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Conhecimentos, atitudes e práticas de enfermeiros e médicos sobre a transmissão vertical da hepatite B

Resumos

OBJETIVO:

identificar conhecimentos, atitudes e práticas de médicos e enfermeiros da Estratégia Saúde da Família e de uma maternidade sobre a transmissão vertical da hepatite B.

MÉTODO:

estudo transversal, com questionário autopreenchível aplicado aos profissionais. Os dados foram analisados conforme categoria profissional e local de atuação, cujas diferenças foram testadas pelo χ2 e significância <5%.

RESULTADOS:

os profissionais reconhecem as hepatites virais como agravos de notificação compulsória, porém, nem todos conhecem seus mecanismos de transmissão. Grande parte dos profissionais solicita sorologia, especificando o marcador, principalmente os médicos. A maioria dos enfermeiros de Saúde da Família não indica vacina contra hepatite B para gestantes, embora conheçam o esquema vacinal. A maioria dos médicos da maternidade possui conhecimentos corretos sobre a prevenção da transmissão vertical.

CONCLUSÃO:

as diferenças nos conhecimentos, atitudes e práticas sobre a transmissão vertical da hepatite B revelam que a população está em risco, visto que nem todos os profissionais envolvidos conhecem ou executam corretamente as estratégias de controle da transmissão vertical da hepatite B. Os enfermeiros dominam aspectos vacinais e os médicos dominam aspectos relacionados ao manejo dos casos com sorologia positiva.

Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Transmissão Vertical de Doença Infecciosa; Hepatite B; Pessoal de Saúde


OBJECTIVE:

to identify knowledge, attitudes and practices of physicians and nurses of the Family Health Strategy and a maternity hospital unit about vertical transmission of hepatitis B.

METHOD:

a cross-sectional study with a self-administered questionnaire applied to professionals. The data were analyzed according to professional category and site of action, whose differences were tested by χ2 and significance <5%.

RESULTS:

professionals recognize viral hepatitis as a disease of compulsory notification; however, not everyone knows its mechanisms of transmission. A large portion of professionals requested serological tests, specifying the marker, especially physicians. The majority of family health nurses did not indicate hepatitis B vaccine for pregnant women, although they knew the immunization schedule. The majority of physicians on the maternity unit had proper knowledge about prevention of vertical transmission.

CONCLUSION:

the differences in the knowledge, attitudes and practices about vertical transmission of hepatitis B revealed that the population is at risk, since not all the professionals involved know or properly perform control strategies for vertical transmission of hepatitis B. Nurses dominated vaccination aspects and physicians dominated aspects related to the management of cases with positive serology.

Health Knowledge, Attitudes, Practice; Infectious Disease Transmission; Vertical; Hepatitis B; Health Personnel


OBJETIVO:

identificar los conocimientos, actitudes y prácticas de los médicos y enfermeros de la Estrategia Salud de la Familia de un hospital de maternidad sobre la transmisión vertical de la hepatitis B.

MÉTODO:

estudio transversal con un cuestionario autoadministrado aplicado a los profesionales. Los datos fueron analizados de acuerdo con la categoría profesional y el sitio de acción, cuyas diferencias fueron analizadas a través de χ2 y significancia <5%.

RESULTADOS:

los profesionales reconocen la hepatitis viral como una enfermedad de notificación obligatoria, sin embargo, no todo el mundo conoce sus mecanismos de transmisión. Una gran parte de los profesionales, solicitan pruebas serológicas, especificando el marcador, especialmente los médicos. La mayoría de las enfermeras de salud familiar no indicó la vacuna contra la hepatitis B para las mujeres embarazadas, a pesar de que conocían el calendario de inmunización. La mayoría de los médicos de la unidad de maternidad tenían conocimientos adecuados acerca de la prevención de la transmisión vertical.

CONCLUSIÓN:

las diferencias en los conocimientos, actitudes y prácticas acerca de la transmisión vertical de la hepatitis B reveló que la población está en riesgo, ya que no todos los profesionales involucrados saben o llevan a cabo estrategias de control de la transmisión vertical de la hepatitis B. Las enfermeras dominan los aspectos de inmunización y los médicos dominaban los aspectos relacionados con la gestión de los casos con serología positiva.

Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud; Transmisión Vertical de Enfermedad Infecciosa; Hepatitis B; Personal de Salud


Introdução

A hepatite B é uma infecção potencialmente fatal causada pelo vírus da hepatite B. É um problema de saúde global e o tipo mais grave entre as hepatites virais( 11. World Health Organization. Hepatitis B. 2012. [acesso 3 abr 2013]. Disponível em: http://wwwwhoint/mediacentre/factsheets/fs204/en/indexhtml.
Disponível em: http://wwww...
). Uma estratégia para detecção do vírus é a triagem em todas as gestantes, durante o pré-natal, para o antígeno de superfície do vírus da hepatite B - HBSAg, com o intuito de previnir a transmissão vertical do vírus( 22. Chakravarti A, Rawat D, Jain M. A Study on the Perinatal Transmission of the Hepatitis B Virus. Indian J Med Microbiol. 2005;23(2):128-30. - 33. Center for Disease Control and Prevention (USA). Hepatitis B Information for Health Professionals, 2013. [acesso 26 abr 2013]. Disponível em: http://www.cdc.gov/hepatitis/HBV/PerinatalXmtn.htm
Disponível em: http://www....
).

No Brasil, em 2009, foram notificados 1.556 casos confirmados de hepatite B em gestantes, correspondendo à taxa de detecção de 0,5/1.000 nascidos vivos. Nesse mesmo ano, na Região Centro-Oeste registrou-se a maior taxa de detecção do país, com 313 notificações, (1,5/1.000 nascidos vivos. Na sequência, encontram-se as Regiões Sul (452 notificações ou 1,2/1.000 nascidos vivos), Norte (235 casos ou 0,8/1.000 nascidos vivos), Sudeste (392 casos ou 0,3/1.000 nascidos vivos) e Nordeste (161 casos ou 0,2/1.000 nascidos vivos). Entretanto, os dados da transmissão vertical da hepatite B, como provável fonte de infecção, ainda são incipientes no país, como reflexo do sistema de vigilânia em estruturação, mas, mesmo assim, o país registrou aumento de detecção de 7 casos (1,5%) em 1999 para 285 casos (2,2%) em 2006( 44. Ministério da Saúde (BR). Estudo de base populacional das hepatites virais. Disponível em: http://www.aids.gov.br/data/Pages. Brasília; 2010.
Disponível em: http://www.ai...
).

Estudos mostram que a redução da morbimortalidade materna e perinatal depende do investimento e reestruturação da assistência à gestante e ao recém-nascido, de forma a melhorar sua qualidade, e da formação e capacitação de médicos e outros profissionais de saúde para a promoção da maternidade segura( 55. Lansky S, França E, Leal MC. Mortalidade perinatal e evitabilidade: revisäo da literatura. Rev Saúde Pública. 2002;36(6):759-72. - 66. Reekie J, Gidding HF, Kaldor JM, Liu B. Country of birth and other factors associated with hepatitis B prevalence in a population with high levels of immigration. J Gastroenterol Hepatol. 2013. Forthcoming . ). Para isso, os profissionais de saúde devem possuir competências adquiridas não só com treinamento, mas, também, com a prática, possibilitando manejar adequadamente tanto a gestação quanto o trabalho de parto, o parto e os cuidados com os recém-nascidos, incluindo os aspectos referentes à prevenção da transmissão vertical da hepatite B.

Em 2005, uma pesquisa realizada no Brasil, para identificar os conhecimentos de obstetras sobre a detecção da infecção pelo vírus da hepatite B em gestantes e formas de prevenção da transmissão vertical da hepatite B, identificou conhecimento aquém do esperado( 77. Conceição JS, Diniz-Santos DR, Ferreira CD, Paes FN, Melo CN, Silva LR. Conhecimento dos obstetras sobre a transmissão vertical da hepatite B. Arq Gastroenterol. 2009;46(1):57-61. ). Conquanto não fossem identificados outros estudos nacionais para a temática, com enfoque na enfermagem, pesquisa internacional aponta para um deficiente conhecimento, atitude e prática de profissionais da saúde sobre a infecção pelo vírus da hepatite B( 88. Bakry SH, Mustafa AF, Eldalo AS, Yousif MA. Knowledge, attitude and practice of health care workers toward Hepatitis B virus infection, Sudan. Int J Risk Saf Med. 2012;24(2):95-102. ). Em contrapartida, outro estudo identificou relevante conhecimento de obstetras e ginecologistas sobre a prevenção de doenças infecciosas, inclusive hepatite B, na gravidez( 99. Ross DS, Rasmussen SA, Cannon MJ, Anderson B, Kilker K, Tumpey A, et al. Obstetrician/gynecologists' knowledge, attitudes, and practices regarding prevention of infections in pregnancy. J Womens Health (Larchmt). 2009;18(8):1187-93. ).

O presente trabalho objetivou identificar os conhecimentos, atitudes e práticas de médicos e enfermeiros da Estratégia Saúde da Família e de uma maternidade pública, diante da transmissão vertical da hepatite B.

Método

Trata-se de estudo epidemiológico, transversal e quantitativo, realizado a partir de dados primários, coletados por meio de questionário de autopreenchimento, aplicado a médicos e enfermeiros para identificação da competência. O conceito do termo competência é baseado em três dimensões: conhecimentos, atitudes e práticas( 1010. Marinho LAB, Costa-Gurgel MS, Cecatti JG, Osis MJD. Conhecimento, atitude e prática do auto-exame das mamas em centros de saúde. Rev Saúde Pública. 2003;37(5):576-82. - 1111. Leme R. Avaliação de desempenho com foco em competências: a base para remuneração por competências. Rio de Janeiro: Qualitymark; 2006. ).

A pesquisa foi desenvolvida em uma maternidade e em 46 equipes de Saúde da Família, localizadas no Distrito Sanitário Oeste da cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas. Os seguintes critérios de inclusão de profissionais foram utilizados: ter no mínimo um ano de graduação e atuar há pelo menos um ano no serviço, ser médico ou enfermeiro com registro no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde como profissional do lócus da pesquisa.

O questionário foi avaliado por 15 especialistas na temática. Buscou-se atingir a validade de face e de conteúdo( 1212. Lobiondo-Wood G, Haber J. Confiabilidade e validade. In: Lobiondo-Wood G, Haber J, organizadores. Pesquisa em enfermagem: métodos, avaliação crítica e utilização. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2001. p. 186-99. - 1313. Terwee CB, Bot SD, Boer MR, Windt DA, Knol DL, Dekker J, et al. Quality criteria were proposed for measurement properties of health status questionnaires. J Clin Epidemiol. 2007;60(1):34-42. ). O instrumento de coleta divide-se em três blocos: o primeiro corresponde à caracterização individual, na qual se investigam os aspectos sociodemográficos, realização de treinamento ou capacitação para as hepatites virais e se esse atendeu as suas necessidades, no segundo bloco estão concentradas as variáveis de conhecimentos e no terceiro bloco constam as variáveis de atitudes e práticas a respeito do diagnóstico da hepatite B e prevenção da transmissão vertical do vírus. A Figura 1 mostra, em detalhes, as variáveis dos blocos 2 e 3 do questionário.

Figura 1
Classificação da adequação dos conhecimentos, atitudes e práticas sobre a transmissão vertical da hepatite B

Após adequar o instrumento às opiniões de especialistas, foi realizado o pré-teste para verificar a funcionalidade do instrumento, com profissionais da maternidade e Estratégia Saúde da Família - ESF, em outro Distrito Sanitário, os quais não fizeram parte desta amostra. A coleta dos dados ocorreu no período de julho a setembro de 2010, período em que foi aplicado questionário a todos os profissionais que atenderam os critérios de inclusão.

A abordagem aos profissionais da ESF se deu em seu local de trabalho (na unidade de saúde, no momento de entrega da produção semanal na sede do distrito de saúde ou em reunião distrital). Após a sensibilização e obtenção do consentimento para a pesquisa, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o questionário era entregue ao profissional. Aguardava-se a devolução do questionário preenchido e, quando o profissional não podia responder imediatamente, ocorria uma posterior busca, em data e local indicado pelo profissional, o mais próximo possível da data da primeira abordagem. Os profissionais da maternidade eram visitados no seu dia de plantão, nas dependências da unidade. Com o intuito de reduzir o número de perdas, assim como na ESF, abordagens diferenciadas para o resgate dos questionários foram utilizadas: busca ao final do plantão, no plantão seguinte ou em outro local de trabalho indicado pelos profissionais. O tempo médio de espera para entrega do questionário preenchido pelos participantes da ESF e maternidade foi de cinco dias. Considerou-se perda de questionário quando o profissional não foi localizado após três tentativas, afastamento por licença ou recusa.

Os questionários foram digitados no software Epi Info, versão 3.5.1, e o banco de dados foi exportado para análises no programa STATA 9.0. Para a análise dos resultados, foram estabelecidos critérios para considerar os conhecimentos, atitudes e práticas para a hepatite B e sua transmissão vertical como correto, incorreto e parcialmente correto (Figura 1). Tais critérios foram estabelecidos conforme o padrão vigente, recomendado pelo Ministério da Saúde no Brasil.

A caracterização dos profissionais e as categorias de adequação dos conhecimentos, atitudes e práticas são apresentadas por meio de sua frequência e percentual, conforme a categoria profissional (médicos e enfermeiros) e local de trabalho (Estratégia Saúde da Família e maternidade). O teste qui-quadrado de Pearson ou de Fisher, quando apropriado, foi aplicado para testar as diferenças entre as categorias profissionais e o local de trabalho. Utilizou-se o nível de significância menor que 5%.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal do Amazonas - CAAE nº0026.0.115.000-10.

Resultados

Nesta pesquisa foram incluídos, quase na totalidade, médicos e enfermeiros que atuam no pré-natal, parto e puerpério. Na maternidade havia 49 enfermeiros e 55 médicos obstetras, dentre esses houve perda de cinco profissionais médicos, o que representa 4,8% dessa população. Quanto à ESF, no Distrito Oeste, havia 41 médicos e 46 enfermeiros, cuja perda foi de 8 médicos e 11 enfermeiros, equivalente a 8,0%.

A Tabela 1 traz a caracterização sociodemográfica da amostra na maternidade e na ESF. As diferenças estatisticamente significativas aparecem em relação ao tempo de graduado e formação complementar, sendo maior para os profissionais da maternidade.

Tabela 1
Distribuição dos profissionais da maternidade e da Estratégia Saúde da Família, segundo características sociodemográficas. Manaus, AM, Brasil, 2010

Considerando que é na atenção básica que ocorre o pré-natal de baixo risco, e não na maternidade, na Tabela 2 são mostradas as atitudes e as práticas respondidas somente pelos profissionais da ESF, cuja diferença estatisticamente significativa foi detectada para a solicitação da sorologia para a hepatite B, especificando o marcador, a qual ocorre em maior proporção entre os médicos. Embora sem diferença estaticamente significativa, ressalta-se que quase 65% dos profissionais não indicam vacina contra hepatite B para as gestantes, cuja maioria é composta por enfermeiros da ESF.

Tabela 2
Respostas de médicos e enfermeiros da Estratégia Saúde da Família, referentes a atitudes e práticas frenteà transmissão vertical da hepatite B. Manaus, AM, Brasil, 2010

A Tabela 3 apresenta os conhecimentos acerca dos mecanismos de transmissão das hepatites B e D, esquema vacinal e a conduta para prevenção no recém-nascido. A mesma destaca o conhecimento correto por parte dos médicos da maternidade para os mecanismos de transmissão das hepatites B e D. No que tange ao esquema vacinal para hepatite B, os enfermeiros, de ambos os locais estudados, tiveram melhor desempenho, porém, quando se estratificou por lócus de atuação, a ESF se destaca.

Tabela 3
Respostas de médicos e enfermeiros da Estratégia Saúde da Família e maternidade sobre hepatites virais. Manaus, AM, Brasil, 2010

A Tabela 4 demonstra as atitudes e práticas dos profissionais relacionando a prevenção da transmissão vertical da hepatite B. Nela destaca-se que os cuidados aos recém-nascidos de mães com sorologia positiva para a hepatite B é mais bem desenvolvida pelos médicos da maternidade. Oposto a isso está a conduta inadequada dos enfermeiros da ESF na solicitação do marcador para confirmar a imunidade pós-vacinal dos recém-nascidos. Dos 167 entrevistados, apenas 59 (35,3%) referiram ter usado, em serviço, o manual do Ministério da Saúde, com abordagens sobre as hepatites virais. Entretanto, dos que disseram ter utilizado o manual, apenas 32 (55,9%) referiram que o mesmo atende as necessidades do serviço.

Tabela 4
Respostas dos profissionais de saúde referentes a atitudes e práticas, conforme local de atuação, diante das condutas preconizadas para prevenção da transmissão vertical da hepatite B. Manaus, AM, Brasil, 2010

Discussão

Com esta pesquisa foi possível detectar a situação dos conhecimentos atitudes e práticas dos médicos e enfermeiros envolvidos na prevenção e tratamento da transmissão vertical da hepatite B. Detectaram-se diferenças importantes tanto entre os profissionais (médicos e enfermeiros) quanto entre os locais de trabalho (maternidade e Estratégia Saúde da Família). Tais resultados chamam a atenção, pois se o manejo da gestante não for adequado, não se conseguirá o controle da transmissão vertical, a qual, se transmitida ao recém-nascido, aumenta em muito o potencial de cronificação desse importante problema de saúde pública no Brasil, que é a hepatite B.

O perfil dos profissionais deste estudo mostra que se trata de adultos jovens, com média de 39,8 anos (desvio-padrão=7,5). A idade pode ser uma aproximação da experiência profissional, embora se saiba que muitas pessoas concluem a graduação em idade mais avançada. Não se afirma, aqui, que a experiência por si só seja um preditor de conhecimentos, atitudes e práticas adequados, mas indica se o profissional teve mais oportunidade de se confrontar com o problema e/ou de receber treinamento em serviço. Soma-se ao achado o estudo realizado para analisar as práticas assistenciais de médicos e enfermeiros de Equipes de Saúde da Família em quatro capitais, que mostra não haver associação significativa entre tempo de atuação e as atividades rotineiras desenvolvidas por médicos e enfermeiros na atenção básica( 1616. Santos AM, Giovanella L, Mendonça MHM, Andrade CLT, Martins MIC, Cunha MS. Práticas assistenciais das Equipes de Saúde da Família em quatro grandes centros urbanos. Ciênc saúde coletiva. 2012;17(10):2687-702. ).

Estudo que analisou o exercício de competências dos não médicos, para a atenção à maternidade, em São Paulo, detectou que 42% dos profissionais relataram dificuldade de operacionalização no atendimento às gestantes e puérperas, por falta de conhecimento, capacitação ou treinamento. A autora conferiu a deficitária assistência prestada ao fato de muitos não terem conseguido acompanhar os avanços e as transformações na atenção ao parto, instituído pelo Ministério da Saúde (MS), para a assistência humanizada e baseada em evidência( 1717. Narchi NZ. Análise do exercício de competências dos não médicos para atenção à maternidade. Saúde Soc. 2010;19(1):147-58. ). Achado semelhante acontece com a amostra desta pesquisa, na qual os profissionais da maternidade têm mais tempo de graduação, porém, têm menos formação complementar quando se compara aos da ESF.

É desejável que os serviços de saúde preparem seus profissionais para atuar em seus respectivos campos de ação. Desse modo, pode-se garantir a disponibilidade das informações ofertadas e, assim, prover o servidor dos instrumentos básicos de atuação, entre eles o conhecimento. A presente pesquisa captou pouca realização de treinamentos, conforme referido pelos profissionais; muito embora se acredite que não basta treinar um grupo de profissionais a fim de assegurar melhor atendimento no pré-natal, parto ou puerpério. É preciso que esses se sintam instigados e mobilizados a repensar suas condutas ante a prática diária. Porém, o sentimento de insegurança em relação ao trabalho diário de um profissional pode surgir em função da sua desatualização técnico-científica.

Em estudo que comparou os profissionais especialistas com os generalistas observou-se que os primeiros, tratando pacientes com diagnósticos dentro do escopo de sua especialidade, geralmente são tidos como aqueles que fornecem atenção de melhor qualidade para esses problemas do que os profissionais da atenção primária (generalistas)( 1818. Starfield B. Atenção primária; equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002. ). Contudo, os achados do presente estudo não permitem corroborar tal inferência. Já na comparação de categoria profissional, o enfermeiro se destaca ao conhecer o esquema de imunização para gestante, porém, as atitudes e práticas da assistência ao recém-nascido de mãe portadora de hepatite B são corretas entre os médicos. Portanto, devem ser criadas estratégias para solucionar esse desbalanceamento entre os conhecimentos, as atitudes e as práticas dos profissionais. Uma possibilidade de mitigação dessa lacuna seria o uso dos manuais do MS pelos profissionais, tendo em vista que os mesmos poderiam contribuir para os conhecimentos, atitudes e práticas adequados.

Um dos elementos que contribui para prevenir a transmissão vertical da hepatite B são os conhecimentos e o cumprimento das ações estabelecidas para a prevenção, as quais dependem, sobretudo, das atitudes e práticas profissionais. Isso consiste tanto em identificar quanto aproximar os profissionais da importância do pré-natal para interrupção da cadeia da transmissão vertical do vírus da hepatite B, além das competências que lhes cabem como profissionais da saúde, envolvidos no pré-natal e parto. Esses profissionais são atores estratégicos no processo de construção e veiculação de informações e no desenvolvimento de condutas preventivas e de controle da hepatite B para a população. No entanto, é necessário ampliar a sensibilização dos profissionais para o problema da transmissão vertical da hepatite B, e assunção de suas responsabilidades, executando a interdisciplinaridade, já que os mesmos atuam sobre o mesmo alvo. Portanto, o diálogo interpessoal, a partilha dos registros sobre as pacientes nos prontuários, entre os profissionais, pode se constituir em uma medida de curto prazo para minimizar o problema. Já as diferenças entre os locais de trabalho poderiam ser solucionadas com o adequado funcionamento da integralidade, por meio da coordenação do cuidado( 1818. Starfield B. Atenção primária; equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002. ). Assim ter-se-ia um diálogo aproximado entre ESF e maternidade e o acompanhamento integral da gestante.

Essa não é, infelizmente, uma realidade exclusiva do Amazonas, visto que, em uma análise para o Brasil como um todo, foi justificada a diferenciação no grau de informação sobre a hepatite B entre os profissionais de saúde, devido às desigualdades regionais na incidência e prevalência desse agravo no país( 77. Conceição JS, Diniz-Santos DR, Ferreira CD, Paes FN, Melo CN, Silva LR. Conhecimento dos obstetras sobre a transmissão vertical da hepatite B. Arq Gastroenterol. 2009;46(1):57-61. ).

Devido à mudança na recomendação da imunoprofilaxia, independente da faixa etária, para todas as gestantes ter sido formalizada em março de 2010, acredita-se que o desconhecimento dessa informação proporcionou atitude e prática inadequadas em não indicar vacinação para esse público-alvo( 1919. Ministério da Saúde (BR). Nota técnica referente à vacinação de gestantes contra hepatite B na rede do SUS. 2010 [acesso 30 abr 2013]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/nota_tecnica_hepatite007.pdf
Disponível em: http://port...
). As práticas incorretas impedem a efetividade dos programas de prevenção da transmissão vertical da hepatite B. Somente com um sistema de vigilância adequado, formação de profissionais, treinamentos, educação permanente em serviço e com o cumprimento de protocolos claramente estabelecidos é possível garantir a prevenção da transmissão vertical da hepatite B.

É mister apontar a necessária revisão e correção nas práticas detectadas como inadequadas neste estudo, as quais são utilizadas pelos profissionais na atenção ao parto e/ou puerpério por desconhecimento dos protocolos, fato também detectado no estudo no qual os tocoginecologistas de Campinas, SP, apresentaram baixo conhecimento e atitudes inadequadas sobre sífilis na gravidez( 2020. Kunii M, Milane H. Avaliação de conhecimento, atitude e prática de tocoginecologistas da região de Campinas frente à triagem sorológica de sífilis na gestação e prevenção de sífilis congênita. Campinas; 2010. ). A articulação do conhecimento e da prática precisa estar conjugada e confrontada, com vistas a construir a verdadeira práxis na atenção à saúde( 2121. Leonello VM, Oliveira MAC. Competencies for educational activities in nursing. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(2):177-83. ).

Algumas limitações foram detectadas, mas considera-se que não comprometem essencialmente os resultados aqui apresentados. Destaca-se o tipo de coleta dos dados, notando-se que a devolução do questionário era conforme a conveniência do participante, não permitindo, assim, restringir consulta pelo profissional para o preenchimento do mesmo. Desse modo, se se considerar que os resultados aqui apresentados estariam superestimando a situação dos conhecimentos, atitudes e práticas, devido à possibilidade de consulta para responder ao questionário, talvez os conhecimentos atitudes e práticas sejam bem mais deficientes do que os resultados apresentados, situação que compromete as estratégias de controle da transmissão vertical da hepatite B.

Outro fator limitante foi a quantificação das variáveis conhecimentos, atitudes e práticas ao invés da observação in loco das práticas dos profissionais. Todavia, a abordagem ao tema, a partir do padrão determinado pelo Ministério da Saúde, viabilizou a pesquisa. Entretanto, recomendam-se pesquisas adicionais com abordagem qualitativa, a fim de validar se, de fato, as atitudes e práticas dos profissionais são reflexo de seus conhecimentos.

Os resultados, portanto, servem de alerta para a questão operacional da atenção básica, bem como para a capacidade de os profissionais lidarem com possíveis demandas. Estudo que analisou a trajetória profissional de egressos dos cursos de especialização em Saúde da Família ressalta que a competência está relacionada à capacidade de se resolver problemas diante de dadas situações, habilidades, atitudes e enfrentamento de situações imprevisíveis. Ainda, no referido estudo, foi possível perceber que os egressos resistem à prática generalista e apresentam dificuldades para colocar em prática ações condizentes com a Estratégia Saúde da Família( 2222. Silva TAM, Fracolli LA, Chiesa AM. Professional trajectory in the family health strategy: focus on the contribution of specialization programs. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(1):148-55. ).

Além disso, os profissionais da saúde precisam internalizar a importância de compartilhar os conhecimentos, por meio de comunidades de práticas, diretrizes, manuais e utilizá-los na prática assistencial( 2323. Rocha ESB, Nagliate P, Furlan CEB, Rocha Jr K, Trevizan MA, Mendes IAC. Knowledge management in health: a systematic literature review. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(2):392-400. ). Neste estudo é possível corroborar tais achados, posto que os resultados são inovadores, identificando as diferenças entre médicos e enfermeiros e local de atuação, para determinadas práticas assistenciais. Desse modo, o artigo agrega evidências a outros estudos, colaborando para o fortalecimento das práticas assistenciais desenvolvidas.

Conclusão

A pesquisa revelou desigualdades nos conhecimentos, atitudes e práticas sobre a transmissão vertical da hepatite B entre os médicos e enfermeiros da maternidade e Estratégia Saúde da Família. Chama-se a atenção para o risco que a população está exposta, visto que nem todos os profissionais envolvidos conhecem ou executam corretamente as estratégias de controle da transmissão vertical do vírus, tendo os enfermeiros o domínio dos aspectos vacinais, e os médicos aqueles relacionados ao manejo dos casos com sorologia positiva.

A falta de conhecimento e as atitudes e práticas inadequadas no diagnóstico e prevenção da doença revelam a necessidade de capacitação permanente dos profissionais envolvidos na assistência do pré-natal, parto e puerpério. Portanto, se faz necessária a disseminação das competências de médicos e enfermeiros, no intuito de atingir a integralidade, por meio da coordenação do cuidado na assistência à gestante e à puérpera portadora de hepatite B.

Ao apresentar as fragilidades e potencialidades da assistência prestada pelos profissionais da atenção básica e maternidade diante da transmissão vertical da hepatite B, espera-se que este estudo propicie inquietações quanto ao tema, de forma a alertar os médicos, enfermeiros e o poder público sobre a necessidade de mais atenção às medidas de diagnóstico e prevenção para o vírus da hepatite B e sua transmissão vertical.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sept-Oct 2013

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2012
  • Aceito
    25 Jun 2013
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