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Uso de bebidas alcoólicas por trabalhadores do serviço de coleta de lixo

Resumos

O presente estudo teve como objetivo descrever o consumo de álcool em 100 trabalhadores do serviço de coleta de lixo na periferia da região sul do município de São Paulo. Foi utilizado como referencial metodológico o estudo transversal. A coleta de dados foi realizada através do questionário QRCAP, baseado no questionário AUDIT. Os resultados mostraram que 94% dos sujeitos ingerem algum tipo de bebida alcoólica, sendo que 15% foram considerados dependentes. A influência de amigos foi apontada como maior motivo para a iniciação do vício (46%). Sessenta e sete por cento dos sujeitos já sentiram algum sintoma conseqüente da ingesta de bebida alcoólica e 80% disseram ter medo de adoecerem mentalmente em virtude do vício. Situações externas e internas foram por eles citadas como precursoras do uso de álcool. Contudo, foi evidenciado que a falta de orientação e de informação acerca do álcool contribuem para a prevalência dessa doença.

alcoolismo; serviço de limpeza; saúde do trabalhador; enfermagem


The present study aimed to describe the alcohol consumption of a hundred workers of the garbage collection service in the peripheral South region of São Paulo, SP, Brazil. The Transversal Study was adopted as the theoretical-methodological referential. Data were collected through the questionnaire QRCAP, based on the questionnaire AUDIT. The results showed that 94% of the interviewees ingest some kind of alcoholic beverage, while 15% were considered dependents. Peer pressure was pointed as the main reason to initiate the habit (46%). A total of 67% of the interviewees had already felt some symptom as the result of the ingestion of alcohol and 80% reported to be afraid of getting mentally ill due to the vice. External and internal situations were reported as the precursors of alcohol consumption. However, it was evidenced that the lack of orientation and information contributes for the prevalence of this illness.

alcoholism; housekeeping; occupational health; nursing


El estudio tuvo como objetivo describir el consumo de alcohol en 100 trabajadores que trabajan recolectando basura en los alrededores de la región sur del municipio de São Paulo. Se utilizó como metodología el estudio transversal. La recolección de datos fue realizada a través del cuestionario QRCAP, el cual sea basa en el cuestionario AUDIT. Los resultados muestran que 94% de los sujetos ingieren algún tipo de bebida alcohólica, de los cuales 15% fueron considerados como dependientes. La influencia de los amigos fue señalada como el mayor motivo para iniciar con el vicio (46%). Sesenta y siete por ciento de los sujetos había sentido algún síntoma como consecuencia del consumo de bebida alcohólica, 80% mencionaron tener miedo adquirir enfermedad mental debido al vicio. Condiciones externas e internas fueron citadas como resultado del uso del alcohol. No obstante, se evidenció que la falta de orientación e información sobre el alcohol contribuye con su prevalencia.

alcoholismo; servicio de limpieza; salud laboral; enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Uso de bebidas alcoólicas por trabalhadores do serviço de coleta de lixo

Alessandra dos Santos MabuchiI; Daniel Francis de OliveiraI; Marlúcia Pereira de LimaI; Miriã Barbosa da ConceiçãoI; Hugo FernandesII

IAluno do curso de graduação em Enfermagem, e-mail: ale.m.s@uol.com.br

IIMestre em Enfermagem, Docente da Faculdade Ítalo Brasileira, e-mail: hugoenf@yahoo.com.br

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo descrever o consumo de álcool em 100 trabalhadores do serviço de coleta de lixo na periferia da região sul do município de São Paulo. Foi utilizado como referencial metodológico o estudo transversal. A coleta de dados foi realizada através do questionário QRCAP, baseado no questionário AUDIT. Os resultados mostraram que 94% dos sujeitos ingerem algum tipo de bebida alcoólica, sendo que 15% foram considerados dependentes. A influência de amigos foi apontada como maior motivo para a iniciação do vício (46%). Sessenta e sete por cento dos sujeitos já sentiram algum sintoma conseqüente da ingesta de bebida alcoólica e 80% disseram ter medo de adoecerem mentalmente em virtude do vício. Situações externas e internas foram por eles citadas como precursoras do uso de álcool. Contudo, foi evidenciado que a falta de orientação e de informação acerca do álcool contribuem para a prevalência dessa doença.

Descritores: alcoolismo; serviço de limpeza; saúde do trabalhador; enfermagem

INTRODUÇÃO

O álcool é a droga psicoativa legal e social mais antiga. Sua forma de consumo como conduta individual, familiar ou cultural é influenciada por crenças, hábitos e significados atribuídos a seus efeitos euforizantes, afrodisíacos, relaxantes, indutores do sono e ansiolíticos(1).

O consumo de bebidas alcoólicas é problema de enorme interesse na Saúde Pública, já que afeta não só a saúde do consumidor, mas ocasiona problemas econômicos, sociais e psicológicos de enorme repercussão na família e na sociedade(2-5).

De acordo com o Ministério da Saúde, no Estado de São Paulo, pelo menos 1 milhão de pessoas sofrem desse mal. O alcoolismo é o terceiro motivo de absenteísmo no trabalho e a oitava causa para a concessão de auxílio-doença do Ministério de Previdência Social(6-7), sendo que as situações de trabalho que representam risco maior para o consumo alcoólico são as atividades socialmente desprivilegiadas, onde a tensão gerada é constante. Entre essas atividades encontra-se os trabalhadores do serviço de limpeza urbana(2).

Esses profissionais são chamados genericamente de lixeiros ou garis e a visão social desse grupo de trabalhadores e sua própria auto-imagem são problemáticas do ponto de vista de nossa sociedade. Ocorre que há menosprezo pela referida ocupação que se origina dos próprios lixeiros, de suas condições econômicas e de trabalho adversas, que dinamicamente interagem com a imagem social da própria profissão. Os coletores de lixo vêem-se obrigados, diariamente, a ter que lidar com uma realidade tão universalmente abjeta, sem receberem salários condignos, socialmente eqüitativos, até mesmo quando comparados àqueles de outras categorias pertencentes ao setor terciário, no qual se inserem. Não existem, portanto, condições em que qualquer negociação social de prestígio profissional pudesse superar ambas as fontes de mal-estar psíquico em relação à vida e identidade profissional dos lixeiros(8).

Como forma de fugir do sofrimento mental e da sobrecarga emocional, ligadas ou decorrentes, das condições de trabalho, alguns profissionais de limpeza urbana encontram no álcool uma saída, o que induz a quadros graves de dependência alcoólica(9).

Trabalhos desenvolvidos em hospitais gerais, de várias regiões do Brasil, reportaram que de 9 a 32% dos óbitos de pacientes estão relacionados ao abuso e consumo de bebidas alcoólicas. No Brasil, deve-se considerar, ainda, que o alcoolismo não é diagnosticado corretamente nas consultas e internações, prejudicando, portanto, interpretações mais precisas quanto a esse tipo de adoecimento. Na realidade, é possível falar da falta de capacitação dos profissionais como algo a ser pensado e repensado nas propostas políticas e de efetivação na Saúde Pública, portanto, estudos acerca do alcoolismo contribuem para o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos profissionais que lutam contra a dependência química, buscando, assim, fornecer novos elementos para a análise do sujeito, levando-se em consideração os aspectos objetivos e subjetivos do adoecimento pelo álcool no local de trabalho(7).

Por tudo o que foi descrito, o presente estudo teve como objetivo descrever o consumo de álcool em trabalhadores do serviço de coleta de lixo, pontuando os fatores responsáveis pela iniciação no vício e o impacto dessa realidade na vida social e profissional desses trabalhadores, fornecendo, dessa forma, subsídios para o cuidado mais específico.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo de corte transversal, descritivo, uma vez que o que se pretendeu com essa investigação foi descrever o uso de bebidas alcoólicas, os motivos e as conseqüências desse hábito em 100 trabalhadores do serviço de coleta de lixo do município de São Paulo.

A coleta de dados foi realizada em uma companhia responsável pela limpeza pública de três bairros da periferia da zona sul da capital paulistana, sendo que os sujeitos foram cooptados pela amostra de "bola de neve". Optou-se por esse tipo de amostragem por adentrar-se em uma esfera rodeada de estigmas, cuja população alvo é de difícil acesso. Nesse tipo de amostragem os sujeitos convidados a participar do estudo indicam outros possíveis participantes, aumentando substancialmente a possibilidade de localizar características de interesse na pesquisa.

Sabe-se que o tipo de amostragem aqui utilizada gera algumas limitações como vieses importantes na validade externa de estudos com essa característica, além da impossibilidade de generalizar resultados, devido ao tamanho da amostra(10). Ainda assim, os autores consideram que a originalidade dos achados supera as limitações do estudo em questão, devido à escassez de dados de pesquisa, existentes em nosso meio, cuja abordagem reporte, concomitantemente, tanto ao uso de álcool como às atividades socialmente desprivilegiadas.

Antes da iniciação da pesquisa foi dada rápida explicação aos sujeitos envolvidos sobre os objetivos do estudo, o método de coleta de dados e a importância da colaboração dos participantes. Foi solicitado, ainda, autorização para a realização do estudo nas dependências da companhia, sob supervisão da assistente social do local.

Em respeito aos princípios éticos da pesquisa com seres humanos e atendendo à resolução 196/96 do CNS, solicitou-se a participação voluntária dos sujeitos por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para identificar e estratificar o alcoolismo foi aplicado um questionário denominado QRCAP. Esse questionário foi elaborado por Mabuchi, uma das autoras deste estudo, e foi baseado no The Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT), elaborado pela Organização Mundial da Saúde, em 1992, instrumento de auto-relato desenvolvido para identificar vários padrões de uso de álcool, de fácil aplicação e correção e com validação transcultural(11). O QRCAP (Questionário: Relação do Consumo de Álcool com a Profissão) tem como objetivo, além de pontuar a freqüência, a quantidade, a dependência, danos e conseqüências desse consumo, avaliar a relação do consumo etílico com o trabalho exercido por esses profissionais, identificando os motivos de iniciação no vício, o uso ou não de álcool durante o expediente de trabalho, os sintomas relacionados à ingestão de álcool e os temores dos sujeitos diante do vício.

As respostas dadas ao questionário foram analisadas e as informações obtidas foram submetidas à análise do conteúdo temático. Os resultados aqui descritos estão apresentados em forma de tabelas e são discutidos posteriormente, permitindo a compreensão dos mesmos.

RESULTADOS

Os resultados mostraram que 91% dos sujeitos era do sexo masculino e 9% era do sexo feminino. Desse total, 6 mulheres, caracterizando 66,7% da amostra feminina, fazia uso de algum tipo de bebida alcoólica, mas não foram consideradas dependentes. Cinquenta e dois por cento dos sujeitos não tinha concluído o ensino fundamental e apenas 9% concluiu o ensino médio. A faixa etária dos sujeitos variou entre 20 e 59 anos.

Constatou-se que a freqüência com que os sujeitos fazem uso de bebida alcoólica é bem alta, conforme ilustrado na Tabela 1. Noventa e quatro por cento dos sujeitos ingere algum tipo de substância etílica, ainda que eventualmente. Dos 91 homens pesquisados, 96,7% ingere bebidas alcoólicas, sendo que a maioria iniciou seu uso na adolescência. Apenas seis dos sujeitos (6%) responderam que nunca fizeram uso de bebida alcoólica, todos com ensino fundamental incompleto.

Quanto à freqüência de consumo, 34% dos sujeitos, do sexo masculino, ingeria álcool 4 ou mais vezes por semana, dos quais 15% alegou ingerir mais de 3 taças diariamente, o que evidencia a dependência alcoólica. Além disso, 18% dos trabalhadores pesquisados disse beber ou já ter bebido durante o expediente de trabalho.

A Tabela 2 resume a preocupação dos sujeitos quanto ao acometimento de alguma doença relacionada ao álcool e os sintomas vivenciados por eles com o uso da bebida. Trinta e três por cento disse nunca ter sentido qualquer efeito colateral, enquanto 67% disse sentir, ou já ter sentido, algum sintoma, 28% dos sujeitos afirmou já ter vivenciado quadros convulsivos ou alucinatórios ao ingerir grande quantidade de álcool, sintomas freqüentes no grupo de entrevistados considerado dependente. A cirrose hepática foi tida pelos pesquisados como a doença, conseqüente da bebida, que mais os amedronta. Houve sujeitos que marcaram a coluna "outros" (3%), descrevendo nessa coluna que as conseqüências relacionadas ao álcool, que mais lhes causavam pânico, eram o medo de serem assassinados ao se envolverem em brigas enquanto alcoolizados e a desestruturação familiar.

Observou-se que 54% dos sujeitos não conhecia ninguém que tivesse adquirido algum distúrbio psíquico ou de comportamento em virtude da bebida. No entanto, no questionário havia uma lacuna onde os sujeitos podiam fazer observações e, nessas observações, 80% dos sujeitos mencionou ter medo de sofrer algum distúrbio mental ou de comportamento decorrente do consumo de álcool, tais como retardo mental por traumatismo crânioencefálico secundário à queda enquanto alcoolizados, síndrome do pânico, agressividade e perda de controle em ocasiões diversas.

A Tabela 3 indica os motivos que facilitaram a ingestão do álcool, procurando avaliar a que os sujeitos associam o fato de alguns fazerem da bebida alcoólica um vício. Os estressores relacionados ao serviço de limpeza pública foram apontados como precursores da iniciação na bebida, caracterizando ao todo 30% das respostas. No entanto, a maioria, 46% dos sujeitos, associou o início da ingestão de bebidas alcoólicas à influência de amigos. Outros motivos como "beber para descontrair um pouco", "miséria", "separação matrimonial", "lazer" e "desemprego" também foram citados pelos sujeitos e correspondem a 18% da opinião, no item denominado "outros". Os 6% da amostra que afirmaram nunca ter ingerido álcool, alegaram tal situação ao fato de pertencerem a alguma religião.

Quando perguntado aos sujeitos se os comerciantes da região, onde eles realizam a coleta de lixo, lhes ofereciam bebidas alcoólicas como algum tipo de agrado, 61% disse que "sim" e 39% disse que "não". Dentre os que disseram não, 6% dos sujeitos alegou que, mesmo não lhes sendo oferecida nenhuma bebida, eles se encarregavam de pedir e, na maioria das vezes, eram atendidos.

DISCUSSÃO

O presente estudo revelou que grande parte dos trabalhadores de coleta de lixo pesquisados ingere algum tipo substância etílica, fato observado também em estudos realizados pela Prefeitura do Município de São Paulo, que encontrou nessa categoria de trabalhadores quadro grave no que se refere à Síndrome da Dependência Alcoólica(9).

Como em outras pesquisas, foi evidenciado que o consumo de substâncias etílicas é mais freqüente na idade produtiva(2,7). Além disso, o consumo de álcool foi maior entre os trabalhadores do sexo masculino (96,7%), coincidindo com outros estudos realizados no Brasil e em outros países(2,7,11).

Os estressores (odor expelido pelo lixo, falta de reconhecimento ou incentivo, carga horária excessiva, discriminação social), decorrentes do serviço de limpeza pública, foram apontados, neste estudo, como percussores da ingestão alcoólica (30%) e coincidem com os motivos de iniciação etílica citados pelo grupo de sujeitos considerados dependentes. Esses dados concordam com outras pesquisas que vêem nas atividades socialmente desprivilegiadas, nas tensões, no trabalho monótono, na falta de oportunidade e de desenvolvimento potencial risco maior para o consumo do álcool(2,7).

O álcool é considerado a droga de mais fácil acesso, estando inserido na nossa cultura, presente no lazer, dentro das casas, tanto na vida profana como no ritual religioso, sendo oferecido por amigos, parentes e visto como fonte de "inserção social"(12). Nesse contexto, os resultados deste estudo mostraram que 46% dos sujeitos alegou a iniciação etílica à influência de amigos. Já a manutenção do vício teve colaboração direta da sociedade, onde 61% dos donos de bares ou padarias, presentes na área onde os trabalhadores efetuam a coleta de lixo, oferecia bebidas alcoólicas como forma de amizade, agrado ou agradecimento.

O alcoolismo crônico instala-se nos indivíduos de forma gradual ao longo de, em média, 15 anos de uso contínuo, diariamente ou quase, numa quantidade acima de 40 gramas de álcool absoluto por dia, de acordo com a Organização Mundial de Saúde(13). Em uma lata de cerveja (350 ml) há 17 gramas de álcool e em uma dose de aguardente (50 ml) há 25 gramas de álcool(14). Os resultados deste estudo mostraram que 38,4% dos sujeitos começou a ingerir bebidas alcoólicas há mais de 10 anos, muitos ainda enquanto adolescentes. Além disso, 15% dos sujeitos, do sexo masculino, alegou ingerir mais de 3 doses diárias de substâncias etílicas, o que de acordo com as referências citadas acima, significa dependência alcoólica.

O alcoolismo constitui uma das quatro causas mais comuns de morte masculina no intervalo entre 20 e 40 anos de idade: suicídio, acidentes, homicídio e cirrose hepática, além disso, resulta na interferência em algum aspecto de vida do indivíduo, seja ela a saúde, o estado civil, a carreira, os relacionamentos interpessoais, ou outras adaptações sociais necessárias(7). Neste estudo, essas relações também coincidiram e constituíram grande preocupação entre os sujeitos. Grande parte dos pesquisados apontaram brigas, perda de emprego, discussões em família, divórcio e violência contra esposa e filhos, como problemas corriqueiros secundários ao vício.

Os trabalhadores da limpeza pública estão sujeitos a situações que podem provocar sofrimento mental e sobrecarga emocional, dadas algumas características ligadas ao seu trabalho(9). Essas características foram apontadas pelos sujeitos desse estudo como precursoras da iniciação etílica, causando neles temor, no que se refere ao fato de adquirirem algum distúrbio mental ou comportamental, decorrente do alcoolismo. Além de sintomas como taquicardia ou alterações de humor, 80% dos sujeitos mencionaram o medo de adquirirem transtornos mentais secundário à bebida, sendo que 46% dos sujeitos afirmaram conhecer alguém que tenha adquirido um desses distúrbios como conseqüência do alcoolismo.

Dentre os distúrbios psiquiátricos secundários ao alcoolismo pode-se citar as síndromes amnéstica, demencial, alucinatória, delirante, de humor, os distúrbios de ansiedade, sexuais, do sono, inespecíficos e, por fim, o delirium tremens, que pode ser fatal(15). Vinte e oito por cento dos trabalhadores pesquisados vivencia ou vivenciou crises convulsivas ou alucinatórias (visuais e auditivas), sintomas presentes em casos graves de alcoolismo, os quais são, com freqüência, terrificantes e, dependendo da sua gravidade, da quantidade de álcool ingerida e do tempo de ingestão comporta risco de vida e elevada taxa de mortalidade. Além disso, respostas homicidas ou suicidas podem resultar dessas alucinações, colocando em risco, também, a integridade de pessoas não-alcoólicas(16), merecendo esse contexto, portanto, atenção especial não apenas por parte dos profissionais da saúde, mas de políticas governamentais que atuem sobre essa realidade, por meio de programas de atenção que englobem a prevenção, o acompanhamento e a reabilitação dos envolvidos.

CONCLUSÃO

Com base nos resultados obtidos no presente estudo, observou-se que 94% dos trabalhadores da limpeza pública pesquisados ingere algum tipo de bebida alcoólica, sendo que 15% deles já são considerados alcoolistas (bebem mais de 3 doses diárias). Trata-se de situação delicada, pois se sabe que, de acordo com levantamento realizado pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, o Brasil gasta 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano para tratar de problemas relacionados ao álcool, que variam desde o tratamento de um dependente, doenças relacionadas, até à perda da produtividade por causa da bebida(17).

A maioria dos trabalhadores pesquisados preocupa-se com o fato de adquirirem problemas biopsicossociais secundários ao álcool, contudo, por ter o álcool efeito excitatório, promove desinibição temporária e, principalmente, por ser uma droga de fácil acesso, alicerçada em pressupostos culturais, acaba sendo oferecida pelos comerciantes locais como agrado social, passando a ser utilizada como meio de refúgio, ou passatempo, em roda de amigos.

Considerando que grande parte dos trabalhadores pesquisados iniciaram a ingestão de álcool durante a adolescência e que a maioria desses indivíduos sequer terminou o ensino fundamental, ações devem ser feitas no sentido de melhorar a educação da criança e do adolescente, retardando ou diminuindo vícios como a bebida, e proporcionando melhor acesso a cursos profissionalizantes, que facilitem a aquisição de um trabalho menos exaustivo e, ainda, repleto de "preconceito" por grande parte da população.

A partir do momento em que, esforços forem realizados para suprir as necessidades e as mudanças que a evolução da doença requer, como falta de informação a respeito dos males causados pelo uso do álcool, desemprego, falta de oportunidade e incentivos, falta de trabalhos psicológicos voltados para melhorar a auto-estima desses trabalhadores, miséria e falta de respeito da população que acaba, mesmo que inconscientemente, expondo os trabalhadores da coleta de lixo a situações vergonhosas e de inferioridade, acredita-se que a incidência do alcoolismo tenderá a cair.

O conhecimento sobre o fenômeno das drogas, entre elas as substâncias etílicas, é fundamental para o exercício da enfermagem, já que é papel desse profissional promover cuidado não só no tratamento curativo, relacionado aos efeitos do álcool, mas, principalmente, em ações de prevenção voltadas para a conscientização social sobre os malefícios desse vício. Por isso, acredita-se, aqui, mos que o currículo acadêmico deveria abordar temas sobre uso e abuso de substâncias lícitas e ilícitas de uma forma mais ampla, assim como foi sugerido em pesquisa com estudantes de enfermagem do Sul do Brasil(18).

Este é um estudo cujo resultado apontou ser comum a ingestão de bebidas alcoólicas pelos trabalhadores de coleta de lixo pesquisados na periferia da cidade de São Paulo. No entanto, não se pode afirmar que o tipo de trabalho desenvolvido por eles seja uma justificativa para o uso da substância etílica. Trata-se de questão complexa onde se deve analisar outras relações de causa e efeito que induzem esses trabalhadores a essa causalidade. Por isso, sugere-se a replicação deste estudo com amostragem mais ampla, a fim de que os dados sejam comparados e contribuam qualitativamente para o desenvolvimento de ações que visem melhorar essa realidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 16.8.2006

Aprovado em: 8.3.2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jul 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2007

Histórico

  • Aceito
    08 Mar 2007
  • Recebido
    16 Ago 2006
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