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Promoção de saúde e qualidade de vida entre mães de pré-adolescentes: um estudo etnográfico enfocado em Timbó/SC-Brasil

Health promotion and quality of life among mothers of preadolescents: a focused ethnography study in Timbó/SC-Brazil

Promoción de salud y calidad de vida entre madres de preadolescentes: un estudio etnografico enfocado en Timbó/SC-Brasil

Resumos

Este é um estudo etnográfico enfocado, realizado com 10 mães de pré-adolescentes da OASE (Ordem Auxiliadora Senhoras Evangélicas) em Timbó, Santa Catarina, Brasil. O objetivo foi descrever variações em padrões dos fenômenos promoção de saúde, qualidade de vida e comportamento de risco a partir das perspectivas das mães, explorando como influenciam seus filhos, protegendo-os de comportamento de risco tais como álcool, fumo, outras drogas e violência. Utilizamos entrevista semi-estruturada, observação participante, diário de campo, genograma e fotografias. Os dados foram analisados segundo Bardin e os resultados agrupados em 4 categorias: mães encaram sua função como desafio; ser saudável como condição de qualidade de vida; impedimentos para atingir qualidade de vida; práticas de promoção à saúde para proteger filhos de comportamento de risco. O estudo evidenciou a crença das mães como participantes na promoção de saúde, o que poderá orientar a elaboração de políticas de saúde e encorajar mudanças de comportamento.

promoção da saúde; mães; correr o risco; qualidade de vida; enfermagem


This is a focused ethnography study of 10 preadolescents' mothers who participate in OASE (Help Group of Evangelic Women) in Timbó, Santa Catarina, Brazil. The purpose of the study was to describe variances in patterns of health promotion, quality of life and preadolescents' risk behavior from the mothers' perspective, exploring how they influence their children and protect them in terms of risk behavior such as alcohol, tobacco, other drugs and violence. Semistructured interviews, participant observation, field notes, genograms and photography were used for data collection. Data were analyzed according to Bardin and the results were grouped in 4 categories: mothers see their function as a challenge; being healthy as a condition for quality of life; obstacles to achieve quality of life; health promotion practices to protect preadolescents from risks. The study showed mothers see themselves as participants in health promotion, which can guide health policy makers and encourage behavioral changes.

health promotion; mothers; risk-taking; quality of life; nursing


Estudio etnográfico enfocado, realizado con 10 madres de preadolescentes que participan en OASE (grupo de ayuda de mujeres evangélicas) en Timbó, SC/Brasil. El objetivo fue describir las variaciones sobre los patrones de promoción de la salud, calidad de vida y comportamiento de riesgo bajo las perspectivas de las madres, explorando como estas influyen en sus hijos y los protegen de comportamientos de riesgo como alcohol, cigarro, otras drogas y violencia. Se utilizaron: entrevista semiestructurada, observación participante, diario de campo, genograma y fotografías. Los datos fueron analizados con base en Bardin y los resultados formaron cuatro categorías: madres encaran su función como un desafío; ser saludable como condición de calidad de vida; impedimentos para alcanzar calidad de vida; prácticas de promoción de salud. El estudio evidenció la creencia de las madres como participantes en la promoción de la salud, lo que puede orientar la elaboración de políticas de salud y estimular cambios comportamentales.

promoción de la salud; madres; correr el riesgo; calidad de vida; enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Promoção de saúde e qualidade de vida entre mães de pré-adolescentes: um estudo etnográfico enfocado em Timbó/SC-Brasil1 1 As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam a posição da organização onde trabalham ou de sua administração

Health promotion and quality of life among mothers of preadolescents: a focused ethnography study in Timbó/SC-Brazil

Promoción de salud y calidad de vida entre madres de preadolescentes: un estudio etnografico enfocado en Timbó/SC-Brasil

Vera RadünzI; Joanne OlsonII

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Doutor, Professor da Universidade Federal de Santa Catarina, e-mail: radunz@nfr.ufsc.br

IIRN, PhD, Professor e Assistente de Direção, Faculdade de Enfermagem da Universidade de Alberta, e-mail: joanne.olson@ualberta.ca

RESUMO

Este é um estudo etnográfico enfocado, realizado com 10 mães de pré-adolescentes da OASE (Ordem Auxiliadora Senhoras Evangélicas) em Timbó, Santa Catarina, Brasil. O objetivo foi descrever variações em padrões dos fenômenos promoção de saúde, qualidade de vida e comportamento de risco a partir das perspectivas das mães, explorando como influenciam seus filhos, protegendo-os de comportamento de risco tais como álcool, fumo, outras drogas e violência. Utilizamos entrevista semi-estruturada, observação participante, diário de campo, genograma e fotografias. Os dados foram analisados segundo Bardin e os resultados agrupados em 4 categorias: mães encaram sua função como desafio; ser saudável como condição de qualidade de vida; impedimentos para atingir qualidade de vida; práticas de promoção à saúde para proteger filhos de comportamento de risco. O estudo evidenciou a crença das mães como participantes na promoção de saúde, o que poderá orientar a elaboração de políticas de saúde e encorajar mudanças de comportamento.

Descritores: promoção da saúde; mães; correr o risco; qualidade de vida; enfermagem

ABSTRACT

This is a focused ethnography study of 10 preadolescents' mothers who participate in OASE (Help Group of Evangelic Women) in Timbó, Santa Catarina, Brazil. The purpose of the study was to describe variances in patterns of health promotion, quality of life and preadolescents' risk behavior from the mothers' perspective, exploring how they influence their children and protect them in terms of risk behavior such as alcohol, tobacco, other drugs and violence. Semistructured interviews, participant observation, field notes, genograms and photography were used for data collection. Data were analyzed according to Bardin and the results were grouped in 4 categories: mothers see their function as a challenge; being healthy as a condition for quality of life; obstacles to achieve quality of life; health promotion practices to protect preadolescents from risks. The study showed mothers see themselves as participants in health promotion, which can guide health policy makers and encourage behavioral changes.

Descriptors: health promotion; mothers; risk-taking; quality of life; nursing

RESUMEN

Estudio etnográfico enfocado, realizado con 10 madres de preadolescentes que participan en OASE (grupo de ayuda de mujeres evangélicas) en Timbó, SC/Brasil. El objetivo fue describir las variaciones sobre los patrones de promoción de la salud, calidad de vida y comportamiento de riesgo bajo las perspectivas de las madres, explorando como estas influyen en sus hijos y los protegen de comportamientos de riesgo como alcohol, cigarro, otras drogas y violencia. Se utilizaron: entrevista semiestructurada, observación participante, diario de campo, genograma y fotografías. Los datos fueron analizados con base en Bardin y los resultados formaron cuatro categorías: madres encaran su función como un desafío; ser saludable como condición de calidad de vida; impedimentos para alcanzar calidad de vida; prácticas de promoción de salud. El estudio evidenció la creencia de las madres como participantes en la promoción de la salud, lo que puede orientar la elaboración de políticas de salud y estimular cambios comportamentales.

Descriptores: promoción de la salud; madres; correr el riesgo; calidad de vida; enfermería

INTRODUÇÃO

O fenômeno das drogas é um dos principais desafios de saúde em todos os países considerados como parte das Américas e esta problemática vem crescendo rapidamente no nosso hemisfério. Como este significativo assunto de saúde não respeita fronteiras geográficas, novas e multinacionais abordagens de pesquisa fazem-se necessárias, especialmente para entender os melhores modos de proteger a juventude contra o envolvimento em estilos de vida de risco relacionados ao fenômeno das drogas. A dificuldade que a questão droga significa, é proporcional à amplitude do conhecimento necessário para uma atuação eficaz neste campo(1).

A pré-adolescência é uma época em que os jovens passam da infância para a adolescência(2), encontrando-se expostos ao fenômeno das drogas. Neste estágio de vida, as mães continuam a desempenhar um papel significativo nas vidas dos seus filhos(3-4), influenciando suas idéias sobre o que seria uma boa vida, e como evitar envolverem-se em comportamentos de risco, evitando o comprometimento de sua saúde.

Como enfermeiras, estamos interessadas em oferecer uma contribuição para reduzir a demanda de drogas. Acreditamos que os jovens pré-adolescentes e suas mães formam um grupo importante para se trabalhar, porque muitos jovens nesta faixa etária ainda não se acham envolvidos em comportamentos de risco à saúde. Durante estes anos, quando as mães ainda desempenham um papel importante na promoção de saúde e na manutenção de qualidade de vida para suas famílias e seus jovens, há uma necessidade de aprender, partindo da perspectiva delas, como auxiliam seus jovens a procurar uma boa qualidade de vida e a evitarem comportamento de saúde de risco.

Para tanto, partimos de um referencial teórico construído a partir dos tópicos:

O Modelo McGill, promoção de saúde, qualidade de vida, comportamento de risco entre os pré-adolescentes, e os papéis das mães na saúde familiar.

O Modelo McGill é o marco conceitual para a presente pesquisa. Foi desenvolvido na Escola McGill de Enfermagem em Montreal, Canadá, no início da década de 1970, e é atualmente usado em educação e prática de enfermagem em todo o Canadá, nos EUA, e na Ásia(5). Este modelo-orientado-ao-processo de enfermagem enfatiza a promoção de saúde, capacitando as pessoas a desenvolverem controle e melhorarem sua saúde, através da concessão de força (direitos) ao cliente e sua família.

Usando este modelo, a pesquisa pode ser vista como um modo de explicar a forma como os indivíduos dentro de cinco grupos culturais diferentes acreditam, valorizam, e agem com respeito à promoção de saúde e qualidade de vida. Além do mais, o modelo pode ser um guia para usar os achados do estudo para construir estratégias e programas de promoção de saúde, e estabelecer políticas públicas de promoção de saúde para o grupo etário de pré-adolescentes.

Promoção de saúde é um processo para capacitar as pessoas a aumentarem o controle sobre os determinantes de saúde e, assim, melhorarem sua saúde(6).

Fatores sociais e comportamentais como estilo de vida sedentária, estresse, abuso de substâncias, ferimentos em acidentes de trânsito, e violência, são ameaças à saúde, especialmente em populações vulneráveis. A globalização, promoções de vendas (marketing), e as propagandas de produtos de álcool e tabaco, bem como a degradação ambiental, são também obstáculos à saúde. Promoção de saúde inclui estratégias que possibilitam as pessoas serem saudáveis, capacitando-as a fazerem escolhas saudáveis, sendo que o processo de promoção de saúde fornece apoio para que as pessoas se tornem agentes com respeito às suas próprias ações e opções de saúde. "Promover saúde é lidar com estilos de vida, é buscar uma vida mais saudável, é capacitar os indivíduos para o alcance de uma vida melhor, relacionado às drogas"(7).

Qualidade de vida é um conceito complexo, multifatorial e dinâmico, incluindo a idéia de que há muitas dimensões envolvidas: materiais, culturais, psicológicas, espirituais, emocionais, e ambientais. Idéias e sentimentos pessoais estão também envolvidos com relação a todas estas dimensões.

Não existe uma definição única de qualidade de vida, no entanto, todas as definições revelam a idéia de que a felicidade humana não consiste exclusivamente da satisfação de necessidades materiais, mas reconhece a existência de outros aspectos de vida que não estão sendo atendidos.

O estudo de qualidade de vida exige criatividade para aprender sobre a diversidade humana que existe em uma sociedade, e para encontrar a perspectiva subjetiva pessoal requerida para descrever sua própria experiência de vida(8). Assim, uma avaliação da qualidade de vida de uma pessoa não é apenas um processo racional, mas envolve também sentimentos.

A "vida boa" significa diferentes coisas em cada grupo cultural. Contudo, há poucos estudos usando as perspectivas do próprio participante, e palavras que descrevam os "backgrounds", valores, práticas e visões de mundo que influenciam suas idéias sobre qualidade de vida. Um estudo(9) usou etnografia para compreender as crenças do adolescente sobre cuidado, saúde, e individuação.

Abordagens científicas sociais para pesquisa de qualidade de vida podem ser de limitada utilidade para as enfermeiras comunitárias e para os pesquisadores que buscam descobrir novas informações sobre qualidade de vida a partir das perspectivas de informantes. Enfermeiras que atuam em comunidades têm um interesse em criar sistemas de cuidado e identificar atividades profissionais que venham a salvaguardar e promover a qualidade de vida das pessoas dentro de suas comunidades. Assim, elas precisam não apenas métodos que possam ser usados para medir qualidade de vida, mas também precisam obter conhecimento sobre as percepções que as pessoas têm a respeito de qualidade de vida dentro de grupos culturais e sociais específicos.

Mais recentemente, vem sendo sugerido que um grupo etário importante a ser estudado, em termos de promoção de saúde e prevenção de comportamento de risco, é a pré-adolescência, um conceito em desenvolvimento. Uma convidada do Journal of Pediatric Nursing, salienta no editorial, que a pré-adolescência inclui os anos entre 9 e 13, quando a criança passa da infância para a adolescência(2). Há portanto, uma necessidade de compreender as variadas influências familiares, culturais e desenvolvimentais que contribuem para diminuir resultados adversos durante esta fase de desenvolvimento. De acordo com a autora, métodos etnográficos e fenomenológicos são necessários para se aprender sobre variáveis no contexto familiar a fim de incentivar o desenvolvimento de intervenções efetivas para reduzir comportamentos de risco em pré-adolescentes.

O papel das mulheres mães em saúde familiar tem sido sempre multifacetado, mas ao mesmo tempo, tem sido um papel freqüentemente limitado à esfera doméstica como esposa, mãe, e dona de casa. Com os avanços feministas de épocas recentes, novos valores e atribuições foram acrescentados ao papel da mulher. Mesmo com as recentes mudanças nos papéis das mulheres, elas continuam a ter o papel de "agregar" a família, ao agirem como articuladoras(4).

Em um estudo, foram examinados os processos de tomada de decisão das mães com respeito ao cuidado à saúde de seus filhos. Foi mostrado que a maioria das decisões baseavam-se na seriedade da situação, na quantidade de temor que isto produzia nas mães, e experiências anteriores relacionadas com a situação de cuidado à saúde, dentro do ambiente em que estas mães viviam, explorando como os processos de tomada de decisão das mesmas ajudavam a melhorar a qualidade de vida de seus filhos(10).

Frente à realidade do fenômeno das drogas aqui pontuada, envolvendo inclusive pré-adolescentes e com o referencial teórico acima registrado, foi desenvolvido um estudo qualitativo multicêntrico intitulado: "Health Promotion and Quality of Life Among Mothers of Preadolescents in Argentina, Brazil, Chile and Canada: A Focused Ethnography Proposal". Para a realização do estudo no Brasil, um dos locais escolhidos foi a cidade de Timbó/SC, sendo que neste artigo, apresentamos um recorte dos resultados.

Vale ressaltar que cada pesquisadora do estudo multicêntrico, desenvolveu sua própria pesquisa, e somente ao término da mesma, todas as pesquisadoras compartilharão os achados finais, a fim de buscar variâncias nos padrões dos fenômenos entre padrões culturais.

OBJETIVO DO ESTUDO

O objetivo do estudo era explorar crenças, valores e práticas de promoção de saúde entre mães de pré-adolescentes, descrevendo variâncias no fenômeno das drogas, promoção de saúde, qualidade de vida, e comportamento de risco pré-adolescente, a partir das perspectivas das informantes. Especificamente, o nosso interesse era aprender sobre como as mães influenciam as escolhas dos seus pré-adolescentes e protegem seus jovens com respeito a comportamentos de risco.

MÉTODOS

Idealização da pesquisa

Este estudo foi conduzido utilizando etnografia enfocada. Etnografia é um método de pesquisa que teve origem no campo social antropológico e é um processo sistemático de observação, detalhamento, descrição, registro e análise de estilos de vida ou padrões de uma cultura, visando aprender seus modos de vida dentro do seu contexto(11).

Etnografia enfocada é um modo particular de fazer etnografia. É usada primariamente para avaliar ou obter informações sobre tópicos especiais ou experiências compartilhadas. Difere da etnografia tradicional no sentido de que, o tópico é especifico e pode ser identificado antes que o pesquisador inicie o estudo. Os participantes de estudos etnográficos podem não conhecer um ao outro, mas o pesquisador focaliza os comportamentos e as experiências comuns deles, resultantes das características compartilhadas por estes participantes(12). Usamos etnografia enfocada porque os objetivos e as questões de pesquisa eram específicos, e estávamos tentando entender fenômenos culturais. Os grupos sob estudo possuíam características comuns e compartilhavam padrões culturais, e nós visávamos conhecer o que eles valorizam e acreditam, e como agem com respeito à promoção de saúde.

Amostra

A amostra constituiu-se de 10 informantes, sendo estas mulheres mães de pré-adolescentes, que participam no grupo da OASE (Ordem Auxiliadora das Senhoras Evangélicas), da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). As Informantes foram selecionadas usando-se amostragem dirigida a um propósito para localizar mulheres que têm a experiência de serem mães de jovens pré-adolescentes, dispostas a falar sobre suas experiências e concordando também em participar de outros métodos de coleta de dados.

Procedimentos de coleta de dados e análise

Em estudos etnográficos, a coleta de dados pode incluir métodos múltiplos(13). Neste estudo utilizamos observação participante, entrevistas gravadas em fita e notas de campo, suplementadas por genogramas e por fotografias.

A coleta de dados foi desenvolvida nos meses de março a junho de 2004, com dez mães de pré-adolescentes da cidade de Timbó/SC-Brasil, participantes da OASE.

A OASE é constituída por mulheres que se reúnem semanalmente para compartilhar experiências de vida, fazer trabalhos manuais, participar do aprendizado baseado nos ensinamentos da Bíblia Sagrada, e desenvolver serviços de cunho social, nas comunidades onde existem IECLB. Na cidade de Timbó/SC, o primeiro grupo da OASE foi fundado em 1928, continuando suas atividades até o presente momento, tendo sem dúvida, contribuído em muito, para o encaminhamento e/ou solução de problemas existentes na comunidade. Optamos em escolher as mulheres mães de pré-adolescentes participantes da OASE para participar desta pesquisa, por considerarmos este um grupo cultural, com interesses, valores, crenças e práticas comuns, pois se conhecem desde longa data, e possuem experiências familiares passadas similares. Por outro lado, escolhemos a cidade de Timbó/SC, por figurar entre as 10 primeiras cidades brasileiras de maior índice de qualidade de vida, e por tratar-se da cidade natal da pesquisadora principal.

Após parecer favorável do Comitê de Ética do Canadá e da UFSC, a coleta de dados foi iniciada. Vale ressaltar, o importante respaldo e empenho por parte da coordenação da OASE, que nos forneceu nome e endereços das 10 mulheres mães de pré-adolescentes, que se prontificaram a participar do estudo. Todas as 10 informantes nos receberam em suas casas para a entrevista, sendo que oito delas eram mães de meninas e duas, de meninos pré-adolescentes. Em quatro das 10 entrevistas, os pré-adolescentes se fizeram presentes, não causando aparentemente qualquer constrangimento para as mães responderem aos questionamentos.

Inicialmente nos apresentávamos às participantes e apresentávamos o projeto. Em seguida, era lido o termo de consentimento informado, que todas assinaram concordando com o uso do gravador. Foi-lhes garantido sigilo quanto às informações, entendidas como confidenciais, bem como quanto à sua identidade.

Iniciava-se então com o desenho do genograma familiar e em seguida com a entrevista semi-estruturada, centralizando-as nas questões norteadoras deste estudo, quais sejam:

- Quais são as crenças, valores e práticas de promoção de saúde entre mulheres que são mães de pré-adolescentes?

- Quais são as crenças, valores e práticas das mães com respeito à qualidade de vida? Como é que elas se comunicam com seus filhos e filhas sobre a qualidade de vida e promoção de saúde?

- Que fatores/ situações, na percepção das mães, protegem seus filhos/filhas adolescentes contra comportamentos de risco?

No final da entrevista, solicitamos ainda que cada participante escolhesse, como pseudônimo, o nome de uma flor de sua preferência.

Por fim, entregávamos a cada uma das mulheres, uma máquina fotográfica, explicando o seu funcionamento e pedindo que tirasse no mínimo 12 fotos de situações, que na opinião delas, estariam relacionadas com saúde, promoção de saúde, e qualidade de vida de sua família. Durante cinco dias elas podiam ficar com a máquina fotográfica, para então devolvê-la à presidente da OASE.

As fotos foram reveladas, e em seguida marcado novo encontro para a entrega das mesmas, pedindo que cada informante escolhesse três fotos, que na sua opinião, melhor mostrassem o fenômeno em estudo. Foi solicitado que falassem sobre as fotos escolhidas, o que foi devidamente gravado. Para a pesquisa, foram feitas novas cópias destas três fotos escolhidas, sendo que todas as outras ficaram para cada informante. Durante todo o transcorrer da coleta de dados, foram registradas notas de campo em diário da pesquisadora, e o clima que se estabeleceu foi de interação, participação, o que certamente contribuiu para o bom andamento da pesquisa.

Os dados da entrevista foram registrados, transcritos e analisados obedecendo a técnica de análise de conteúdo(14), emergindo várias unidades de significado, dando origem a quatro categorias com suas subcategorias analíticas.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os resultados aqui apresentados foram extraídos das entrevistas semi-estruturadas com as mães dos pré-adolescentes, surgindo quatro categorias com suas respectivas subcategorias analíticas.

Ao serem perguntadas sobre sua experiência como mãe de um(a) filho(a) pré-adolescente obteve-se a partir das respostas um volume de dados que deu origem à categoria:

- As mães encaram sua função como um desafio

Preocupante

A gente se preocupa bastante, é cigarro, drogas na escola. (Anthurium)

A gente tem que se preocupar bastante com as drogas e muitos rapazes não são sinceros com as moças, só querem se aproveitar delas. (Hortênsia)

Complicado

É complicado por causa do educar, se você não souber educar, pode se perder na vida com os problemas, droga e má amizade, companhia. (Margarida)

Difícil

Educar e explicar as coisas é um pouco difícil, porque para a criança, é difícil de ela entender. (Gérbera)

Amedrontador

O meu medo é droga, porque tem tanta gente aqui na região que usa drogas. (Dália)

Gratificante

É bem gostoso ter uma filha de 11 anos. Às vezes a gente também tem os problemas pra enfrentar, mas no fim é gratificante. (Bromélia)

Não é fácil, mas é uma experiência bonita, gostosa, onde a gente aprende muito. (Copo-de-leite)

Esta categoria evidenciou, que as informantes entendem como fazendo parte de sua função, a responsabilidade pelo encaminhamento dos(as) filhos(as) pré-adolescentes, para evitar comportamentos de saúde de risco. Demonstra também a preocupação das informantes com a vulnerabilidade de seus filhos pré-adolescentes frente às questões que envolvem drogas e violência. Por outro lado, cinco mães referiram-se à sua função, como sendo algo gratificante.

Ao serem questionadas como descreveriam uma vida boa para si e sua família e o que faziam para alcançar essa vida boa, os dados obtidos formaram a categoria:

- Ser saudável como condição de qualidade de vida

Ser saudável emocionalmente e afetivamente

O relacionamento em casa ajuda mais que os bens materiais para ter uma vivência boa entre a família. (Orquídea)

União, que não exista intrigas, que não tenha mágoas, que não exista ressentimentos. (Copo-de-leite)

Ser saudável espiritualmente

Eu vou na igreja, isso tudo dá força pra gente. Ter fé em Deus. As amigas que participam da OASE, a gente comenta os problemas e sempre ganha forças. (Gérbera)

Ser saudável sócio-economicamente

Dinheiro não é tudo, mas a gente também precisa dele pra sobreviver. (Rosa)

Ser saudável fisicamente

Tendo saúde pra mim é tudo, porque a riqueza pra mim é a saúde. (Hortênsia)

Esta categoria evidenciou que as participantes entendem saúde como sendo condição para qualidade de vida. No entanto, foi possível constatar, que nem todas as participantes se referiam à saúde física apenas, mas consideravam o fato de ser saudável sob uma ótica integral, abrangendo todo o ser.

As participantes ao responderam quais os aspectos, coisas e pessoas atrapalham para atingir uma vida boa, com suas respostas deram origem à seguinte categoria:

- Impedimentos para atingir qualidade de vida

Mau exemplo em casa

Porque tenho um irmão que está metido com drogas, nem sei onde anda, ele abandonou a família e tudo. (Hortênsia)

Más companhias

A gente acha que uma pessoa é uma coisa e de repente, descobre que é outra e talvez quando descobre já está envolvido. (Orquídea)

Convivência com pessoas pessimistas e invejosas

Porque sempre tem gente invejosa, daí fazem fofoca e querem te destruir. (Margarida)

Esta categoria evidenciou a percepção das participantes com o exemplo de comportamento de risco na própria família e convivência com pessoas que não estejam de bem com a vida. O que no entanto, parece evocar uma impotência maior por parte das informantes, é o fato das más companhias, que a princípio não são percebidas como tal.

Ao serem questionadas como elas ajudam os filhos(as) pré-adolescentes a lidar com riscos como álcool, cigarro, outras drogas, violência e o que fazem para evitar e/ou diminuir a exposição aos riscos, as respostas deram origem à categoria:

- Práticas de promoção à saúde para proteger filhos(as) de comportamento de risco

Orientações sobre riscos

Eu procuro conversar com eles, falo abertamente, tem a droga, tem o álcool, tem a bebida, mas isso faz mal à saúde e prejudica. (Rosa)

Uma orientação em casa de repente já vai ajudar...não é só o pai que educa, tem a mãe também, que já vai alertando pra se afastar dessas drogas. (Violeta)

Estímulo para participação em cursos e palestras

Ela está fazendo o PROERD, que é um curso que a Polícia Militar está dando por causa de drogas na escola. (Margarida)

Valorização dos estudos

Olha, eles podem ir em tudo, mas em primeiro lugar vem estudar, fazer as tarefas. (Bromélia)

Valorização da vida familiar

Eles devem se sentir a vontade e vir falar pra gente e não pra uma pessoa estranha...um bom relacionamento na família acho que diminui isso (os riscos)... como eu disse, a família ainda é base de muita coisa. (Orquídea)

Acompanhamento religioso/Deus

Por força de Deus ... e eu rezei também e pedi que Deus desse essa força pra mim. (Gérbera)

Não ter bebida alcoólica em casa

Tentando sempre dar um bom exemplo...em casa a gente costuma não ter bebida de álcool, ninguém toma, nem cerveja. (Orquídea)

Ficou evidente por meio dos dados que deram origem a esta categoria que as informantes tem consciência da sua responsabilidade em promover a saúde de seus filhos pré-adolescentes. Isto se mostrou muito claramente, quando os dados apontaram para ações de promoção de saúde, executadas pelas informantes no sentido de educar para a saúde, orientando, explicando, e reforçando aspectos de uma vida saudável, utilizando o suporte da comunidade em que vivem, seja ele social, religioso, familiar, entre outros.

Vale ressaltar que o aspecto meramente punitivo ou restritivo, quanto a comportamentos de risco dos pré-adolescentes em relação ao álcool, fumo, outras drogas e violência não se evidenciou.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao desenvolver um estudo desta natureza temos por certo que a percepção da abrangência do fenômeno das drogas foi ampliada, pois de fato trata-se de um problema de ordem global, com seus múltiplos desafios para todos os países do mundo.

Também ficou evidente a necessidade de novas abordagens e desenvolvimento de pesquisas, inclusive multicêntricas, para identificar e compreender as melhores maneiras de proteger os jovens para que não se engajem em estilos de vida que signifiquem riscos à saúde.

Acreditamos que como profissionais de saúde os enfermeiros têm um compromisso com o cuidado à saúde, promovendo saúde em primeiro lugar, e aumentando a sensibilidade cultural de acordo com os contextos nos quais este estudo vem sendo desenvolvido.

Para tanto, os achados desta pesquisa ajudaram a compreender os fenômenos de promoção de saúde e qualidade de vida, vistos a partir da perspectiva das informantes, que neste estudo eram mulheres mães de pré-adolescentes. Os achados poderão também orientar os responsáveis pela elaboração de políticas de saúde, na construção de abordagens que sejam efetivas na promoção de saúde no grupo etário pré-adolescente.

O relatório final de pesquisa, incluindo estratégias e achados da pesquisa e suas implicações, será encaminhado às Universidades envolvidas, à Comissão Interamericana de Controle de Abuso de Drogas (CICAD) e aos responsáveis que autorizaram a utilização dos ambientes de estudo com acesso às informantes. A divulgação dos resultados das pesquisas poderá servir ainda para construção de trabalho em rede com enfermeiras e outros profissionais de saúde interessados no assunto. Podem ser também a base para serem desenvolvidas atividades de promoção de saúde e políticas públicas saudáveis que venham a melhorar a saúde dentro dos grupos etários pré-adolescentes dos grupos culturais identificados. Espera-se por fim, encorajar mudanças de comportamento, comunicação eficiente de informações relacionadas à saúde e drogas, divulgando estratégias utilizadas pelas mulheres mães de filhos pré-adolescentes, protegendo-os de comportamentos de risco, relacionado a álcool, fumo, outras drogas e violência.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Comissão Interamericana para o Controle de Abuso de Drogas/CICAD, ao Programa de Bolsas da OEA, ao Governo do Japão, a todos os docentes da Universidade de Alberta/Canadá, e aos onze representantes dos sete países da América Latina que participaram do "I Programa Internacional de Pesquisa" implementado na Universidade de Alberta/Canadá no ano de 2003-2004.

Recebido em: 23.12.2004

Aprovado em: 13.3.2005

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  • 1
    As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam a posição da organização onde trabalham ou de sua administração
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      23 Dez 2004
    • Aceito
      13 Mar 2005
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