Acessibilidade / Reportar erro

Incidentes críticos de erosão da confiança na liderança de chefes de enfermagem

Resumos

Algumas investigações mostram que a desconfiança nos chefes produz um efeito especialmente negativo nas dinâmicas organizacionais. Assim, identificamos os principais tipos de condutas associadas a desconfiar dos profissionais de enfermagem com cargos de chefes; também, examinaram-se quais dimensões da confiabilidade se relacionam mais frequentemente com a desconfiança. Baseando-se na análise de 61 incidentes críticos coletados em 90 funcionários de um hospital, identificou-se que os tipos de condutas que geravam mais frequentemente a menção de desconfiança eram acontecimentos de "Maus-tratos em público" e "Não dar uma permissão para algo especial"; e que se desgasta, especialmente, a confiabilidade do chefe na dimensão integridade. Discutem-se as implicações destes resultados para que os profissionais da enfermagem, que exercem a liderança, evitem o seu surgimento e o posterior desenvolvimento de desconfiança nas suas relações interpessoais, as que são prejudiciais para o adequado funcionamento dos serviços de saúde.

Confiança; Enfermagem; Liderança


Investigations show that distrust towards head figures has a particularly negative effect on organizational dynamics. Because of this, the main types of behavior associated with distrust in nursing professionals with leadership duties have been identified, examining which aspect of reliability is most frequently related to distrust. Based on an analysis of 61 critical incidents, selected from 90 hospital employees, the most frequently mentioned behavior types related to distrust were "Public Abuse", "Not giving permission for time off for a special occasion" and especially an erosion of trustworthiness in the leader's integrity dimension. The implications of these findings are discussed, so that nursing professionals can avoid the development of distrust in interpersonal relationships and damage to the appropriate functioning of health services.

Trust; Nursing; Leadership


Investigaciones muestran que la desconfianza hacia las jefaturas tiene un especial efecto negativo en la dinámica organizacional. Por ello, se identificaron los principales tipos de conductas asociadas a desconfiar de profesionales de enfermería con cargo de jefatura y se examinó cual dimensión de la confiabilidad se relaciona más frecuentemente con la desconfianza. Basándose en el análisis de 61 incidentes críticos obtenidos de 90 funcionarios de un hospital, se identificó que los tipos de conducta que generaban más frecuentemente mención de desconfianza fueron "Maltrato en público" y "No dar un permiso para algo especial"; y que se erosiona especialmente la confiabilidad del jefe en la dimensión integridad. Se discuten las implicancias de estos hallazgos para que los profesionales de enfermería que ejercen liderazgo eviten el surgimiento y desarrollo de la desconfianza en sus relaciones interpersonales y no perjudiquen el apropiado funcionamiento de los servicios de salud.

Confianza; Enfermería; Liderazgo


ARTIGO ORIGINAL

Incidentes críticos de erosão da confiança na liderança de chefes de enfermagem1

Rodrigo Yañez-GallardoI; Sandra Valenzuela-SuazoII

IPsicólogo, Mestre em Investigação Social e Desenvolvimento, Professor, Departamento de Psicología, Universidad de Concepción, Chile. E-mail: ryanez@udec.cl

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor, Departamento de Enfermería, Universidad de Concepción, Chile. E-mail: Chile.svalenzu@udec.cl

Endereço para correspondência

RESUMO

Algumas investigações mostram que a desconfiança nos chefes produz um efeito especialmente negativo nas dinâmicas organizacionais. Assim, identificamos os principais tipos de condutas associadas a desconfiar dos profissionais de enfermagem com cargos de chefes; também, examinaram-se quais dimensões da confiabilidade se relacionam mais frequentemente com a desconfiança. Baseando-se na análise de 61 incidentes críticos coletados em 90 funcionários de um hospital, identificou-se que os tipos de condutas que geravam mais frequentemente a menção de desconfiança eram acontecimentos de "Maus-tratos em público" e "Não dar uma permissão para algo especial"; e que se desgasta, especialmente, a confiabilidade do chefe na dimensão integridade. Discutem-se as implicações destes resultados para que os profissionais da enfermagem, que exercem a liderança, evitem o seu surgimento e o posterior desenvolvimento de desconfiança nas suas relações interpessoais, as que são prejudiciais para o adequado funcionamento dos serviços de saúde.

Descritores: Confiança; Enfermagem; Liderança.

Introdução

Na sabedoria popular se diz que é mais fácil destruir que construir. Isso também pode se aplicar ao tema da confiança, sua construção requer múltiplas interações positivas no tempo entre as partes envolvidas, por outro lado, geralmente, basta apenas quebra numa relação para que se estabeleça a desconfiança(1). Ao anterior se soma o fato, amplamente conhecido, de que dá mais trabalho eliminar a desconfiança que procurar acrescentar a confiança. Neste estudo, afirma-se que esse é o caso da relação dos profissionais de enfermagem com cargo de chefia com outros funcionários da saúde, no contexto complexo e de alta pressão de trabalho existente nos serviços de saúde, ambiente que pesquisadores assinalam como lugar onde predomina liderança autoritária(2) e, inclusive, descrevem seu clima organizacional como rígido e intolerante ao conflito, legitimando os comportamentos abusivos como forma habitual de relação(3).

A desconfiança é relevante porque, quando se apresenta na relação com a chefia, gera um círculo vicioso, o trabalhador ao desconfiar perceberá tudo o que diz e faz o chefe como não acreditável e ameaçante, então, provavelmente, reduzirá a comunicação com ele, tornando-se, assim, difícil superar a negatividade e voltar a acreditar no líder(1). Ao se desarticular a comunicação, torna-se praticamente impossível exercer liderança autêntica/participativa em enfermagem, ou seja, liderança realmente efetiva(2).

Ademais, pesquisas mostram que os trabalhadores não prestam igual atenção e importância aos eventos positivos e negativos no trabalho, têm tendência para lembrar mais os incidentes negativos com as chefias e os descrevem com mais intensidade(4). Essa tendência negativa tem-se confirmado em pesquisas sobre confiança e desconfiança(1). Pesquisas mostram que as situações que desgastam a confiança se percebem como mais destacadas do que aquelas situações que constroem a confiança e, ainda, os incidentes de erosão de confiança influem mais nas valorações das pessoas, em comparação com os incidentes que constroem confiança, inclusive, sendo esses últimos de maior magnitude(5).

Baseado nos antecedentes apresentados não é de estranhar que pesquisadores(6) tenham encontrado que existe maior facilidade para desconfiar que para confiar nas chefias. De fato, afirmam ser praticamente impossível que as chefias deixem contentes todos os trabalhadores, assim é mais vantajoso que as chefias se preocupem em evitar o desenvolvimento da desconfiança dos seus trabalhadores e em desarticular os mecanismos que mantêm a desconfiança. Assim, este estudo se fundamenta na necessidade de desenvolver capacidades de liderança em enfermagem, especificamente, por uma parte, mostrando aqueles comportamentos que geram desconfiança nas chefias de enfermagem, de modo que as chefias considerem a necessidade de evitá-la na sua gestão hospitalar(2). Por outro lado, que compreendam quais são as características pessoais e profissionais que devem ser cultivadas para não chegarem a ser percebidas como não confiáveis.

Existe relativo consenso entre os pesquisadores em definir a confiança como a vulnerabilidade de uma parte às ações da outra, com base na expectativa de que o outro realizará uma ação importante para quem confia - independentemente da habilidade de monitorá-lo ou controlá-lo(1,7). Porém, com respeito à desconfiança não existiria uma definição de consenso, mas, em geral, considera-se que é a expectativa negativa daquele que confia em relação à conduta do outro(1). Para alguns autores(8), uma característica importante seria que a desconfiança somente surge onde existiu previamente a confiança, de modo, que é produto da traição. Uma traição é uma quebra das expectativas de confiança numa relação, é um ato voluntário da pessoa em quem se confia e tem a intenção de causar dano a quem está confiando(9). Como consequência, provavelmente, se produzirá uma escalada que incrementa a distância interpessoal entre as partes(10).

Tradicionalmente, confiança e desconfiança têm sido consideradas como extremos opostos de um único contínuo e se supõe que a erosão da confiança é simplesmente a inexistência de confiança ou seu oposto. Porém, coerentemente com a desconfiança conceituada como traição, nos últimos tempos, alguns especialistas(10) têm defendido a ideia de que, embora a confiança e a desconfiança sejam processos relacionados, devem ser consideradas como constructos éticos independentes - é importante considerar que, em alguns casos, são acionados por antecedentes diferentes. Em síntese, a dinâmica de erosão da confiança não é o oposto de se construir confiança. Em apoio ao anterior, inclusive, pesquisas mostram evidências de que diferentes áreas do cérebro estariam envoltas em cada caso(11).

De interesse para este artigo é que o anterior faz surgir a possibilidade de que diferentes componentes da percepção de confiabilidade da chefia podem contribuir mais para a construção de confiança que a erosão de confiança e vice-versa.

O mais amplo e sistemático esforço de pesquisa recente sobre confiança no líder talvez seja o modelo que afirma que a confiança no líder depende, em grande medida, da percepção de confiabilidade do líder, especificamente, da percepção das dimensões de capacidade, benevolência e integridade do líder(7).

As dimensões da confiabilidade podem ser definidas nos seguintes termos(5,9): a dimensão capacidade tem sido definida como um grupo de habilidades e competências que permitem que uma pessoa tenha influência dentro de um domínio específico. Dentro desse domínio específico (por exemplo, alguma área técnica), a pessoa confiável pode ser altamente competente para gerenciar bem, porém, pode ter capacidade limitada numa área diferente (por exemplo, comunicação interpessoal) e pode não ser confiável nesse domínio. A dimensão integridade envolve a percepção de que a pessoa confiável adere a um conjunto de princípios éticos, os quais a pessoa que confia considera aceitável. Um sentido de integridade envolve tanto a aderência como a aceitação dos princípios, dado que, se um conjunto de princípios adotados pela pessoa confiável não é aceito pela pessoa que confia; a pessoa confiável não seria considerada como íntegra. Exemplos de condutas de chefias de um hospital seriam: não mostrar favoritismo por funcionários, ser imparcial em designar benefícios e sinceridade(12). A dimensão benevolência tem sido definida como a crença de que a pessoa confiável deseja fazer o bem para a pessoa que confia, deixando de lado os motivos de ganância pessoal. A benevolência sugere que a pessoa confiável tem um laço específico com a pessoa que confia e que se reflete na percepção de orientação positiva da pessoa confiável perante o outro indivíduo. Exemplos de condutas de chefias de um hospital seriam: tratar bem o pessoal, destacar o positivo do trabalho, entender os problemas do funcionário e apoiá-lo(12).

Embora se tenha desenvolvido modelos exaustivos das dimensões da confiabilidade, são escassas as pesquisas que têm abordado o peso relativo dessas três dimensões da confiabilidade, na erosão da confiança. Dado que confiança e desconfiança obedecem a processos diferentes, tem-se afirmado que é provável que as três dimensões da confiabilidade (capacidade, integridade e benevolência) impactem de forma diferente na erosão da confiança. De fato, pesquisas(1,4) têm obtido resultados que mostram tal tendência.

É provável que os empregados iniciem uma relação com a chefia com a expectativa a priori de um nível de percepção de integridade e de capacidade, baseada na crença de que a organização escolhe chefias que demonstram certo nível de capacidade no domínio de sua função e que mostram alto sentido de integridade(4). Essa expectativa pode se relacionar ao fato de que muitos relacionamentos entre chefias e trabalhadores ocorrem dentro das instituições, nas quais os empregados possuem certo nível de confiança institucional. Assim, um líder que demonstra condutas que reafirmam sua integridade, ou capacidade, pode não inspirar nível particularmente alto de confiança(4). Porém, se um líder não cumpre essas expectativas, atuará de forma que surjam dúvidas sobre sua suposta capacidade ou sua integridade, e isso, provavelmente, contribuirá significativamente para desgastar a confiança.

De acordo com essa perspectiva, os comportamentos do líder que refletem integridade e capacidade podem ser percebidos como os mais básicos requisitos que os trabalhadores esperariam do seu líder. Mais especificamente, dado que as condutas das chefias, que refletem integridade e capacidade, podem ser vistas pelos trabalhadores como uma conduta esperada e, inclusive, podendo até serem ignoradas, o que não contribuiria, especialmente, para construir confiança. Por outro lado, se as chefias não demonstram comportamentos que reflitam integridade e capacidade, é bastante provável que os trabalhadores notem esse fato e, então, a confiança seja desgastada(4).

Porém, devido ao fato de que a desconfiança está estreitamente relacionada à traição, as condutas do chefe que refletem falta de capacidade não se considerariam traições, pois não existe a vontade de causar dano por parte de quem se confia(9). Desse modo, a desconfiança, quando fruto da falta de capacidade do chefe, pode ser de pouca relevância para os trabalhadores.

Considerando o anterior e, ainda, que é fragmentada a compreensão sobre quando e como se desgasta a confiança(7,11), e que existem relativamente poucas pesquisas sobre desconfiança interpessoal(11) e vendo-se, também, no contexto da enfermagem, esta pesquisa teve dois objetivos: (a) identificar os principais tipos de condutas ou categorias associadas à desconfiança em profissionais de enfermagem com cargo de chefia e (b) determinar qual das dimensões da percepção de confiabilidade no chefe podem deteriorar mais frequentemente a confiança no âmbito hospitalar. Quanto a esse último objetivo, coloca-se a hipótese de que os funcionários da saúde lembrarão e notificarão significativamente mais situações que refletem falta de integridade que falta de benevolência das chefias de enfermagem.

Método

Foi selecionado um desenho de pesquisa tipo descritivo e se utilizou a técnica de incidentes críticos para a coleta de dados, optando por um enfoque fenomenológico para analisar o conteúdo das entrevistas semiestruturadas obtidas. A pesquisa foi realizada em um hospital público de alta complexidade, onde se realiza educação e pesquisa universitária, possuindo mais de 2.500 funcionários, na terceira maior cidade do Chile. A coleta de dados foi iniciada em setembro de 2009, estendendo-se até dezembro de 2010.

Participantes

Participaram 90 funcionários, 26,7% foram enfermeiras(os) e 73,3% técnicos em enfermagem de nível superior, sendo que 86% eram mulheres. Foram selecionados ditos profissionais devido ao fato de serem aqueles que mais frequentemente são subalternos a enfermeiras(os) chefes nos hospitais. O método de seleção foi através de amostragem acidental, de acordo com a disponibilidade de tempo dos funcionários, no momento em que os entrevistadores se apresentaram nos serviços clínicos. Em todos esses serviços houve casos de funcionários que rejeitaram participar. As entrevistas foram realizadas em lugares privados, na sua maioria em escritórios disponíveis nos serviços. Os participantes eram de 9 serviços clínicos diferentes.

Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: o funcionário deveria ser enfermeira(o) ou técnico paramédico; pertencer a um serviço clínico do hospital, e ter, ao menos, um ano de trabalho nesse serviço. Dessa maneira, garantiu-se que os participantes tivessem relação de dependência com algum chefe e conhecimento dos relacionamentos interpessoais de confiança com chefias de enfermagem.

Considerações éticas

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Concepção. A coleta dos dados se realizou com a autorização das chefias do hospital. Foi fornecida aos participantes uma carta de consentimento livre e esclarecido que foi assinada antes da entrevista. Nela foram garantidos o anonimato e a confidencialidade das suas respostas, ademais, foi solicitado o fornecimento de um mínimo de dados demográficos.

Instrumento

De acordo com bibliografia especializada(13-14), foi construída uma entrevista semiestruturada para obter incidentes críticos. Nas instruções, solicitou-se que pensassem em uma chefia direta e que evocassem um incidente significativo que tivesse originado confiança e outro que tivesse gerado desconfiança em relação à chefia. Este artigo apresenta, exclusivamente, a análise das respostas a uma pergunta. Especificamente, a pergunta foi: "pode descrever uma situação que tenha vivenciado no seu trabalho, recentemente, e que tenha significado para você experimentar alto grau de desconfiança na sua chefia direta?". Foram realizadas 10 entrevistas piloto para analisar se a pergunta era corretamente compreensível, não se obtendo dúvidas sobre esse aspecto. Posteriormente, foram feitas perguntas para que descrevessem o incidente, com o maior detalhamento possível da experiência vivida.

Procedimento

Os entrevistadores eram estudantes de enfermagem e psicologia que receberam uma preparação como entrevistadores para a utilização da técnica de incidentes críticos, especialmente devido ao fato de que, nas entrevistas piloto, observou-se que alguns entrevistados, ao escutarem o tema da entrevista reviviam intensas experiências negativas. A instrução incluiu fornecimento de material escrito, análise de casos de entrevistas, assessoria no manejo do estado emocional dos entrevistados. As entrevistas foram realizadas no lugar de trabalho dos funcionários, resguardando-se a privacidade. As entrevistas duraram, aproximadamente, de 20 a 25 minutos, sendo que os mesmos entrevistadores escreveram as respostas em papel, no momento em que realizavam a entrevista e, posteriormente, a transcreveram para um computador.

Análise do conteúdo dos incidentes

A sistematização dos dados esteve a cargo dos autores desta pesquisa. Das 90 entrevistas, 14 entrevistados não nomearam incidentes de desconfiança, de modo que se procedeu à trascrição literal dos relatos de 76 incidentes, obtidos das entrevistas. Uma primeira leitura determinou se seu conteúdo era completamente relacionado ao investigado. Nessa etapa, descartaram-se 15 incidentes por não estarem dentro dos objetivos requeridos para a inclusão.

O processo de codificação teve três etapas. Primeiramente, um dos pesquisadores categorizou os eventos de acordo com o tipo de conduta mostrada pela chefia, posteriormente, um segundo pesquisador avaliou, de forma independente, realizando-se discussão sobre as diferenças encontradas até chegar a um consenso. Em continuidade, com o objetivo de reduzir o número de categorias, ambos os pesquisadores, de forma independente, construíram agrupações maiores das categorias, foram discutidas as diferenças encontradas, obtendo-se um consenso. Logo, calcularam-se as frequências de menção de cada categoria e se procedeu à elaboração da tabela de resultados.

Na terceira etapa, determinou-se quais dimensões da confiabilidade estavam relacionadas às categorias encontradas. Enquanto a referência teórica de Burke et al.(7) serviu como referência, não se restringiu estritamente a esses autores. Aproximaram-se os dados com muita atenção para observar o possível surgimento de categorias adicionais desses dados. Também, nesse caso, o processo descrito foi realizado primeiro por um pesquisador e, logo, foi novamente foi realizado, de forma independente, pelo segundo pesquisador, discutindo-se as diferenças encontradas.

Resultados

Foram obtidos, das entrevistas realizadas com os 90 funcionários, 61 incidentes críticos de desconfiança dos profissionais de enfermagem com cargo de chefia. Da análise de conteúdo emergiram 14 categorias de condutas que desgastam a confiança dos empregados, essas, por sua vez, formaram 5 agrupações. De cada uma das 14 categorias obtidas de eventos de desconfiança emanaram subcategorias, as quais mostram que existem diversas situações que podem gerar desconfiança nos funcionários (Tabela 1).

Ao relacionar as agrupações das categorias encontradas com as dimensões da confiabilidade proposta pela literatura sobre o tema, encontraram-se duas dimensões da confiabilidade, envolvidas nos eventos de desconfiança, relatados pelos funcionários: integridade e benevolência. Não houve incidentes relacionados à dimensão competência. Por outro lado, encontrou-se uma agrupação de categorias que não foi possível ajustar às dimensões esperadas e, dessa forma, propõe-se uma nova agrupação: tendência a desconfiar (Tabela 2).

Discussão

Tem-se afirmado que o trabalho nos hospitais públicos é complexo e demandante, podendo produzir conflitos interpessoais que facilmente podem levar ao desgaste da confiança dos funcionários nos profissionais de enfermagem com cargos de chefia. Por essa razão, esta pesquisa teve como objetivo identificar o tipo de condutas mais frequentemente mencionadas que desgastam a confiança dos funcionários da saúde, assim como determinar a principal dimensão da confiabilidade no chefe envolvido.

A categoria que foi mencionada com freqüência significativamente maior de desgaste da confiança na chefia foi "maus-tratos em público", por parte da chefia. Nesses casos, provavelmente os entrevistados experimentam profundo sentimento de humilhação e impotência. Possivelmente, essas condutas mostram falta de controle emocional por parte das chefias de enfermagem e podem ser interpretadas como falta de respeito à pessoa do trabalhador, ferindo significativamente sua autoestima. Essa categoria de conduta pode ser rotulada como um caso grave de líder abusador que exerce violência laboral e, como consequência, não somente prejudica severamente o bem-estar psicológico do funcionário como gera clima laboral negativo nos serviços de saúde.

Em segundo lugar, com percentagem bastante menor, foi "não dar permissão para algo especial" ao funcionário. Nesse caso, pode-se considerar que a chefia é percebida como aquela pessoa que desconhece ou desvaloriza as necessidades do trabalhador, dando a impressão de falta de sensibilidade e despreocupação em relação ao trabalhador. Três categorias se encontram em terceiro lugar, essas são: "favoritismo" por alguns funcionários, "não confiar no trabalho do funcionário" e "não acreditar no que diz o funcionário". O favoritismo ajuda a estabelecer lealdades pessoais sem relação alguma com o desempenho do trabalhador. Pode ser entendido como vínculos que ajudam a proteção entre os envolvidos. Estudos anteriores mostram que essa é uma prática relevante no contexto de centros de saúde(12). As consequências dessa prática redundam provavelmente em profundos sentimentos de injustiça. Por último, as duas restantes categorias mostram que as chefias desconfiam do trabalhador, os funcionários não são vistos como acreditáveis, gerando, provavelmente, incerteza e sentimento de falta de apoio das chefias.

Em relação à hipótese colocada, a dimensão da confiabilidade mais frequentemente mencionada, nos incidentes de desconfiança, foi a falta de integridade da chefia. Esses resultados também foram obtidos em pesquisas anteriores(5) e mostram que as dimensões da confiabilidade não seriam igualmente importantes e, também, que sua relevância variaria se a situação fosse de confiança ou de desconfiança.

Estima-se que a relevância que tiveram os incidentes críticos, vinculados à falta de integridade da chefia, apoiaria a hipótese de que a desconfiança pode ser conceituada como uma traição(9). Isso, devido a que os incidentes de desconfiança se caracterizaram por perceber que a chefia gerava danos aos funcionários, devido ao fato de as expectativas básicas não se cumprirem, expectativas vinculadas a valores centrais como, por exemplo, trato respeitoso e justo. Esses resultados mostrariam que é de grande importância a conduta ética das chefias. De acordo com a bibliografia revisada(1), a conduta não ética, provavelmente, produz uma dinâmica na relação com a chefia que leva os empregados a restringirem a comunicação com sua chefia, afetando severamente o clima organizacional dos serviços de saúde.

Um resultado coerente com a hipótese colocada e com as pesquisas revisadas(9) foi que os entrevistados não mencionaram incidentes de desconfiança vinculados à pouca capacidade dos líderes. Esse resultado também apoiaria que a desconfiança pode ser conceituada como uma traição, já que a falta de capacidade da chefia não estaria vinculada à desconfiança.

Um resultado não esperado foi o surgimento da dimensão "tendência a desconfiar", correspondente à agrupação de categorias "não acreditar no trabalhador". Essa dimensão não corresponderia a nenhuma das três dimensões consideradas no estudo. Essa poderia ser interpretada como tendência de as chefias desconfiarem de seus empregados, propiciando que os empregados se sintam desvalorizados e prejudicando, ainda, sua autoestima pela atitude do seu chefe e, por consequência, gerando a atitude de desconfiança em relação à sua chefia. Embora essa nova dimensão fosse pouco mencionada, pode-se concluir que devem ser realizadas mais pesquisas para esclarecer se é necessário incluí-la entre as dimensões da confiabilidade no chefe.

Os resultados obtidos nesta pesquisa têm implicações práticas. A mais importante é que as chefias da enfermagem devem centrar seus esforços para prevenir episódios de desconfiança com os funcionários. Devido à tendência de os eventos de desconfiança serem mais lembrados e terem maior impacto emocional nos empregados(1,5), as chefias devem ser muito conscientes das condutas que, provavelmente, geram erosão da confiança e devem preocupar-se em evitá-las ou limitá-las. Como mostram as pesquisas(2), os profissionais de enfermagem deveriam ter boa comunicação com os integrantes da sua equipe e exercer liderança autêntica/participativa. A partir dos resultados obtidos considera-se especialmente ético ser sensível aos dilemas morais necessários no trato com os funcionários, mostrando alto sentido de integridade, atuando de forma a resguardar os princípios de respeito e de justiça (imparcialidade) com os funcionários sob seu comando. Por último, deduz-se, do anteriormente descrito, a necessidade da realização de esforço permanente para a formação de liderança. Autores afirmam que tal esforço deve começar desde as primeiras etapas da educação em enfermagem(2).

No que se refere à metodologia, é importante mencionar que se abordou um tema delicado para os funcionários e que foi trabalho complexo obter a cooperação dos entrevistados. Por isso, considera-se essencial que os entrevistadores saibam criar as condições adequadas, para esse tipo de pesquisa. O tema inclui alto componente emocional, de modo que, em várias ocasiões, foi prudente que os entrevistadores contivessem a emoção dos participantes.

A principal limitação desta pesquisa foi que os incidentes coletados correspondem à realidade de somente um hospital público, o que limita o poder de generalizar os resultados. Nesse sentido, considera-se conveniente que futuros estudos repitam este estudo em outros contextos.

Conclusão

A relação entre chefias de enfermagem e funcionários está exposta a situações que podem desgastar a confiança entre eles. A primeira contribuição desta pesquisa foi identificar os mais frequentes tipos de incidentes que, segundo os funcionários, podem gerar desconfiança em suas chefias ("maus-tratos em público", "não dar permissão para algo especial"). Identificados os incidentes críticos, é papel da chefia prevenir essas ocorrências,, devido ao fato de que existem claros indícios que reparar a confiança é processo difícil. A segunda contribuição foi ter encontrado apoio para a hipótese que afirma que os incidentes estavam principalmente relacionados à dimensão integridade da chefia. Sob um ponto de vista teórico, significa evidenciar que a desconfiança poderia ser conceituada como fruto da percepção de uma traição. Numa perspectiva prática, a chefia de enfermagem deveria preocupar-se em ter formação permanente que fortaleça a consciência da dimensão ética na sua relação com seus funcionários e, especialmente, preocupar-se em mostrar respeito e sensibilidade perante os problemas do trabalhador,com justiça e imparcialidade.

Referencias

  • 1. Keyton J. Distrust in leaders: dimensions, patterns, and emotional intensity. J Leadership Org Studie. 2009;16(1):6-18.
  • 2. Lanzoni GMM, Meirelles, BHS. Leadership of the nurse: an integrative literature review. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(3):651-8.
  • 3. Castellón AMD. Violencia laboral en enfermeras: explicaciones y estrategias de afrontamiento. Rev. Latino-Am. Enfermagem 2011;19(1):156-63.
  • 4. Dasborough M. Cognitive asymmetry in employee emotional reactions to leadership behaviors. Leadership Q. 2006;17:163-78.
  • 5. Lapidot Y, Kark R, Boas S. The impact of situational vulnerability on the development and erosion of followers'trust in their leader. Leadership Q. 2007;18:16-34.
  • 6. Dirks K, Skarlicki D. Trust in leaders: Existing research and emerging issues. In: Kramer R, Cook K, editors. Trust and Distrust in Organizations. New York: Rusell Sage Foundation; 2004. p. 21-40.
  • 7. Burke C, Sims D, Lazzara E, Salas E. Trust in leadership: A multi-level review and integration. Leadership Q. 2007;18(6):606-32.
  • 8. Bies R, Tripp T. Beyond trust: "Getting even" and the need for revenge. In: Kramer R, Tyler T, editors. Trust in organizations: frontiers of theory and research. Thousand Oaks: Sage; 1996. p. 246-60.
  • 9. Chan ME. "Why Did You Hurt Me?" Victim's Interpersonal Betrayal Attribution and Trust Implications. Rev Gen Psychol. 2009;13(3):262-74.
  • 10. Sitkin S, Roth N. Explaining the limited effectiveness of legalistic "remedies" for trust/distrust. En: Kramer RM, editor. Organizational trust: A reader. New York: Oxford University Press; 2006. p. 295-330.
  • 11. Dimoka A. What does the brain tell us about trust and distrust? Evidence from a functional neuroimaging study. MIS Q. 2010;34(2):373-96.
  • 12. Yáñez R, Loyola G, Huenumilla F. La confiabilidad en el Líder: Un estudio sobre las enfermeras jefes de un hospital. Cienc Enferm. 2009;15(3):77-89.
  • 13. Chell E. Critical incident technique. In: Cassell C, editor. Essential Guide to Qualitative Methods in Organizational Research. Londres: Thousand Oaks; 2004. p. 45-60.
  • 14. Yáñez R, López-Mena L, Reyes F. La técnica de incidentes críticos: Una herramienta clásica y vigente en enfermería. Cienc Enferm. 2011;17(2):27-36.
  • Corresponding Author:
    Rodrigo Yañez-Gallardo
    Universidad de Concepción
    Departamento de Psicología
    Casilla 160 C, Correo 3
    Concepción, Chile
    E-mail:
  • 1
    Supported by project Diuc 211.172.017-1.0, Universidad de Concepción, Chile.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012

    Histórico

    • Recebido
      29 Mar 2011
    • Aceito
      19 Dez 2011
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br