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Fatores de proteção e de risco na saúde mental das mulheres após aborto espontâneo* * Apoio Financeiro da Fonds Québécois de Recherche en Santé, 26811, Canadá.

Resumos

Objetivo:

examinar os fatores pessoais e contextuais de proteção e de risco associados à saúde mental das mulheres após aborto espontâneo.

Método:

foi realizado um estudo transversal, no qual 231 mulheres que sofreram aborto espontâneo nos últimos quatro anos responderam a um questionário on-line, cujo intuito era avaliar a saúde mental (sintomas de depressão, ansiedade, luto perinatal) e coletar informações pessoais, além de características contextuais.

Resultados:

mulheres que sofreram aborto espontâneo nos últimos seis meses apresentaram escores mais altos para sintomas depressivos do que mulheres que sofreram aborto espontâneo entre sete e 12 meses atrás, ao passo que o nível de ansiedade e o luto perinatal não variaram de acordo com o tempo transcorrido desde a perda. Além disso, baixo nível socioeconômico, status de imigrante e ausência de filhos foram associados a pior saúde mental após aborto espontâneo. Por outro lado, a qualidade do relacionamento conjugal e a satisfação com a assistência à saúde foram associadas positivamente à saúde mental das mulheres.

Conclusão:

mulheres em situação de vulnerabilidade, como as imigrantes, com baixo nível socioeconômico ou sem filhos estão particularmente vulneráveis a problemas de saúde mental após um aborto espontâneo. No entanto, além desses fatores pessoais e contextuais, a qualidade do relacionamento conjugal e a satisfação com a assistência à saúde podem ser importantes fatores de proteção.

Descritores:
Aborto Espontâneo; Enfermagem; Mulheres; Saúde Mental; Emigrantes e Imigrantes; Fatores de Proteção


Objective:

to examine personal and contextual protective and risk factors associated with women’s mental health after a spontaneous abortion.

Method:

a cross-sectional study was carried out where 231 women who had experienced spontaneous abortions in the past 4 years answered a self-reporting online questionnaire to assess their mental health (symptoms of depression, anxiety, perinatal grief) and to collect personal as well as contextual characteristics.

Results:

women who had experienced spontaneous abortions within the past 6 months had higher scores for depressive symptoms than those who had experienced spontaneous abortions between 7 and 12 months ago, while anxiety level and perinatal grief did not vary according to the time since the loss. Moreover, low socioeconomic status, immigrant status, and childlessness were associated with worse mental health after a spontaneous abortion. In contrast, the quality of the conjugal relationship and the level of satisfaction with health care were positively associated with women’s mental health.

Conclusion:

women in vulnerable situations, such as immigrants, women with a low socioeconomic status, or childless women are particularly vulnerable to mental health problems after a spontaneous abortion. However, beyond those personal and contextual factors, the quality of the conjugal relationship and the level of satisfaction with health care could be important protective factors.

Descriptors:
Abortion, Spontaneous; Nursing; Women; Mental Health; Emigrants and Immigrants; Protective Factors


Objetivo:

examinar factores de protección y de riesgo personales y contextuales asociados a la salud mental de la mujer después de un aborto espontáneo.

Método:

se llevó a cabo un estudio transversal en el que 231 mujeres que habían sufrido un aborto espontáneo en los últimos 4 años respondieron a un cuestionario online de autoinforme para evaluar su salud mental (síntomas de depresión, ansiedad, duelo perinatal) y para recopilar características personales y contextuales.

Resultados:

las mujeres que habían sufrido un aborto espontáneo en los últimos 6 meses obtuvieron una puntuación más alta en lo que respecta a síntomas de depresión que las que lo habían sufrido entre 7 y 12 meses atrás, mientras que el nivel de ansiedad y el duelo perinatal no variaron según el tiempo transcurrido desde la pérdida. Además, la baja condición socioeconómica, el estado de inmigración y la falta de hijos se asociaron con una peor salud mental después de un aborto espontáneo. En cambio, la calidad de la relación conyugal y la satisfacción con la atención de la salud se asociaron positivamente con la salud mental de las mujeres.

Conclusión:

las mujeres en situaciones vulnerables, como las inmigrantes, las de baja condición socioeconómica o las mujeres sin hijos son especialmente vulnerables a problemas de salud mental después de un aborto espontáneo. Sin embargo, más allá de esos factores personales y contextuales, la calidad de la relación conyugal y la satisfacción con el cuidado de la salud podrían ser importantes factores de protección.

Descriptores:
Aborto Espontáneo; Enfermería; Mujeres, Salud Mental; Emigrantes e Inmigrantes; Factores Protectores


Introdução

Nas sociedades ocidentais, estima-se que aproximadamente 20% das gestações terminam em interrupção involuntária da gravidez (também conhecido como aborto espontâneo) nas primeiras 22 semanas(11 Engel J, Rempel L. Health Professionals' Practices and Attitudes About Miscarriage. MCN: Am J Matern Child Nurs. 2016;41(1):51-7. doi: 10.1097/NMC. 0000000000000207
https://doi.org/10.1097/NMC...
-22 Zegers-Hochschild F, Adamson GD, Dyer S, Racowsky C, de Mouzon J, Sokol R, et al. The International Glossary on Infertility and Fertility Care, 2017. Fertil Steril. 2017;108(3):393-406. doi: 10.1016/j.fertnstert.2017.06.005
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). Os números exatos não são conhecidos, pois a maioria dos países coleta estatísticas apenas para mortes perinatais em estágios avançados de gravidez, ou seja, após a 24ª semana de gestação ou quando o feto pesa mais de um quilo(33 de Montigny F, Verdon C, McGrath K. Death, Grief and Culture: Perinatal Death in Canada. In: Cacciatore J, DeFrain J, editors. The World of Bereavement: Cultural Perspectives on Death in Families. New York: Springer; 2015. p. 179-208.). Apesar da alta prevalência, o luto associado ao aborto espontâneo recebeu muito menos atenção das comunidades científicas e profissionais do que o luto associado a qualquer outro tipo de morte(44 Emond T, Montigny F, Guillaumie L. Exploring the needs of parents who experience miscarriage in the emergency department: A qualitative study with parents and nurses. J Clin Nurs. 2019;28(9-10):1952-65. doi: 10.1111/jocn.14780
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-55 Larivière-Bastien D, de Montigny F, Verdon C. Women's Experiences of Miscarriage in the Emergency Department. J Emerg Nurs. 2019;45(6):670-6. doi: 10.1016/j.jen.2019.06.008
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). As repercussões do luto relacionadas à perda perinatal precoce são, no entanto, um problema significativo para a sociedade, particularmente em termos de saúde pública, uma vez que estudos indicam seus importantes efeitos deletérios na saúde mental das mulheres(66 de Montigny F, Verdon C, Meunier S, Dubeau D. Women's Persistent Depressive and Perinatal Grief Symptoms Following a Miscarriage: the Role of Childlessness and Satisfaction with Health Care Services. Arch Womens Ment Health. 2017;20(5):655-62. doi: 10.1007/s00737-017-0742-9
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7 Batool SS, Azam H. Miscarriage: Emotional burden and social suffering for women in Pakistan. Death Stud. 2016;40(10):638-47. doi: 10.1080/07481187.2016.1203376
https://doi.org/10.1080/07481187.2016.12...
-88 Zhu CS, Tan TC, Chen HY, Malhotra R, Allen JC, Østbye T. Threatened Miscarriage and Depressive and Anxiety Symptoms Among Women and Partners in Early Pregnancy. J Affect Disord. 2018;237:1-9. doi: 10.1016/j.jad.2018.04.012
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). Essas descobertas levantam uma questão importante sobre fatores de proteção e de risco que podem exacerbar ou diminuir os efeitos negativos do aborto espontâneo na saúde mental das mulheres(99 Weng SC, Chang JC, Yeh MK, Wang SM, Lee CS, Chen YH. Do stillbirth, miscarriage, and termination of pregnancy increase risks of attempted and completed suicide within a year? A population-based nested case-control study. BJOG. 2017;125(8):983-90. doi: 10.1111/1471-0528.15105
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). As respostas a essa pergunta são cruciais para identificar com mais precisão as mulheres com maior risco de desenvolver problemas de saúde mental após um aborto espontâneo e oferecer o apoio adequado.

Existem variáveis pessoais e contextuais que influenciam a saúde mental das mulheres após aborto espontâneo. Alguns autores examinaram diferentes variáveis pessoais e contextuais que podem influenciar a saúde mental das mulheres após um aborto espontâneo e agir como fatores de proteção ou de risco. Com relação às variáveis pessoais, alguns achados indicaram que fatores sociodemográficos (ex.: idade, situação socioeconômica) não estavam associados à saúde mental das mulheres após um aborto espontâneo(33 de Montigny F, Verdon C, McGrath K. Death, Grief and Culture: Perinatal Death in Canada. In: Cacciatore J, DeFrain J, editors. The World of Bereavement: Cultural Perspectives on Death in Families. New York: Springer; 2015. p. 179-208.,66 de Montigny F, Verdon C, Meunier S, Dubeau D. Women's Persistent Depressive and Perinatal Grief Symptoms Following a Miscarriage: the Role of Childlessness and Satisfaction with Health Care Services. Arch Womens Ment Health. 2017;20(5):655-62. doi: 10.1007/s00737-017-0742-9
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). No entanto, a maioria dos estudos sobre a experiência do aborto espontâneo foi realizada com mulheres brancas de classe média que tinham um relacionamento conjugal(33 de Montigny F, Verdon C, McGrath K. Death, Grief and Culture: Perinatal Death in Canada. In: Cacciatore J, DeFrain J, editors. The World of Bereavement: Cultural Perspectives on Death in Families. New York: Springer; 2015. p. 179-208.). Mulheres que vivem em condições de vulnerabilidade (baixa renda, menor escolaridade ou status de imigrante)(33 de Montigny F, Verdon C, McGrath K. Death, Grief and Culture: Perinatal Death in Canada. In: Cacciatore J, DeFrain J, editors. The World of Bereavement: Cultural Perspectives on Death in Families. New York: Springer; 2015. p. 179-208.) receberam menos atenção na pesquisa; diante disso, é necessário avaliar a influência dessas variáveis em amostras mais heterogêneas. Nesse sentido, um estudo realizado com uma grande amostra de mulheres australianas descobriu que o nível de escolaridade estava positivamente associado à saúde mental após um aborto espontâneo(1010 Rowlands I, Lee C. Adjustment after miscarriage: Predicting positive mental health trajectories among young Australian women. Psychol Health Med. 2010;15(1):
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). As variáveis contextuais de ausência de filhos, idade gestacional avançada e histórico de aborto espontâneo foram identificadas como fatores que intensificam o luto perinatal(66 de Montigny F, Verdon C, Meunier S, Dubeau D. Women's Persistent Depressive and Perinatal Grief Symptoms Following a Miscarriage: the Role of Childlessness and Satisfaction with Health Care Services. Arch Womens Ment Health. 2017;20(5):655-62. doi: 10.1007/s00737-017-0742-9
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,1111 Huffman CS, Schwartz TA, Swanson KM. Couples and Miscarriage: The Influence of Gender and Reproductive Factors on the Impact of Miscarriage. Womens Health Issues. 2015;25(5):570-8. doi: 10.1016/j.whi.2015.04.005
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). No entanto, exceto na ausência de filhos, os resultados referentes a essas variáveis são inconsistentes. De fato, alguns pesquisadores descobriram que a idade gestacional avançada e a perda anterior estavam associadas a pior saúde mental(1111 Huffman CS, Schwartz TA, Swanson KM. Couples and Miscarriage: The Influence of Gender and Reproductive Factors on the Impact of Miscarriage. Womens Health Issues. 2015;25(5):570-8. doi: 10.1016/j.whi.2015.04.005
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12 Blackmore ER, Côté-Arsenault D, Tang W, Glover V, Evans J, Golding J, et al. Previous prenatal loss as a predictor of perinatal depression and anxiety. Br J Psychiatry. 2011;198(5):373-8. doi: 10.1192/bjp.bp.110.083105
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-1313 Campbell-Jackson L, Bezance J, Horsch A. "A renewed sense of purpose": Mothers' and fathers' experience of having a child following a recent stillbirth. BMC Pregnancy Childbirth. 2014;14(1). doi: 10.1186/s12884-014-0423-x
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), enquanto outros não encontraram associação significativa(1111 Huffman CS, Schwartz TA, Swanson KM. Couples and Miscarriage: The Influence of Gender and Reproductive Factors on the Impact of Miscarriage. Womens Health Issues. 2015;25(5):570-8. doi: 10.1016/j.whi.2015.04.005
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).

O apoio oferecido aos pais por familiares e amigos ou por profissionais de saúde é outra variável de interesse. O resultado de um estudo anterior indica que o apoio do cônjuge foi especialmente importante para ajudar as mulheres a lidar com o aborto espontâneo(1414 Edwards S, Birks M, Chapman Y, Yates K. Bringing Together the 'Threads of Care' in Possible Miscarriage for Women, Their Partners and Nurses in Non-Metropolitan EDs. Collegian. 2018;25(3):293-301.). Assim, é possível que a qualidade do relacionamento conjugal tenha mais influência na saúde mental das mulheres após um aborto espontâneo do que o simples fato de estar em um relacionamento. A satisfação com a assistência à saúde também pode ser importante para mitigar os efeitos deletérios do aborto espontâneo na saúde mental das mulheres. De fato, os profissionais de saúde desempenham um papel fundamental na vida de casais que passam por um aborto espontâneo(44 Emond T, Montigny F, Guillaumie L. Exploring the needs of parents who experience miscarriage in the emergency department: A qualitative study with parents and nurses. J Clin Nurs. 2019;28(9-10):1952-65. doi: 10.1111/jocn.14780
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,1515 Zeghiche S, de Montigny F, Lopez J. Les variations spatio-temporelles de la (non) reconnaissance sociale du deuil périnatal : Réflexion critique autour du concept de " deuil non reconnu " (disenfranchised grief). SociologieS (en ligne). 2020.). No entanto, embora a experiência e as repercussões do luto tenham sido estudadas, as experiências das mulheres com intervenções profissionais - ou a ausência delas - receberam pouquíssima atenção nas pesquisas.

Os resultados dos poucos estudos qualitativos sobre a experiência das mulheres em abortos espontâneos indicaram que elas frequentemente relatam estar insatisfeitas com os cuidados de saúde recebidos antes, durante e após o aborto espontâneo(44 Emond T, Montigny F, Guillaumie L. Exploring the needs of parents who experience miscarriage in the emergency department: A qualitative study with parents and nurses. J Clin Nurs. 2019;28(9-10):1952-65. doi: 10.1111/jocn.14780
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-55 Larivière-Bastien D, de Montigny F, Verdon C. Women's Experiences of Miscarriage in the Emergency Department. J Emerg Nurs. 2019;45(6):670-6. doi: 10.1016/j.jen.2019.06.008
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). As mulheres lamentam a falta de compaixão(1414 Edwards S, Birks M, Chapman Y, Yates K. Bringing Together the 'Threads of Care' in Possible Miscarriage for Women, Their Partners and Nurses in Non-Metropolitan EDs. Collegian. 2018;25(3):293-301.), de apoio social e emocional(1616 Baird S, Gagnon MD, deFiebre G, Briglia E, Crowder R, Prine L. Women's experiences with early pregnancy loss in the emergency room: A qualitative study. Sex Reprod Healthc. 2018;16:113-7. doi: 10.1016/j.srhc.2018.03.001
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-1717 Meaney S, Corcoran P, Spillane N, Donoghue K. Experience of miscarriage: an interpretative phenomenological analysis. BMJ Open. 2017;7(3):e011382. doi: 10.1136/bmjopen-2016-011382
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) e de informações fornecidas por profissionais de saúde(44 Emond T, Montigny F, Guillaumie L. Exploring the needs of parents who experience miscarriage in the emergency department: A qualitative study with parents and nurses. J Clin Nurs. 2019;28(9-10):1952-65. doi: 10.1111/jocn.14780
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,55 Larivière-Bastien D, de Montigny F, Verdon C. Women's Experiences of Miscarriage in the Emergency Department. J Emerg Nurs. 2019;45(6):670-6. doi: 10.1016/j.jen.2019.06.008
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,1414 Edwards S, Birks M, Chapman Y, Yates K. Bringing Together the 'Threads of Care' in Possible Miscarriage for Women, Their Partners and Nurses in Non-Metropolitan EDs. Collegian. 2018;25(3):293-301.,1616 Baird S, Gagnon MD, deFiebre G, Briglia E, Crowder R, Prine L. Women's experiences with early pregnancy loss in the emergency room: A qualitative study. Sex Reprod Healthc. 2018;16:113-7. doi: 10.1016/j.srhc.2018.03.001
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). Do ponto de vista quantitativo, a satisfação com o médico(1010 Rowlands I, Lee C. Adjustment after miscarriage: Predicting positive mental health trajectories among young Australian women. Psychol Health Med. 2010;15(1):
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) tem sido associada a uma melhor saúde mental, destacando o importante papel desses profissionais de saúde na recuperação de um aborto espontâneo. No entanto, outros profissionais de saúde (como os enfermeiros e os assistentes sociais) que podem estar envolvidos no cuidado de mulheres que sofreram um aborto espontâneo não foram considerados nesse estudo(1010 Rowlands I, Lee C. Adjustment after miscarriage: Predicting positive mental health trajectories among young Australian women. Psychol Health Med. 2010;15(1):
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). Em resumo, o complexo fenômeno psicológico do aborto espontâneo permanece pouco estudado, exceto com relação às reações de luto. Além disso, poucos pesquisadores examinaram a saúde mental das mulheres após o aborto espontâneo com relação às características pessoais e contextuais, e os resultados foram inconsistentes.

O objetivo deste estudo foi examinar os fatores pessoais e contextuais de risco e de proteção associados à saúde mental das mulheres após o aborto espontâneo. Os autores tiveram como objetivo investigar se a saúde mental de mulheres que sofreram aborto espontâneo variou em relação aos fatores de risco pessoais relacionados à idade, situação socioeconômica (renda e nível de escolaridade) e status de imigrante. Os autores também examinaram fatores de risco contextuais, como ausência de filhos, número de semanas de gestação, número de abortos espontâneos e tempo decorrido desde o aborto espontâneo, na saúde mental dessas mulheres. Finalmente, os autores examinaram a associação entre dois possíveis fatores de proteção, a qualidade do relacionamento conjugal e a satisfação com os cuidados em saúde, e a saúde mental das mulheres que sofreram um aborto espontâneo.

Método

Este estudo transversal foi realizado na província de Quebec, Canadá, onde ocorrem cerca de 20.000 abortos espontâneos para 86.000 nascidos vivos(1818 Girard C. Les naissances au Québec et dans les régions en 2018. Québec: Institut de la statistique du Québec; 2019.). Foi aprovado pelo conselho de ética em pesquisa da Université du Québec en Outaouais, sob o número 1799. Os anúncios foram publicados em clínicas médicas, nas mídias sociais e em vários sites, convidando mulheres que sofreram um aborto espontâneo nos últimos quatro anos a participar do estudo. Para serem elegíveis para participar do estudo, as mulheres deveriam: 1) ter 18 anos ou mais; 2) ter sofrido pelo menos um aborto espontâneo nos últimos quatro anos; e 3) saber ler em francês. Não houve critérios de exclusão. As participantes elegíveis foram convidadas a ler e assinar um formulário de consentimento e a responder a um questionário on-line em uma plataforma web segura. Um total de 231 mulheres responderam ao questionário de autoavaliação, que consistia em um conjunto de seis medidas que avaliam a saúde mental, as variáveis pessoais e contextuais, a qualidade da relação conjugal e a satisfação com os cuidados de saúde.

Saúde mental: Os sintomas depressivos foram avaliados usando a versão francesa da Escala de Depressão Pós-parto de Edimburgo(1919 Cox JL, Holden JM, Sagovsky R. Detection of postnatal depression. Development of the 10-item Edinburgh Postnatal Depression Scale. Br J Psychiatry. 1987;150:782-6.-2020 Guedeney N, Fermanian J. Validation study of the French version of the Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS): new results about use and psychometric properties. Eur Psychiatry. 1998;13(2):83-9. doi: 10.1007/bf00280883
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). As participantes indicaram em uma escala Likert de quatro pontos como se sentiram nos últimos sete dias (ex.: Tenho me sentido triste ou infeliz). Os dez itens foram somados para formar um escore global de depressão (α=0,88). Uma pontuação igual ou maior a dez foi usada como ponto de corte para uma possível depressão(1919 Cox JL, Holden JM, Sagovsky R. Detection of postnatal depression. Development of the 10-item Edinburgh Postnatal Depression Scale. Br J Psychiatry. 1987;150:782-6.). A ansiedade foi avaliada usando os vinte itens da subescala do estado de ansiedade oriunda da versão francesa do Inventário de Ansiedade Traço-Estado (State-Trait Anxiety Inventory, STAI-S)(2121 Gauthier J, Bouchard S. A French-Canadian adaptation of the revised version of Spielberger's State-Trait Anxiety Inventory. Can J Behav Sci. 1993;25(4):559-78. doi: 10.1037/h0078881
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-2222 Spielberger CD, editor. Manual for the State Trait Anxiety Inventory. Palo Alto: Consulting Psychologists Press; 1983.). As participantes indicaram, em uma escala Likert de quatro pontos, como se sentiam naquele momento (ex.: Sinto-me triste). Os escores invertidos foram recodificados e os itens foram somados para produzir um escore global de ansiedade (α=0,94). O luto perinatal foi medido usando a versão francesa da Escala de Luto Perinatal(2323 Potvin L, Lasker J, Toedter L. Measuring grief: A short version of the perinatal grief scale. J Psychopathol Behav Assess. 1989;11(1):29-45. doi: 10.1007/BF00962697
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-2424 de Tychey C, Dollander M. Présentation de l'Échelle de deuil de Potvin, Lasker et Toedter: utilité en clinique pré- et périnatale. Neuropsychiatr Enfance Adolesc. 2000;48(4):245-52.). As participantes indicaram, em uma escala Likert de cinco pontos, sua concordância com 33 afirmações relacionadas à perda do bebê (ex.: Fico triste quando penso no bebê). Os escores invertidos foram recodificados e os itens foram somados para produzir um escore global de luto perinatal (α=0,94).

Variáveis pessoais e contextuais: As participantes indicaram seu nível de escolaridade, renda familiar e status de imigrante. As respostas relacionadas à escolaridade foram agrupadas em três categorias, com base em diplomas ou níveis concluídos: ensino médio, curso (técnico/ profissionalizante ou pré-vestibular) e universidade. A renda familiar foi classificada como ≤ 49.999 dólares canadenses (CAD), 50.000-99.999 CAD, ou ≥ 100.000 CAD. O status de imigrante foi categorizado em dois grupos: Não imigrante (nascida no Canadá) e imigrante (outro país de origem). As participantes também indicaram a data do último aborto espontâneo, o número de abortos espontâneos anteriores, a idade no momento do último aborto espontâneo e a idade gestacional do feto. As duas últimas variáveis foram utilizadas como variáveis contínuas. O tempo decorrido desde o aborto espontâneo foi classificado em: nos últimos seis meses, entre sete e 12 meses, entre um ano e dois anos, e entre dois e quatro anos, ao passo que o número de abortos espontâneos foi classificado como 1, 2, ou 3 ou mais. Finalmente, as participantes indicaram se tinham filhos vivos dos quais eram mães biológicas (sim/não).

Qualidade do relacionamento conjugal: A qualidade do relacionamento conjugal foi mensurada usando quatro itens da versão francesa da Escala de Ajustamento Diádico (2525 Sabourin S, Valois P, Lussier Y. Development and validation of a brief version of the dyadic adjustment scale with a nonparametric item analysis model. Psychol Assess. 2005;17(1):15-27. doi: 10.1037/1040-3590.17.1.15
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-2626 Spanier GB. Measuring Dyadic Adjustment: New Scales for Assessing the Quality of Marriage and Similar Dyads. J Marriage Fam. 1976;38(1):15-28.). As participantes indicaram, em uma escala Likert de seis pontos, o grau geral de felicidade no relacionamento e com que frequência situações específicas relativas ao relacionamento geralmente aconteciam (ex.: No geral, com que frequência você avalia que as coisas entre você e seu parceiro estão indo bem?). A consistência interna foi satisfatória (α=0,81).

Satisfação com os cuidados em saúde: O nível de satisfação com os cuidados em saúde foi avaliado usando a Escala de Avaliação do Apoio Institucional(2727 Dubeau D, de Montigny F. Institutional Support Evaluation Scale. 2010.). As participantes indicaram, em uma escala Likert de quatro pontos, quão úteis foram 19 serviços de saúde diferentes recebidos durante o aborto espontâneo (enfermeiros, médico, ginecologista) ou depois (grupos de apoio). As participantes também poderiam indicar “não aplicável” se não tivessem recebido o serviço. As pontuações para cada serviço recebido foram calculadas para obter um escore de satisfação global (α=0,95).

As análises foram realizadas usando o SPSS v.22 (IBM). Não houve valores/dados omissos (missing values/data) para as variáveis relacionadas à saúde mental e qualidade do relacionamento conjugal.

Com relação ao nível de satisfação com os cuidados em saúde, às variáveis pessoais e às contextuais, valores omissos (missing data) por variável foram poucos (de 1 a 7 por variável - menos de 4%). Como esses dados também foram distribuídos aleatoriamente, eles não foram atribuídos, e a “exclusão listwise” foi usada para a análise principal(2828 Tabachnick BG, Fidell LS, Ullman JB. Using multivariate statistics. 7th ed. New York: Pearson; 2019.). Foi realizada estatística descritiva (média, desvio padrão, proporção) para caracterizar a amostra. Foram realizadas análises de variância unidirecionais (ANOVA one-way) para variáveis categóricas, e correlações para variáveis contínuas, a fim de examinar associações entre fatores pessoais e contextuais e a saúde mental das mulheres. Os testes post hoc de Tukey foram realizados quando as análises de variância indicaram uma diferença significativa, e quando a variável independente compreendeu mais de dois grupos (ex.: renda, escolaridade). Análises de regressão hierárquica foram realizadas para examinar a associação entre qualidade do relacionamento conjugal e o nível de satisfação com os cuidados em saúde e saúde mental, enquanto se controlavam fatores pessoais e contextuais. Na primeira etapa, foram inseridas na análise as variáveis contextuais e pessoais que foram significativamente associadas à saúde mental nas análises de variância e nas correlações. A qualidade do relacionamento conjugal foi inserida em uma segunda etapa, seguida pelo nível de satisfação com os serviços de saúde em uma terceira etapa. A análise de poder estatístico realizada com G*power(2929 Faul F, Erdfelder E, Lang A-G, Buchner A. G*Power 3: A flexible statistical power analysis program for the social, behavioral, and biomedical sciences. Behavior Research Methods. 2007;39(2):175-91. doi: 10.3758/BF03193146
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) indica que, para atingir um poder estatístico de 95%, com um tamanho médio de efeito e oito variáveis independentes (qualidade do relacionamento conjugal, nível de satisfação com os cuidados em saúde e até seis variáveis de controle), é necessária uma amostra de 160 participantes. Assim, a amostra deste estudo (n=231) fornece poder estatístico satisfatório. A Figura 1 ilustra as variáveis do estudo incluídas na análise.

Figura 1
Variáveis associadas à saúde mental das mulheres após um aborto espontâneo

Resultados

A Tabela 1 apresenta estatísticas descritivas para as variáveis do estudo. A idade das mulheres no momento do último aborto espontâneo variou de 19 a 43 anos, com uma maioria entre 25 e 35 anos (n=170, 74%). Uma minoria de participantes era imigrante ou apresentava baixo nível socioeconômico. Para metade das mulheres, o aborto espontâneo ocorreu há menos de um ano atrás, com o tempo decorrido desde o aborto espontâneo variando de um mês a quatro anos. A idade gestacional do feto no momento do aborto espontâneo variou de 3 a 20 semanas. O número de abortos espontâneos variou de 1 a 11, com a maioria das mulheres sofrendo um ou dois abortos espontâneos. Quase 40% das participantes não tinham filhos no momento do estudo. As mulheres não foram questionadas se estavam grávidas no momento da coleta de dados, o que poderia ser uma limitação para este estudo. Com relação à idade, renda e escolaridade, a amostra é representativa de mulheres na região(1818 Girard C. Les naissances au Québec et dans les régions en 2018. Québec: Institut de la statistique du Québec; 2019.).

Tabela 1
Estatísticas descritivas para as variáveis do estudo. Québec, Canadá, 2018

Com relação às variáveis de saúde mental, 125 (55%) mulheres apresentaram escores de depressão maior ou igual a 10, indicando possível depressão(1919 Cox JL, Holden JM, Sagovsky R. Detection of postnatal depression. Development of the 10-item Edinburgh Postnatal Depression Scale. Br J Psychiatry. 1987;150:782-6.), e 62 (27,1%) relataram altos escores de luto perinatal (>91)(3030 Toedter LJ, Lasker JN, Janssen HJEM. International comparison of studies using the perinatal grief scale: a decade of research on pregnancy loss. Death Studies. 2001;25(3):205-28. doi: 10.1080/07481180125971
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). O escore médio de ansiedade foi moderado, e 42 (18,3%) participantes relataram relacionamento conjugal de baixa qualidade (escore<14)(2525 Sabourin S, Valois P, Lussier Y. Development and validation of a brief version of the dyadic adjustment scale with a nonparametric item analysis model. Psychol Assess. 2005;17(1):15-27. doi: 10.1037/1040-3590.17.1.15
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). Por fim, em média, as participantes sentiram-se relativamente satisfeitas com os serviços de saúde (escore médio de 3,11/4,00).

A Tabela 2 apresenta os resultados das análises de variância unidirecionais que mostram as diferenças nos escores de saúde mental de acordo com características pessoais e contextuais. Primeiramente, os resultados indicaram que a saúde mental das mulheres variava de acordo com sua renda e seu nível de escolaridade. De fato, os testes post hoc revelaram que mulheres com renda familiar ≤ 49.999 dólares canadenses tinham escores mais altos de depressão, ansiedade e luto perinatal do que mulheres com renda familiar ≥ 50.000 dólares canadenses, ao passo que mulheres com diplomas do ensino médio obtiveram escores mais altos de luto perinatal do que as mulheres com diplomas universitários. As mulheres imigrantes também tiveram escores mais altos de depressão e luto perinatal do que as mulheres não imigrantes, enquanto que as mulheres sem filhos relataram significativamente mais sintomas de depressão, ansiedade e luto perinatal. Os níveis de depressão das mulheres diferiram de acordo com o tempo decorrido desde o aborto espontâneo. De fato, testes post hoc indicaram que mulheres que sofreram abortos nos últimos seis meses tiveram escores mais altos de depressão do que as mulheres que sofreram abortos entre sete e doze meses atrás. Não houve diferenças significativas nos escores de saúde mental com relação ao número de abortos espontâneos.

Tabela 2
Saúde mental das mulheres segundo variáveis pessoais e contextuais. Québec, Canadá, 2018

As análises de correlação (Tabela 3) indicaram que a idade no momento do aborto espontâneo e a idade gestacional do feto não foram significativamente associadas à depressão, à ansiedade ou ao luto perinatal. No entanto, a qualidade do relacionamento conjugal e a satisfação com os cuidados em saúde foram correlacionadas positivamente e de forma significativa com as três variáveis de saúde mental. Depressão, ansiedade e luto perinatal também foram correlacionados positivamente e de forma significativa.

Tabela 3
Correlações entre as variáveis do estudo (variáveis contínuas). Québec, Canadá, 2018

Por fim, foram realizadas regressões lineares hierárquicas para examinar a associação entre qualidade do relacionamento conjugal, satisfação com os cuidados em saúde e saúde mental, sob o controle das variáveis pessoais e contextuais. Uma vez que renda, nível de escolaridade, status de imigração, tempo decorrido desde o aborto espontâneo e ausência de filhos foram significativamente associados à depressão, ansiedade e luto perinatal, foram incluídos como covariáveis na primeira etapa da análise. Para incluir nível de escolaridade, renda e tempo decorrido desde o aborto espontâneo na análise de regressão, foram criadas variáveis dummy (renda: 0 = ≤ 49.999, 1 = ≥ 50.000; nível de escolaridade: 0 = ensino médio, 1 = faculdade ou universidade; tempo decorrido desde o aborto espontâneo: 0 = ≤ 6 meses; 1 = > 6 meses). Os resultados, apresentados na Tabela 4, indicaram que a renda foi associada negativamente a depressão, ansiedade e luto perinatal, enquanto que o tempo decorrido desde o aborto espontâneo foi negativamente associado a depressão e luto perinatal. A escolaridade também foi negativamente associada ao luto perinatal, enquanto a ausência de filhos foi positivamente associada à ansiedade e ao luto perinatal. Os resultados também indicaram que, mesmo após o controle dessas variáveis pessoais e contextuais, a qualidade do relacionamento conjugal explicava uma variação significativa na depressão, na ansiedade e no luto perinatal e estava associada negativamente, e de forma significativa, a essas três variáveis. Finalmente, mesmo após o controle de todas as variáveis mencionadas acima, o nível de satisfação com os cuidados em saúde contribuiu para a predição de depressão e luto perinatal e foi associada negativamente e de forma significativa a essas duas variáveis.

Tabela 4
Análise de regressão linear hierárquica para a associação entre qualidade do relacionamento conjugal, satisfação com os cuidados em saúde e saúde mental das mulheres, sob o controle de variáveis pessoais e contextuais. Québec, Canadá, 2018

Discussão

O principal objetivo deste estudo foi identificar variáveis pessoais e contextuais que podem representar fatores de risco para a saúde mental das mulheres após um aborto espontâneo. Também foi dada atenção específica a dois possíveis fatores de proteção: qualidade do relacionamento conjugal e satisfação com os cuidados em saúde. Os resultados mostraram um alto índice de depressão entre as mulheres no estudo. De fato, metade delas poderia ser classificada como possivelmente deprimidas. Essa proporção é muito superior à taxa de depressão pós-parto entre as mulheres canadenses em geral (8,69%)(3131 Lanes A, Kuk JL, Tamim H. Prevalence and characteristics of Postpartum Depression symptomatology among Canadian women: a cross-sectional study. BMC Public Health. 2011;11(1):302. doi: 10.1186/1471-2458-11-302
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).

Os resultados também indicaram que mulheres que sofreram abortos nos últimos seis meses obtiveram maiores escores de depressão do que as mulheres que haviam abortado de sete a doze meses atrás. Esses resultados são consistentes com estudos anteriores, indicando que a maioria das mulheres se recupera do aborto espontâneo em cerca de seis meses(3232 Lok IH, Yip AS, Lee DT, Sahota D, Chung TK. A 1-year longitudinal study of psychological morbidity after miscarriage. Fertil Steril. 2010;93(6):1966-75. doi: 10.1016/j.fertnstert.2008.12.048
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). No entanto, neste estudo, o nível de ansiedade e o luto perinatal não variaram de acordo com o tempo decorrido desde o aborto espontâneo. Esses resultados sugerem que, para algumas mulheres, os sintomas persistem por muito tempo após a perda. De fato, pode haver várias razões pelas quais os sintomas de angústia psicológica e a saúde mental variam ao longo do tempo, incluindo dificuldades para conceber outra criança e aniversários ou outras datas significativas associadas ao aborto espontâneo.

Nesse sentido, um estudo anterior(1212 Blackmore ER, Côté-Arsenault D, Tang W, Glover V, Evans J, Golding J, et al. Previous prenatal loss as a predictor of perinatal depression and anxiety. Br J Psychiatry. 2011;198(5):373-8. doi: 10.1192/bjp.bp.110.083105
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) constatou que a associação entre perda pré-natal e depressão e ansiedade não diferia significativamente ao longo do tempo e poderia persistir por até três anos. Estudo recente(66 de Montigny F, Verdon C, Meunier S, Dubeau D. Women's Persistent Depressive and Perinatal Grief Symptoms Following a Miscarriage: the Role of Childlessness and Satisfaction with Health Care Services. Arch Womens Ment Health. 2017;20(5):655-62. doi: 10.1007/s00737-017-0742-9
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) indicou que os sintomas depressivos e de luto persistem por mais tempo em mulheres sem filhos ou insatisfeitas com os serviços de saúde. Estudos futuros devem continuar nesse caminho e investigar outras variáveis moderadoras, como número de abortos espontâneos, idade, histórico de infertilidade e outras perdas anteriores, que possam lançar luz sobre as situações nas quais a depressão, o luto perinatal e a ansiedade serão provavelmente mais rapidamente superados após um aborto espontâneo.

Com relação às características pessoais e contextuais, nossos resultados sugerem que mulheres imigrantes, bem como mulheres com baixo nível socioeconômico e sem filhos, são particularmente vulneráveis a problemas de saúde mental após um aborto espontâneo. Esses resultados são consistentes com uma revisão anterior abrangente(3333 Klier CM, Geller PA, Ritsher JB. Affective disorders in the aftermath of miscarriage: A comprehensive review. Arch Womens Ment Health. 2002;5(4):129-49. doi: 10.1007/s00737-002-0146-2
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), que identificou a ausência de filhos como uma variável contextual importante que influencia a saúde mental das mulheres após um aborto espontâneo. No entanto, nossos resultados contradizem a constatação da revisão de que variáveis sociodemográficas não estão associadas à saúde mental após um aborto espontâneo. Esses resultados não significativos podem ser devidos ao fato de estudos anteriores terem utilizado amostras homogêneas, compostas por mulheres brancas, casadas e de classe média. Embora nossa amostra contenha apenas um pequeno número de imigrantes e mulheres com baixo nível socioeconômico, conseguimos identificar essas duas variáveis como influências significativas na saúde mental das mulheres.

Os resultados do nosso estudo são consistentes com um estudo anterior(3434 Lee C, Rowlands IJ. When mixed methods produce mixed results: integrating disparate findings about miscarriage and women's wellbeing. Br J Health Psychol. 2015;20(1):36-44. doi: 10.1111/bjhp.12121
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), o qual constatou uma associação positiva entre nível de escolaridade e saúde mental entre mulheres após um aborto espontâneo. No entanto, como nenhum grupo controle foi utilizado neste estudo, não foi possível isolar o efeito do aborto espontâneo na saúde mental dessas mulheres com relação à imigração ou ao nível socioeconômico. Além disso, não foram coletados dados sobre a saúde mental dessas mulheres antes do aborto espontâneo. Entretanto, é concebível que o aborto espontâneo tenha sido somado a outros estressores já associados a essas características pessoais(3535 Caserta D, Ralli E, Matteucci E, Bordi G, Soave I, Marci R, et al. The Influence of Socio-Demographic Factors on Miscarriage Incidence Among Italian and Immigrant Women: A Critical Analysis from Italy. J Immig Minor Health. 2015;17(3):843-51. doi: 10.1007/s10903-014-0005-z
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). Como essas mulheres podem ter menos recursos para lidar com fatores estressantes(3636 Calderon-Margalit R, Sherman D, Manor O, Kurzweil Y. Adverse Perinatal Outcomes among Immigrant Women from Ethiopia in Israel. Birth. 2015;42(2):125-31. doi: 10.1111/birt.12163
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), elas constituem uma população vulnerável, particularmente com risco de desenvolver problemas de saúde mental após um aborto espontâneo e, sem dúvidas, é necessário entender suas necessidades e fornecer serviços relevantes. Para esclarecer essas associações, estudos futuros devem ser realizados com um número maior de mulheres imigrantes e baixo nível socioeconômico, juntamente com um grupo controle de mulheres com as mesmas características e que não sofreram abortos.

A saúde mental das mulheres não diferiu de acordo com o número de abortos espontâneos. Os resultados relativos à associação entre histórico de aborto espontâneo e saúde mental têm sido inconsistentes(33 de Montigny F, Verdon C, McGrath K. Death, Grief and Culture: Perinatal Death in Canada. In: Cacciatore J, DeFrain J, editors. The World of Bereavement: Cultural Perspectives on Death in Families. New York: Springer; 2015. p. 179-208.). As variáveis moderadoras provavelmente poderiam explicar sob quais circunstâncias o número de abortos espontâneos pode influenciar a saúde mental. Por exemplo, ter experimentado perda de gravidez anterior (incluindo um aborto espontâneo) foi associado a problemas de saúde mental durante uma gravidez posterior, mas não no período pós-parto após o nascimento de uma criança viva(3737 Chojenta C, Harris S, Reilly N, Forder P, Austin MP, Loxton D. History of pregnancy loss increases the risk of mental health problems in subsequent pregnancies but not in the postpartum. PLoS One. 2014;9(4):e95038. doi: 10.1371/journal.pone.0095038
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). Assim, a presença de outra criança parece moderar a associação entre perda anterior e saúde mental.

Os resultados da regressão linear hierárquica indicaram que, mesmo após controlar as variáveis de nível socioeconômico, status de imigração e ausência de filhos, a qualidade do relacionamento conjugal explicava, de modo significativo, a variação na depressão, ansiedade e luto perinatal, e estava associada negativamente a essas três variáveis. Assim, as mulheres que sofreram abortos e estavam satisfeitas com seus relacionamentos apresentaram melhor saúde mental. No entanto, essa associação também pode ser bidirecional, de modo que a saúde mental, por sua vez, pode influenciar a qualidade do relacionamento conjugal. De fato, além dessas repercussões na saúde mental das mulheres, o aborto espontâneo também pode afetar o relacionamento conjugal.

Estudos observaram uma diminuição na satisfação com o relacionamento após uma morte perinatal, que pode até levar à separação ou ao divórcio(3838 Tseng YF, Cheng HR, Chen YP, Yang SF, Cheng PT. Grief reactions of couples to perinatal loss: A one-year prospective follow-up. J Clin Nurs. 2017;26(23-24):
https://doi.org/10.1111/jocn.14059...
-3939 Hutti MH, Armstrong DS, Myers JA, Hall LA. Grief Intensity, Psychological Well-Being, and the Intimate Partner Relationship in the Subsequent Pregnancy after a Perinatal Loss. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2015;44(1):42-50. doi: 10.1111/1552-6909.12539
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). O medo de outra perda, a ansiedade das mães e as diferenças nas reações dos dois cônjuges foram identificados(3838 Tseng YF, Cheng HR, Chen YP, Yang SF, Cheng PT. Grief reactions of couples to perinatal loss: A one-year prospective follow-up. J Clin Nurs. 2017;26(23-24):
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) como elementos que contribuem para dificuldades conjugais(4040 Zubatsky M, Heiden-Rootes K, Meyer D, Hiefner A. The Impact of Miscarriage on the Quality of the Couple Relationship. Saint Louis University; 2018.). Infelizmente, a natureza transversal deste estudo nos impediu testar essa hipótese. Estudos futuros, utilizando um formato longitudinal, poderiam examinar a natureza bidirecional da relação entre a qualidade do relacionamento conjugal e a saúde mental, de modo a determinar qual fator tem maior probabilidade de prever o outro. Estudos anteriores indicaram que pessoas que estavam insatisfeitas com seus casamentos, em comparação com aquelas que estavam satisfeitas com seus relacionamentos, tinham 2,68 vezes mais chances de desenvolver transtorno depressivo maior (TDM)(4141 Whisman MA, Bruce ML. Marital Dissatisfaction and Incidence of Major Depressive Episode in a Community Sample. J Abnorm Psychol. 1999;108(4):674-8. doi: 10.1037/0021-843X.108.4.674
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), ao passo que nossa amostra estava 3,34 vezes mais em risco.

Além disso, mesmo após o controle de variáveis sociodemográficas, ausência de filhos e qualidade do relacionamento conjugal, o nível de satisfação com os cuidados em saúde somava-se à previsão de depressão e luto perinatal. Como muitas mulheres relataram baixos níveis de satisfação com os serviços de saúde após o aborto espontâneo(55 Larivière-Bastien D, de Montigny F, Verdon C. Women's Experiences of Miscarriage in the Emergency Department. J Emerg Nurs. 2019;45(6):670-6. doi: 10.1016/j.jen.2019.06.008
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-66 de Montigny F, Verdon C, Meunier S, Dubeau D. Women's Persistent Depressive and Perinatal Grief Symptoms Following a Miscarriage: the Role of Childlessness and Satisfaction with Health Care Services. Arch Womens Ment Health. 2017;20(5):655-62. doi: 10.1007/s00737-017-0742-9
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,1717 Meaney S, Corcoran P, Spillane N, Donoghue K. Experience of miscarriage: an interpretative phenomenological analysis. BMJ Open. 2017;7(3):e011382. doi: 10.1136/bmjopen-2016-011382
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,4242 Radford EJ, Hughes M. Women's experiences of early miscarriage: Implications for nursing care. J Clin Nurs. 2015;24(11-12):1457-65. doi: 10.1111/jocn.12781
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), esses resultados destacam a importância de se prestar atenção especial à qualidade dos serviços prestados às mulheres antes, durante e após um aborto espontâneo. Estudos qualitativos que analisaram a experiência das mulheres em abortos espontâneos observaram que a compaixão e a empatia dos profissionais de saúde, o fornecimento de informações precisas (causa da perda, sintomas físicos e emocionais), o envolvimento nas decisões de tratamento e o apoio social dos enfermeiros, foram identificados como fatores particularmente positivos(4242 Radford EJ, Hughes M. Women's experiences of early miscarriage: Implications for nursing care. J Clin Nurs. 2015;24(11-12):1457-65. doi: 10.1111/jocn.12781
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). Essas recomendações devem ser atendidas na prestação de serviços de saúde para mulheres que sofreram abortos.

Finalmente, nossos resultados assinalaram que as três variáveis de saúde mental estavam fortemente correlacionadas entre si, indicando um alto risco de comorbidade entre mulheres que sofreram abortos espontâneos. No entanto, variáveis pessoais e contextuais estavam associadas a essas três variáveis de maneiras diferentes. Por exemplo, na análise de regressão hierárquica, a ausência de filhos foi mais fortemente associada ao luto perinatal do que à depressão e à ansiedade, sob o controle de outros fatores sociodemográficos. Isso destaca a importância de examinar vários indicadores de saúde mental no estudo dos abortos espontâneos. Como observado anteriormente(3434 Lee C, Rowlands IJ. When mixed methods produce mixed results: integrating disparate findings about miscarriage and women's wellbeing. Br J Health Psychol. 2015;20(1):36-44. doi: 10.1111/bjhp.12121
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), o fato de algumas mulheres não apresentarem sintomas de ansiedade e depressão após um aborto espontâneo, não significa que não estejam lidando com emoções difíceis e tentando encontrar significado em suas experiências.

Uma limitação deste estudo é o delineamento transversal, o que não nos permite discorrer sobre a direção da associação entre as variáveis do estudo. Por exemplo, é possível que mulheres com problemas de saúde mental tenham avaliado mais negativamente os serviços de saúde que receberam. Além disso, como nenhum grupo controle foi usado, não foi possível isolar a influência do aborto espontâneo de outros fatores de risco para a saúde mental das mulheres; assim, os resultados deste estudo devem ser interpretados com cautela. No entanto, os resultados indicam escores preocupantes de depressão, ansiedade e luto perinatal nessa amostra de mulheres que sofreram aborto espontâneo nos últimos quatro anos. Por fim, os históricos prévios de problemas de saúde mental das mulheres, identificados como fatores que intensificam o luto perinatal(66 de Montigny F, Verdon C, Meunier S, Dubeau D. Women's Persistent Depressive and Perinatal Grief Symptoms Following a Miscarriage: the Role of Childlessness and Satisfaction with Health Care Services. Arch Womens Ment Health. 2017;20(5):655-62. doi: 10.1007/s00737-017-0742-9
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,1111 Huffman CS, Schwartz TA, Swanson KM. Couples and Miscarriage: The Influence of Gender and Reproductive Factors on the Impact of Miscarriage. Womens Health Issues. 2015;25(5):570-8. doi: 10.1016/j.whi.2015.04.005
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), e o uso de medicamentos ou psicoterapia para depressão ou ansiedade, não foram mensurados neste estudo, e podem explicar parte da variação na depressão, na ansiedade e no luto perinatal.

Os enfermeiros devem prestar atenção especial às mulheres imigrantes após um aborto espontâneo, em termos de monitoramento de problemas de saúde mental (ex.: depressão, tristeza, ansiedade) e, mais ainda, se não tiverem outros filhos ou estiverem vivendo em circunstâncias econômicas precárias. Órgãos reguladores precisam abordar essas questões; por exemplo, propondo e apoiando a implementação de orientações práticas nos serviços de saúde.

Conclusão

Este estudo contribui para a escassa literatura sobre a temática, focando nos fatores de risco e de proteção da saúde mental das mulheres após um aborto espontâneo. Os resultados indicam que os sintomas de ansiedade, depressão e luto perinatal podem persistir por um longo período após a perda. Além disso, deve ser dada mais atenção às mulheres em situações vulneráveis, como imigrantes, mulheres com baixo nível socioeconômico ou mulheres sem filhos. Além desses fatores pessoais e contextuais, a qualidade do relacionamento conjugal e a satisfação com os cuidados em saúde parecem ser importantes fatores de proteção contra problemas de saúde mental após um aborto espontâneo.

  • *
    Apoio Financeiro da Fonds Québécois de Recherche en Santé, 26811, Canadá.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer Emmanuelle Dennie Fillion, Pascale de Montigny Gauthier e Jici Lord Gauthier pelo apoio na coleta de dados. Também queremos agradecer às mães participantes pela generosidade de seu tempo, em um período tão complexo de sua vida.

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Editado por

Editora Associada: Andrea Bernardes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2019
  • Aceito
    01 Maio 2020
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