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A experiência de crianças hospitalizadas sobre sua interação com os profissionais de enfermagem

Resumos

O objetivo deste estudo foi descrever a experiência da criança na interação com os profissionais de Enfermagem, durante a internação hospitalar. Trata-se de estudo qualitativo, fundamentado na técnica do incidente crítico. A coleta de dados realizou-se através da observação participante e de entrevistas semiestruturadas, com trinta crianças e adolescentes hospitalizados, tendo de 8 a 14 anos de idade. Os resultados mostram que as crianças avaliam positivamente o cuidado de Enfermagem no hospital, e reconhecem que as interações com os profissionais dessa área abrangem conteúdo afetivo e social. Conclui-se que a comunicação estabelecida com as crianças desempenha papel fundamental na compreensão que conseguem a respeito da experiência hospitalar, sendo necessária a avaliação das estratégias de Enfermagem, bem como das habilidades relacionais usadas para interagir com as crianças, no hospital.

Criança Hospitalizada; Cuidados de Enfermagem; Relações Enfermeiro-Paciente


The aim of this study is to describe the experience of children in their interactions with nursing professionals while in hospital. It is a qualitative study supported by the critical incident technique. Data was collected through participant observation and semi-structured interviews with thirty hospitalized children and teenagers between 8 and 14 years old. The results showed that children positively valued nursing care at the hospital and recognized that interactions with nursing staff included social and emotional factors. It is concluded that communication established with children plays a fundamental role to comprehend their experiences while in hospital. Therefore, nurses need to evaluate their strategies and relational skills used to interact with children at the hospital.

Child Hospitalized; Nursing Care; Nurse Patient-Relations


El objetivo de este estudio es describir la experiencia del niño en la interacción con los profesionales de enfermería durante su estancia hospitalaria. Se trata de un estudio cualitativo fundamentado bajo la técnica del incidente crítico. La recolección de los datos se realizó mediante la observación participante y entrevistas semiestructuradas a treinta niños y adolescentes hospitalizados, con edades comprendidas entre 8-14 años. Los resultados muestran que los niños valoran positivamente el cuidado de enfermería en el hospital y reconocen que las interacciones con los profesionales de enfermería abarcan todo un contenido afectivo y social. Se concluye que la comunicación que se establece con los niños juega un papel fundamental en la comprensión que elaboran de la experiencia hospitalaria, por tanto es necesario en enfermería evaluar las estrategias y habilidades relacionales empleadas para interactuar con los niños en el hospital.

Niño Hospitalizado; Cuidado de Enfermería; Relaciones Enfermero-Paciente


ARTIGO ORIGINAL

A experiência de crianças hospitalizadas sobre sua interação com os profissionais de enfermagem1

Ana Lucía Noreña PeñaI ; Luis Cibanal JuanII

IEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Assistente, Departamento de Enfermería, Universidad de Alicante, Espanha. E-mail: ana.norena@ua.es

IIEnfermeiro, Psicólogo, Doutor em Psicologia, Professor Titular, Departamento de Enfermería, Universidad de Alicante, Espanha. E-mail: luis.cibanal@ua.es

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo deste estudo foi descrever a experiência da criança na interação com os profissionais de Enfermagem, durante a internação hospitalar. Trata-se de estudo qualitativo, fundamentado na técnica do incidente crítico. A coleta de dados realizou-se através da observação participante e de entrevistas semiestruturadas, com trinta crianças e adolescentes hospitalizados, tendo de 8 a 14 anos de idade. Os resultados mostram que as crianças avaliam positivamente o cuidado de Enfermagem no hospital, e reconhecem que as interações com os profissionais dessa área abrangem conteúdo afetivo e social. Conclui-se que a comunicação estabelecida com as crianças desempenha papel fundamental na compreensão que conseguem a respeito da experiência hospitalar, sendo necessária a avaliação das estratégias de Enfermagem, bem como das habilidades relacionais usadas para interagir com as crianças, no hospital.

Descritores: Criança Hospitalizada; Cuidados de Enfermagem; Relações Enfermeiro-Paciente.

Introdução

As relações interpessoais e a comunicação efetiva com os pacientes são fatores determinantes da qualidade da atenção de Enfermagem(1). No caso das crianças, as relações com os profissionais dessa área são especialmente importantes, devido ao fato de que o paciente pediátrico apresenta necessidades muito distintas, em comparação às necessidades dos adultos, pela capacidade limitada dessas crianças quanto à adaptação ao ambiente hospitalar(2-3).

Fator que influencia o bem-estar geral da criança é o significado que as famílias e ela mesma, a criança, atribuem aos estímulos hospitalares. O afeto, o acompanhamento terapêutico e a relação empática são elementos que determinam o estado emocional da criança e influenciam a compreensão dos processos que vivenciam. De fato, a percepção que a criança e sua família têm das relações com o pessoal de Enfermagem condicionam as respostas diante do cuidado(4-5). Para os investigadores da área de Enfermagem, a comunicação com as crianças representa desafio, tornando-se tarefa mais sensível e complexa que aquela estabelecida com pacientes adultos. Essa inter-relação, necessariamente, é condicionada pela idade da criança, suas capacidades cognitivas, seus comportamentos, a condição física e psicológica, o estado da doença e a resposta diante do tratamento(6). Projeta-se que, para melhorar o conhecimento sobre os aspectos que compõem a interação enfermeiro/criança/família, são necessários estudos que valorizem os comportamentos de cada um dos atores envolvidos, descrevam os fatores intervenientes nesse processo e explorem, a fundo, tanto o conteúdo como a própria estrutura que a interação pode ter em determinados momentos e circunstâncias do cuidado(7).

No intuito, portanto, de conhecer os fatores que afetam ou facilitam a relação estabelecida entre o pessoal de Enfermagem e a criança hospitalizada, o presente estudo foi proposto com os seguintes objetivos: descrever a experiência da criança na interação com os profissionais de Enfermagem, durante sua estadia hospitalar, e identificar quais os tipos de comportamento adotados pelos profissionais de Enfermagem que podem influenciar o bem-estar psicossocial do menor.

Abordagem metodológica

Os referenciais teóricos deste estudo qualitativo são: o interacionismo simbólico e o construtivismo. O interacionismo simbólico ajuda a entender a comunicação como interação social e como processo em que as pessoas podem influenciar-se mutuamente(8), enquanto o construtivismo permite compreender como a criança constrói a realidade e, em função dessa, se relaciona e atua. Em nível metodológico, a coleta de dados foi orientada pela técnica do incidente crítico, que permite ao investigador identificar as situações e comportamentos que estão influenciando significativamente dentro de uma atividade. Assim, por sua vez, na apresentação dos resultados, pode-se explicar o caráter positivo ou negativo de determinadas condutas analisadas, estabelecendo suas possíveis consequências(9). Essa técnica tem sido documentada como método facilitador das indagações relacionadas a assuntos que emergem na interação, no cuidado, nas atividades e processos de Enfermagem, sendo útil quando se trata de identificar aspectos que repercutem na qualidade dos serviços(10).

Para obter os dados, foram entrevistadas 30 crianças com idade entre 8 e 14 anos, totalizando 17 meninas e 13 meninos. Participaram menores com diferentes diagnósticos, nas seguintes especialidades: neurocirurgia, traumatologia, cirurgia (a maioria na fase pós-operatória). A seleção dos participantes para as entrevistas é do tipo teórico e intencional, tendo sido estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: menor com hospitalização acima de 4 dias, sem dor (no momento da entrevista) e, para os critérios de exclusão: menor com diagnóstico oncológico ou deterioração da funcionalidade cognitiva.

A investigação foi desenvolvida nos serviços de pediatria de um Hospital Universitário de Alicante, Espanha, durante 22 meses. O trabalho de campo foi iniciado no primeiro semestre de 2006, e a última coleta de dados terminou no primeiro trimestre de 2008. Os dados foram coletados em dois períodos. Para conseguir a amostragem teórica e a saturação dos dados, foram utilizadas as estratégias de observação participante e entrevistas semiestruturadas. Ao total, foram realizadas 30 entrevistas e 198 horas de observação participante. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas literalmente, com duração entre 19 e 38 minutos. Nas entrevistas, foram tratados assuntos relacionados à valorização das crianças quanto à interação que o profissional de Enfermagem estabelece, especialmente quando passa, tanto às crianças quanto a seus familiares, informações ou explicações sobre assuntos referentes aos cuidados necessários durante a realização de algum procedimento. As observações, por sua vez, foram registradas em um diário de campo e tiveram como objetivo contextualizar os motivos e as singularidades das interações dos profissionais de Enfermagem com a criança e sua família. Este estudo obteve a aprovação do Comitê de Ética da instituição hospitalar onde foi desenvolvido, e tanto as crianças como seus pais receberam o termo de consentimento livre e informado, em que aceitavam participar voluntariamente. Além disso, nas descrições usadas nas entrevistas, para identificar os sujeitos, foram usados nomes fictícios.

A análise dos dados foi realizada simultaneamente à coleta da informação. Foram analisadas 251 fichas de códigos e 228 páginas de dados, e o software Atlas-ti, versão 5.0, foi usado para analisar as relações entre as categorias. Codificaram-se, separadamente, observações e entrevistas, sendo posteriormente comparadas e contrastadas. Isso permitiu encontrar semelhanças conceituais entre o que foi observado e o que os informantes expressaram. Ao longo desse processo de codificação, foram examinados todos os dados, em comparação com o que foi encontrado na bibliografia, em busca da saturação das categorias e da validação das relações. A maneira como foram nomeadas as categorias segue a sequência teórica da técnica do incidente crítico: situação-comportamento-consequência. Deve-se considerar que, na presente investigação, a interação das crianças com os profissionais de Enfermagem é analisada como situação ou fenômeno de estudo. Os comportamentos (comunicativos), por sua vez, estão relacionados às distintas atitudes dos atores envolvidos. Por último, as consequências são consideradas como as experiências das crianças em relação à interação. Assim, a análise dos dados coletados foi considerada de acordo com os seguintes critérios: leitura e identificação dos elementos que compreendem os incidentes críticos, de acordo com os relatos das crianças e o contraste com as observações; agrupamento dos distintos incidentes, de acordo com as semelhanças encontradas, em contraste com a bibliografia e, finalmente, descrição e construção das categorias emergentes.

Resultados

As categorias que surgiram são: comportamento da criança na dimensão relacional, comportamento da enfermeira na dimensão relacional, a experiência da criança no encontro com a Enfermagem. Dentro das subcategorias, são descritos as percepções, os sentimentos e as demandas das crianças diante da relação com os profissionais. Para validar os conceitos das categorias, são usados textos transcritos das entrevistas e de anotações do diário de campo, o que permite dar credibilidade e veracidade ao estudo(11).

Comportamento da criança na dimensão relacional

Gratidão ao se sentirem seguras

As crianças declaram que estão satisfeitas e agradecidas pela atenção recebida no hospital. Dão valor especial à segurança proporcionada pelo pessoal de Enfermagem. Eu aqui não vejo nenhum problema, estou bem e as enfermeiras sempre vêm me ver, me dizem coisas que me dão segurança e me parece bem e, por isso, me comporto bem com ela ... (E27,15). Através desse exemplo, avalia-se que, quando as crianças se sentem amparadas e protegidas, melhoram suas respostas diante do cuidado. Elas, por sua vez, manifestam sua gratidão perante a Enfermagem, em determinados momentos; por exemplo, agradecem quando termina o procedimento, quando atendem a sua solicitação ou chamada, depois de uma visita, entre outros. Tentam demonstrar seu agradecimento, por meio de presentes, no momento da alta, ou através de visitas que fazem aos serviços, depois da sua recuperação. Tinha vontade junto com minha mãe de me despedir e dar-lhes um presente, agradecer-lhes, já que eu ia embora, queria. Pois é porque elas se sentirão bem que eu faço (E15,19). O fato de uma criança demonstrar gratidão diante do cuidado tem a ver com seu tipo de personalidade. Há crianças mais abertas, na hora de estabelecer um vínculo, e outras que não o são. Pode-se explicar essa situação por vários fatores: o estresse agudo que enfrentam, os temores assumidos nas relações com os adultos e com aqueles que representam a autoridade, as aprendizagens adquiridas como comportar-se quando se relacionam com adultos, ou pela motivação que exercem, sob esse aspecto, os familiares significativos(12).

O papel da criança na relação enfermeira/família

Quando o profissional de Enfermagem inicia uma comunicação familiar, as crianças diferenciam, dentre diferentes aspectos, em quais serão envolvidas, ou não. O que às vezes não fica claro é o papel que desempenham dentro da interação; não sabem se são ouvintes, participantes ou observadoras. Porque disso, dos cuidados que tenho que ter aqui, falam mais com minha mãe e não me dizem nada. Eu mesmo não falo nada, me limito a estar aí (E11,4). Não raras vezes, as crianças tornam-se observadoras daquilo que os profissionais de saúde comunicam aos familiares. Sua atitude, diante dessa posição de observadoras, é a de permanecer atentas aos acontecimentos ou ficar na expectativa. É por esse motivo que a criança reconhece que a comunicação entre adultos é mais válida(13).

As crianças, por sua vez, recriam nos seus discursos os modos de tratamento dos temas relacionados à sua saúde, observados na interação entre os profissionais e sua família. Elas falam muito com minha mãe. Vêm e estão sempre falando coisas para ela, eu entendo o que dizem: de como vai a ferida, se tem mais líquido ou não, vão explicando. E minha mãe logo me conta o que elas dizem. É que elas também não falam muito quando se referem a essas coisas (E20). Como pode ser observado na fala acima, as crianças identificam de que forma o profissional de Enfermagem estabelece a comunicação com a família. Nesse sentido, cada profissional responde à relação com a criança e sua família de acordo com as habilidades e estratégias que tem desenvolvido, através da sua prática clínica, para comunicar-se com os pacientes(14).

Comportamento do profissional

As conversas lúdicas e as brincadeiras

São conversas com vários objetivos. Um deles é entreter e distrair a criança durante os procedimentos ou visitas médicas, e o outro tem a ver com a intenção de demonstrar empatia à criança. Por exemplo, os profissionais de Enfermagem propõem temas ou brincam sobre assuntos como: o time de futebol favorito da criança, os jogos, as atividades de entretenimento, entre outros. Pois me viam jogar cartas e me diziam que se queriam elas jogavam conosco (E2,10). Esses comentários fornecem a base para que a conversa se estenda, influenciam o estado de ânimo do menor e permitem a maior receptividade da criança diante das atividades terapêuticas.

O estímulo do riso, da alegria é fator importante para o crescimento e desenvolvimento saudável das crianças e estimula comportamentos positivos, além da aprendizagem e da interação social(15). As descrições das crianças revelam que as brincadeiras são um componente fundamental, em nível relacional. Por exemplo, algumas dessas brincadeiras podem ter um tom burlesco. Para as crianças, a chacota é sinônimo de diversão, aproveitam o compartilhar de um momento agradável. Estava comendo, entra uma enfermeira e fala brincando: tem olhos de sapo e eu falo que não sou um sapo e ela me disse que era brincadeira (risos) (E14,26).

Outras brincadeiras simplesmente têm um tom engraçado. A maioria ocorre de forma espontânea; certas brincadeiras visam o entretenimento da criança e são usadas como forma de ser empáticos com o menor. Vieram e disseram e me perguntaram se eu era o Arturo, falei que não e me disseram que não sairia daí antes que viesse Arturo (risos) (E11,17). Os comentários em forma de brincadeira também acontecem quando dos procedimentos, durante o curativo, por exemplo, aliviando a tensão e ansiedade do menor, diante do procedimento. Sim, tem duas meninas, sim, são enfermeiras, que dizem coisas e eu dou risada. Vêm me curar e me dizem que vão me talhar (indica a região abdominal) (risos) (E4,8). Esse tipo de interação na comunicação com as crianças, evidentemente, oferece benefícios terapêuticos. O humor e o riso são recursos usados como ferramentas efetivas de empatia e distração(16). As crianças avaliam esse estímulo positivamente e o interpretam como manifestação de fôlego para seu ânimo.

O encontro social. Habilidades de empatia familiar

Como aspecto positivo, as crianças destacam a maneira como os profissionais de Enfermagem tratam seus pais e a relação alcançada entre ambos. Para elas, quando se fala de situações relacionadas a temas cotidianos e sociais, o profissional expressa sua proximidade e empatia. Isso influencia as crianças quando percebem que os profissionais de Enfermagem criam u clima de amizade com os pais. Então, vêm aqui, começam a falar com minha mãe, falam coisas engraçadas. Falam de roupa e tudo, do que está costurando. Dizem que ela faz muito bem, que costura muito bem, que elas gostam (E5,5). Essa aproximação com os pais ou familiares também é favorecida quando os profissionais de Enfermagem participam, dentro do ambiente familiar, de alguma situação anedótica ou lúdica. Sim. Outro dia, no aniversário da minha mãe, veio aqui com um bolo e a enfermeira estava conosco (E2,29). Assim, a criança considera a relação de simpatia ou antipatia percebida em determinados momentos. O conceito que as crianças têm da qualidade da atenção de Enfermagem está condicionado à relação do pessoal dessa área com seus pais ou adultos significativos.

Mediação efetiva. Oferecer um modelo de identificação

Os profissionais de Enfermagem oferecem modelos de identificação na interação, que são recursos linguísticos, tais como anedotas ou histórias pessoais. Esses elementos distraem ou diminuem a ansiedade da criança, reforçando a empatia na relação Enfermagem/criança. É interessante observar que as crianças recordam como situação positiva, quando os profissionais contam histórias ou relatos, durante suas intervenções terapêuticas. Eu gostei que ela me contou uma história. Quando ela era pequena ganhava doces pelas vacinas e ela recebeu uma muito grande que a esquentava e tudo, e ela não conseguiu sentar durante dias, doía muitíssimo. Sabia que, quando um deles era criança ele tinha medo dessas coisas, e que doíam e tudo e ele passava mal, mas era só um momento (E6,40). Como se mostra no relato, as histórias têm a função de ser referentes cognitivos nos quais a crianças se apoiam para entender a realidade. É mais fácil para os menores compreender as situações que vivem, se os adultos lhes dão exemplos sobre como enfrentá-las. Me pareceu especial que a enfermeira me perguntou o que tinha acontecido comigo e eu disse que tinha apendicite, e ela me disse que teve peritonite quando tinha 14 anos e que foi horrível. Eu senti de ver que as pessoas também têm essas doenças (E8,27). O oferecimento de modelos de identificação, através de histórias ou de relatos orais, facilita para os menores a identificação dos aspectos que caracterizam determinadas situações, possibilitando-lhes exercitar sua inteligência. Conseguem, conforme apresentado por Erickson e Piaget, a conduta adequada, a compreensão dos sucessos e identificam valores de acordo com sua fase de desenvolvimento(17).

A experiência da criança. Encontro com a Enfermagem

Os vínculos afetivos: reconhecimento do acompanhamento terapêutico

As crianças argumentam que uma maneira de lhes demonstrar empatia é quando se manifesta interesse pelo seu estado de saúde. Para elas, os profissionais de Enfermagem conseguem isso com as visitas que lhes fazem diariamente, para saber como estão. Costuma ser pela manhã que me perguntam como estou, se estou bem, como estou me sentindo, sempre perguntas. Às vezes estão mais simpáticas e eu gosto (E22,64). Essa breve interação torna-se fator determinante de como as crianças percebem as atitudes que a Enfermagem assume na atenção. Interpretam o fato de perguntar constantemente como estão como sinal de acompanhamento. As crianças valorizam, especialmente, os profissionais que promovem essa proximidade. Sim, tem uma enfermeira que sempre quando começa seu turno vem aqui para me perguntar, não sei, está muito preocupada comigo, eu gosto disso, eu gosto que vem para me perguntar, para ver como estou (E19,30). Um ponto fundamental na percepção das crianças é o grau de sintonia que sentem na interação. Gradualmente, avaliam o trato recebido: cumprimento, perguntas, apoio e conforto dados. Além disso, as demonstrações de afeto para com as crianças estão relacionadas às expressões corporais e à linguagem não verbal que o pessoal de Enfermagem usa durante as intervenções terapêuticas. Para elas, são manifestações que as fazem sentir-se reconhecidas e apreciadas. É que estou sempre igual, estou superbem, cada vez que as enfermeiras vêm eu fico muito mais animado porque elas me mimam muito, é sempre igual (E10,35). Quando consideram que os adultos são próximos, os menores criam vínculos afetivos com facilidade. Para as crianças, uma forma de expressar-lhes proximidade e afeto é quando as fazem saber que se sentiram bem com sua presença no hospital. Bem, querem que eu fico. Me dizem fique conosco. Elas sentem pena quando lhes falo que vou para melhor. Não querem que eu vá (E5,57). Com esse tipo de frase, o profissional de Enfermagem faz a criança saber que existe um vínculo de amizade. A expressão "fique conosco" é usada para transmitir à criança sentimentos de afiliação, de carinho e pertencimento, motivados pelo lugar onde está recebendo os cuidados.

Do mesmo modo, as crianças sabem que serão recompensadas com a empatia e o carinho dos profissionais de Enfermagem, sempre que seu comportamento tiver sido bom, nas diferentes intervenções. Quando fizeram o exame, que me comportei bem, me disseram que fiz muito bem. Porque é sempre igual, quando me falam que vou ir bem, logo fiquei muito animado (E17,34). Nesse sentido, se os profissionais de Enfermagem percebem que a criança assimilou as recomendações e seu comportamento foi o esperado, utilizam expressões de fôlego, acompanhadas, às vezes, por manifestações carinhosas como um beijo ou uma carícia. Todos esses gestos, claramente, incentivam o ânimo do menor, que acaba se mostrando satisfeito e receptivo diante da interação.

Sinais de interesse

Os menores expressam que o pessoal de Enfermagem também lhes demonstra interesse, quando estão necessitando de recreação e entretenimento no hospital. Me perguntam se quero passar na sala de aula hospitalar, também me perguntaram se queria me levantar. Eu disse que sim e, quando terminaram de fazer o curativo, me ajudaram e fui no colégio do hospital (E22,12). Um outro sinal de interesse por parte do grupo de Enfermagem, também apontado pelas crianças, manifesta-se nos momentos em que esse grupo faz alguma imersão, mesmo que breve e espontânea, influindo na forma de recriar seu cotidiano, seu dia a dia dentro do hospital, fator que contribui para uma boa recordação da estadia hospitalar. E as enfermeiras e todos foram para meu quarto e cantaram feliz aniversário e me deram presentes (E15,23). São essas aproximações que promovem as perspectivas, na criança, de avizinhar-se de suas rotinas, com seus componentes afetivos, gostos, formas de lazer e, particularmente, com sua experiência relacionada à doença e à hospitalização.

Valorização da atuação de Enfermagem. Enfermeira simpática

Durante as entrevistas, as crianças que estão próximas ou atravessam a etapa da pré-adolescência/adolescência destacam a figura do profissional de Enfermagem, especialmente pela sua simpatia. Elas a relacionam aos elogios feitos à sua aparência física ou ao destaque dado a suas qualidades. Quando se fala para uma criança que é bonita, inteligente, são reforçadas suas ideias sobre o nível de aceitação pessoal, sobre o quão agradável é sua presença e sobre o quão importantes são suas qualidades pessoais para os outros. Isso lhe permite sentir-se bem com ela mesma e segura nas relações interpessoais. O que eu mais gostei no hospital são as enfermeiras. Sim, são muito simpáticas, tem duas que me falam "que sou muito bonito" e vêm me visitar para ver como estou (E6,34). Além disso, as crianças sabem quando um profissional é mais simpático que outro. Fazem essa distinção pelas suas atitudes na prestação de cuidados. A que eu mais gosto é a enfermeira Milena, me faz rir e é ela que faz tudo com mais cuidado, é respeitosa, amável, carinhosa e educada (E8,31). Também consideram que os profissionais de Enfermagem são dotados de simpatia e amabilidade, quando são cuidadosos ao falar sobre o diagnóstico médico e as ajudam a diminuir sua ansiedade com palavras. Todas são muito amáveis. Me falam tudo com muita delicadeza. Me informam que o que tenho não é, ai, não sei como falar, que não é grave, que não tenho que me sentir mal e isso faz com que me sinto bem (E9,42). Os relatos comprovam que a transmissão de valores éticos e humanos tem papel fundamental na percepção da criança sobre o cuidado de Enfermagem.

Valorização da atuação de Enfermagem. "Enfermeira mal-humorada"

As crianças continuamente qualificam os comportamentos dos profissionais de Enfermagem. Portanto, não é de se estranhar que destaquem, por sua vez, as atitudes menos favoráveis percebidas no trato e na atenção prestados.. Na sua linguagem, as crianças usam o termo "mal-humorada" para designar os assuntos com que não estão de acordo. Tem uma muito mal-humorada, que disse ao meu pai que eu não me levantaria mais, assim toda desgostosa (E5,45). O fato de a criança qualificar como negativa a atitude relacional do profissional tem a ver com o modo como os profissionais respondem a suas solicitações, quando não se dá valor a suas necessidades, ou quando ela percebe que não existe vontade de colaboração por parte da equipe. Ficaram bravas porque o médico, quando termina de ver todos, vem me ver, já um pouco tarde. E minha mãe vai e pergunta e, uma vez, ficaram irritadas. Se ofenderam quando ia perguntar pelo médico. Elas não perguntam como me sinto quando o médico não vem (E13,51). Um aspecto fundamental para as crianças é sentirem-se respeitadas pelos adultos que as acompanham e representam autoridade. Nesse sentido, a criança necessita compreender a intencionalidade das atuações de Enfermagem, através de explicações e de argumentos sólidos.

Discussão

Como pode ser apreciado nos achados do estudo, a adaptação à hospitalização, pelas crianças, não depende apenas de suas condições psicossociais, culturais e biológicas, mas também da compreensão acerca da experiência, de acordo com seus referentes cognitivos. Uma criança, à medida que aumenta sua capacidade cognitiva e de abstração, registra com maior veracidade todas as suas experiências, e esses registros, positivos ou negativos, interferem no seu aprendizado(18). Assim, uma comunicação efetiva entre o pessoal de Enfermagem e as crianças é caracterizada pelo equilíbrio entre comportamentos efetivos (causam efeito positivo) e neutros (causam efeito neutro). Os comportamentos adotados pelos profissionais de Enfermagem devem ser os que integrem cuidado emocional com informação efetiva(19). A criança demonstra facilidades para a retroalimentação (feedback), motivo pelo qual é fácil observar que manifestem suas necessidades e demandas, no diálogo com os adultos. Esse processo de retroalimentação ajuda as crianças a reorganizar suas ideias e dar coerência ao que pensam, ajudando-as, nas conversações, a ganhar confiança e segurança, tornando-as, assim, capazes de dar respostas efetivas, em função da compreensão da mensagem(20).

Deve-se reconhecer que, enquanto as habilidades cognitivas da criança se desenvolvem com a idade, aumentam os sentimentos de empatia e a tomada de papéis. Nesse sentido, como pode ser apreciado nos relatos sobre a valorização do comportamento do pessoal de Enfermagem, à medida que as crianças vão distinguindo o sentido de identidade própria e dos outros, seus sentimentos empáticos tornam-se mais sofisticados, consideram mais as atuações dos outros perante elas, e podem desensolver ideia mais clara dos comportamentos do adulto(21).

Alguns estudos(22-23) afirmam que os profissionais de Enfermagem têm desenvolvido, através da sua prática profissional, habilidades pessoais e estratégias de empatia para conseguir influenciar a experiência da criança e da sua família. Porém, os pesquisadores consideram que essas estratégias necessitam ser analisadas a fundo e, dentro da organização do trabalho de Enfermagem, torna-se necessária a avaliação periódica dos seus resultados. Isso permitiria conhecer quais são as respostas das crianças diante de determinados estímulos verbais e não verbais, tentando evitar que se confunda a prestação de informações, adaptada às condições da criança (idade, diagnóstico, circunstâncias particulares) com a forma de relacionar-se.

Assim, os resultados desta investigação corroboram o apresentado em outros estudos, que indicam a necessidade de se gerar estratégias capazes de contribuir para a potencialização da interação comunicativa com as crianças e suas famílias. Essa comunicação é aquela que permite conhecer suas necessidades, compreender sua situação, e empreender atos educativos que influenciem o estado emocional da criança e de sua família. Pode-se afirmar que a percepção positiva da interação enfermeira/família, pela criança, não somente melhora seu ânimo, como incrementa seu bem-estar psicossocial e de sua família, durante a hospitalização(24).

Conclusões

As crianças valorizam positivamente o cuidado de Enfermagem no hospital e reconhecem que a interação com os profissionais assistenciais abrange todo um conteúdo afetivo e social. A comunicação estabelecida com as crianças tem papel fundamental na mediação das suas experiências e nas ideias que elaboram sobre o processo saúde/doença. É necessário maior número de pesquisas qualitativas por meio das quais os profissionais de Enfermagem possam reavaliar suas estratégias relacionais e seus discursos, possibilitando-lhes compreender a importância de melhorar suas habilidades interpessoais, especialmente a empatia. Esse tipo de estudos permitiria questionar e confrontar o próprio discurso da área de Enfermagem, e conseguiria promover comportamentos mais acertados diante das demandas das crianças e dos seus familiares.

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  • Corresponding Author:
    Ana Lucía Noreña Peña
    Universidad de Alicante. Departamento de Enfermería
    Campus de Sant Vicente del Raspeig
    E-03080 Ap. 99, Alicante, España
    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from Doctoral Dissertation “La experiencia del niño hospitalizado en el encuentro comunicativo con los profesionales de enfermería”, presented to Universidad de Alicante, Spain.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      21 Mar 2011
    • Aceito
      20 Set 2011
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