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O significado da interação das profissionais de enfermagem com o recém-nascido/família durante a hospitalização

Resumos

Este estudo teve por objetivos compreender o significado da comunicação da equipe de enfermagem com o recém-nascido/família na assistência prestada em unidade neonatal, e desenvolver um modelo teórico. Utilizou-se o Interacionismo Simbólico e o modelo de Hargie como referenciais teóricos e a Teoria Fundamentada nos Dados como referencial metodológico. O estudo foi conduzido em berçário de um hospital do município de São Paulo. A amostra foi constituída por três enfermeiras e quatro auxiliares de enfermagem. Os resultados possibilitaram obter o modelo teórico sendo mediada pela força da motivação, que revelou a atuação da motivação das profissionais de enfermagem na interação com o recém-nascido e família. Concluiu-se, também, que as interações com o recém-nascido e a família como essência mais humanizada são decorrentes da motivação que as profissionais de enfermagem apresentam.

comunicação; recém-nascido; motivação; enfermagem


This study aimed to understand the meaning of the nursing team's communication with newborns and families during care delivered in a neonatal unit and also to develop a theoretical model. Symbolic Interactionism and Hargie's model were used as theoretical and Grounded theory as the methodological reference framework. The study was carried out at the nursery of a hospital in São Paulo, SP, Brazil. The study sample was composed of three nurses and four nursing auxiliaries. The theoretical model Being mediated by the strength of motivation was based on findings and revealed the role the nursing professionals' motivation played during interactions with newborns and families. The conclusion is that more humanized interactions with newborns and families result from the nursing professionals' motivation.

communication; newborn; motivation; nursing


Este estudio tuvo por objetivos comprender el significado de la comunicación del equipo de enfermería con el recién nacido/familia en la asistencia prestada en una unidad neonatal, y desarrollar un modelo teórico. Se utilizó el Interaccionismo Simbólico y el modelo de Hargie como marcos teóricos y la Teoría Fundamentada en los Datos como referencia metodológica. El estudio fue conducido en la sala cuna de un hospital del municipio de San Pablo. La muestra fue constituida por tres enfermeras y cuatro auxiliares de enfermería. Los resultados posibilitaron obtener el modelo teórico siendo intermediada por la fuerza de la motivación, que reveló la actuación de la motivación de las profesionales de enfermería en la interacción con el recién nacido y la familia. También, se concluyó que las interacciones con el recién nacido y la familia como esencia más humanizada son provenientes de la motivación que las profesionales de enfermería presentan.

comunicación; recién nacido; motivación; enfermería


ARTIGO ORIGINAL

IProfessor Adjunto da Universidade Federal de São Paulo, Brasil, e-mail: elianapinheiro@hotmail.com, circea@denf.epm.br

IIProfessor Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil, e-mail: juliaps@usp.br, angelm@usp.br

RESUMO

Este estudo teve por objetivos compreender o significado da comunicação da equipe de enfermagem com o recém-nascido/família na assistência prestada em unidade neonatal, e desenvolver um modelo teórico. Utilizou-se o Interacionismo Simbólico e o modelo de Hargie como referenciais teóricos e a Teoria Fundamentada nos Dados como referencial metodológico. O estudo foi conduzido em berçário de um hospital do município de São Paulo. A amostra foi constituída por três enfermeiras e quatro auxiliares de enfermagem. Os resultados possibilitaram obter o modelo teórico sendo mediada pela força da motivação, que revelou a atuação da motivação das profissionais de enfermagem na interação com o recém-nascido e família. Concluiu-se, também, que as interações com o recém-nascido e a família como essência mais humanizada são decorrentes da motivação que as profissionais de enfermagem apresentam.

Descritores: comunicação; recém-nascido; motivação; enfermagem

INTRODUÇÃO

O cuidado de enfermagem neonatológica é processo interacional de três vias: envolve as interações profissional/recém-nascido, profissional/família e profissional/ bebê e família(1-2).

Considerando-se que os recém-nascidos não verbalizam, os seus sinais não-verbais precisam ser decodificados pelos profissionais de enfermagem, para que identifiquem e interpretem os sinais que podem ser decorrentes de dor ou de outras alterações do estado de saúde da criança, a fim de que providências de cuidado possam ser tomadas e compartilhadas com seus familiares. Por outro lado, no desempenho dos cuidados com o recém-nascido, os profissionais de enfermagem podem ser facilitadores da interação do bebê com a família. Desse modo, a apreensão dos estados comportamentais da criança pelos profissionais e o conhecimento de suas peculiaridades podem ser transmitidos à família com o objetivo de ajudá-la a interagir com o bebê, possibilitando o desenvolvimento de seu novo papel e o vínculo afetivo entre ambos.

Pesquisas têm demonstrado que a vivência do processo de hospitalização do bebê é experiência estressante para os pais e que a separação do seu filho é muito difícil(3-4).

A comunicação interpessoal é o componente-chave dos profissionais de enfermagem para gerarem apoio à família e torná-la sua parceira nos cuidados dispensados ao bebê, pois, dependendo do modo como estabelecem essas interações, é possível ajudá-la a entender a realidade que a envolve nesse novo momento do ciclo familiar.

Estudo identificou que as enfermeiras, caracterizadas como facilitadoras das habilidades das mães, estabeleceram interações em nível pessoal e amigável, já aquelas que conduziram suas conversas com as mães de modo superficial e curto limitaram a participação das mesmas no diálogo, inibindo a verbalização de suas necessidades e preocupações(5).

Mesmo as melhores enfermeiras que atuam em unidades neonatais podem ter dificuldade para mostrar o lado mais humano da enfermagem, que é partilhar os cuidados dispensados ao recém-nascido com a família, oferecendo-lhe apoio e colocando as necessidades de seus membros acima das suas(6).

Observou-se, na prática, que as profissionais de enfermagem cuidam dos recém-nascidos respaldadas em rotinas rígidas e que a família nem sempre está incluída no planejamento da assistência. No panorama das relações interpessoais das profissionais de enfermagem, percebe-se que a comunicação das enfermeiras e das auxiliares de enfermagem é utilizada como habilidade pouco conhecida, desenvolvida apenas à luz do contexto sociocultural ao qual elas pertencem como indivíduos.

Reconhecendo a importância da interação dos profissionais de enfermagem para o cuidado ao recém-nascido e família, no transcorrer do processo de hospitalização, e da habilidade de comunicação interpessoal ser instrumento pouco desenvolvido em nosso meio, emergiram as perguntas: como é a experiência das enfermeiras e das auxiliares de enfermagem na interação com os recém-nascidos e família durante a vivência do processo de hospitalização? Quais elementos da comunicação são utilizados pelas profissionais de enfermagem para atender às demandas do bebê, da família e para respaldar o vínculo afetivo entre eles?

Partindo desses questionamentos, esta pesquisa teve por objetivos compreender o significado da comunicação da equipe de enfermagem na interação com o recém-nascido/família na assistência prestada em unidade neonatal e desenvolver modelo teórico representativo dessa experiência.

MÉTODO

Os referenciais teóricos do estudo foram o Interacionismo Simbólico (IS)(7), uma perspectiva de análise das experiências humanas que tem como foco de estudo a natureza da interação que a pessoa mantém consigo e com outros e o modelo de comunicação interpessoal de Hargie(8). Os componentes desse,modelo: os objetivos que as pessoas querem alcançar, a motivação para atigirem seus objetivos, os processos afetivos e cognitivos que influenciam o processamento da informação, o feedback disponível e sua percepção nas interações, os fatores pessoais e contextuais da comunicação e as respostas sociais que as pessoas apresentam nas interações, juntamente com as premissas e os conceitos do IS permitiram captar os aspectos intersubjetivos da experiência, possibilitando a compreensão do significado atribuído pelas profissionais de enfermagem à comunicação com o recém-nascido/família.

O referencial metodológico que orientou a coleta e a análise dos dados foi a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), que visa descrever conceitos que emergem dos dados e interpreta a relação entre esses, possibilitando a construção de modelos teóricos(9). Antes do início da coleta de dados, foi obtida autorização do Comitê de Ética em Pesquisa, tendo por diretriz os critérios éticos da investigação junto a seres humanos, de acordo com a Resolução 196/96.

Os dados foram coletados no berçário de um hospital público de São Paulo, com capacidade para 32 leitos que, muitas vezes, é ultrapassada devido à demanda da população. Os pais podem permanecer na unidade das 7 às 19h. A equipe de enfermagem é composta por seis enfermeiras e 26 auxiliares de enfermagem.

Participaram do estudo três enfermeiras e quatro auxiliares de enfermagem dos três turnos. Das enfermeiras, duas eram especialistas, sendo uma em administração hospitalar e outra em saúde pública. As enfermeiras trabalhavam no berçário há mais de sete anos e as auxiliares há mais de dois anos.

Esse número de participantes foi determinado pelo processo de amostragem teórica, ou seja, conforme se realizava a análise e essa suscitava reflexões, buscava-se novos dados, os quais permitiram que as categorias fossem desenvolvidas e densificadas. Assim foram constituídos três grupos amostrais. O primeiro foi constituído pelas sete profissionais e permitiu desenvolver as categorias iniciais que direcionaram a coleta de novos dados e a formação de novos grupos para responder alguns questionamentos surgidos na análise dos dados iniciais; no segundo o objetivo foi densificar as categorias iniciais, constituído por três profissionais; o terceiro grupo, composto por duas profissionais, permitiu validar o modelo teórico proposto.

A coleta de dados foi realizada de outubro de 2001 a novembro de 2002, por uma das pesquisadoras, tendo como estratégias: - observação participante, - filmagem por meio de câmeras fixadas nas paredes da unidade, procedimentos que ocorreram simultaneamente e objetivaram apreender como se davam as interações entre as profissionais, a criança e a família, durante o banho, a troca de fraldas, a alimentação dos bebês e no horário de visitas de outros familiares(10) e - entrevista semi-estruturada com as profissionais, gravadas e transcritas na íntegra e conduzidas a partir da questão norteadora: o que significa para você a comunicação com o recém-nascido e a família?

Os dados foram analisados simultaneamente à coleta dos mesmos, conforme preconiza a TFD, e seguiu as seguintes etapas: codificação aberta, categorização, codificação teórica, identificação e compreensão da categoria central e proposição do modelo teórico(11).

RESULTADOS

A análise dos dados permitiu a construção do modelo teórico sendo mediada pela força da motivação (Figura 1), que representa o significado da experiência de comunicação das enfermeiras e auxiliares de enfermagem com o recém-nascido e família no hospital.


A compreensão dessa experiência foi conceitualizada e descrita em categorias estruturadas em torno de elementos motivacionais, mobilizadores, facilitadores, definidores e contextuais e, a categoria central, querendo formar um vínculo com o recém-nascido e a família, configura-se, também, como um dos elementos motivacionais.

Os elementos motivacionais refletem a influência da motivação das profissionais para estabelecer a comunicação da equipe de enfermagem com o recém-nascido e a família. A motivação constitui-se na força que mobiliza as profissionais para manifestarem ações específicas nas interações com a criança e sua família no cotidiano dos cuidados prestados.

As profissionais se sentem motivadas para se comunicar com o recém-nascido, porque gostam de lhe prestar cuidados e porque reconhecem a sua dependência física e emocional. Para se comunicar com a família, a motivação das profissionais, também, é o recém-nascido. O bebê conduz as enfermeiras e auxiliares à motivação para desejarem estabelecer vínculo com ele e sua família, no início das interações que vivenciam entre si - querendo formar um vínculo com o recém-nascido e a família.

Eu gosto do que faço! Não é pelo dinheiro, é por amor em primeiro lugar... .Você vê que o bebê precisa daquilo. Nesta fase o recém-nascido precisa não só da mãe, de todos, precisa de carinho, dos cuidados (entrevista com auxiliar de enfermagem - EA).

Para formarem o vínculo, as profissionais se utilizam de meios para interagir com o bebê e seus pais. Desse modo, transmitem amor à criança nas interações vivenciadas e dão atenção à família em suas necessidades, pois entendem que possuem esse compromisso porque o recém-nascido está sob seus cuidados.

Ao se correlacionarem, as respostas obtidas nas interações vivenciadas com o recém-nascido e a família a seus processos cognitivos e emocionais, as profissionais confirmam a satisfação de suas próprias necessidades que emergiram da motivação sentindo-se satisfeita ao interagir com o recém-nascido e a família e, assim, satisfazem suas necessidades sociais, de estima e auto-realização, pelo modo que desempenham os cuidados com a criança e a família, no decorrer das interações que estabelecem durante a hospitalização do bebê.

Fiquei satisfeita ao auxiliar a mãe a amamentar o seu filho porque ela ficou contente ao ver que o bebê pegou o peito e ficou mamando o tempo todo (entrevista com enfermeira - EE).

No processo da comunicação, as profissionais percebem as próprias informações em relação à satisfação de suas necessidades, que emergiram do desempenho nas interações com o recém-nascido e a família. Assim, notam e julgam que formaram vínculo caracterizado pelo apego ao bebê e de amizade pela família - formando um vínculo com o recém-nascido e a família.

Baseadas na força da motivação de desejarem formar vínculo com o recém-nascido e a família, as profissionais iniciam as interações. Os elementos mobilizadores da experiência representam as categorias que descrevem as ações que caracterizam o início da comunicação das profissionais com os recém-nascidos e suas famílias. Esses elementos são apresentados em torno da meta traçada pelas profissionais para interagirem com o bebê, de suas percepções e reflexões que resultam nas decodificações das reações da criança e das ações e reações da família.

Mobilizando-se para comunicar-se com o recém-nascido e a família descreve o movimento de aproximação das profissionais com a família e o recém-nascido que, ao iniciarem a interação com o mesmo por meio dos cuidados, estabelecem uma meta. Pela motivação, as enfermeiras e auxiliares manifestam ações, direcionando-as à meta de ocupar o lugar da mãe do bebê. Ao definirem essa meta para interagirem com o recém-nascido, as profissionais estabelecem estratégias para se aproximarem do bebê, porque sabem que a criança está sem a família e apresenta limitações para se expressar; e, ao interagirem com o recém-nascido na situação, colocam-se no lugar de sua mãe e cuidam do bebê transmitindo-lhe amor e carinho.

Tem que passar muito amor na hora de estar dando um banho, na hora que está trocando, se tem um tempo, brincar, porque a mãe não está ali direto com ele. Então, eu acho que sou mãe, sou avó, sou tudo! A gente está no lugar da mãe no dia-a-dia... (EA).

Ao ocuparem o lugar da mãe do bebê, as profissionais comunicam-se com a criança interpretando-a nas várias interações e atribuem significados às reações da criança e, desse modo, formam suas impressões sobre ela. Interpretar o bebê é o resultado de um conjunto de percepções das profissionais que resulta de suas experiências maternas e profissionais.

A capacidade de percepção do recém-nascido, também, é notada pelas profissionais por sua expressão corporal, pois percebem que o bebê sabe distingui-las de sua mãe e sabem diferenciar quem o pega ao colo, com amor e carinho, de quem está interagindo sem afetividade.

Ele sabe quando sou eu que estou cuidando. Acho que ele fala, essa é minha avó, essa outra é minha tia, essa outra agora que chegou é minha mãe. Acho que ele deve saber, porque fica dengoso assim, aquela coisa, meloso, fazendo coisinha (EA).

Motivadas pelo recém-nascido, a equipe de enfermagem mobiliza-se para interagir com a família, como forma de resposta às atitudes apresentadas pelas mães no primeiro contato, ou ao chegarem à unidade para visitar o bebê. Quando percebem as mães distantes no primeiro contato ou ao observarem que elas não as cumprimentam ao entrar na unidade, as profissionais abordam as mães, cumprimentam-nas e perguntam-lhes como estão, quais são seus nomes e de seus filhos. Ao interagirem com a família, as profissionais identificam como ela é, atribuem significados às suas ações e reações e formam suas impressões sobre os pais.

As mães, por mais distante que estejam no primeiro contato, eu as cumprimento. Oi, mãe? Tudo bem? Como é sue nome? Importante isso também! Qual é o nome de seu filho? Não é o recém-nascido de fulana de tal (EE).

As profissionais percebem que o relacionamento das enfermeiras e auxiliares influencia o estado emocional, os sentimentos e a segurança da família, e a aceitação da mesma sobre o cuidado prestado ao bebê.

Pela meta estabelecida de ocupar o lugar da mãe do bebê, as profissionais empregam algumas estratégias para facilitar a interação com o recém-nascido e a família. Assim, os elementos facilitadores da experiência caracterizam o uso de algumas habilidades pessoais das profissionais para interagirem com o recém-nascido e a família. Essas habilidades constituem-se em estratégias empregadas pela equipe de enfermagem para facilitar a comunicação com o bebê no decorrer das interações que vivenciam e que, por conseqüência, as auxilia também a se comunicarem com a família.

Para se comunicarem com o bebê, ocupando o lugar de sua mãe, as profissionais consideram que empregam seus recursos internos - tendo que ter habilidades para interagir com o recém-nascido e a família. O uso das habilidades das profissionais representadas pela percepção, sensibilidade e intuição constitui-se em algumas estratégias que servem para auxiliá-las a apreender as informações transmitidas pela criança, no curso das interações vivenciadas. Pelo uso de seus recursos internos, como a cognição e a emoção, elas transformam e elaboram essas informações para gerar suas respostas em direção à meta que se propuseram para interagir com o bebê. Conseqüentemente, isso favorece a comunicação com a família, porque as profissionais mobilizam-se para aproximarem a mãe de seu filho, a fim de favorecer a recuperação da saúde do bebê.

Falei para mãe que o seu filho estava sentindo-se abandonado, porque ela não vinha vê-lo. Aí, disse-lhe para explicar para o bebê que ela estava trabalhando e que viria visitá-lo com mais freqüência. A mãe está fazendo isso, e a criança já está melhorando. O importante para a mãe é a comunicação do que eu sinto para ela poder agir com seu filho, porque os bebês têm uma percepção muito grande (EA).

Persistindo na motivação de desejarem formar um vínculo com o recém-nascido e a família, as profissionais definem e explicam suas ações. Os elementos definidores da experiência envolvem as categorias que representam as interpretações das interações que as profissionais vivenciam com o recém-nascido e família, durante os cuidados de enfermagem - comunicando-se e cuidando do recém-nascido e a família. Esses elementos são apresentados por alguns comportamentos verbais e não-verbais das profissionais, que se manifestam na interação com os bebês e seus familiares, e na meta que definiram para interagir com a família.

A manifestação desses comportamentos transcende o uso das técnicas que visam o atendimento das necessidades físicas e da recuperação da saúde do bebê. Ações como acalmar o recém-nascido, falar com ele, explicar-lhe os cuidados e elogiá-lo representam o modo pelos quais as profissionais se comunicam com a criança de maneira mais humanizada.

Auxiliar de enfermagem pega o recém-nascido de cima do trocador, leva-o ao colo, toca-lhe o queixo delicadamente e fala para a criança: você gosta de um carinho, né, seu danadinho! (Filmagem-F).

Mediante a necessidade de as profissionais dispensar atenção aos familiares, porque a criança está sob seus cuidados, elas definem a meta de suprir as necessidades da família, que é determinada pelas suas motivações de desejarem formar vínculo com o bebê e a família. Essa meta as mobiliza para auxiliarem a família em suas necessidades de cuidar do filho, de compreender e vivenciar o processo de hospitalização do recém-nascido. Procurando alcançá-la, estabelecem estratégias para interagirem com os pais quanto aos vários aspectos que envolvem o processo de hospitalização da criança, buscando mantê-los mais próximos.

Nesse sentido, comunicam-se com a mãe, manifestando comportamentos verbais e não-verbais dando-lhes explicações, elogiam-nas enquanto pessoa, abraçam-nas para suprir as suas necessidades emocionais, transmitindo-lhes carinho e comunicando-se com a mãe de diferentes maneiras, conforme a percebem e formam suas impressões sobre ela.

Auxiliar de enfermagem entra na unidade, toca a mãe e fala: está bonita hoje! Veio de batonzinho e cabelinho penteado, e tudo, né! (Nota de observação-NO).

Embora a motivação seja elemento que mobiliza as profissionais para interagirem com o recém-nascido e a família, em alguns momentos, a mesma é inibida devido às demandas da assistência. Os elementos contextuais da experiência representam as dificuldades e a influência de certos fatores na comunicação das profissionais com o recém-nascido e a família. Ao se mobilizarem para o desempenho das tarefas em direção às metas a que se propuseram para interagir com o recém-nascido e família, as profissionais sofrem a influência de alguns fatores como as diferentes rotinas de cuidados com a criança, existentes nos diferentes plantões, a sobrecarga de trabalho e os ruídos presentes na unidade neonatal.

Ao processarem suas próprias informações na interação com o recém-nascido e a família e ao transformá-las e elaborá-las por meio de seus processos cognitivos e emocionais, as profissionais notam que suas motivações são inibidas - tendo a comunicação com o recém-nascido e a família a influência da demanda da assistência. Nessa circunstância, deixam de se relacionar com o recém-nascido, com o qual estabeleceram vínculo de apego, para interagirem com ele, apenas no que diz respeito ao atendimento de suas necessidades físicas.

Pareceu-me que, pela manhã, as profissionais interagem com o bebê, prestando cuidados que visam uso de técnicas. Percebi que nos plantões da tarde e da noite, essas interações com a criança parecem ser mais carinhosas e atenciosas (NO e F).

Dificuldades para conversar com os pais sobre o bebê, deixar de cumprimentá-los e dar ou não atenção à criança representam algumas maneiras de as profissionais interagirem com o bebê e a família quando são influenciadas pelas demandas da assistência.

DISCUSSÃO

O modelo teórico sendo mediada pela força da motivação revela que a comunicação das enfermeiras e auxiliares de enfermagem com o recém-nascido e a família transcende o caráter técnico. Nessas interações, as profissionais de enfermagem manifestam ações de cuidar, que têm a finalidade de assisti-los, de maneira mais humanizada.

As evidências teóricas desse modelo permitiram compreender que a maneira como estabelecem essas interações são decorrentes da motivação das enfermeiras e auxiliares de enfermagem para se comunicarem com o recém-nascido e a família, durante o processo de hospitalização, uma vez que a motivação é a força que as conduz para que desenvolvam ações de cuidar centradas na pessoa do recém-nascido e na família.

A motivação humana é responsável pela intensidade e a qualidade do esforço que o indivíduo despende quando caminha em direção a seus objetivos(12-13). Nesse sentido, a intensidade e a qualidade do esforço das profissionais de enfermagem na interação com o recém-nascido e a família refletem-se na qualidade das interações que elas estabelecem. Desse modo, proporcionam aos recém-nascidos estímulos mais apropriados para seu desenvolvimento, mobilizam-se para utilizarem diferentes maneiras de se comunicarem com a mãe e transmitirem-lhe carinho e, também, levam-nas a usar suas habilidades pessoais, como estratégia para favorecer a aproximação da família com seu filho e promover a recuperação de sua saúde. Tal achado é concordante com a literatura, segundo a qual aquilo que as pessoas comunicam é determinado pela percepção que elas têm de si mesmas e do outro na situação e, também, pela percepção dos aspectos de sua motivação(14).

Em decorrência da inter-relação existente entre motivação, percepção e comunicação, as profissionais de enfermagem se apropriam de seu diálogo interno e interpretam aquilo que comunicam ao bebê e sua família, sob a perspectiva de sua motivação e percebem que seus comportamentos levaram-nas a estabelecer vínculo de apego ao bebê e amigável com a família.

Evidencia-se também que as profissionais de enfermagem, para lidarem com a tensão gerada pelas demandas da assistência, reagem inibindo suas motivações ao se comunicarem com a pessoa do bebê, para interagirem com ele apenas no que diz respeito ao atendimento de suas necessidades físicas, e encontram dificuldades para conversar com os pais, inclusive sobre a criança, deixando até de cumprimentá-los.

A motivação humana é cíclica, repetitiva e composta por etapas que se alternam ou se repetem(15). Isso ocorre em virtude de algumas necessidades humanas serem temporais e transitórias. Assim, na emersão de uma necessidade, o estado de equilíbrio do organismo rompe-se gerando tensão, insatisfação, desconforto e desequilíbrio. Para lidar com esses aspectos, ele age manifestando comportamentos que descarregam a tensão ou procura livrar-se do desconforto gerados pela necessidade(14).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo teórico apresentado traz importantes contribuições para a prática do cuidado de enfermagem, porque desvela a relevância da força da motivação das profissionais para estabelecerem interações que, efetivamente, atendem as demandas do recém-nascido e da família no contexto da vivência do processo de hospitalização. Seu conhecimento pelo enfermeiro poderá levá-lo a refletir sobre a sua comunicação com os clientes, tendo como base sua motivação para a interação.

O modelo teórico, adicionalmente, aponta para a necessidade dos responsáveis pelo gerenciamento das unidades de saúde repensarem sobre a influência dos elementos contextuais encontrados no estudo, a fim de favorecer a comunicação efetiva dos profissionais de enfermagem com os clientes e a conseqüente melhora da qualidade dos cuidados que lhes são dispensados.

Ressalta-se, aqui, que, de acordo com TFD, esse não é um modelo teórico fechado, podendo ser modificado e ampliado a partir de novos dados que permitam ampliar a compreensão da experência de comunicação, tanto do profissional de enfermagem como da família com quem ele interage no transcorrer do cuidar.

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  • O significado da interação das profissionais de enfermagem com o recém-nascido/família durante a hospitalização

    Eliana Moreira PinheiroI; Maria Júlia Paes da SilvaII; Margareth AngeloII; Circéa Amália RibeiroI
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Recebido
      25 Fev 2008
    • Aceito
      29 Set 2008
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