar.

Familia; Resiliencia Psicológica; Validez de las Pruebas


Introdução

Uma das questões que emerge atualmente no seio da comunidade científica, nomeadamente entre os profissionais de saúde e da educação, é o fato de determinadas famílias, perante uma situação de adversidade, conseguirem ajustar-se, responder positivamente e saírem fortalecidas, otimistas e renovadas, ou seja, transformadas positivamente. A resiliência é a capacidade de ultrapassar uma situação que poderia ter sido traumática, com força renovada, ela implica adaptação positiva às dificuldades, desenvolvimento normal, apesar dos fatores de risco, e domínio de si, após um traumatismo( 11. Anaut M. A resiliência: ultrapassar os traumatismos. Lisboa: Climepsi; 2005. ).

Os primeiros estudos que exploraram o conceito de resiliência focaram as características pessoais e as estratégias de coping desenvolvidas individualmente (adulto ou criança) perante situações adversas. Um dos primeiros estudos sobre as respostas adaptativas às situações adversas foi desenvolvido na década de 70 com crianças consideradas de alto risco. Essas não espelhavam as privações às quais eram sujeitas, antes, pelo contrário, cresceram e tornaram-se mais fortes do que outras que se encontravam numa situação semelhante( 22. Luthar SS, Barkin SH. Are affluent youth truly "at risk"? Vulnerability and resilience across three diverse samples. Development and Psychopathology. 2012 May;24(2):429-49. PubMed PMID: WOS:000302915900008. ). A investigação sobre resiliência estendeu-se a várias idades e diferentes tipos de adversidades como pobreza e violência( 22. Luthar SS, Barkin SH. Are affluent youth truly "at risk"? Vulnerability and resilience across three diverse samples. Development and Psychopathology. 2012 May;24(2):429-49. PubMed PMID: WOS:000302915900008. ), maus-tratos( 33. Oshri A, Rogosch FA, Cicchetti D. Child Maltreatment and Mediating Influences of Childhood Personality Types on the Development of Adolescent Psychopathology. Journal of Clinical Child and Adolescent Psychology. 2013 May;42(3):287-301. PubMed PMID: WOS:000317738400001. ), doença crônica( 44. Svavarsdottir EK, Sigurdardottir A, Tryggvadottir G. Strengths-Oriented Therapeutic Conversations for Families of Children With Chronic Illnesses: Findings From the Landspitali University Hospital Family Nursing Implementation Project. Journal of Family Nursing. 2014 February 1, 2014;20(1):13-50. ). Um grupo de investigadores também pesquisou a relação desse conceito com as características culturais e étnicas de índios americanos e havaianos( 55. McCubbin H, McCubbin L, Samuels G, Zhang W, Sievers J. Multiethnic Children, Youth, and Families: Emerging Challenges to the Behavioral Sciences and Public Policy. Family Relations. 2013 Feb;62(1):1-4. PubMed PMID: WOS:000313912000001. ). Esses estudos apontam uma noção de resiliência focalizada nas qualidades pessoais de resiliência, tais como a autonomia e a autoestima.

Recentemente, alguns autores deslocaram o foco de atenção da resiliência pessoal, baseada nos recursos individuais, para um conceito de resiliência familiar como produto das relações familiares( 66. Walsh F. Facilitating family resilience: relational resources for positive youth development in conditions of adversity. In: Ungar M, editor. The social ecology of resilience: a handbook of theory and practice. New York: Springer Science, Business Media, LLC.; 2012. p. 173-85. ). A resiliência familiar é perspetivada como uma habilidade da família para cultivar forças que permitem lidar com as mudanças na vida. Subjacentes a esse conceito estão determinadas características, dimensões e propriedades que facilitam a adaptação da família à mudança e às situações de crise. Essa perspetiva reconhece as forças e as dinâmicas relações familiares e considera que o stressfamiliar e as mudanças não constituem obstáculo, mas uma oportunidade de crescimento( 77. Black K, Lobo M. A conceptual review of family resilience factors. Journal of Family Nursing. 2008 Feb;14(1):33-55. PubMed PMID: WOS:000253419000005. ).

As estratégias de coping utilizadas pela família para lidar com as situações de stress visam a sua adaptação. Há que se considerar as diferenças entre resiliência e coping. A resiliência pressupõe dois processos: o primeiro consiste nas modalidades de resistência ao estresse, portanto, a capacidade de enfrentar (corresponde ao coping), e o segundo está mais relacionado com a capacidade de prosseguir o desenvolvimento e aumentar as suas competências numa situação adversa( 11. Anaut M. A resiliência: ultrapassar os traumatismos. Lisboa: Climepsi; 2005. ). Dessa forma, o foco da resiliência familiar centra-se em áreas fundamentais que permitem o fortalecimento familiar, diante de situações de crise, nomeadamente: (i) a atribuição de significado à adversidade, (ii) a esperança e otimismo, (iii) a espiritualidade, a flexibilidade, a coesão, a comunicação familiar, a partilha do lazer, rotinas e rituais e (iv) as redes de apoio e capacidade da família na sua manutenção( 77. Black K, Lobo M. A conceptual review of family resilience factors. Journal of Family Nursing. 2008 Feb;14(1):33-55. PubMed PMID: WOS:000253419000005. - 88. McCubbin H, Comeau J, Harkins J. Family Inventory of Resources for Management (FIRM). In: McCubbin HI, Thompson AI, A. MM, editors. Family Assessment: resiliency, coping and adaption. Madison: University of Wisconsin; 1996. ).

A partir dos recursos adaptativos da família, constituem processos fulcrais da resiliência familiar o sistema de crenças, os padrões e organização familiar, bem como os processos de comunicação( 66. Walsh F. Facilitating family resilience: relational resources for positive youth development in conditions of adversity. In: Ungar M, editor. The social ecology of resilience: a handbook of theory and practice. New York: Springer Science, Business Media, LLC.; 2012. p. 173-85. ). O conhecimento e estudo dos fatores protetores das famílias são resultados importantes para os enfermeiros perceberem os processos fundamentais que ajudam as famílias a enfrentarem as suas transições. Atualmente, a investigação sobre o fenômeno dos fatores protetores, ancorada no conceito de resiliência( 77. Black K, Lobo M. A conceptual review of family resilience factors. Journal of Family Nursing. 2008 Feb;14(1):33-55. PubMed PMID: WOS:000253419000005. ), tem contribuído para a evidência que permite aos profissionais e a outras pessoas extraírem as competências e o potencial de cada pessoa ou família na sua totalidade e encorajarem o processo ativo de reestruturação e crescimento( 66. Walsh F. Facilitating family resilience: relational resources for positive youth development in conditions of adversity. In: Ungar M, editor. The social ecology of resilience: a handbook of theory and practice. New York: Springer Science, Business Media, LLC.; 2012. p. 173-85. ). Essa abordagem que enfatiza as forças familiares em detrimento da vulnerabilidade e dos fatores de risco não é patente na maioria dos contextos da investigação e da prática dos cuidados. Assim, os estudos sobre resiliência familiar encontram-se num estágio muito precoce, longe de se tornarem estudos com uma forte evidência empírica, constituindo um vasto campo de investigação( 77. Black K, Lobo M. A conceptual review of family resilience factors. Journal of Family Nursing. 2008 Feb;14(1):33-55. PubMed PMID: WOS:000253419000005. ).

Encontraram-se alguns instrumentos que permitem avaliar a família sob a perspetiva das suas forças. São exemplos: o Family Inventory of Resources for Management ( 88. McCubbin H, Comeau J, Harkins J. Family Inventory of Resources for Management (FIRM). In: McCubbin HI, Thompson AI, A. MM, editors. Family Assessment: resiliency, coping and adaption. Madison: University of Wisconsin; 1996. ), o Family Hardiness Index ( 99. McCubbin H, McCubbin M. Family stress theory and assessment. In: McCubbin HI, Thomson AI, editors. Family assessment inventories for research and practice. Madison: University of Wisconsin; 1991. p. 294-312. ), o Family Resource Scale ( 1010. Van Horn ML, Bellis JM, Snyder SW. Family resource scale-revised: Psychometrics and validation of a measure of family resources in a sample of low-income families. Journal of Psychoeducational Assessment. 2001 Mar;19(1):54-68. PubMed PMID: WOS:000168487100004. ) e o Inventory of Family Protective Factors ( 1111. Gardner DL, Huber CH, Steiner R, Vazquez LA, Savage TA. The development and validation of the Inventory of Family Protective Factors: a brief assessment for family counseling. The Family Journal. 2008 Apr;16(2):107-17. PubMed PMID: 2008-03907-003. )..Descrevem-se, na Figura 1, as principais características desses instrumentos, no que concerne às dimensões avaliadas, número de itens, formato e caraterísticas psicométricas.

Figura 1 -
Características de alguns instrumentos de avaliação familiar que perspetivam as forças e os recursos da família

Alguns desses instrumentos não são muito utilizados pelos profissionais pela sua complexidade e, sobretudo, pelo tempo que exige a sua administração. Selecionou-se, para este estudo, o instrumento Inventory of Family Protective Factors (IFPF)( 1111. Gardner DL, Huber CH, Steiner R, Vazquez LA, Savage TA. The development and validation of the Inventory of Family Protective Factors: a brief assessment for family counseling. The Family Journal. 2008 Apr;16(2):107-17. PubMed PMID: 2008-03907-003. ), porque permite aos profissionais, de forma breve, avaliar os fatores protetores da família que contribuem para a resiliência familiar. O IFPF foi desenvolvido e validado por cinco investigadores norte-americanos de Lehigh University, New Mexico State University e University of Wisconsin - River Falls, baseado no Modelo de Adaptação Familiar( 1212. Drummond J, Kysela GM, McDonald L, Query B. The family adaptation model: examination of dimensions and relations. The Canadian journal of nursing research = Revue canadienne de recherche en sciences infirmieres. 2002 2002;34(1). PubMed PMID: MEDLINE:12122771 . ). Nesse contexto, fatores protetores são avaliados por oposição a fatores de risco, significando que certas famílias têm determinados atributos e recursos que lhes permitem superar e tirar partido da exigência inerente aos processos de transição quer sejam de desenvolvimento ou situacionais( 66. Walsh F. Facilitating family resilience: relational resources for positive youth development in conditions of adversity. In: Ungar M, editor. The social ecology of resilience: a handbook of theory and practice. New York: Springer Science, Business Media, LLC.; 2012. p. 173-85. ).

O Inventory of Family Protective Factors avalia quatro dimensões que influenciam a proteção da família: necessidades habituais, adaptação, suporte social e experiências gratificantes e significativas, de acordo com o descrito na Figura 2. O valor de alfa de Cronbach para o instrumento na sua globalidade é de .88. Os coeficientes obtidos na versão original, tal como se pode observar na Figura 2, sugerem bons índices de consistência interna na generalidade das 4 dimensões do IFPF (valores iguais ou superiores a .70) à exceção da dimensão "necessidades habituais".

Figura 2 -
Dimensões do Inventory of Family Protective Factors: descrição, número de itens e valores de alfa de Cronbach

Cada item é respondido numa escala tipo Likert, com 5 opções de resposta: (1) quase sempre, (2) geralmente, (3) às vezes, (4) raramente e (5) nunca. O instrumento dá origem a um escore dos fatores protetores com o máximo de 75 e um mínimo de 15. Os procedimentos de construção do IFPF garantem, a priori, um instrumento com parâmetros adequados de sensibilidade, confiabilidade e validade. Para avaliar as características psicométricas de confiabilidade e validade de constructo do IFPF, para a população portuguesa, aplicou-se esse instrumento a famílias de crianças com necessidades especiais, por se considerar que essa condição impõe alterações irreversíveis na vida da criança e respetiva família, tornando-se uma experiência multidimensional, tanto para ela quanto para a sua família( 1313. McIntosh J, Runciman P. Exploring the role of partnership in the home care of children with special health needs: qualitative findings from two service evaluations. International journal of nursing studies. 2008 May;45(5):714-26. PubMed PMID: 17307182. Epub 2007/02/20. eng. ).

Face ao exposto, o objetivo do presente estudo foi adaptar e validar o IFPF para a cultura portuguesa, tendo em vista a disponibilização de um instrumento multidimensional que permita avaliar os fatores protetores que contribuem para a resiliência familiar, que poderá ser utilizado por enfermeiros e por outros profissionais das áreas da saúde e da educação.

Método

Para o processo de adaptação e validação do instrumento de medida, foi adotado um referencial teórico-metodológico( 1414. Almeida L, Freire T. Metodologia da investigação em psicologia e educação. 5ª, editor. Braga: Psiquilibrios; 2008. ) que compreende uma análise qualitativa e outra quantitativa dos itens.

No que concerne à análise qualitativa, realizaram-se os procedimentos necessários à equivalência linguística e conceitual. Após o contacto com os autores, houve conhecimento de que esse instrumento nunca tinha sido utilizado na população portuguesa e obteve-se, então, autorização para iniciar o processo de validação da escala. Realizou-se, inicialmente, a equivalência linguística com a tradução efetuada por duas pessoas bilíngues, uma enfermeira, outra psicóloga. Foram selecionadas pelo domínio da língua, pelo conhecimento da área de estudo e da amostra selecionada. Após a tradução, foram comparadas as duas versões e como não se registaram diferenças significativas entre ambas, a versão em português foi entregue a um terceiro tradutor que não tinha conhecimento da versão original e que efetuou a retroversão. Compararam-se todas as versões (original, tradução e retroversão) e não se encontraram discordâncias significativas. Enviou-se novamente para os autores essa versão da escala, de modo a se proceder à avaliação da equivalência na língua inglesa de cada item e obteve-se, dessa forma, autorização para a sua utilização.

Procedeu-se, posteriormente, à equivalência conceitual do instrumento. Assim, a última versão traduzida foi submetida a um comitê de cinco juízes, três enfermeiros com experiência em saúde familiar, um médico de medicina geral e familiar e um psicólogo com formação em terapia familiar que analisaram o instrumento e sugeriram pequenos ajustes no nível da clareza e compreensão das instruções.

O processo de análise qualitativa foi concluído após a reflexão falada (thinking aloud) com um conjunto de cinco famílias semelhantes às da amostra em estudo. Nessa fase, aplicou-se o instrumento e registraram-se todas as verbalizações dos sujeitos. Ficou-se, então, com a noção do formato e aparência visual, a compreensão das instruções, a compreensão dos diferentes itens e a receptividade e adesão aos conteúdos. No final dessa análise linguística e concetual, obteve-se uma versão provisória do instrumento em português e foi aplicada à amostra em estudo para se proceder à análise quantitativa dos itens.

Nessa segunda análise, avaliaram-se as características psicométricas do instrumento por meio da verificação da precisão ou confiabilidade e da validade dos resultados.

Para testar a confiabilidade, recorreu-se ao sentido de consistência interna dado pelo coeficiente alfa de Cronbach para cada dimensão. Para a validação do constructo, realizou-se uma análise fatorial de componentes principais com rotação Varimax dos itens da escala, tendo em vista uma identificação dos fatores subjacentes. Realizou-se Teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Teste de Esfericidade de Bartlett (TEB) para aferir a adequação da amostra para a realização da análise fatorial. Para que a análise fatorial seja harmoniosa e fiável, tinha-se como pressuposto não aceitar qualquer saturação abaixo de 40%.

O estudo foi realizado no Distrito de Braga (Portugal), em seis instituições que integram o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI) e que, portanto, prestam apoio integrado centrado na criança e na família, incluindo ações de natureza preventiva e reabilitativa, designadamente no âmbito da educação, da saúde e da ação social. No dimensionamento da amostra, seguiu-se o critério da validação que preconiza cinco participantes por cada item da escala( 1515. Bryman A, Cramer D. Quantitative Data Analysis with SPSS 14, 15 and 16 : a guide for social scientists London: Routledge; 2009. ), resultando em pelo menos 75 elementos. Assim, participaram 85 famílias de crianças com necessidades especiais, selecionadas por amostragem aleatória simples. Através do SNIPI, acederam 85 famílias que autopreencheram o instrumento nas referidas instituições. A coleta de dados decorreu entre os meses de setembro e dezembro de 2011 e os dados foram analisados a partir do software IBM SPSS Statistics para Windows, versão 20.0.

Os aspetos éticos foram salvaguardados com aprovação, expressa por escrito, por parte das direções das instituições ao desenvolvimento deste estudo. Posteriormente, o consentimento informado escrito foi obtido das famílias, assegurando a confidencialidade, privacidade e o anonimato das respostas. Finalmente, devido à natureza privada da temática sob análise, decidiu-se não revelar o nome das instituições frequentadas por essas famílias.

Resultados

As famílias tinham crianças com idade compreendida entre 3 meses e 18 anos, com média de idade de 8,5 anos, predominantemente do sexo masculino (73%) e com paralisia cerebral (90%). Em termos de contexto escolar, 66% das crianças frequentavam o ensino regular, 23% frequentavam estabelecimentos destinados apenas ao ensino especial e 11% permaneciam no domicílio, sem frequentar qualquer tipo de ensino. Essa parcela de 11% da amostra correspondia, fundamentalmente, a crianças com idade compreendida entre 16 e 18 anos e que concluíram o seu percurso escolar. Verificou-se, ainda, que permaneciam no domicílio e, de acordo com os pais, com escassa oferta de formação e desenvolvimento.

Na amostra em estudo prevaleceu o tipo de família nuclear (77%), seguido de famílias alargadas (13%). Quanto à área de proveniência, de acordo com os critérios da classificação Tipologia de Áreas Urbanas (TIPAU), 47% era oriunda de área predominantemente urbana, 33% de área mediamente urbana e 20% de área predominantemente rural. Da notação social da família, segundo a Escala de Graffar, apurou-se que 57% pertenciam à classe média, seguindo-se 20% da classe média baixa e 17% da classe média alta. De acordo com a escala de Apgar Familiar, constatou-se que 81% das famílias veem-se como altamente funcionais, 15% com moderada disfunção e 4% com disfunção acentuada.

No presente estudo, o valor de alfa de Cronbach para o instrumento, na sua globalidade, é de .90, superando a do estudo original, cujo alfa é de .81( 1111. Gardner DL, Huber CH, Steiner R, Vazquez LA, Savage TA. The development and validation of the Inventory of Family Protective Factors: a brief assessment for family counseling. The Family Journal. 2008 Apr;16(2):107-17. PubMed PMID: 2008-03907-003. ). Na Figura 3 encontram-se expressos os valores de alfa de Cronbach por dimensão e número de itens.

Figura 3 -
Dimensões, número de itens e valores de alfa de Cronbach do IFPF. Distrito de Braga, Portugal, 2011

Os valores de alfa de Cronbach sugerem bons índices de consistência interna na generalidade das 4 dimensões do IFPF (valores iguais ou superiores a .60), à exceção da dimensão "necessidades habituais" que apresenta um coeficiente inferior e que se situou em .57, mas que se considerou por ser um valor ainda superior ao estudo original (.53).

Na Figura 4 são apresentadas as correlações de cada item com o Índice Total da Intensidade do IFPF e o valor alfa de Cronbach se o respetivo item for eliminado.

Figura 4 -
Resultados da Análise de Consistência Interna do IFPF (n=85). Distrito de Braga, Portugal, 2011 *r itc - coeficiente de correlação do item corrigido; + desvio-padrão

O coeficiente de alfa de Cronbach global se os itens fossem eliminados variou entre 0,89 e 0,90, o que revela que os itens contribuem conjunta e equitativamente para a avaliação do constructo.

No estudo da dimensionalidade do IFPF, efetuada pelos autores da escala original por meio duma análise fatorial exploratória, decorrente de uma aplicação da escala ao longo de 3 momentos distintos, permitiu identificar quatro fatores: fator 1 - necessidades habituais (itens 1-4, retirando o item 3); fator 2 - adaptação (itens 5-8); fator 3 - suporte social (itens 9-12) e fator 4 - experiências gratificantes e significativas (itens 13-16). Esses quatro fatores explicam, no seu conjunto, 66,9% da variância dos resultados nas quatro dimensões.

No que se refere à validade de constructo, os itens do IFPF foram submetidos a análise fatorial de componentes principais, tal como apresentados na Figura 5.

Figura 5 -
Resultados da análise fatorial de componentes principais do IFPF. Distrito de Braga, Portugal, 2011

Realizou-se a análise fatorial, inicialmente sem pré-definição do número de fatores, com rotação Varimax e eigenvalue 1. O Teste de Kaiser-Meyer-Olkin e o Teste de Esfericidade de Bartlett <0,05), permitiram aferir a adequação da amostra para a realização da análise fatorial (KMO=0,82; TEB=1575,58, p<0,000). Assim, a análise fatorial revelou quatro fatores, explicando 80,7% da variância total. Apesar de existir, do ponto de vista teórico, relação entre os itens, salienta-se, aqui, que nenhum saturou de forma significativa em mais que um fator. Concretamente, após rotação Varimax: o fator I, relacionado com suporte social e que avalia a existência de pelo menos um bom relacionamento com uma pessoa que presta apoio, que é carinhosa, em quem se pode confiar e que se interessa pela família, explica 46,4% da variância total; o fator II, corresponde às experiências gratificantes e significativas que avalia a experiência da família, num contexto de adversidade, explica 15,5% da variância total; o fator III, relativo à adaptação que inclui a perceção da família relativamente à autoestima, otimismo, criatividade e descomplicação e explica 11,2% da variância total; o fator IV, mais relacionado com as necessidades e avalia se a família tem mais experiências positivas ou negativas no âmbito da saúde, situação financeira, família e amigos e trabalho ou escola e explica 7,6% da variância total.

Os resultados da análise de consistência interna do IFPF indicam que os valores, para cada um dos quatro fatores encontrados na análise fatorial, apresentaram índices de consistência interna bons, com valores alfa de Cronbach variando entre 0,57 e 0,93.

Discussão

Os resultados obtidos neste estudo demonstram que o IFPF apresenta características psicométricas adequadas na população portuguesa de famílias de crianças com necessidades especiais.

A dimensão "necessidades habituais" apresentou um coeficiente de consistência interna inferior que se pensou estar relacionado ao fato dos itens dessa dimensão, ao contrário das outras, restringindo a avaliação aos últimos três meses. Essa limitação foi detetada também pelos autores do estudo original, que optaram por manter essa circunscrição de tempo, uma vez que esses itens referem-se a situações potencialmente transitórias como é o caso da saúde, situação financeira, amigos e trabalho/escola dos elementos da família. Utilizou-se o mesmo critério e optou-se por manter neste estudo a redação dos itens com referência aos últimos três meses. Pensou-se que esse aspecto deverá ser considerado em investigações futuras.

Os testes estatísticos, realizados para validar o constructo de fatores protetores que contribuem para a resiliência familiar, através das quatro dimensões necessidades habituais, adaptação, suporte social e experiências gratificantes e significativas demonstram relações lógicas e mostram a contribuição dos 15 itens para a escala na sua globalidade. De acordo com o Modelo de Adaptação Familiar( 1212. Drummond J, Kysela GM, McDonald L, Query B. The family adaptation model: examination of dimensions and relations. The Canadian journal of nursing research = Revue canadienne de recherche en sciences infirmieres. 2002 2002;34(1). PubMed PMID: MEDLINE:12122771 . ), subjacente à construção desse inventário, a adaptação, o suporte social e as experiências gratificantes e significativas representam o processo de proteção familiar e interagem com as necessidades na predição da adaptação. Diante do nascimento ou surgimento de uma criança com necessidades especiais a família mobiliza recursos para manter o equilíbrio, faz a avaliação da situação, utiliza os padrões de resolução de problemas e de coping familiar. Nessa situação, os profissionais de saúde, tendo por base o contexto e caraterísticas familiares, podem identificar e orientar a família a mobilizar os recursos necessários à gestão da situação adversa a que foi sujeita( 1616. McCubbin M, McCubbin H. Families Coping with illness: the resiliency model of family stress. adjustment, and adaptation. In: Danielson CB, Hamel-Bissel B, Winstead-Fry P, editors. Families, health & illness: perspectives on coping and intervention. Missouri: Mosby; 1993. p. 21-63. ).

A resiliência familiar constitui um processo dinâmico: uma família perante determinada ocasião ou situação adversa pode mobilizar recursos para lhe fazer face e noutra situação não o conseguir, o que corrobora a opinião de outros autores que consideram que a avaliação da resiliência familiar não pode ser generalizada ao longo do tempo( 77. Black K, Lobo M. A conceptual review of family resilience factors. Journal of Family Nursing. 2008 Feb;14(1):33-55. PubMed PMID: WOS:000253419000005. ). Sugere-se, assim, acompanhamento dos fatores protetores em diferentes momentos e circunstâncias. Nas famílias de crianças com necessidades especiais, os momentos de avaliação poderiam coincidir com os marcos de desenvolvimento infantil que essas crianças podem atingir tardiamente ou nunca chegar a alcançar e que são fatores geradores de ansiedade em seus pais.

Considerações finais

A versão adaptada para português do IFPF é um instrumento que pode ser utilizado por enfermeiros, nomeadamente no contexto da atenção primária, para aferirem os fatores protetores que contribuem para a resiliência familiar. Sugere-se que a temática resiliência familiar seja abordada na formação inicial dos enfermeiros, quando alunos de enfermagem da saúde familiar, de forma a possibilitar intervenções de enfermagem mais eficazes, nesse domínio.

Uma das limitações do IFPF está relacionada com a consistência interna baixa da dimensão "necessidades habituais", situação reconhecida também pelos autores do instrumento e que pode residir no fato de estabelecer um limite temporal (últimos três meses) a ter em consideração na avaliação desses itens.

A versão adaptada para o português do IFPF demonstrou ser um instrumento fiável, válido e sensível para aferir os fatores protetores da resiliência de famílias de crianças com necessidades especiais, pelo que se recomenda a sua utilização.

Em suma, pensa-se que este estudo e o instrumento validado contribuem para a adesão dos profissionais à avaliação familiar, que pode ser realizada de forma breve, mas abrangente e multidimensional, com enfase nos recursos e forças da família.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2013
  • Aceito
    29 Ago 2014
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