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Fatores associados ao consumo problemático de drogas entre pacientes psiquiátricos ambulatoriais1 1 Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil, processo nº 2011/22739-2.

RESUMO

Objetivo:

analisar os fatores associados ao consumo problemático de droga entre pacientes psiquiátricos ambulatoriais.

Método:

estudo transversal em dois serviços de saúde mental. Foram considerados indivíduos elegíveis os usuários desses serviços de saúde mental, que os utilizaram dentro do período de coleta de dados. Instrumentos: Questionário padronizado sobre dados sociodemográficos, redes sociais, prejuízos sociais e informações clínicas; Teste de Triagem do Envolvimento com Álcool, Cigarro e outras Substâncias (ASSIST); Escala de Impulsividade de Barratt; e Escala de Avaliação de Reajustamento Social de Holmes e Rahe. A análise estatística foi realizada utilizando-se estatísticas paramétricas considerando um nível de significância de p ≤ 0,05. Participaram do estudo 243 pacientes, com 53,9% destes apresentando consumo problemático de drogas.

Resultados:

os preditores independentes mais importantes do consumo problemático de drogas foram o estado civil (OR = 0,491), a prática religiosa (OR = 0,449), a satisfação com a situação financeira (OR = 0,469), ter sofrido discriminação (OR = 3,821) e a prática de atividades esportivas nos últimos 12 meses (OR = 2,25).

Conclusão:

as variáveis consideradas preditoras foram aquelas relacionadas ao contexto social do paciente, e por isso, recomenda-se que os serviços de saúde mental valorize ações psicossociais, buscando conhecer a rede de suporte social dos pacientes, seus modos de socialização, suas necessidades financeiras e suas experiências de vida e sofrimento.

Descritores:
Transtornos Mentais; Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Comorbidade

ABSTRACT

Objective:

to examine the factors associated with problematic drug use among psychiatric outpatients.

Method:

a cross-sectional study was carried out in two mental health services. Eligible individuals were patients of these mental health services, who used them within the data collection period. Instruments: standardized questionnaire with sociodemographic, social network, social harm, and clinical information; Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test; Barratt Impulsiveness Scale; Holmes and Rahe Stress Scale. Statistical analysis was performed using parametric statistics considering a significance level of p ≤ 0.05. Study participants were 243 patients, with 53.9% of these presenting problematic drug use.

Results:

the most important independent predictors of problematic drug use were marital status (OR = 0.491), religious practice (OR = 0.449), satisfaction with financial situation (OR = 0.469), having suffered discrimination (OR = 3.821) and practicing sports activities in previous 12 months (OR = 2.25).

Conclusion:

the variables found to be predictors were those related to the social context of the patient, there, it is recommended that mental health services valorize psychosocial actions, seeking to know the social support network of patients, their modes of socialization, their financial needs, and their experiences of life and suffering.

Descriptors:
Mental Disorders; Substance-Related Disorders; Comorbidity

RESUMEN

Objetivo:

analizar los factores asociados al consumo problemático de droga entre pacientes siquiátricos en ambulatorios.

Método:

estudio transversal en dos servicios de salud mental. Fueron considerados individuos elegibles los usuarios de esos servicios de salud mental, que utilizaron drogas dentro del período de recolección de datos. Instrumentos: cuestionario estandarizado sobre datos sociodemográficos, redes sociales, perjuicios sociales e informaciones clínicas; Test de Detección del Involucramiento con Alcohol, Cigarro y otras Sustancias (ASSIST); Escala de Impulsividad de Barratt; y Escala de Evaluación de Readecuación Social de Holmes y Rahe. El análisis estadístico fue realizada utilizando estadísticas paramétricas considerando un nivel de significación de p ≤ 0,05. Participaron del estudio 243 pacientes, con 53,9% de estos presentando consumo problemático de drogas.

Resultados:

los predictores independientes más importantes del consumo problemático de drogas fueron: el estado civil (OR = 0,491), la práctica religiosa (OR = 0,449), la satisfacción con la situación financiera (OR = 0,469), el haber sufrido discriminación (OR = 3,821) y la práctica de actividades deportivas en los últimos 12 meses (OR = 2,25).

Conclusión:

las variables consideradas predictoras fueron aquellas relacionadas al contexto social del paciente, y por eso, se recomienda que los servicios de salud mental valoricen acciones psicosociales, buscando conocer la red de soporte social de los pacientes, sus modos de socialización, sus necesidades financieras y sus experiencias de vida y sufrimiento.

Descriptores:
Transtornos Mentales; Trastornos Relacionados con Sustâncias; Comorbilidad

Introdução

Um volume crescente de pesquisas mostrou que a prevalência do consumo problemático de drogas é alta entre as pessoas com transtornos psiquiátricos11. Corradi-Webster CM, Laprega MR, Furtado EF. Performance assessment of CAGE screening test among psychiatric outpatients. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet] 2005 [Acesso 8 Ago 2016]; 13: 1213-8. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0104-11692005000800017&script=sci_arttext&tlng=en doi: 10.1590/S0104-11692005000800017
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. Nas décadas passadas houve um aumento no interesse no estudo da prevalência e das características de diagnóstico duplo, por ter sido apontado que pacientes com diagnóstico duplo apresentam maior morbidade, piores prognósticos e mais dificuldades de tratamento clínico22. Bahorik AL, Newhill CE, Eack SM. Characterizing the longitudinal patterns of substance use among individuals diagnosed with serious mental illness after psychiatric hospitalization. Adicction. [Internet] 2013 [Access Aug 8 2016]; 108: 1259-69. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3679358/ doi: 10.1111/add.12153
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
-33. Hapangama A, Kuruppuarachchi KA, Pathmeswaran A. Substance use disorders among mentally ill patients in a General Hospital in Sri Lanka: prevalence and correlates. Ceylon Med J. [Internet] 2013 [Access Aug 8 2016]; 58(3): 111-5. Available from: http://cmj.sljol.info/articles/abstract/10.4038/cmj.v58i3.6103/ doi: 10.4038/cmj.v58i3.6103
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.

A literatura indica que algumas características sociodemográficas podem estar associadas a essa patologia dupla. Essas características incluem principalmente: gênero33. Hapangama A, Kuruppuarachchi KA, Pathmeswaran A. Substance use disorders among mentally ill patients in a General Hospital in Sri Lanka: prevalence and correlates. Ceylon Med J. [Internet] 2013 [Access Aug 8 2016]; 58(3): 111-5. Available from: http://cmj.sljol.info/articles/abstract/10.4038/cmj.v58i3.6103/ doi: 10.4038/cmj.v58i3.6103
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-44. Najt P, Fusar-Poli P, Brambilla P. Co-occurring mental and substance abuse disorders: A review on the potential predictors and clinical outcomes. Psychiatry Research. [Internet] 2011 [Access Aug 8 2016]; 186(2-3): 159-64. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0165178110004749 doi:10.1016/j.psychres.2010.07.042
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, estado civil55. Hauli KA, Ndetei DM, Jande MB, Kabangila R. The prevalence of substance use among psychiatric patients: the case study of Bugando Medical centre, Mwanza (northern Tanzania). Subst Abus. [Internet] 2011 [Access Aug 8 2016]; 32(4): 238-41. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08897077.2011.599253?journalCode=wsub20#.V6h3Q6K2EUM doi: 10.1080/08897077.2011.599253.
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, idade55. Hauli KA, Ndetei DM, Jande MB, Kabangila R. The prevalence of substance use among psychiatric patients: the case study of Bugando Medical centre, Mwanza (northern Tanzania). Subst Abus. [Internet] 2011 [Access Aug 8 2016]; 32(4): 238-41. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08897077.2011.599253?journalCode=wsub20#.V6h3Q6K2EUM doi: 10.1080/08897077.2011.599253.
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, nível de escolaridade33. Hapangama A, Kuruppuarachchi KA, Pathmeswaran A. Substance use disorders among mentally ill patients in a General Hospital in Sri Lanka: prevalence and correlates. Ceylon Med J. [Internet] 2013 [Access Aug 8 2016]; 58(3): 111-5. Available from: http://cmj.sljol.info/articles/abstract/10.4038/cmj.v58i3.6103/ doi: 10.4038/cmj.v58i3.6103
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,55. Hauli KA, Ndetei DM, Jande MB, Kabangila R. The prevalence of substance use among psychiatric patients: the case study of Bugando Medical centre, Mwanza (northern Tanzania). Subst Abus. [Internet] 2011 [Access Aug 8 2016]; 32(4): 238-41. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08897077.2011.599253?journalCode=wsub20#.V6h3Q6K2EUM doi: 10.1080/08897077.2011.599253.
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, trabalho55. Hauli KA, Ndetei DM, Jande MB, Kabangila R. The prevalence of substance use among psychiatric patients: the case study of Bugando Medical centre, Mwanza (northern Tanzania). Subst Abus. [Internet] 2011 [Access Aug 8 2016]; 32(4): 238-41. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08897077.2011.599253?journalCode=wsub20#.V6h3Q6K2EUM doi: 10.1080/08897077.2011.599253.
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e suporte social33. Hapangama A, Kuruppuarachchi KA, Pathmeswaran A. Substance use disorders among mentally ill patients in a General Hospital in Sri Lanka: prevalence and correlates. Ceylon Med J. [Internet] 2013 [Access Aug 8 2016]; 58(3): 111-5. Available from: http://cmj.sljol.info/articles/abstract/10.4038/cmj.v58i3.6103/ doi: 10.4038/cmj.v58i3.6103
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. Indica também que características clínicas podem estar associadas, tais como aderência ao tratamento33. Hapangama A, Kuruppuarachchi KA, Pathmeswaran A. Substance use disorders among mentally ill patients in a General Hospital in Sri Lanka: prevalence and correlates. Ceylon Med J. [Internet] 2013 [Access Aug 8 2016]; 58(3): 111-5. Available from: http://cmj.sljol.info/articles/abstract/10.4038/cmj.v58i3.6103/ doi: 10.4038/cmj.v58i3.6103
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-44. Najt P, Fusar-Poli P, Brambilla P. Co-occurring mental and substance abuse disorders: A review on the potential predictors and clinical outcomes. Psychiatry Research. [Internet] 2011 [Access Aug 8 2016]; 186(2-3): 159-64. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0165178110004749 doi:10.1016/j.psychres.2010.07.042
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, número de admissões no hospital33. Hapangama A, Kuruppuarachchi KA, Pathmeswaran A. Substance use disorders among mentally ill patients in a General Hospital in Sri Lanka: prevalence and correlates. Ceylon Med J. [Internet] 2013 [Access Aug 8 2016]; 58(3): 111-5. Available from: http://cmj.sljol.info/articles/abstract/10.4038/cmj.v58i3.6103/ doi: 10.4038/cmj.v58i3.6103
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-44. Najt P, Fusar-Poli P, Brambilla P. Co-occurring mental and substance abuse disorders: A review on the potential predictors and clinical outcomes. Psychiatry Research. [Internet] 2011 [Access Aug 8 2016]; 186(2-3): 159-64. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0165178110004749 doi:10.1016/j.psychres.2010.07.042
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e histórico familiar de uso de substâncias55. Hauli KA, Ndetei DM, Jande MB, Kabangila R. The prevalence of substance use among psychiatric patients: the case study of Bugando Medical centre, Mwanza (northern Tanzania). Subst Abus. [Internet] 2011 [Access Aug 8 2016]; 32(4): 238-41. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08897077.2011.599253?journalCode=wsub20#.V6h3Q6K2EUM doi: 10.1080/08897077.2011.599253.
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. É importante registrar que estes estudos foram conduzidos em outros países, e que não foram encontradas referências de estudos no Brasil que fossem delineados para identificar as variáveis associadas ao uso de drogas por indivíduos submetidos a tratamento em serviços comunitários de saúde mental.

No Brasil, como na maioria dos países, a rede de tratamento psicossocial é dividida entre serviços especializados em problemas relacionados ao uso de drogas e serviços de saúde mental66. Staiger PK, Long C, Baker A. Health service systems and comorbidity: stepping up to the mark, Ment Health Subst Use. [Internet] 2010 [Access Aug 8 2016]; 3(2); 148-61. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17523281003733514
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. Assim, indivíduos com diagnóstico duplo, em que o problema com drogas é evidente, são rapidamente referenciados aos serviços especializados em tratamento para usuários de drogas. Contudo, há um número considerável de usuários de drogas nos serviços de saúde mental que não tem o consumo de substâncias como queixa principal. Este consumo pode estar sendo feito como uma estratégia para lidar com os problemas ou até mesmo para manejar os efeitos adversos da terapia medicamentosa. Essas pessoas, geralmente, não são identificadas como usuários problemáticos ou, quando são identificadas, os profissionais não consideram que este consumo justifique o encaminhamento. Apesar do diagnóstico duplo tender a um prognóstico pior, a literatura indica que serviços de saúde mental tendem a não investigar essa associação, mostrando-se incapaz de agir preventivamente e oferecer um tratamento compreensivo77. Corradi-Webster CM, Laprega MR, Furtado EF. Residentes em psiquiatria têm documentado problemas relacionados ao álcool em pacientes ambulatoriais? Rev psiquiatr Rio Gd Sul. [Internet] 2009 [Acesso 8 ago 2016]; 31(3): 187-91. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082009000300008 doi: 10.1590/S0101-81082009000300008
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. Sugere-se maior investimento no treinamento dos profissionais da saúde mental para capacitá-los no acolhimento dessa população, assim como esforços para melhorar as abordagens terapêuticas farmacológicas e não farmacológicas66. Staiger PK, Long C, Baker A. Health service systems and comorbidity: stepping up to the mark, Ment Health Subst Use. [Internet] 2010 [Access Aug 8 2016]; 3(2); 148-61. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17523281003733514
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.

Com o objetivo de propor diretrizes para esses serviços, é necessário ter um panorama do problema do uso de drogas que reflita a realidade de uma clientela diversificada existente nos serviços públicos de saúde mental no Brasil. Assim, a fim de orientar estudos de intervenção e ações terapêuticas em serviços de saúde mental, faz-se importante ter mais informações a respeito do ambiente social e das características sócio-demográficas e clínicas dos pacientes psiquiátricos ambulatoriais que fazem uso problemático de drogas. Este estudo teve como objetivo analisar os fatores associados ao consumo problemático de droga entre pacientes psiquiátricos ambulatoriais de serviços comunitários de saúde mental.

Método

O estudo teve um delineamento transversal e foi realizado em dois serviços de saúde mental do município de Ribeirão Preto, a oitava maior cidade do estado de São Paulo, Brasil, com 650.000 habitantes. Estes dois serviços comunitários ambulatoriais são responsáveis por oferecer cuidados de saúde mental para os moradores da região central da cidade. Um dos serviços fornece, essencialmente, acompanhamento médico-psiquiátrico na forma de consultas regulares para pessoas com diferentes diagnósticos psiquiátricos e com sintomas mais estáveis. O outro oferece cuidados multidisciplinares mais intensivos para pessoas com diagnósticos de transtornos mentais graves e com redes de apoio social mais fragilizadas, disponibilizando várias atividades durante todo o dia.

Foi composta uma amostra clínica por conveniência, sem a participação dos profissionais do serviço. Os critérios para inclusão no estudo foram: estar frequentando os serviços selecionados no período da coleta de dados; ser maior de 18 anos de idade; e ser capaz de fornecer consentimento informado e informações confiáveis. Os critérios de exclusão foram: apresentar características clínicas de doença cerebral orgânica ou sintomas psicóticos agudos. Um total de 308 pacientes psiquiátricos ambulatoriais foram abordados, 57 (18,5%) recusaram-se a participar, alegando que tinham outros compromissos no momento e, portanto, não teriam tempo disponível para responder aos instrumentos, enquanto 08 (2,6%) atenderam aos critérios de exclusão. A amostra foi composta por 243 pacientes. Após a coleta de dados, todos os participantes receberam intervenções breves.

Os instrumentos foram selecionados com o objetivo de avaliar diferentes características psicossociais e emocionais dos participantes que poderiam estar associadas ao uso problemático de drogas:

Questionário de informações sociodemográficas e clínicas: um questionário padronizado foi utilizado para coletar informações sobre redes sociais, danos sociais e informações sócio-demográficas. Foram investigadas variáveis como gênero, idade, estado civil, prática religiosa, escolaridade, trabalho, renda pessoal, satisfação financeira, duração do tratamento psiquiátrico, uso de remédios psiquiátricos, problemas com uso de remédio, histórico de hospitalização psiquiátrica, uso de drogas na família, satisfação com a comunidade onde reside, experiência com discriminação, histórico de violência, experiência de morar na rua e problemas com a polícia. O diagnóstico psiquiátrico principal foi coletado do prontuário médico dos pacientes.

Teste de Triagem do Envolvimento com Álcool, Cigarro e outras Substâncias (OMS-ASSIST): O OMS-ASSIST foi escolhido devido ao fato de ser rápido, confiável, válido e recomendado para uso com pacientes psiquiátricos. Ele também permite a avaliação do consumo problemático de diferentes substâncias, proporcionando um quadro mais preciso do consumo problemático de droga entre os indivíduos submetidos a tratamento psiquiátrico em serviços comunitários de saúde mental. O instrumento ASSIST foi validado no Brasil88. Henrique IFS, De Micheli D, Lacerda RB, Lacerda LA, Oliveira ML, Formigoni S. Validação da versão brasileira do teste de triagem do envolvimento com álcool, cigarro e outras substâncias (ASSIST). Rev Assoc Med Bras. [Internet] 2004 [Acesso 8 ago 2016]; 50(2): 199-206. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302004000200039 doi: 10.1590/S0104-42302004000200039
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. A partir da soma das pontuações obtidas nos itens relacionados ao consumo de cada substância, o indivíduo é classificado como usuário de baixo risco, de risco moderado ou de alto risco para aquela substância. Neste estudo, foi criada uma variável chamada Uso Problemático de Drogas (UPD). Todos os pacientes que foram classificados como usuários de risco moderado ou de alto risco em qualquer uma das drogas foram classificados nessa variável como 1, e todos os pacientes que não fazem uso de qualquer das drogas testadas ou apresentam consumo de baixo risco foram classificados como 0. Esta variável foi considerada como dependente e sua criação levou em conta um estudo internacional que utilizou o ASSIST para investigar o uso de drogas entre os pacientes psicóticos99. Tantirangsee N, Assanangkornchai S. Prevalence, patterns, associated factors and severity of substance use among psychotic patients in southern Thailand. Asian J Psychiatr. [Internet] 2015 [Access Aug 8 2016]; 13: 30-7. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1876201814002779 doi:10.1016/j.ajp.2014.11.006
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.

Escala de Impulsividade de Barratt (BIS 11): instrumento utilizado para a avaliação de Impulsividade, adaptado para utilização com adultos no Brasil1010. Malloy-Diniz LF, Mattos P, Leite WB, Abreu N, Coutinho G, Paula JJ, et al. Tradução e adaptação cultural da Barratt Impulsiveness Scale (BIS-11) para aplicação em adultos brasileiros. J Bras Psiquiatr. [Internet] 2010 [Acesso 8 ago 2016]; 59(2): 99-105. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0047-20852010000200004 doi:10.1590/S0047-20852010000200004
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. O BIS-11 é uma escala de autorrelato composta por 30 itens relacionados às manifestações da impulsividade. A pontuação dos itens da escala varia de 1 a 4, que vão de raramente/nunca a quase sempre/sempre, e a pontuação total do instrumento varia entre 30 e 120. De acordo com as sugestões da literatura, foi utilizado o escore total de 72 ou acima para classificar um indivíduo como altamente impulsivo1111. Stanford MS, Mathias CW, Dougherty DM, Lake SL, Anderson NE, Patton JH. Fifty years of the Barrat Impulsiveness Scale: an update and review. Pers Individ Dif. [Internet] 2009 [Access Aug 8 2016]; 47: 385-95. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0191886909001639 doi:10.1016/j.paid.2009.04.008
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.

Escala de Avaliação de Reajustamento Social de Holmes e Rahe: utilizada para avaliar eventos estressores do ano anterior. Esse instrumento foi escolhido por ter sido adaptado para uso com pacientes psiquiátricos no Brasil. Ele contém 26 itens1212. Savoia MG. Escalas de eventos vitais e de estratégias de enfrentamento (coping). Rev psiquiatr clín. [Internet] 1999 [Acesso 8 ago 2016]; 26(2): 57-67. Disponível em: http://pesquisa.bvs.br/brasil/resource/pt/lil-240765
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. A escala baseia-se na hipótese de que o esforço necessário para o indivíduo se reajustar à sociedade após alterações significativas na vida poderia levar a doenças. Esta escala avalia seis categorias de eventos de vida: trabalho, perda de apoio social, família, mudanças ambientais, dificuldades pessoais e finanças.

Os dados foram coletados por assistentes de pesquisa, graduandos e pós-graduandos em Psicologia, treinados em métodos de pesquisa clínica, supervisionados semanalmente pela coordenadora do projeto. Eles frequentaram os serviços de saúde mental em dias diferentes da semana e em horários variados, convidando pacientes que aguardavam por consulta a participarem do estudo. Todos os instrumentos foram aplicados pelos assistentes de pesquisa, com duração de 30 a 45 minutos por paciente. O assistente de pesquisa explicava o estudo e os pacientes que concordaram em participar eram levados a uma sala no próprio, onde os instrumentos foram aplicados.

O projeto de pesquisa foi apresentado às equipes dos dois serviços, que autorizaram a execução do estudo e proveram o espaço físico para a aplicação dos instrumentos. O estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e todos os participantes assinaram um termo de consentimento. Este relatório seguiu a declaração Strengthening the Reporting of Observational studies in Epidemiology (STROBE), utilizando a lista de itens que devem ser incluídos nos relatórios de estudos observacionais.

Os dados foram duplamente digitados e organizados, e tanto as análises descritivas quanto as inferenciais foram realizadas utilizando o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 16 (SPSS, Chicago, IL, EUA). Para as variáveis numéricas com categorias com N <50, verificou-se a hipótese de normalidade com o uso do teste de Shapiro-Wilk. Quando a normalidade não foi rejeitada, utilizou-se teste t para amostras independentes. Para as variáveis categóricas, o teste de qui-quadrado foi utilizado para testar associações. Para medir a força de associação entre as variáveis categóricas e UPD, os odds ratios brutos foram calculados considerando um intervalo de confiança de 95%. Em seguida, a fim de estabelecer os odds ratios ajustados, foi realizada a regressão logística múltipla stepwise, visando derminar os preditores de UPD mais importantes na amostra, considerando-se significativos o resultados que apresentavam valor de p <0,05.

Resultados

Os diagnósticos principais dos pacientes que compuseram a amostra, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (10ª versão), foram: transtornos mentais orgânicos (n = 6; 2,5%), esquizofrenia (n = 46; 18,9%), transtorno bipolar (n = 26; 10,7%), depressão (n = 76; 31,3%), transtornos de ansiedade (n = 46; 18,9%), transtornos de personalidade (n = 3; 12,8%) e retardo mental (n = 12; 4,9%). A droga de uso problemático mais frequente foi o tabaco, seguida do álcool (Tabela 01). Entre os participantes, 112 (46,1%) apresentaram uso problemático de pelo menos uma droga avaliada pelo ASSIST.

Tabela 1
Distribuição do uso problemático de drogas por tipo de substância utilizada. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2014

A maioria dos participantes eram mulheres (71,2%), com idade entre 21 e 83 anos e média de 48,2 anos (DP = 13,2). Foi utilizado teste t para amostras independentes para comparar a média de idade entre os grupos de pacientes que apresentaram ou não uso problemático de drogas e não foram encontradas diferenças estatísticas significantes (t = 1.65; p = 0,10). Considerando o estado civil, 143 (58,9%) não tinham um parceiro, embora 196 (80,7%) relataram viver com a família. Entre os participantes, 140 (57,6%) possuíam apenas o ensino fundamental ou menos. A maioria não trabalhava na época da pesquisa, sendo desempregados, aposentados ou donas de casa (n = 159; 65,4%). Associações estatisticamente significantes foram observadas entre uso problemático de drogas e estado civil, sendo o primeiro mais frequente entre aqueles que não vivem com um parceiro fixo. Associações estatisticamente significantes também foram observadas entre uso problemático de drogas e prática religiosa, onde o uso se mostrou mais frequente entre aqueles que não praticam nenhuma religião, e também entre uso problemático de drogas e insatisfação com a situação financeira (Tabela 2).

Tabela 2
Características sociodemográficas dos pacientes psiquiátricos segundo a presença ou ausência de uso problemático de drogas. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2014

Foi investigada a participação do paciente em diferentes atividades que poderiam expandir sua rede social, tais como atividades esportivas, participação em sindicatos, partidos políticos e ONGs, trabalho voluntário e grupos de auto-ajuda. Foram investigados também se os pacientes consideravam que eles tinham alguém para contar em momentos de necessidade, bem como sua satisfação com a comunidade em que residiam. Estatisticamente foram observadas associações significativas entre o uso problemático de drogas e a prática de atividades esportivas nos últimos doze meses. Associações estatisticamente significativas entre o uso problemático de drogas e insatisfação com a comunidade em que residiam também foram observadas (Tabela 3).

Tabela 3
Rede Social dos pacientes psiquiátricos segundo a presença ou ausência de uso problemático de drogas. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2014

Buscou-se avaliar se o uso problemático de drogas estava associado a algumas características clínicas, como o histórico de consumo problemático de droga entre os membros da família, uso de medicamentos psiquiátricos e dificuldades na adesão a este tratamento, histórico de internações psiquiátricas, duração do tratamento psiquiátrico, eventos estressores no ano anterior e impulsividade. A associação do consumo problemático de droga a prejuízos sociais como um histórico de violência, discriminação, situação de rua e problemas com a polícia também foi avaliada. Através do teste t, valores significativamente mais elevados foram encontrados para a duração média do tratamento (t = 2,59; p = 0,01) e o número médio de eventos de estresse em relação ao ano anterior (t = 3,00; p = 0,003) no grupo que apresentou consumo problemático de droga. Houve também uma associação entre o uso de drogas problemático e as variáveis relacionadas a ter vivenciado discriminação, a experiência de viver nas ruas e um histórico de problemas com a polícia (Tabela 4).

Tabela 4
Caracterização clínica e prejuízos sociais de pacientes psiquiátricos segundo a presença ou ausência de uso problemático de drogas. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2014

As variáveis listadas nas tabelas anteriores que obtiveram p < 0,10 foram colocadas em um modelo de regressão logística múltipla (sexo, idade, prática religiosa, estado civil, satisfação com a situação financeira, prática de atividades esportivas, satisfação com a comunidade de residência, duração do tratamento, eventos de estresse no ano anterior, experiência de ter sofrido discriminação, morou nas ruas, histórico de problemas com a polícia). A variável "internações psiquiátricas anteriores" também foi adicionada, já que ela é citada na literatura como associada ao uso problemático de drogas entre pacientes psiquiátricos22. Bahorik AL, Newhill CE, Eack SM. Characterizing the longitudinal patterns of substance use among individuals diagnosed with serious mental illness after psychiatric hospitalization. Adicction. [Internet] 2013 [Access Aug 8 2016]; 108: 1259-69. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3679358/ doi: 10.1111/add.12153
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.

As variáveis que foram encontradas como preditoras do consumo problemático de droga na amostra foram estado civil, prática religiosa, satisfação com a situação financeira, experiência de ter sofrido discriminação e práticas de atividades esportivas no ano anterior. Assim, de acordo com este modelo, não viver com um parceiro fixo, não praticar alguma religião, insatisfação com a situação financeira, sofrer discriminação e ter praticado atividades esportivas são fatores de risco para o consumo problemático de droga entre pacientes psiquiátricos ambulatoriais (Tabela 5).

Tabela 5
Variáveis que permaneceram após a regressão múltipla logística. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2014

Discussão

Este estudo teve por objetivo examinar as associações entre características clínicas, contextuais e sociodemográficas e o uso problemático de drogas entre indivíduos usuários de serviços comunitários de saúde mental. Mesmo havendo a divisão na rede de atenção entre os serviços de saúde mental e os serviços especializados no tratamento de usuários problemáticos de drogas, a maioria dos serviços de saúde mental presta assistência às pessoas que consomem substâncias66. Staiger PK, Long C, Baker A. Health service systems and comorbidity: stepping up to the mark, Ment Health Subst Use. [Internet] 2010 [Access Aug 8 2016]; 3(2); 148-61. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17523281003733514
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. Conhecer as características dessas pessoas pode ajudar no estabelecimento de estratégias de prevenção e intervenção. Neste estudo, as características relacionadas ao contexto social do paciente, tais como estado civil, prática religiosa, prática de esportes, insatisfação com a situação financeira e ter sofrido discriminação foram aquelas que se mostraram como fatores de risco para o uso problemático de drogas.

Verificou-se que não residir com um parceiro fixo, seja por casamento ou coabitação, foi um fator de risco para o uso problemático de drogas neste grupo. Esta informação confirma as conclusões de outros estudos na área de drogas, onde o estado civil solteiro foi associado com uma taxa maior de recaída entre as pessoas com diagnósticos psiquiátricos1313. Schellekens AF, de Jong CA, Buitelaar JK, Verkes RJ. Co-morbid anxiety disorders predict early relapse after inpatient alcohol treatment. Eur Psychiatry. [Internet] 2015 [Access Aug 8 2016]; 30(1):128-36. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924933813004409 doi:10.1016/j.eurpsy.2013.08.006
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. Um estudo com população canadense também ressaltou que pessoas com companheiros possuíam maiores chances de ter saúde mental positiva do que os viúvos, separados, divorciados ou solteiros1414. Gilmour H. Positive mental health and mental illness. Health Reports. [Internet] 2014 [Access Aug 8 2016]; 25(9):3-9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25229895
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. No entanto, os resultados diferem daqueles encontrados em um estudo de pacientes psiquiátricos na Tanzânia, onde os autores observaram que não havia diferenças no consumo de álcool de acordo com o estado civil55. Hauli KA, Ndetei DM, Jande MB, Kabangila R. The prevalence of substance use among psychiatric patients: the case study of Bugando Medical centre, Mwanza (northern Tanzania). Subst Abus. [Internet] 2011 [Access Aug 8 2016]; 32(4): 238-41. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08897077.2011.599253?journalCode=wsub20#.V6h3Q6K2EUM doi: 10.1080/08897077.2011.599253.
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. Morar com um parceiro fixo parece proteger indivíduos do uso problemático de drogas, pois o parceiro pode ajudá-lo a lidar com situações estressantes, sem que o sujeito tenha que recorrer às drogas. Além disso, muitos pacientes psiquiátricos no Brasil têm sua autonomia controlada por membros da família, que tomam conta das finanças e assim, controlam o uso das substâncias1515. Menezes PR, Ratto LRC. Prevalence of substance misuse among individuals with severe mental illness in São Paulo. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. [Internet] 2004 [Access Aug 8 2016]; 39(3): 212-7. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00127-004-0730-z doi: 10.1007/s00127-004-0730-z
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. A falta de prática religiosa também se mostrou como um fator de risco para o uso problemático de drogas. É relevante observar que religião provê crenças e explicações que ajudam a lidar com situações de estresse, o que está relacionado a uma saúde mental positiva1414. Gilmour H. Positive mental health and mental illness. Health Reports. [Internet] 2014 [Access Aug 8 2016]; 25(9):3-9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25229895
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. Ademais, quando indivíduos são membros de uma religião, são normalmente parte também de um grupo social de suporte grande, que ajuda nas situações do dia a dia e exerce também controle comportamental.

Observou-se, neste estudo, que apenas 34,6% dos participantes estavam trabalhando na época em que as entrevistas foram realizadas, embora a idade média destes fosse de 48,2 anos, ou seja, a amostra estava idade produtiva. Também é digno de nota que 25,8% dos respondentes relataram não ter renda própria. Logo, cogita-se a hipótese de que muitos recebiam benefícios sociais ou tinham se aposentado mais cedo devido ao transtorno psiquiátrico. Contudo, 66,9% dos respondentes relataram insatisfação com sua situação financeira, com essa variável sendo identificada como um fator de risco no modelo de regressão múltipla. Torna-se importante avaliar as condições sociais dos pacientes nos serviços de saúde mental e propor ações que vão além da redução dos sintomas. A equipe de enfermagem e os outros profissionais dos serviços precisam trabalhar de forma intersetorial, em conjunto com a assistência social e serviços de geração de renda1616. Jacob B, Macquet D, Natalis S. A global reform of mental health care based on a community approach: the Belgian experience. Sante Ment Que. [Internet] 2014 [Access Aug 8 2016]; 39(1): 209-42. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25120123 doi: 10.7202/1025915ar
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.

Neste estudo foi encontrado que a prática de atividades esportivas foi outro fator de risco para o uso problemático de drogas nessa população. Isto pode parecer estranho a primeira vista, já que alguns autores destacam que a prática de esportes pode servir de fator proteção ao consumo de drogas1717. Walton MA, Chermack ST, Blow FC, Ehrlich PF, Barry KL, Booth BM, et al. Components of brief alcohol interventions for youth in the emergency department. Subst Abus. [Internet] 2015 [Access Aug 8 2016]; 36(3):339-49. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25222484 doi: 10.1080/08897077.2014.958607
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. Porém, a literatura também é controversa, e há achados de que, entre adolescentes, a prática de esportes está associada ao uso abusivo do álcool1818. Kwan M, Bobko S, Faulkner G, Donnelly P, Cairney J. Sport participation and alcohol and illicit drug use in adolescents and young adults: a systematic review of longitudinal studies. Addict Behav. [Internet] 2014 [Access Aug 8 2016]; 39(3): 497-506. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0306460313003766 doi:10.1016/j.addbeh.2013.11.006
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. Aspectos culturais devem ser levados em consideração para compreender a relação entre a prática de esportes e o uso de drogas. No Brasil, o esporte mais popular é o futebol. Ele é fortemente associado ao consumo de bebidas alcoólicas, sendo comum amigos se encontraram semanalmente para jogar futebol e beber cerveja após o jogo. É comum que esse consumo seja visto como um recurso de socialização, encorajado pela mídia e realizado de forma abusiva. Logo, os dados encontrados neste estudo merecem uma inspeção mais atenta, isto é, novas investigações que busquem explorar em mais detalhes a associação da prática esportiva e o uso de drogas por essa população.

Já ter sofrido discriminação também foi apontado como um fator de risco para o uso problemático de drogas entre os participantes deste estudo. Uma discriminação diária apenas, por exemplo, devido à cor da pele do indivíduo, pode levar ao aumento de sintomas depressivos, mostrando uma relação entre a discriminação e a saúde mental1919. Anglin DM, Lighty Q, Yang LH, Greenspoon M, Miles RJ, Slonim T, et al. Discrimination, arrest history, and major depressive disorder in the US Black population. Psychiatry Res. [Internet] 2014 [Access Aug 8 2016]; 219(1):114-21. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0165178114003916 doi: 10.1016/j.psychres.2014.05.020
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. Além disso, se sentir discriminado ou estigmatizado é muito comum entre as pessoas com diagnósticos psiquiátricos. A literatura explica que parte disso é devido às dificuldades que o indivíduo tem em lidar com as suas obrigações, como o trabalho. É comum que as pessoas com transtornos mentais tenham maiores taxas de absentismo, que façam mais utilização de longas licenças por doença ou que se aposentam mais cedo2020. Laberon S. Psychological barriers to professional inclusion of people with mental disabilities. Encephale. [Internet] 2014 [Access Aug 8 2016];40: 103-14. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24948481 doi: 10.1016/j.encep.2014.04.007
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. Esta situação pode gerar mais estresse na vida do indivíduo, que já é vulnerável devido aos sintomas psicopatológicos, aumentando o risco de procurar alívio dessas emoções através do uso de drogas. Sugere-se que estudos sejam realizados para melhor compreender a influência da discriminação com o consumo problemático de drogas entre pacientes psiquiátricos ambulatoriais. Este estudo indica a importância de que os serviços de saúde mental conversem sobre esse assunto com os usuários, a fim de ajudá-los a lidar com este problema e evitar o agravamento do prognóstico.

Uma das limitações deste estudo refere-se ao fato de a informação sobre o uso de drogas ser obtida através da resposta do paciente, não sendo consultados prontuários médicos ou outras fontes, e não realizando testes biológicos para verificar a exatidão de tais informações. Foi tomado o cuidado de fornecer aos indivíduos privacidade e conforto, colocando-os em uma sala privada e utilizando a técnica de autorrelato. No entanto, este é um assunto delicado de se abordar e pode ter havido pessoas que optaram por não revelar o seu consumo de substâncias. Além disso, devido ao fato dos instrumentos serem auto-aplicados, houve perdas em algumas questões que não foram respondidas por alguns pacientes. Outra limitação é a opção de trabalhar com uma amostra não-randomizada. Embora este tipo de amostragem seja recomendada para verificar se existe um problema num determinado local, e seja considerada uma forma para se obter informação preliminar útil relativa a um problema de saúde em particular, estes dados não podem ser utilizados para estimar a prevalência do evento na população em geral2121. Pereira MG. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995. 583p.. Neste estudo, seguindo recomendações de pesquisas internacionais77. Corradi-Webster CM, Laprega MR, Furtado EF. Residentes em psiquiatria têm documentado problemas relacionados ao álcool em pacientes ambulatoriais? Rev psiquiatr Rio Gd Sul. [Internet] 2009 [Acesso 8 ago 2016]; 31(3): 187-91. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082009000300008 doi: 10.1590/S0101-81082009000300008
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, optou-se por trabalhar com uma variável que englobasse o uso problemático de qualquer uma das substâncias avaliadas, a fim de fornecer dados preliminares no Brasil sobre o problema do uso de drogas entre pessoas em tratamento em serviços comunitários de saúde mental. A fim de aprofundar a compreensão da temática, recomenda-se que outros estudos sejam realizados com o objetivo de investigar o consumo de cada uma das substâncias entre os indivíduos em tratamento psiquiátrico ambulatorial.

Conclusões

Este estudo teve como objetivo cobrir uma lacuna na literatura brasileira relacionada ao estudo do uso problemático de drogas entre pessoas em tratamento nos serviços comunitários de saúde mental. Neste estudo, as variáveis sobre os contextos sócio-demográficos, clínicos e sociais foram avaliadas e aquelas encontradas como preditoras foram relacionadas ao contexto social do paciente. Fatores de risco, como estado civil, práticas religiosas e práticas esportivas chamam a atenção para como os aspectos relacionados à rede de suporte social e a necessidade de socialização exercem papel importante no uso de drogas entre pacientes psiquiátricos. Insatisfação financeira e experiências de sofrer discriminação também se mostraram como preditores para o uso de drogas. Por isso, recomenda-se que os serviços de saúde mental valorizem ações psicossociais, procurando conhecer a rede de suporte social dos pacientes, seus modos de socialização, suas necessidades financeiras e suas experiências de vida e sofrimento. Para além da redução dos sintomas psicopatológicos, devem ser planejadas ações multidisciplinares e intersetoriais. Considerando o campo da enfermagem em particular, os resultados indicam a necessidade de que enfermeiros levem em conta as características do contexto do paciente para identificar e planejar ações voltadas para consumo problemático de drogas, com o objetivo de prestar assistência integral para o usuário e estabelecer prioridades no plano de cuidados. Além disso, destaca-se a importância de políticas públicas que abordem a percepção da população sobre os transtornos mentais, buscando construir comunidades que sejam mais tolerantes às diferenças e também para compreender melhor as vulnerabilidades individuais.

References

  • 1
    Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil, processo nº 2011/22739-2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2016
  • Aceito
    21 Jul 2016
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