Acessibilidade / Reportar erro

Domínios dos transtornos mentais comuns em mulheres que relatam violência por parceiro íntimo* * Artigo extraído da tese de doutorado “Suspeição de transtornos mentais não psicóticos em mulheres e sua relação com a violência por parceiro íntimo”, apresentada à Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 443107/2014-9.

Resumos

Objetivo

verificar associações entre os tipos de violência por parceiro íntimo e os domínios dos transtornos mentais comuns em mulheres.

Método

estudo transversal, realizado com 369 mulheres. As informações foram obtidas por meio dos instrumentos: Self Reporting Questionnaire e Conflict Tactic Scales. Para análise dos dados, realizou-se teste Qui-Quadrado de Pearson, Exato de Fisher e Odds Ratio.

Resultados

mulheres que relataram abuso físico sem e com sequelas tiveram, respectivamente, 2,58 e 3,7 vezes mais chances de ter sintomas de humor depressivo ansioso. As chances de ter sintomas de decréscimo da energia vital aumentaram 2,27 vezes com agressão psicológica, 3,06 vezes com abuso físico sem sequelas e 3,13 vezes com abuso físico com sequelas. Os sintomas somáticos não mostraram associação estatística com os tipos de violência. A propensão ao desenvolvimento de sintomas de pensamentos depressivos aumentou 3,11 vezes com agressão psicológica, 6,13 vezes com agressão física sem sequelas, 2,47 vezes com coerção sexual e 7,3 vezes com agressão física com sequelas.

Conclusão

os tipos de violência por parceiro íntimo estão fortemente associados com os domínios dos transtornos mentais comuns em mulheres. Esse achado poderá contribuir para intervenções mais precisas por parte dos profissionais de saúde a mulheres vítimas de violência.

Mulheres; Transtornos Mentais; Violência por Parceiro Íntimo; Saúde Mental; Enfermagem; Saúde Pública


Objective

to verify associations between the types of intimate partner violence and the domains of common mental disorders in women.

Method

cross-sectional study with 369 women. The information was obtained through the instruments Self-Reporting Questionnaire and Conflict Tactic Scales. To analyze the data, Pearson’s Chi-Square test, Fisher’s exact test and Odds Ratio were used.

Results

women who reported physical abuse with and without sequela were respectively 2.58 and 3.7 times more likely to have symptoms of anxious depressed mood. The chances of experiencing symptoms of decreased vital energy increased by 2.27 times with psychological aggression, 3.06 times with physical abuse without sequelae and 3.13 times with physical abuse with sequelae. Somatic symptoms did not show statistical association with the types of violence. The propensity to develop symptoms of depressive thoughts increased 3.11 times with psychological aggression, 6.13 times with physical aggression without sequelae, 2.47 times with sexual coercion and 7.3 times with physical aggression with sequelae.

Conclusion

the types of intimate partner violence are strongly associated with the domains of common mental disorders in women. This finding may contribute to more accurate interventions by health professionals to women victims of violence.

Women; Mental Disorders; Intimate Partner Violence; Mental Health; Nursing; Public Health


Objetivo

verificar las asociaciones entre los tipos de violencia por un compañero íntimo y los dominios de los trastornos mentales comunes en mujeres.

Método

estudio transversal, realizado con 369 mujeres. Las informaciones fueron obtenidas por medio de los instrumentos: Self Reporting Questionnaire y Conflict Tactic Scales. Para el análisis de los datos, se realizó el test Chi-Cuadrado de Pearson, Exacto de Fisher y Odds Ratio.

Resultados

mujeres que relataron abuso físico sin y con secuelas tuvieron respectivamente, 2,58 y 3,7 veces más chances de tener síntomas de humor depresivo ansioso. Las chances de tener síntomas de descenso de la energía vital aumentaron 2,27 veces con agresión psicológica, 3,06 veces con abuso físico sin secuelas y 3,13 veces con abuso físico con secuelas. Los síntomas somáticos no mostraron asociación estadística con los tipos de violencia. La propensión al desarrollo de síntomas de pensamientos depresivos aumento 3,11 veces con agresión psicológica, 6,13 veces con agresión física sin secuelas, 2,47 veces con coerción sexual y 7,3 veces con agresión física con secuelas.

Conclusión

los tipos de violencia de un compañero íntimo están fuertemente asociados con los dominios de los trastornos mentales comunes en mujeres. Ese hallado podrá contribuir para intervenciones más precisas por parte dos profesionales de salud a mujeres víctimas de violencia.

Mujeres; Trastornos Mentales; Violencia de Pareja; Salud Mental; Enfermería; Salud Pública


Introdução

Transtornos mentais comuns se manifestam por meio de sintomas de depressão, ansiedade e somatizações que interferem na qualidade de vida dos indivíduos que os apresentam, embora não preencham os critérios necessários para diagnóstico de transtornos do humor preconizados pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5a edição (DSM- V), nem pela 10a revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)(11. Coutinho LMS, Matijasevich A, Scazufca M, Menezes PR. Prevalence of common mental disorders and the relationship to the social context: multilevel analysis of the São Paulo Ageing & Health Study (SPAH). Cad Saúde Pública. [Internet]. 2014 Sept [cited Sept 30, 2016]; 30(9): 1875-83. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v30n9/0102-311X-csp-30-9-1875.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/csp/v30n9/0102-...

2. . American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders: DSM-5. 5ed. [Internet]. Porto Alegre: Artmed; 2014 [cited Jan 3, 2018]. Available from: https://aempreendedora.com.br/wp-content/uploads/2017/04/Manual-Diagn%C3%B3stico-e-Estat%C3%ADstico-de-Transtornos-Mentais-DSM-5.pdf.
https://aempreendedora.com.br/wp-content...
-33. World Health Organization. International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems 10th Revision (CID-10). [Internet]. Genebra: WHO; 2016 [cited Jan 3, 2018]. Available from: http://apps.who.int/classifications/icd10/browse/2016/en.
http://apps.who.int/classifications/icd1...
). Esses transtornos possuem elevada prevalência e acometem pessoas de todo o mundo(44. Skapinakis P, Bellos S, Koupidis S, Grammatikopoulos I, Theodorakis PN, Mavreas V. Prevalence and sociodemographic associations of common mental disorders in a nationally representative sample of the general population of Greece. BMC Psychiatry. [Internet]. 2013 Jun 4 [cited Feb 28, 2017]; 13 (163): 1-14. Available from: https://bmcpsychiatry.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/1471-244X-13-163?site=bmcpsychiatry.biomedcentral.com.
https://bmcpsychiatry.biomedcentral.com/...

5. Gonçalves DM, Mari JJ, Bower P, Gask L, Dowrick C, Tófoli LF, et al. Brazilian multicentre study of common mental disorders in primary care: rates and related social and demographic factors. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2014 Mar [cited Nov 22, 2017]; 30 (3): 623-32. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v30n3/0102-311X-csp-30-3-0623.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/csp/v30n3/0102-...
-66. Gage SH, Hickman M, Heron J, Munafò MR, Lewis G, Macleod J, et al. Associations of cannabis and cigarette use with depression and anxiety at age 18: findings from the avon longitudinal study of parents and children. PLoS ONE. [Internet]. 2015 Apr 13 [cited Aug 6, 2017]; 10(4): 1-13. Available from: http://journals.plos.org/plosone/article/file?id=10.1371/journal.pone.0122896&type=printable
http://journals.plos.org/plosone/article...
). Segundo estudos, essa prevalência oscila de 15,0% a 50,3%(77. Kasckow JW, Karp JF, Whyte E, Butters M, Brown C, Begley A, et al. Subsyndromal depression and anxiety in older adults: health related, functional, cognitive and diagnostic implications. J Psychiatr Res. [Internet]. 2013 May [cited Feb 28, 2017]; 47(5): 599-603. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23414701.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2341...

8. Kroenke K, Outcalt S, Krebs E, Bair MJ, Wu J, Chumbler N, et al. Association between anxiety, health-related quality of life and functional impairment in primary care patients with chronic pain. Gen Hosp Psychiatry. [Internet]. 2013 Jul-Aug [cited Feb 28, 2017]; 35(4): 359–65. Available from: http://www.ghpjournal.com/article/S0163-8343(13)00101-1/fulltext.
http://www.ghpjournal.com/article/S0163-...

9. Aillon JL, Ndetei DM, Khasakhala L, Ngari WN, Achola HO, Akinyi S, et al. Prevalence, types and comorbidity of mental disorders in a Kenyan primary health centre. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. [Internet]. 2014 Aug [cited Feb 28, 2017]; 49 (8): 1257-68. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23959589.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2395...
-1010. Lucchese R, Sousa K, Bonfin SP, Vera I, Santana FR. Prevalence of common mental disorders in primary health care. Acta Paul Enferm. [Internet]. 2014 May-Jun [cited Feb 28, 2017]; 27(3):200-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n3/en_1982-0194-ape-027-003-0200.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n3/en_19...
).

Para melhor exploração dos transtornos mentais comuns, utilizou-se, neste estudo, o Self Reporting Questionnaire (SRQ-20) que subdivide os sintomas desses transtornos em quatro domínios: humor depressivo ansioso, sintomas somáticos, decréscimo de energia vital e pensamentos depressivos(1111. Santos KOB, Araújo TM, Oliveira NF. Factor structure and internal consistency of the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) in an urban population. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2009 Jan [cited Apr 2, 2017]; 25 (1): 214-22. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pd...
).

O humor depressivo ansioso é caracterizado por sintomas como nervosismo, tensão, preocupação, tristeza, choro e susto com facilidade. Pessoas com sintomas somáticos podem apresentar dores de cabeça, insônia, desconforto estomacal, má digestão, falta de apetite e tremores nas mãos. O decréscimo da energia vital corresponde a sintomas como cansaço com facilidade, dificuldades de tomar decisões ou ter satisfação em suas tarefas, dificuldade de pensar e ter sofrimento com atividades laborais. Enquadram-se no domínio dos pensamentos depressivos pessoas que se sentem incapazes de desempenhar papel útil na vida, perdem o interesse pelas coisas, sentem-se inúteis e pensam em dar fim à própria vida(1111. Santos KOB, Araújo TM, Oliveira NF. Factor structure and internal consistency of the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) in an urban population. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2009 Jan [cited Apr 2, 2017]; 25 (1): 214-22. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pd...
).

Ressalta-se que os riscos à saúde mental devem ser vistos sob a perspectiva de gênero, que influencia a expressão de sofrimento entre homens e mulheres(1212. Zanello V, Fiuza G, Costa HS. Gender and mental health: gendered facets of psychological suffering. Fractal Rev Psicol. [Internet]. 2015 Sept- Dec [cited Jan 9, 2018]; 27(3): 238-46. Available from: http://www.scielo.br/pdf/fractal/v27n3/1984-0292-fractal-27-3-0238.pdf .
http://www.scielo.br/pdf/fractal/v27n3/1...
). Os transtornos mentais comuns estão presentes com maior frequência entre mulheres(11. Coutinho LMS, Matijasevich A, Scazufca M, Menezes PR. Prevalence of common mental disorders and the relationship to the social context: multilevel analysis of the São Paulo Ageing & Health Study (SPAH). Cad Saúde Pública. [Internet]. 2014 Sept [cited Sept 30, 2016]; 30(9): 1875-83. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v30n9/0102-311X-csp-30-9-1875.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/csp/v30n9/0102-...
,1313. Vidal CEL, Amara B, Ferreira DP, Dias IMF, Vileta LA, Franco LR. Predictors of probable common mental disorders (CMD) in sex workers using the Self-Reporting Questionnaire. J Bras Psiquiat. [Internet]. 2014 Jul-Sept [cited Aug 4, 2017]; 63 (3): 205-12. Available from: http://www.scielo.br/pdf/jbpsiq/v63n3/0047-2085-jbpsiq-63-3-0205.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/jbpsiq/v63n3/00...
). Outra questão que se relaciona com os transtornos mentais comuns em mulheres é a violência(1414. Lagdon S, Armour C, Stringer M. Adult experience of mental health outcomes as a result of intimate partner violence victimisation: a systematic review. Eur J Psychotraumatol. [Internet]. 2014 Sept 12 [cited Feb 28, 2017]; 5 (24794): 1-12. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4163751/.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
-1515. Ludermir AB, Valongueiro S, Araújo TVB. Common mental disorders and intimate partner violence in pregnancy. Rev Saúde Pública. [Internet]. 2014 Feb [cited Sept 30, 2017]; 48 (1): 29-35. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v48n1/0034-8910-rsp-48-01-0029.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/rsp/v48n1/0034-...
).

Assim, a realização da presente pesquisa se justifica pela importância da identificação dos sintomas de domínios dos transtornos mentais comuns em mulheres que relatam diferentes tipos de violência por parceiro íntimo, tendo em vista que a descoberta precoce desses agravos é essencial para minimizar danos à saúde física e mental de mulheres. Com profissionais capacitados e sensíveis para identificação de sintomas desses domínios entre sua clientela será possível buscar formas de enfrentamento a essa problemática e de empoderamento a mulheres agredidas por seus companheiros através de uma abordagem eficaz(1616. Machisa MT, Christofides N, Jewkes R. Mental ill health in structural pathways to women’s experiences of intimate partner violence. PLOS ONE. [Internet]. 2017 Apr 6 [cited Dec 12, 2017]; 12(4): 1-19. Available from: http://journals.plos.org/plosone/article/file?id=10.1371/journal.pone.0175240&type=printabl.
http://journals.plos.org/plosone/article...
).

Diante dessa problemática, levantou-se a seguinte questão da pesquisa: os diferentes tipos de violência por parceiro íntimo estão associados com os domínios dos transtornos mentais comuns em mulheres? Este estudo teve como objetivo verificar associações entre os tipos de violência por parceiro íntimo e os domínios dos transtornos mentais comuns em mulheres.

Método

Estudo transversal, realizado em cinco municípios do Piauí (Teresina, Parnaíba, Picos, Floriano e Bom Jesus), selecionados por serem sedes das macrorregiões de saúde do estado, definidas no Plano Diretor de Regionalização (PDR).

Os dados foram obtidos no banco de dados do estudo: “Violência, consumo de álcool e drogas no universo feminino: prevalências, fatores de risco e consequências à saúde mental”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Todas as mulheres que compuseram o banco de dados foram utilizadas para este estudo.

A amostra atendeu aos seguintes critérios de inclusão: mulher com idade de 20 a 59 anos e que foram atendidas em consultas de enfermagem nas Unidades Básicas de Saúde dos referidos municípios. O critério de exclusão adotado foi apresentar dificuldade auditiva ou de comunicação verbal, detectada no momento do convite, por observação do pesquisador, tendo em vista a importância dessas funções para aplicação dos instrumentos.

Dados do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010 mostraram que nos municípios onde se realizou este estudo a população de mulheres com faixa etária de 20 a 59 anos foi de 347.414. Com isso, para o cálculo da amostra mínima necessária, utilizou-se a fórmula para populações infinitas com base na proporção populacional: n= (Zα/2)2. p.q / E2, em que Zα/2 é o ponto da curva normal que corresponde ao intervalo de confiança desejado (95%); p compreende a proporção de indivíduos pertencentes à categoria a ser estudada, para a qual se considerou a estimativa da prevalência de transtornos mentais não psicóticos 39,4%(1717. Araújo TM, Pinho PS, Almeida MMG. Prevalence of psychological disorders among women according to socio demographic and housework characteristics. Rev Bras Saúde Matern. Infant. [Internet]. 2005 Jul/ Set [cited Jan 9, 2018]; 5 (3): p.337-48. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbsmi/v5n3/a10v5n3.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/rbsmi/v5n3/a10v...
); q é a proporção não pertencente à categoria (q=1– p); e E consiste no erro máximo de estimativa (5%).

A amostra mínima encontrada por meio do cálculo foi de 367, no entanto utilizou-se para esta investigação 369 mulheres. Dessa forma, essa amostra foi suficiente para viabilizar validade interna ao estudo, tendo em vista que torna possível gerar resultados que traduzem o que ocorre na população-alvo.

Essa amostra foi selecionada de forma aleatória e estratificada de forma proporcional conforme o número de atendimentos das unidades básicas de saúde de cada município estudado. O número de unidades básicas e de mulheres em cada município foi sorteado no software Excel 2010 a fim de evitar viés de seleção.

A coleta dos dados ocorreu de agosto de 2015 a maio de 2016 por equipe previamente treinada. Para este trabalho, os dados foram coletados pelos instrumentos: Conflict Tactic Scales (CTS-2), que verifica o autorrelato de violência por parceiro íntimo; e o Self Reporting Questionnaire (SRQ-20), que averigua a suspeição de transtornos mentais comuns. Ambos são de domínio público, traduzidos para o português, adaptados para a cultura brasileira e validados no Brasil.

Quanto aos indicadores da força psicométrica dos instrumentos, tem-se que o SRQ20 possui bom desempenho para avaliação da suspeição dos transtornos mentais comuns, ao mostrar que, apesar da natureza múltipla dos transtornos emocionais, o instrumento apresenta capacidade de identificar fatores, com fácil aplicabilidade e confiabilidade, indispensáveis para o rastreamento da saúde mental dos entrevistados(1818. Guirado GMP, Pereira NMP. Use of the Self-Reporting Questionnaire (SQR-20) for determination of physical and psycho-emotional symptoms in employees of a metallurgical industry located at Vale do Paraíba – Sao Paulo state – Brazil. Cad Saúde Coletiva. [Internet]. 2016 Mar [cited Mar 7, 2017]; 24 (1): 92-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/cadsc/v24n1/1414-462X-cadsc-24-1-92.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/cadsc/v24n1/141...
). As escalas CTS-2 possuem índices de boa fidelidade, validade, fácil compreensão e aplicação para verificar o autorrelato de violência por parceiro íntimo, sendo utilizadas em diversas realidades espaciais e sociais, constituindo-se como um instrumento confiável e eficaz (1919. Paiva CA, Figueiredo B. Portuguese version of “revised conflict tactics scales”: validation study. Psicol Teoria Prat. [Internet]. 2006 Dec [cited May 2, 2017]; 8 (2): 14-39. Available from:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872006000200002#2a.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
).

As CTS-2 são subdivididas em cinco dimensões, com duas subescalas cada: negociação (cognitiva e emocional); agressão psicológica (severo e menor); abuso físico sem sequelas (severo e menor); abuso físico com sequelas (severo e menor); e coerção sexual (severo e menor)(2020. Straus MA, Hamby S, Boney-McCoy S, Sugarman DB. The revised Conflict Tactics Scales (CTS2): Development and preliminary psychometric data. J Fam Issues. [Internet]. 1996 May [cited Jan 20, 2017]; 17 (3): 283-316. Available form: http://cowex.ca/userfiles/Conflict%20Tactics%20Scale%20-%20Strauss%20et%20al.pdf.
http://cowex.ca/userfiles/Conflict%20Tac...
-2121. Alexandra C, Figueiredo B. Portuguese version of “revised conflict tactics scales”: validation study. Psicol Teoria Prática. [Internet]. 2006 Dec [cited May 20, 2017]; 8(2): 14-39. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v8n2/v8n2a02.pdf.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v8n2/v...
). A resposta positiva a pelo menos um item de cada subescala foi considerada como presença de violência. A subescala negociação não foi analisada neste estudo.

O SRQ-20 é composto por 20 questões, medidas em escala nominal dicotomizada: (1) sim ou (0) não. Os itens dessa escala distribuem-se em quatro domínios: humor depressivo ansioso (4 itens); sintomas somáticos (6 itens); decréscimo de energia vital (6 itens); pensamentos depressivos (4 itens)(1111. Santos KOB, Araújo TM, Oliveira NF. Factor structure and internal consistency of the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) in an urban population. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2009 Jan [cited Apr 2, 2017]; 25 (1): 214-22. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pd...
). A afirmação positiva de pelo menos um item de cada domínio foi considerada como presença de sintomas de determinado domínio.

Dessa forma, as variáveis preditoras deste estudo foram os tipos de violência por parceiro íntimo (agressão psicológica, abuso físico sem sequelas, abuso físico com sequelas e coerção sexual), nos graus menor e severo. Enquanto os desfechos foram os domínios dos transtornos mentais comuns (humor depressivo ansioso, sintomas somáticos, decréscimo de energia vital e pensamentos depressivos). Todas as variáveis foram analisadas no nível de mensuração qualitativo.

A análise dos dados para este trabalho ocorreu de outubro a dezembro de 2017 e foram utilizados o software estatístico R, versão 3.4.1, na exploração e análise estatística dos dados, e análise bivariada para verificar a existência de associações, por meio do teste qui-quadrado ou exato de Fisher, quando não satisfeitas todas as pressuposições do teste qui-quadrado. Utilizou-se 5% de nível de significância. Para quantificar a intensidade da associação, utilizou-se o “odds ratio” e respectivos intervalos com 95% de nível de confiança.

Atendendo aos aspectos éticos, a análise de informações iniciou-se após aprovação do CEP (parecer nº 2.379.740/2017) e todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

Resultados

A Figura 1 mostrou que a prevalência de violência por parceiro íntimo entre as mulheres entrevistadas foi de 59,10%.

Figura 1
Prevalência de mulheres que relataram sofrer violência por parceiro íntimo, Teresina, PI, Brasil, 2015-2016

A Tabela 1 mostrou que as mulheres que relataram ter sofrido abuso físico sem sequelas, em grau menor e severo, apresentaram, respectivamente, 1,82 e 2,58 vezes mais chances de ter sintomas de humor depressivo ansioso, ao serem comparadas com as que não relataram. As mulheres que relataram ter sofrido abuso físico com sequelas, em grau menor, apresentaram 3,7 vezes mais propensão a ter sintomas de humor depressivo ansioso, quando comparadas com as que não relataram.

Tabela 1
– Associação entre o autorrelato de diferentes tipos de violência por parceiro íntimo, nos graus menor e severo, e sintomas de humor depressivo ansioso, Teresina, PI, Brasil, 2015-2016

Não houve associação estatisticamente significativa entre os tipos de violência e a presença de sintomas somáticos entre as mulheres entrevistadas (Tabela 2).

Tabela 2
Associação entre o autorrelato de diferentes tipos de violência por parceiro íntimo, nos graus menor e severo, e sintomas somáticos, Teresina, PI, Brasil, 2015-2016

Na Tabela 3 foi possível observar que as mulheres que relataram ter sofrido agressão psicológica, em grau menor, apresentaram 2,07 vezes mais chances de ter sintomas de decréscimo de energia vital em relação às que não relataram. Essa propensão aumentou para 2,27 vezes mais entre mulheres que relataram vivência com a agressão psicológica em grau severo.

Tabela 3
Associação entre o autorrelato dos tipos de violência por parceiro íntimo, nos graus menor e severo, e sintomas de decréscimo da energia vital, Teresina, PI, Brasil, 2015-2016

As participantes que relataram ter sofrido abuso físico sem sequelas, em menor grau, apresentaram 2,23 vezes mais propensão a apresentar sintomas de decréscimo de energia vital se comparadas com as que não relataram. As mulheres que relataram ter vivido esse mesmo tipo de violência em grau severo apresentaram 3,06 vezes mais chances de apresentar sintomas de decréscimo de energia vital. Já as que relataram abuso físico com sequelas, em grau menor, apresentaram 3,13 vezes mais propensão a possuir sintomas de decréscimo de energia vital.

Na Tabela 4, observou-se que mulheres que relatam agressão psicológica, em grau menor, possuem 2,93 mais chances de ter pensamentos depressivos que as que não relatam. Notou-se que as chances de mulheres que relatam violência psicológica, em grau severo, terem pensamentos depressivos aumentaram para 3,11 vezes em relação às que não relataram.

Tabela 4
Associação entre o autorrelato de diferentes tipos de violência por parceiro íntimo, nos graus menor e severo, e sintomas de pensamento depressivo, Teresina, PI, Brasil, 2015-2016

As mulheres que relataram sofrer agressão física sem sequelas, menor, tiveram 3,86 vezes mais propensão a desenvolver pensamentos depressivos que as que não relataram. Essa propensão aumentou para 6,13 vezes quando o grau se tornou severo. Já as que relataram coerção sexual, menor, apresentaram 2,47 vezes mais chances de apresentar pensamentos depressivos quando comparadas às que não relataram.

Notou-se que mulheres que relataram agressão física com sequelas, em grau menor, tiveram 5,92 vezes mais chances de desenvolver pensamentos depressivos se comparadas com aquelas que não relataram. Observou-se que quando o grau dessa violência passou a ser severo, as chances de a mulher apresentar sintomas de pensamentos depressivos aumentaram para 7,3 vezes mais.

Discussão

As violências psicológica, física e sexual, em intensidades menor e severa, relacionaram-se de diferentes formas com sintomas dos quatro domínios de transtornos mentais comuns.

Observou-se, neste estudo, que mulheres que relatavam sofrer abuso físico sem sequelas, em grau severo, e o abuso físico com sequelas, em grau menor, tiveram maiores chances de apresentar sintomas de humor depressivo ansioso. O humor depressivo ansioso é caracterizado por sintomas como nervosismo, tensão, preocupação, tristeza, choro e susto com facilidade(1111. Santos KOB, Araújo TM, Oliveira NF. Factor structure and internal consistency of the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) in an urban population. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2009 Jan [cited Apr 2, 2017]; 25 (1): 214-22. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pd...
).

A tristeza pode ser considerada em alguns indivíduos como um estágio inicial do quadro depressivo, o que permite considerar isso como um estado mental “em risco”(2222. Tebeka S, Pignon B, Amad A, Strat YL, Brichant-Petitjean C, Thomas P, et al. A study in the general population about sadness to disentangle the continuum from well-being to depressive disorders. J Affect Disord. [Internet]. 2018 Jan 15 [cited Jan 30, 2018]; 226: 66–71. Available from: http://www.jad-journal.com/article/S0165-0327(17)31316-2/fulltext
http://www.jad-journal.com/article/S0165...
). Assim, a identificação da tristeza na população em geral pode ser útil para detectar sujeitos vulneráveis ao desenvolvimento de transtornos mentais. Isso poderia ajudar a propor metas e estratégias de prevenção precoce desse agravo(2323. Mcgorry P, Nelson B. Why we need a transdiagnostic staging approach to emerging psychopathology, early diagnosis, and treatment. JAMA Psychiatry. [Internet]. 2016 Mar [cited Jan 3, 2018]; 73(3): 191-2. Available from: https://jamanetwork.com/journals/jamapsychiatry/article-abstract/2481380?redirect=true.
https://jamanetwork.com/journals/jamapsy...
). Para a vítima de violência por parceiro íntimo, a agressão por parte da pessoa com quem está emocionalmente envolvida pode gerar sentimento de impotência, queda da autoestima e depressão(2424. Verduin F, Engelhard EA, Rutayisire T, Stronks K, Scholte WF. Intimate Partner Violence in Rwanda: The Mental Health of Victims and Perpetrators. J Interpers Violence. [Internet]. 2013 Jun [cited Mar 22, 2018]; 28(9):1839-58. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23266996.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2326...
).

Os transtornos depressivos são maiores em mulheres que vivenciam violência por parceiro íntimo em comparação com as não vítimas. Esse mesmo autor descreve em seu estudo que mulheres que sofrem violência por parceiro íntimo possuem probabilidade quase em dobro de ter problemas relacionados à saúde mental(2525. Krahé B. Violence against women. Current Opinion in Psychology. [Internet]. 2018 Feb [cited Jan 3, 2018]; 19: 6-10. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2352250X17300489
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
).

Abusos físicos e verbais podem ser ações que gerem autorrecriminação intensa. No entanto, apesar do sofrimento gerado pelo agressor à mulher, esta não consegue vislumbrar sua condição de vítima por alimentar um sentimento de culpa pela violência sofrida. Com isso, essas mulheres têm dificuldade para amar, divertir-se, estudar e cuidar dos filhos(2626. Naves ET. Women and Violence. A Subjective Devastation. Rev Subjetividades. [Internet]. 2014 Dec [cited Mar 22, 2018]; 14(3): 454-62. Available from: http://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4483/3535.
http://periodicos.unifor.br/rmes/article...
).

Em pesquisa realizada com 298 mulheres que haviam sido vítimas de violência doméstica criminal por parceiro íntimo masculino, mostrou-se que a ameaça com uma arma de fogo, independente de outras formas de violência por parceiro íntimo, está relacionada a sintomas de transtorno de estresse pós-traumático em mulheres. Aproximadamente, um quarto da amostra (24,2%) experimentou ameaça com uma arma de fogo ao longo de seu relacionamento e 12,5% temiam que seus parceiros usassem uma arma de fogo contra elas(2727. Sullivan TP, Weiss NH. Is Firearm Threat in Intimate Relationships Associated with Posttraumatic Stress Disorder Symptoms Among Women? Violence Gend. [Internet]. 2017 Jun 1 [cited Jan 11, 2018]; 4 (2): 31-6. Available from: http://online.liebertpub.com/doi/abs/10.1089/vio.2016.0024.
http://online.liebertpub.com/doi/abs/10....
). Esse medo que circunda a vida de mulheres vítimas de violência por parceiro íntimo pode ser fator preponderante para o surgimento de transtornos mentais comuns.

Estudo desenvolvido na Suécia também mostrou resultados semelhantes ao apontar que mulheres expostas à violência física e sexual tiveram 3,78 vezes mais probabilidade de apresentar sintomas depressivos em comparação com mulheres sem experiência de tais violências(2828. Lövestad S, Löve J, Vaez M, Krantz G. Prevalence of intimate partner violence and its association with symptoms of depression; a cross-sectional study based on a female population sample in Sweden. BMC Public Health. [Internet]. 2017 Apr 20 [cited Jan 3, 2018]; 17 (335): 1-11. Available from: https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12889-017-4222-y?site=bmcpublichealth.biomedcentral.com.
https://bmcpublichealth.biomedcentral.co...
).

Pesquisa realizada com 775 gestantes em São Paulo mostrou que a violência doméstica e transtornos mentais foram altamente correlacionados. Cerca de 27,15% das mulheres entrevistadas experimentaram violência doméstica e cerca de 38,24% delas foram diagnosticadas com transtornos mentais. A principal associação encontrada foi entre a ansiedade e a violência física(2929. Ferraro AA, Rohde LA, Polanczyk GV, Argeu A, Miguel EC, Grisi SJFE, et al. The specific and combined role of domestic violence and mental health disorders during pregnancy on new-born health. BMC Pregnancy and Childbirth. [Internet]. 2017 Aug 1 [cited Jan 12, 2018]; 17 (257): 1-10. Available from: https://bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12884-017-1438-x?site=bmcpregnancychildbirth.biomedcentral.com.
https://bmcpregnancychildbirth.biomedcen...
). Outra pesquisa traz resultados semelhantes ao mostrar que 31,6% das mulheres violentadas por seus parceiros relataram experiência de pelo menos dois sintomas de depressão(2828. Lövestad S, Löve J, Vaez M, Krantz G. Prevalence of intimate partner violence and its association with symptoms of depression; a cross-sectional study based on a female population sample in Sweden. BMC Public Health. [Internet]. 2017 Apr 20 [cited Jan 3, 2018]; 17 (335): 1-11. Available from: https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12889-017-4222-y?site=bmcpublichealth.biomedcentral.com.
https://bmcpublichealth.biomedcentral.co...
).

Observou-se que os sintomas de humor depressivo ansioso se relacionam com o abuso físico com e sem sequelas. Isso não implica em afirmar que os demais tipos de violência não devem ser considerados, pois todos podem, de alguma forma, gerar impactos na vida das vítimas.

Esta pesquisa não apresentou resultados significativos no que se refere à associação entre tipos e intensidades de violência por parceiro íntimo e os sintomas somáticos. Esse domínio é caracterizado por sintomas como dores de cabeça, insônia, desconforto estomacal, má digestão, falta de apetite e tremores nas mãos(1111. Santos KOB, Araújo TM, Oliveira NF. Factor structure and internal consistency of the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) in an urban population. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2009 Jan [cited Apr 2, 2017]; 25 (1): 214-22. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pd...
).

A violência por parceiro íntimo é uma ocorrência comum e particularmente prevalente entre mulheres. Está relacionada com problemas de saúde mental, incluindo depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, uso de substâncias, distúrbios alimentares e uma série de condições psicossomáticas(3030. Stewart DE, Vigod SN. Mental Health Aspects of Intimate Partner Violence. Psychiatr Clin North Am. [Internet]. 2017 Jun [cited Jan 2, 2018]; 40(2): 321-34. Available from: http://www.psych.theclinics.com/article/S0193-953X(17)30012-6/pdf.
http://www.psych.theclinics.com/article/...
).

Um mesmo transtorno pode se manifestar de forma distinta em pessoas diferentes(3131. Juruena MF. The Diagnosis of Mental Disorders. Medicina (Ribeirão Preto, Online.). [Internet]. 2017 Jan-Feb [cited Jan 4, 2018]; 50 (Supl.1): 1-2. Available from: http://revista.fmrp.usp.br/2017/vol50-Supl-1/editorial-O-Diagnostico-dos-Transtornos-Mentais.pdf.
http://revista.fmrp.usp.br/2017/vol50-Su...
). A literatura mostra que a violência por parceiro íntimo está fortemente associada ao distúrbio do sono e à saúde mental(3232. Lalley-Chareczko L, Segal A, Perlis ML, Nowakowski S, Tal JZ, Grandner MA. Sleep Disturbance Partially Mediates the Relationship Between Intimate Partner Violence and Physical/ Health in Women and Men. J Interpers Violence. [Internet]. 2015 Jul 5 [cited Jan 4, 2018]; 32(16): 2471-95. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4710553/pdf/nihms-748341.pdf.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
). Indivíduos com transtornos mentais também apresentam o agravante de possuir relações sociais prejudicadas(3333. Ongeri L, McCulloch CE, Neylan TC, Bukusi E, Macfarlane SB, Othieno C, et al. Suicidality and associated risk factors in outpatients attending a general medical facility in rural Kenya. J Affect Disord. [Internet]. 2018 Jan 1 [cited Jan 4, 2018]; 225: 413-21. Available from: http://www.jad-journal.com/article/S0165-0327(17)31086-8/pdf.
http://www.jad-journal.com/article/S0165...
). Assim, os transtornos psiquiátricos comuns em vítimas de violência por parceiro íntimo podem incluir sintomas somáticos, ansiedade, insônia, disfunção social e depressão(3434. Soleimani R, Ahmadib R, Yosefnezhad A. Health consequences of intimate partner violence against married women: a population-based study in northern Iran. Psychol Health Med. [Internet]. 2017 Aug [cited Jan 4, 2018]; 22(7): 845-50. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13548506.2016.1263755?scroll=top&needAccess=true.
http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1...
).

Mesmo que este estudo não tenha mostrado associações estatisticamente significativas entre nenhum tipo de violência por parceiro íntimo e os sintomas somáticos, considera-se relevante citar esse domínio, tendo em vista que muitas mulheres e profissionais de saúde levam em consideração somente os aspectos físicos das patologias, sem atentar que esses efeitos podem ser sintomas somáticos de distúrbios psicológicos.

Foi possível verificar associações significativas entre agressão psicológica, em graus menor e severo; abuso físico sem sequelas, em graus menor e severo; e o abuso físico com sequelas, em grau menor, com a presença de sintomas de decréscimo da energia vital. Observou-se, ainda, que quando as violências psicológica e física foram severas as chances de a mulher apresentar sintomas de decréscimo da energia vital aumentaram.

Esse domínio é caracterizado por sintomas como cansaço com facilidade, dificuldades de tomar decisões ou ter satisfação em suas tarefas, dificuldade de pensar e ter sofrimento com atividades laborais(1111. Santos KOB, Araújo TM, Oliveira NF. Factor structure and internal consistency of the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) in an urban population. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2009 Jan [cited Apr 2, 2017]; 25 (1): 214-22. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pd...
).

Estudo realizado na Suécia com 573 mulheres que sofreram violência por parceiro íntimo apontou que, entre as mulheres entrevistadas, 45,7% relataram experimentar fadiga e cansaço visíveis todos os dias ou uma vez por semana, enquanto 29,7% relataram dificuldades em adormecer e mais 18,3% tiveram dificuldades em se concentrar nos últimos 12 meses(2828. Lövestad S, Löve J, Vaez M, Krantz G. Prevalence of intimate partner violence and its association with symptoms of depression; a cross-sectional study based on a female population sample in Sweden. BMC Public Health. [Internet]. 2017 Apr 20 [cited Jan 3, 2018]; 17 (335): 1-11. Available from: https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12889-017-4222-y?site=bmcpublichealth.biomedcentral.com.
https://bmcpublichealth.biomedcentral.co...
).

A violência física pode ter como consequências sintomas de decréscimo da energia vital por meio de dificuldades de despertar, menor interesse em alimentar e socializar com outros(3535. Slavich GM, Irwin MR. From stress to inflammation and major depressive disorder: a social signal transduction theory of depression. Psychol Bull. [Internet]. 2014 May [cited Jan 11, 2018]; 140(3): 774–815. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4006295/pdf/nihms561676.pdf.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
). Estudo realizado com mais de 24.000 mulheres encontrou uma associação entre violência por parceiro íntimo e a saúde precária, dificuldade para caminhar, realizar atividades diárias, perda de memória, tonturas e problemas reprodutivos(3636. Ellsberg M, Jansen HAFM, Heise L, Watts CH, Garcia-Moreno C. Intimate partner violence and women’s physical and mental health in the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence: an observational study. Lancet. [Internet]. 2008 Apr 5 [cited Jan 4, 2018]; 371(9619): 1165-72. Available from: https://ac.els-cdn.com/S014067360860522X/1-s2.0-S014067360860522X-main.pdf?_tid=16508ed2-f225-11e7-a114-00000aab0f6c&acdnat=1515162865_67b1f4e0f8207e58237ee66262f26375.
https://ac.els-cdn.com/S014067360860522X...
).

Outro estudo desenvolvido com 2091 mulheres mostrou que, quando se trata de padrão de violência por parceiro íntimo, a agressão psicológica é mais frequente que agressão física, coação sexual ou lesão(3434. Soleimani R, Ahmadib R, Yosefnezhad A. Health consequences of intimate partner violence against married women: a population-based study in northern Iran. Psychol Health Med. [Internet]. 2017 Aug [cited Jan 4, 2018]; 22(7): 845-50. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13548506.2016.1263755?scroll=top&needAccess=true.
http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1...
).

Notou-se que a severidade das agressões contribui para aumentar as chances de a mulher apresentar sintomas de decréscimo da energia vital. Assim, nota-se a importância da investigação cuidadosa por parte da equipe de saúde diante de casos de violência por parceiro íntimo a fim de buscar uma intervenção precoce desses casos, de forma a evitar o agravamento das consequências oriundas dos atos violentos.

Os pensamentos depressivos foram o domínio dos transtornos mentais comuns que apresentou associação significativa com mais tipos e intensidades de violência por parceiro íntimo, dentre eles agressão psicológica, em graus menor e severo; agressão física sem sequelas, em graus menor e severo; agressão física com sequelas, em graus menor e severo; e coerção sexual, em grau menor. Ressalta-se que a severidade das agressões que tiveram associação estatisticamente significativa elevou as chances de mulheres apresentarem sintomas de pensamentos depressivos.

Se enquadram nesse domínio pessoas que se sentem incapazes de desempenhar papel útil na vida, perdem o interesse pelas coisas, sentem-se inúteis e pensam em dar fim à própria vida(1111. Santos KOB, Araújo TM, Oliveira NF. Factor structure and internal consistency of the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) in an urban population. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2009 Jan [cited Apr 2, 2017]; 25 (1): 214-22. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n1/23.pd...
).

Em estudo desenvolvido na França, com 38.694 indivíduos, a tristeza foi associada a problemas psiquiátricos e ao suicídio(2222. Tebeka S, Pignon B, Amad A, Strat YL, Brichant-Petitjean C, Thomas P, et al. A study in the general population about sadness to disentangle the continuum from well-being to depressive disorders. J Affect Disord. [Internet]. 2018 Jan 15 [cited Jan 30, 2018]; 226: 66–71. Available from: http://www.jad-journal.com/article/S0165-0327(17)31316-2/fulltext
http://www.jad-journal.com/article/S0165...
). O risco de suicídio é significativamente maior entre indivíduos com má saúde física e/ou mental(3333. Ongeri L, McCulloch CE, Neylan TC, Bukusi E, Macfarlane SB, Othieno C, et al. Suicidality and associated risk factors in outpatients attending a general medical facility in rural Kenya. J Affect Disord. [Internet]. 2018 Jan 1 [cited Jan 4, 2018]; 225: 413-21. Available from: http://www.jad-journal.com/article/S0165-0327(17)31086-8/pdf.
http://www.jad-journal.com/article/S0165...
). Outro estudo mostrou que 42% das mulheres, que sofreram violência por parceiro íntimo, relataram ideação suicida e 31% relataram ter tentado suicídio em algum momento de sua vida(3737. Karakurt G, Smith D, Whiting J. Impact of Intimate Partner Violence on Women’s Mental Health. J Fam Viol. [Internet]. 2014 Oct [cited Jan 4, 2018]; 29(7): 693-702. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4193378/pdf/nihms622820.pdf.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
). Uma revisão sistemática recente também apontou que mulheres que foram expostas à violência por parceiro íntimo podem estar em alto risco de morte por suicídio(3838. Macisaac MB, Bugeja LC, Jelinek GA. The association between exposure to interpersonal violence and suicide among women: a systematic review. Aust N Z J Public Health. [Internet]. 2017 Feb [cited Jan 4, 2018]; 41(1): 61-9. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1753-6405.12594/pdf.
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.11...
).

Estudo com 134 mulheres em uma cidade da Costa do Golfo-EUA mostrou que 28% da amostra relataram tentativa de suicídio e 20% afirmaram ter ideação suicida. As correlações indicaram que o a ideação e as tentativas de suicídio foram amplamente associadas ao controle coercivo por parte do companheiro(3939. Wolford-Clevenger C, Smith PN. The conditional indirect effects of suicide attempt history and psychiatric symptoms on the association between intimate partner violence and suicide ideation. Pers Individ Dif. [Internet]. 2017 Feb 1 [cited Jan 4, 2018]; 106: 46-51. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5647881/pdf/nihms875268.pdf.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

O abuso psicológico, incluindo controlar o comportamento, é tão prejudicial para a saúde da mulher quanto outras formas de violência por parceiro íntimo. É usado pelo perpetrador para obter obediência e dependência, além de gerar privação de aspectos importantes na vida cotidiana da mulher, como recursos econômicos, vida social e direito a trabalho remunerado(4040. Stark E. Looking beyond domestic violence: policing coercive control. J Police Crisis Negotiations. [Internet]. 2012 Oct 19 [cited Jan 3, 2018]; 12(2): 199–217. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/15332586.2012.725016?scroll=top&needAccess=true.
http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1...
).

Estudo realizado com 390 mulheres adultas em Pernambuco mostrou que a incidência de transtornos mentais comuns foi de 44,6% entre as mulheres que relataram violência por parceiro íntimo nos últimos 12 meses e 43,4% nos últimos sete anos. Os distúrbios mentais permaneceram associados à violência psicológica, mesmo na ausência de violência física ou sexual. Entretanto, quando a violência psicológica foi concomitante à violência física ou sexual, o risco de transtornos mentais comuns foi ainda maior(4141. Mendonça MFS, Ludermir AB. Intimate partner violence and incidence of common mental disorder. Rev Saúde Pública. [Internet]. 2017 Mar 22 [cited Jan 2, 2018]; 51(32): 1-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5396502/pdf/0034-8910-rsp-S1518-87872017051006912.pdf.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

É primordial destacar que mulheres expostas ao controle de comportamento possuem maior probabilidade de apresentar sintomas de depressão(2828. Lövestad S, Löve J, Vaez M, Krantz G. Prevalence of intimate partner violence and its association with symptoms of depression; a cross-sectional study based on a female population sample in Sweden. BMC Public Health. [Internet]. 2017 Apr 20 [cited Jan 3, 2018]; 17 (335): 1-11. Available from: https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12889-017-4222-y?site=bmcpublichealth.biomedcentral.com.
https://bmcpublichealth.biomedcentral.co...
). Esta é classificada pela Organização Mundial de Saúde como o principal contribuinte para mortes por suicídio(2424. Verduin F, Engelhard EA, Rutayisire T, Stronks K, Scholte WF. Intimate Partner Violence in Rwanda: The Mental Health of Victims and Perpetrators. J Interpers Violence. [Internet]. 2013 Jun [cited Mar 22, 2018]; 28(9):1839-58. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23266996.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2326...
). Estudo longitudinal, nacionalmente representativo, desenvolvido na Coreia, mostrou que mulheres vítimas de violência por parceiro íntimo possuem quatro vezes mais chances de apresentar sintomas de depressão e aproximadamente sete vezes maior propensão de ter ideação suicida, quando comparadas às mulheres que não experimentaram violência por parceiro íntimo(4242. Park GR, Park E, Jun J, Kim N. Association between intimate partner violence and mental health among Korean married women. Public Health. [Internet]. 2017 Nov [cited Jan 4, 2018]; 152: 86-94. Available from: http://www.publichealthjrnl.com/article/S0033-3506(17)30261-5/pdf.
http://www.publichealthjrnl.com/article/...
).

Mulheres expostas a condições físicas e sexuais de violência também são mais suscetíveis a sintomas depressivos(2828. Lövestad S, Löve J, Vaez M, Krantz G. Prevalence of intimate partner violence and its association with symptoms of depression; a cross-sectional study based on a female population sample in Sweden. BMC Public Health. [Internet]. 2017 Apr 20 [cited Jan 3, 2018]; 17 (335): 1-11. Available from: https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12889-017-4222-y?site=bmcpublichealth.biomedcentral.com.
https://bmcpublichealth.biomedcentral.co...
). Estudo realizado com 1.049 mulheres na Tanzânia corrobora com essa informação ao mostrar que violência física e sexual foram associadas ao aumento do relato de sintomas de má saúde mental(4343. Kapiga S, Harvey S, Muhammad AK, Stöckl H, Mshana G, Hashim R, et al. Prevalence of intimate partner violence and abuse and associated factors among women enrolled into a cluster randomized trial in northwestern Tanzania. BMC Public Health. [Internet]. 2017 Feb 14 [cited Jan 2, 2018]; 17(190): 1-11. Available from: https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12889-017-4119-9?site=bmcpublichealth.biomedcentral.com.
https://bmcpublichealth.biomedcentral.co...
).

No entanto, é relevante salientar que os casais, muitas vezes, não mencionam temas como violência sexual, mesmo quando estão presentes(2626. Naves ET. Women and Violence. A Subjective Devastation. Rev Subjetividades. [Internet]. 2014 Dec [cited Mar 22, 2018]; 14(3): 454-62. Available from: http://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4483/3535.
http://periodicos.unifor.br/rmes/article...
). Fato que contribui para que mulheres que experimentaram abuso sexual, também, apresentem maior risco de suicídio(4444. Devries KM, Mak JY, Bacchus LJ, Child JC, Falder G, Petzold M, et al. Intimate partner violence and incident depressive symptoms and suicide attempts: a systematic review of longitudinal studies. PLoS Med. [Internet]. 2013 May 7 [cited Jan 4, 2018]; 10 (5): 1-11. Available from: http://journals.plos.org/plosmedicine/article/file?id=10.1371/journal.pmed.1001439&type=printable.
http://journals.plos.org/plosmedicine/ar...
).

Estudo mostrou que violência sexual foi associada à maior gravidade dos sintomas de transtorno de estresse pós-traumático(2828. Lövestad S, Löve J, Vaez M, Krantz G. Prevalence of intimate partner violence and its association with symptoms of depression; a cross-sectional study based on a female population sample in Sweden. BMC Public Health. [Internet]. 2017 Apr 20 [cited Jan 3, 2018]; 17 (335): 1-11. Available from: https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s12889-017-4222-y?site=bmcpublichealth.biomedcentral.com.
https://bmcpublichealth.biomedcentral.co...
). Em estudo realizado na Austrália com 230 mulheres adultas, mais da metade da amostra tinha experimentado pelo menos um incidente de violência sexual. A maioria relatou carícias indesejadas e ser forçada ao sexo devido à pressão e coerção por parte do parceiro. Outra forma de violência sexual encontrada nessa pesquisa foi o fato de o companheiro recusar o uso do preservativo quando foi convidado a fazê-lo. As mulheres que experimentaram violência sexual tiveram maior probabilidade de ter ansiedade, sentirem-se abatidas, deprimidas ou sem esperança(4545. Tarzia L, Maxwell S, Valpied J, Novy K, Quake R, Hegarty K. Sexual violence associated with poor mental health in women attending Australian general practices. Aust N Z J Public Health. [Internet]. 2013 Oct [cited Jan 4, 2018]; 41 (5): 518-23. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1753-6405.12685/epdf.
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.11...
).

A prevalência de sintomas de ansiedade e depressão entre essas mulheres sugere que todas as formas de violência sexual devem ser consideradas como um fator potencial importante para a suspeição de transtornos mentais comuns(4545. Tarzia L, Maxwell S, Valpied J, Novy K, Quake R, Hegarty K. Sexual violence associated with poor mental health in women attending Australian general practices. Aust N Z J Public Health. [Internet]. 2013 Oct [cited Jan 4, 2018]; 41 (5): 518-23. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1753-6405.12685/epdf.
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.11...
). Os eventos estressantes da vida, especialmente perdas pessoais, negligência e abuso físico, emocional ou sexual, aumentam a probabilidade de doença mental ao tornarem a resposta cerebral mais intensa e hipersensível ao estresse(3131. Juruena MF. The Diagnosis of Mental Disorders. Medicina (Ribeirão Preto, Online.). [Internet]. 2017 Jan-Feb [cited Jan 4, 2018]; 50 (Supl.1): 1-2. Available from: http://revista.fmrp.usp.br/2017/vol50-Supl-1/editorial-O-Diagnostico-dos-Transtornos-Mentais.pdf.
http://revista.fmrp.usp.br/2017/vol50-Su...
).

Outro estudo desenvolvido na Austrália com 1163 mulheres destacou que a gravidade da lesão em mulheres agredidas por parceiros íntimos é maior que a da lesão provocada por terceiros, de modo que foi observada lesão moderada ou grave em 30,4% de mulheres abusadas sexualmente por parceiros íntimos, 16,4% por estranhos e 14,9% por amigos/ conhecidos(4646. Zilkens RR, Smith DA, Kelly M, Mukhtar SA, Semmens JB, Phillips MA. Sexual assault and general body injuries: A detailed cross-sectional Australian study of 1163 women. Forensic Sci Int. [Internet]. 2017 Oct [cited Feb 4, 2018]; 279: 112-20. Available from: https://ac.els-cdn.com/S0379073817303006/1-s2.0-S0379073817303006-main.pdf?_tid=a1053800-0dcf-11e8-b870-00000aab0f01&acdnat=1518204784_c3c7695ec69aae49eeae431b4a0dce31.
https://ac.els-cdn.com/S0379073817303006...
).

Estudo realizado em Rasht, no Irã, com um total de 2.091 mulheres casadas, apontou que o tipo de violência por parceiro íntimo mais prevalente foi a agressão psicológica, mas estiveram presentes também a agressão física, coação sexual ou lesão. Os domínios dos transtornos mentais comuns nas vítimas de violência por parceiro íntimo foram significativamente afetados nos seguintes aspectos: sintomas somáticos ansiedade/insônia, disfunção social e depressão. O abuso psicológico e sexual foram preditores de todos esses aspectos da saúde mental, exceto da disfunção social(3434. Soleimani R, Ahmadib R, Yosefnezhad A. Health consequences of intimate partner violence against married women: a population-based study in northern Iran. Psychol Health Med. [Internet]. 2017 Aug [cited Jan 4, 2018]; 22(7): 845-50. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13548506.2016.1263755?scroll=top&needAccess=true.
http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1...
).

Assim, a prevalência dos diferentes tipos de violência por parceiro íntimo entre mulheres é bastante elevada. As descobertas de que os abusos psicológico, físico e sexual são frequentemente experimentados simultaneamente e que todos os tipos de violência podem resultar em problemas de saúde mental sugerem que os profissionais de saúde devem visualizar todas as vítimas de violência por parceiro íntimo como potenciais suspeitas de disfunção de saúde mental(3434. Soleimani R, Ahmadib R, Yosefnezhad A. Health consequences of intimate partner violence against married women: a population-based study in northern Iran. Psychol Health Med. [Internet]. 2017 Aug [cited Jan 4, 2018]; 22(7): 845-50. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13548506.2016.1263755?scroll=top&needAccess=true.
http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1...
).

Quanto mais grave for a violência, mais elevado o risco de traumas psicológicos. Formas mais severas e recentes de violência produzem sintomas mais graves de trauma, especialmente distúrbios de ansiedade. No caso de ansiedade fóbica, os sintomas desaparecem ao longo do tempo, independentemente da gravidade da vitimização(4747. Moya A. Violence, psychological trauma, and risk attitudes: Evidence from victims of violence in Colombia. J Develop Econ. [Internet]. 2018 Mar [cited Feb 4, 2018]; 131: 15-27. Available from: https://ac.els-cdn.com/S0304387817300949/1-s2.0-S0304387817300949-main.pdf?_tid=0ad82aae-f227-11e7-981d-00000aab0f6b&acdnat=1515163696_7f252d2d6200f5616b2074d3e18fc937.
https://ac.els-cdn.com/S0304387817300949...
). Isso indica que a resolução dos problemas protege as pessoas de eventos estressantes da vida(3131. Juruena MF. The Diagnosis of Mental Disorders. Medicina (Ribeirão Preto, Online.). [Internet]. 2017 Jan-Feb [cited Jan 4, 2018]; 50 (Supl.1): 1-2. Available from: http://revista.fmrp.usp.br/2017/vol50-Supl-1/editorial-O-Diagnostico-dos-Transtornos-Mentais.pdf.
http://revista.fmrp.usp.br/2017/vol50-Su...
).

Pesquisa desenvolvida na Espanha com 10.171 mulheres, amostra representativa nacional, mostrou que o comportamento de controle, as violências física e sexual atuais, também, foram associados com a mais alta probabilidade de relatar resultados de má saúde emocional, quando comparados à violência anterior(4848. Rio ID, Valle ESG. The Consequences of Intimate Partner Violence on Health: A Further Disaggregation of Psychological Violence-Evidence From Spain. Violence Against Women. [Internet]. 2017 Oct 11 [cited Feb 8, 2018]; 23(14): 1771-89. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1077801216671220.
http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1...
).

Observou-se que tanto a violência psicológica quanto a física e a sexual elevaram as chances de mulheres terem sintomas de pensamentos depressivos. Esse foi o único domínio que apresentou associação com esses três tipos de violência. Isso torna-se preocupante quando se considera que dentre os sintomas deste domínio dos transtornos mentais comuns está a ideação suicida. Pela gravidade dos sintomas apresentados é indispensável que gestores e profissionais de saúde busquem estratégias para captação e acompanhamento dessas mulheres, contribuindo, dessa forma, para o enfrentamento desse agravo por meio do empoderamento feminino.

Após discussão apresentada, sugere-se que estudos mais específicos sobre ideação suicida e demais sintomas de pensamentos depressivos relacionados com violência por parceiro íntimo entre mulheres sejam realizados. A partir do conhecimento aprofundado sobre a temática será possível o desenvolvimento de estratégias mais eficazes por parte dos profissionais de saúde.

Das limitações apresentadas pelo estudo, tem-se o fato do SRQ-20 especificamente rastrear casos suspeitos de transtornos mentais comuns. Apesar do SRQ-20 ter padrões considerados confiáveis para estudos de prevalência, o ideal para diagnóstico seria a consulta com psiquiatra. No entanto, essa limitação não diminui a importância dos resultados alcançados neste trabalho, tendo em vista que ao identificar casos suspeitos a equipe multiprofissional poderá encaminhar as pacientes para consulta especializada.

Ressalta-se que este estudo não possui poder de generalização para a população geral, tendo em vista que foi desenvolvido apenas com mulheres adultas de cinco cidades do Piauí, apesar da amostra ter sido selecionada de forma aleatória e ser representativa da população-alvo, fato que viabiliza validade interna ao estudo. Recomenda-se, dessa forma, o desenvolvimento de estudos multicêntricos sobre essa temática com mulheres de diferentes regiões.

Os profissionais da saúde, em especial aqueles que atuam na atenção primária e saúde mental, são fundamentais para o cuidado. A equipe de saúde deve estar preparada para reconhecer casos de violência por parceiro íntimo e os domínios de transtornos mentais comuns a fim de atender de forma eficaz a essas mulheres, de modo a não somente identificar a violência, como também notificar, prevenir sequelas, buscar recursos para organizar projetos terapêuticos e, se necessário, encaminhar as vítimas aos serviços de apoio mais adequados à situação de violência ou de saúde mental. Isso contribuirá para que vítimas de violência por parceiro íntimo adotem comportamentos que auxiliem na conquista de sua autonomia e proteção do seu bem-estar.

Conclusão

Observou-se que os diferentes tipos e intensidades de violência por parceiro íntimo se associam com os domínios dos transtornos mentais comuns em mulheres, de modo que foram observadas relações entre as violências psicológica, física e sexual (em graus menor e severo) e os sintomas de humor depressivo ansioso, decréscimo da energia vital e pensamentos depressivos.

Portanto, nota-se que foi de suma relevância analisar de forma específica qual o tipo e intensidade de violência que se relacionam com os diferentes domínios de transtornos mentais comuns. Isso poderá contribuir para intervenções mais precisas por parte dos profissionais de saúde a mulheres vítimas de formas singulares de violência. Vale destacar que tanto o grau menor quanto o grau severo da violência por parceiro íntimo foram associados com o desenvolvimento de sintomas de transtornos mentais comuns em seus diferentes domínios.

Isso torna possível afirmar que embora a violência sofrida seja considerada leve, pode desencadear efeitos psicológicos degradantes na vida de mulheres agredidas. Esse aspecto merece atenção de profissionais da saúde que, em parte das vezes, observam somente aspectos físicos severos da violência por parceiro íntimo, sem atentar para as consequências psicológicas e sexuais. Estas, em muitas situações, são negligenciadas por serem consideradas privativas da vida pessoal do casal.

Referências

  • *
    Artigo extraído da tese de doutorado “Suspeição de transtornos mentais não psicóticos em mulheres e sua relação com a violência por parceiro íntimo”, apresentada à Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 443107/2014-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2018
  • Aceito
    24 Set 2018
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br