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Barreiras de acesso a tratamento para mães com depressão pós-parto em centros de atenção primária: um modelo preditivo1 1 Apoio financeiro da Iniciativa Científica Milenio, Chile, processo nº IS130005 e do Fondo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico, Chile, processo nº 1130230.

Resumos

Objetivo

desenvolver um modelo preditivo para avaliar os fatores que modificam o acesso a tratamento para a DPP.

Métodos

estudo prospectivo com mães que participaram do acompanhamento da saúde da criança em centros de atenção primária. Na avaliação inicial e durante 3 meses, foram registrados: dados sociodemográficos, gineco-obstétricos, dados sobre o uso dos serviços, sintomas depressivos de acordo com a Escala de Depressão Pós-parto de Edimburgo (EPDS) e qualidade de vida de acordo com o Questionário de Saúde SF-36. O diagnóstico de depressão foi feito com o MINI. Foram acompanhadas as mães que tinham DPP na avaliação inicial.

Resultados

foi construído um modelo estatístico para determinar os fatores que impediram o acesso a tratamento, constituído por: item 2 da EPDS (OR 0,43, IC95%: 0,20-0,93) e 5 (OR 0,48, IC95%: 0,21-1,09), e história prévia de tratamento para depressão (OR 0,26, IC95%: 0,61-1,06). Área sob a curva ROC para o modelo=0,79; valor de p para o teste de Hosmer-Lemershow=0,73.

Conclusão

foi elaborado um perfil simples, bem padronizado e preciso, que recomenda que os/as enfermeiros/as estejam atentos/as àquelas mães com DPP que apresentem anedonia baixa/nula (item 2 da EPDS), pânico/medo escasso/nulo (item 5 da EPDS) e sem antecedentes de depressão, já que é provável que estas mulheres não entrem em tratamento.

Depressão Pós-Parto; Acesso aos Serviços de Saúde; Atençao Primária à Saúde


Objective

to develop a predictive model to evaluate the factors that modify the access to treatment for Postpartum Depression (PPD).

Methods

prospective study with mothers who participated in the monitoring of child health in primary care centers. For the initial assessment and during 3 months, it was considered: sociodemographic data, gyneco-obstetric data, data on the services provided, depressive symptoms according to the Edinburgh Postpartum Depression Scale (EPDS) and quality of life according to the Short Form-36 Health Status Questionnaire (SF-36). The diagnosis of depression was made based on MINI. Mothers diagnosed with PPD in the initial evaluation, were followed-up.

Results

a statistical model was constructed to determine the factors that prevented access to treatment, which consisted of: item 2 of EPDS (OR 0.43, 95%CI: 0.20-0.93) and item 5 (OR 0.48, 95%CI: 0.21-1.09), and previous history of depression treatment (OR 0.26, 95%CI: 0.61-1.06). Area under the ROC curve for the model=0.79; p-value for the Hosmer-Lemershow=0.73.

Conclusion

it was elaborated a simple, well standardized and accurate profile, which advises that nurses should pay attention to those mothers diagnosed with PPD, presenting low/no anhedonia (item 2 of EPDS), scarce/no panic/fear (item 5 of EPDS), and no history of depression, as it is likely that these women do not initiate treatment.

Depression, Postpartum; Health Services Accessibility; Primary Health Care


Objetivo

desarrollar un modelo predictivo para evaluar los factores que modifiquen el acceso a tratamiento para la DPP.

Métodos

estudio prospectivo de madres que asistieron a control de niño sano en centros de atención primaria. En evaluación basal y 3 meses, se registraron: datos sociodemográficos, gineco-obstétricos, variables de uso de servicios, síntomas depresivos con la Escala de Depresión Posparto de Edimburgo (EPDS) y calidad de vida con el Cuestionario de Salud SF-36. El diagnóstico de depresión se hizo con el MINI. Se siguió a madres que en evaluación basal tenían DPP.

Resultados

se construyó un modelo estadístico para determinar los factores que impidieron el acceso a tratamiento, compuesto por: ítems del EPDS 2 (OR 0,43, IC95%: 0,20-0,93) y 5 (OR 0,48, IC95%: 0,21-1,09), e historia previa de tratamiento de depresión (OR 0,26, IC95%: 0,61-1,06). Área bajo la curva ROC para el modelo=0,79; valor de p para la prueba de Hosmer-Lemershow=0,73.

Conclusión

se elaboró un perfil simple, bien calibrado y discriminante, que sugiere que los/las enfermeros/as estén atentos/as a aquellas madres con DPP que presenten baja/nula anhedonia (ítem 2 EPDS), escaso/nulo pánico/miedo (ítem 5 EPDS), y sin antecedentes de depresión, ya que es probable que estas mujeres no ingresen a tratamiento.

Depresión Posparto; Accesibilidad a los Servicios de Salud; Atención Primaria de Salud


Introdução

A depressão pós-parto (DPP) é um problema de saúde pública de escala mundial(11. Almond P. Postnatal depression: a global public health perspective. Perspect Public Health. 2009;129(5):221-7.). É a condição psiquiátrica mais comum durante o pós-parto(22. O'Hara MW, McCabe JE. Postpartum Depression: Current Status and Future Directions. Annu Rev Clin Psychol. 2013;9:379-407.) e há um extenso registro sobre o grau de incapacidade que pode chegar a provocar na mãe(33. Rojas G, Fritsch R, Solís J, González M, Guajardo V, Araya R. Calidad de vida de mujeres deprimidas en el posparto. Rev Med Chile. 2006;134:713-20.), sua associação com o atraso no desenvolvimento infantil e com distúrbios de comportamento na vida adulta dos descendentes(44. Parsons CE, Young KS, Rochat TJ, Kringelbach ML, Stein A. Postnatal depression and its effects on child development: a review of evidence from low- and middle-income countries. Br Med Bull. 2012;101(1):57-79.).

No Chile, estudos que utilizaram critérios padronizados de diagnóstico constataram uma prevalência de DPP em torno de 20%, na atenção primária à saúde (APS) do sistema público de saúde(55. Alvarado R, Rojas M, Monardes J, Perucca E, Neves E, Olea E, et al. Cuadros depresivos en el posparto en una cohorte de embarazadas: construcción de un modelo causal. Rev Chil Neuro-Psiquiatr. 2000;38(2):84-93.). Em contrapartida, um estudo utilizando a Escala de Depressão Pós-parto de Edimburgo (EPDS), validada no Chile(66. Jadresic E, Araya R, Jara C. Validation of the Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS) in Chilean postpartum women. J Psychosom Obstet Gynaecol. 1995;16:187-91.), indicou que 41,3% das mães que são atendidas nos consultórios, são acometidas por intensa sintomatologia depressiva entre 2 e 3 meses pós-parto(77. Jadresic E, Araya R. Prevalencia de depresión posparto y factores asociados en Santiago, Chile. Rev Med Chile. 1995;123(6):694-9.), ou seja, sob risco de sofrer de DPP.

Ainda que uma proporção significativa de mães usuárias da APS apresentem alto risco e que a importância da saúde materno-infantil leve a um contato maior com os centros de saúde neste período, os transtornos depressivos geralmente não são detectados ou tratados(88. Castañón C, Pinto J. Mejorando la pesquisa de depresión posparto a través de un instrumento de tamizaje, la escala de depresión posparto de Edimburgo. Rev Med Chile. 2008;136:851-8.), apesar da disponibilidade de tratamentos eficazes(99. Rojas G, Solís J, Jadresic E, Castillo C, González M, Guajardo V, et al. Treatment of postnatal depression in low-income mothers in primary-care clinics in Santiago, Chile: a randomised controlled trial. Lancet. 2007;370(9599):1629-37.).

Diante disso, o Ministério da Saúde(1010. Ministerio de Salud (Chile). Manual para el apoyo y seguimiento del desarrollo psicosocial de los niños y niñas de 0 a 6 años [Internet]. 2008. [Acesso 15 dez 2014]. Disponível em: http://web.minsal.cl/sites/default/files/files/2008_Manual-para-el-Apoyo-y-Seguimiento-del-Desarrollo-Psicosocial-de-los-Ninos-y-Ninas-de-0-a-6-Anos.pdf.
http://web.minsal.cl/sites/default/files...
) propôs a detecção precoce da DPP, preconizando uma triagem universal na APS, de modo que a EPDS seja aplicada por profissionais de enfermagem no acompanhamento das crianças e mulheres durante o pós-parto. No entanto, as taxas de tratamento continuam sendo baixas.

A este respeito, a literatura nacional tem evidenciado a presença de barreiras de acesso aos serviços de saúde para mães deprimidas, constatando a necessidade da formação de recursos humanos na APS, para alcançar uma maior fidelidade às diretrizes ministeriais e exercer um controle mais rigoroso das mulheres em risco(1111. Rojas G, Santelices MP, Martínez P, Tomicic A, Reinel M, Olhaberry M, et al. Barreras de acceso a tratamiento de la depresión posparto en centros de atención primaria de la Región Metropolitana: un estudio cualitativo. Rev Med Chile. 2015; 143:424-32.).

Considera-se que a construção de um modelo preditivo para identificar os fatores que modificam o acesso a tratamento possa ser útil para a redução das falhas no tratamento da DPP, através da estratégia de utilização dos recursos humanos disponíveis no sistema público de saúde e, especificamente, reforçando o papel dos enfermeiros na detecção da DPP, durante os exames de rotina.

Não existem estudos no contexto local, que tenham investigado este aspecto na atualidade.

O objetivo deste estudo foi desenvolver um modelo preditivo, para avaliar os fatores que modificam o acesso a tratamento para DPP na APS.

Método

Estudo de coorte prospectivo. A amostra foi constituída por todos os centros de saúde da APS, localizados nos municípios da Região Metropolitana (RM) do Chile (n=120). Foi selecionada a unidade de saúde da APS que registrou o maior número de acompanhamentos de saúde em crianças a partir de 2 meses, em cada um dos seis Serviços de Saúde da RM, de acordo com os dados administrativos do Ministério da Saúde, no período entre janeiro e setembro de 2012. Desta forma, a amostra foi composta por seis unidades municipais de APS da RM do Chile. Isto se deve ao fato dos dados administrativos do Ministério da Saúde não serem discriminados por mês.

Durante os meses de janeiro e fevereiro de 2013, foram consecutivamente recrutadas as mães que participavam do acompanhamento da saúde da criança, do segundo ao sexto mês pós-parto, nos centros de saúde selecionados. Após o exame de rotina, a equipe do estudo incluiu as usuárias que deram seu consentimento informado, que eram maiores de 18 anos, não tinham deficiência intelectual e que podiam ser contatadas por telefone. Todas as mulheres aceitaram participar de forma voluntária.

Uma semana depois, foi realizada uma entrevista estruturada por telefone (diagnóstico inicial), que avaliou: antecedentes sociodemográficos, dados ginecológico-obstétricos e perinatais, sintomatologia depressiva, de acordo com a Escala de Depressão Pós-parto de Edimburgo (EPDS)(77. Jadresic E, Araya R. Prevalencia de depresión posparto y factores asociados en Santiago, Chile. Rev Med Chile. 1995;123(6):694-9.), confirmação do diagnóstico atual de Episódio Depressivo Grave no pós-parto (DPP), de acordo com a entrevista psiquiátrica estruturada MINI(1212. Sheehan DV, Lecrubier Y, Harnett F, Sheehan K, Amorim P, Janavs J, et al. The Mini International Neuropsychiatric Interview (M.I.N.I.): The development and validation of a structured diagnostic psychiatric interview. J Clin Psychiatry. 1998;59(Suppl20):22-33.) e a qualidade de vida, de acordo com o Questionário de Saúde SF-36(1313. Alonso J, Prieto L, Anto JM. La versión española del SF-36 HealthSurvey (Cuestionario de Salud SF-36): un instrumento para la medida de los resultados clínicos. Med Clin Barcelona. 1995;104(20):771-6.).

A amostra final utilizada para a coleta e análise dos dados deste estudo, incluiu apenas as mulheres nas quais a DPP foi confirmada, de acordo com o MINI, no diagnóstico inicial.

Definição de variável dependente

Após três meses, foram revisados os registros médicos das usuárias com DPP (avaliação de acompanhamento), considerando-se como sem acesso a tratamento: se após o diagnóstico inicial, não foi registrada a realização de qualquer consulta de saúde mental no consultório (variável dicotômica).

Definição das variáveis independentes

Para determinar as variáveis preditoras da falta de acesso a tratamento em mães com DPP na APS, foi realizada uma revisão da literatura(1414. Blumenthal R, Endicott J. Barriers to seeking treatment for major depression. Depress Anxiety. 1996-1997;4(6):273-8.

15. Andrews G, Issakidis C, Carter G. Shortfall in mental health service utilisation. Br J Psychiatry. 2001;179:417-425.

16. Bristow K, Patten S. Treatment-seeking rates and associated mediating factors among individuals with depression. Can J Psychiat. 2002;47(7):660-5.

17. Dennis CL, Chung-Lee L. Postpartum Depression Help-Seeking Barriers and Maternal Treatment Preferences: A Qualitative Systematic Review. Birth. 2006;33(4):323-31.

18. Steele L, Dewa C, Lee K. Socioeconomic status and self-reported barriers to mental health service use. Can J Psychiatry. 2007;52(3):201-6.

19. Gadalla TM. Comparison of users and non-users of mental health services among depressed women: a national study. Women & Health. 2008;47(1):1-19.

20. Farr SL, Bitsko RH, Hayes DK, Dietz PM. Mental health and access to services among US women of reproductive age. Am J Obstet Gynecol. 2010;203(6):542.e1-9.
-2121. Mohr DC, Ho J, Duffecy J, Baron KG, Lehman KA, Jin L, et al. Perceived barriers to psychological treatments and their relationship to depression. J Clin Psychol. 2010;66(4):394-409.). Deste modo, as seguintes variáveis foram selecionadas como potenciais preditoras: idade, estado civil, escolaridade, situação ocupacional atual, com quem vive na casa, número de filhos, planejamento da última gravidez, ajuda no cuidado do bebê, história de tratamentos prévios de depressão, sintomas depressivos (pontuação total da EPDS e pontuação em cada item desse instrumento) e qualidade de vida (de acordo com as dimensões do SF-36).

Todas as variáveis que foram significativas com valor de p<0,1, na análise de regressão logística univariada, foram inseridas no modelo multivariado utilizando uma técnica de seleção regressiva (backward), para a obtenção do modelo preditivo multivariado mais parcimonioso. Para medir o grau de precisão do modelo preditivo, ou seja, a quantificação da correspondência entre a probabilidade prevista e a observada, foi utilizado o teste de Hosmer-Lemeshow. Para avaliar a capacidade de discriminação do modelo, ou seja, a probabilidade de ser capaz de identificar um caso de DPP em um par de observações colhidas aleatoriamente, foi utilizada a área sob a curva ROC (Receiver Operating Characteristics). As análises estatísticas foram realizadas com o programa Stata 12.0(2222. StataCorp. 2011. Stata Statistical Software: Release 12. College Station, TX: StataCorp LP; 2011.). Todas as estimativas foram apresentadas em conjunto, com intervalos de confiança de 95% (IC95%).

Resultados

A amostra inicial foi de 305 mulheres. No diagnóstico inicial, a DPP foi confirmada em 63 delas (20,7%), as quais formaram a amostra final para a análise. Na avaliação de acompanhamento, foi possível acessar os registros médicos de todas as mulheres da amostra final, portanto, não houve perda de dados.

Como observado na Tabela 1, as participantes com DPP tinham uma média de idade de 27,6 anos (Desvio Padrão [DP] de 6,5 anos), a maioria era solteira (58,7%, IC95%: 46,2-71,2) e com ensino médio completo (50,8%, IC95%: 38,1-63,5). Na época da avaliação, 47,6% (IC 95%: 34,9-60,3) viviam em casa com seu parceiro, e mais da metade se dedicava às tarefas domésticas (60,3%, IC95%: 47,9-72,7). Quase a metade (46%, IC95%: 33-59) das mulheres admitiu ter sido tratada por causa de episódios depressivos anteriores. Das 63 mulheres com PPD, 79,4% (IC95%: 69,1-89,6) não haviam tido acesso ao tratamento após três meses.

Tabla 1
- Características sociodemográficas e clínicas da amostra, agrupadas por tipo de acesso a tratamento. Santiago, Região Metropolitana, Chile, 2012-2013*

As seguintes variáveis foram incluídas no modelo preditivo de regressão logística multivariada, as quais obtiveram significância estatística fixada (p<0,1) na avaliação univariada: planejamento da gravidez, história de tratamentos prévios de depressão, pontuação total da EPDS, item 2 da EPDS ("anedonia durante a última semana"), item 5 da EPDS ("pânico ou medo durante a última semana"), dimensão do funcionamento físico do SF-36 e dimensão de saúde geral do SF-36.

Depois de aplicar a técnica de seleção das variáveis regressivas, o modelo final incluiu os seguintes fatores que impediam o acesso a tratamento:

  1. História prévia de tratamentos de depressão.

  2. Item 2 da EPDS, presença de anedonia durante a última semana.

  3. Item 5 da EPDS, presença de pânico ou medo durante a última semana.

Observa-se que em conjunto, as variáveis incluídas classificam corretamente 82,5% do total de casos, caracterizado por ter uma sensibilidade elevada (96%), uma especificidade de 30,8%, um elevado valor preditivo positivo (PPV) de 84,2% e um bom valor preditivo negativo (NPV) de 66,7%.

Ao avaliar o comportamento do modelo preditivo na amostra analisada, com uma prevalência de sem acesso a tratamento de 79,4%, foi obtido um VPP de 91,9%, demonstrando uma alta probabilidade de que as mulheres apresentam a condição, ou seja, de que elas não têm acesso a tratamento, conforme previsto pelo conjunto de variáveis. Por outro lado, o VPL obtido foi baixo (38,5%), sugerindo que um resultado negativo no modelo preditivo é de pouca utilidade para determinar se as mães com DPP têm acesso a tratamento.

A precisão do modelo é boa, uma vez que o grau de incompatibilidade entre a probabilidade predita e a observada não alcançou os níveis significativos, de acordo com o teste de Hosmer-Lemeshow (p=0,73), e a área sob a curva ROC (auROC=0,79) sugere uma boa capacidade de discriminação (Figura 1).

Figura 1
- Capacidade de discriminação do modelo ajustado de regressão logística multivariada

No modelo final (Tabela 2), o aumento de um ponto adicional no segundo item da EPDS ("anedonia"), diminuiu em 57% (Odds Ratio [OR] 0,43, IC95%: 0,20-0,93) a probabilidade de sem acesso a tratamento. De modo semelhante, o aumento de um ponto no item 5 da EPDS ("pânico/medo") diminuiu em pouco mais da metade (OR 0,48, IC95%: 0,21-1,09) a probabilidade de sem acesso a tratamento. Finalmente, ter como positivo o antecedente de tratamentos prévios de depressão, diminuiu em 74% (OR 0,26, IC95%: 0,61-1,06) a probabilidade de sem acesso a tratamento, em comparação com aquelas mulheres que não haviam tido tratamentos prévios de depressão.

Tabela 2
- Modelo preditivo de regressão logística multivariada. Santiago, Região Metropolitana, Chile, 2012-2013

Embora os dois últimos preditores não tenham sido estatisticamente significativos, eles foram "forçados" dentro do modelo, por sua contribuição para um desenvolvimento mais parcimonioso do modelo preditivo e também com base na literatura, que apoiou a sua inclusão(1515. Andrews G, Issakidis C, Carter G. Shortfall in mental health service utilisation. Br J Psychiatry. 2001;179:417-425.

16. Bristow K, Patten S. Treatment-seeking rates and associated mediating factors among individuals with depression. Can J Psychiat. 2002;47(7):660-5.
-1717. Dennis CL, Chung-Lee L. Postpartum Depression Help-Seeking Barriers and Maternal Treatment Preferences: A Qualitative Systematic Review. Birth. 2006;33(4):323-31.,2121. Mohr DC, Ho J, Duffecy J, Baron KG, Lehman KA, Jin L, et al. Perceived barriers to psychological treatments and their relationship to depression. J Clin Psychol. 2010;66(4):394-409.).

Discussão

Este é o primeiro estudo na literatura nacional a desenvolver um modelo preditivo para avaliar os fatores que influenciam o acesso a tratamento para a PPD, em mães que utilizam a APS. O acesso ao tratamento das mulheres com PPD é muito baixo, apesar da existência do acesso universal e da disponibilidade de tratamentos eficazes.

De acordo com este estudo, as mulheres que apresentam PPD e que não têm acesso a tratamento, são as que apresentam baixos níveis de anedonia e de sintomas de ansiedade (pânico e medo), e que não apresentam história prévia de terem sido tratadas devido à episódio depressivo.

O modelo desenvolvido é simples (consiste de apenas três fatores), possui uma boa precisão e tem uma boa capacidade de discriminação. Cabe destacar a sua alta sensibilidade (96%), indicando que as variáveis incluídas são capazes, em seu conjunto, de predizer adequadamente, as mulheres que não têm acesso a tratamento.

Deve-se ressaltar que o valor preditivo é bastante sensível à prevalência do evento. Aqui, o elevado predomínio da condição estudada (falta de acesso a tratamento) é refletido na elevada PPV exibida pelo modelo, sugerindo que se o conjunto de variáveis prediz que o evento ocorrerá, é muito provável que as mães tendam a não ter acesso a tratamento. Portanto, o conhecimento disto por parte do/a enfermeiro/a pode ser de grande utilidade, antecipando-se ao evento e informando a equipe de saúde.

As características mencionadas sugerem que o modelo tem aplicabilidade potencial para resolver a premente falha no tratamento da DPP na APS, evidenciada em estudos recentes(88. Castañón C, Pinto J. Mejorando la pesquisa de depresión posparto a través de un instrumento de tamizaje, la escala de depresión posparto de Edimburgo. Rev Med Chile. 2008;136:851-8.). Portanto, ele é relevante para a saúde pública e para o papel desempenhado pelos profissionais de enfermagem durante o pós-parto.

No entanto, o significado prático destes resultados deve ser visto com cautela. O estudo corresponde a uma análise secundária das bases de dados de uma pesquisa que foi desenvolvida com outro propósito, o que cria limitações importantes: é provável que preditores eventualmente significativos não tenham sido incluídos, já que o acesso ao tratamento da depressão pós-parto tem sido descrito como um fenômeno complexo que envolve variáveis não facilmente quantificáveis, tais como a carga de trabalho doméstico, os ideais de maternidade e o estigma associado com problemas de saúde mental(1212. Sheehan DV, Lecrubier Y, Harnett F, Sheehan K, Amorim P, Janavs J, et al. The Mini International Neuropsychiatric Interview (M.I.N.I.): The development and validation of a structured diagnostic psychiatric interview. J Clin Psychiatry. 1998;59(Suppl20):22-33.,1717. Dennis CL, Chung-Lee L. Postpartum Depression Help-Seeking Barriers and Maternal Treatment Preferences: A Qualitative Systematic Review. Birth. 2006;33(4):323-31.). Além disso, as análises foram realizadas com base em uma pequena amostra (n=63), o que pode afetar o poder do estudo.

No entanto, a não inclusão de variáveis difíceis de medir ("complexas") está relacionada com o desenvolvimento de um perfil de risco pragmático, de uso relativamente simples e que não requer um esforço adicional por parte da/o profissional de enfermagem na APS. Não se trata de descartar tópicos importantes para a abordagem da DPP (e da saúde materna, em geral), tais como a carga de trabalho doméstico, ideais de maternidade e o estigma dos temas de saúde mental, entretanto, a elaboração de estratégias destinadas a esse fim requer uma investigação mais aprofundada e intersetorial.

Além disso, cabe ressaltar que as variáveis incluídas no perfil de risco (pontuação nos itens 2 da EPDS -anedonia- e 5 -pânico e medo-, e antecedente de tratamentos prévios de depressão), encontraram apoio na literatura que relata que o acesso ao tratamento para a depressão está associado aos níveis da sintomatologia depressiva (ou grau de incapacidade) e à história de tratamentos da doença(1414. Blumenthal R, Endicott J. Barriers to seeking treatment for major depression. Depress Anxiety. 1996-1997;4(6):273-8.

15. Andrews G, Issakidis C, Carter G. Shortfall in mental health service utilisation. Br J Psychiatry. 2001;179:417-425.
-1616. Bristow K, Patten S. Treatment-seeking rates and associated mediating factors among individuals with depression. Can J Psychiat. 2002;47(7):660-5.,2020. Farr SL, Bitsko RH, Hayes DK, Dietz PM. Mental health and access to services among US women of reproductive age. Am J Obstet Gynecol. 2010;203(6):542.e1-9.).

É legítimo pensar que o modelo preditivo elaborado pode ter uma contribuição valiosa para orientar na tomada de decisões dos profissionais de enfermagem, ao identificar um perfil de mães com PPD com alto risco de falta de acesso a tratamento, baseando-se nos antecedentes já disponíveis e/ou de fácil obtenção.

Por exemplo, para os antecedentes de tratamento prévio de depressão, o auto relato é geralmente confiável se esta informação não constar nos prontuários médicos(2323. Goldberg RW, Seybolt DC, Lehman A. Reliable self-report of health service use by individuals with serious mental illness. Psych Serv. 2002;53:879-81.). No caso da pontuação obtida pelas usuárias nos itens 2 e 5 da EPDS, cabe ressaltar que os/as profissionais de enfermagem realizam uma triagem universal com este instrumento, durante o acompanhamento pós-parto da saúde da criança, momento em que se investiga a suspeita de DPP, porta de entrada para o tratamento da doença(1010. Ministerio de Salud (Chile). Manual para el apoyo y seguimiento del desarrollo psicosocial de los niños y niñas de 0 a 6 años [Internet]. 2008. [Acesso 15 dez 2014]. Disponível em: http://web.minsal.cl/sites/default/files/files/2008_Manual-para-el-Apoyo-y-Seguimiento-del-Desarrollo-Psicosocial-de-los-Ninos-y-Ninas-de-0-a-6-Anos.pdf.
http://web.minsal.cl/sites/default/files...
).

Portanto, a utilização deste perfil de risco não implicaria em uma carga adicional ou diferente da carga de trabalho já executada na APS, permitindo o direcionamento de recursos do sistema público de saúde e a implementação de estratégias que facilitem o acesso ao tratamento, nesta população de mães em um momento crítico.

A este respeito, a literatura ressalta a necessidade de capacitação das equipes da APS para o monitoramento da DPP, considerando-se importante o estabelecimento de protocolos de referência nos casos em que a triagem indique a suspeita da doença, o que implica em informar devidamente as mães sobre a sua possível depressão, motivá-las a aderirem ao tratamento e priorizar a disponibilidade de horas para o atendimento(1111. Rojas G, Santelices MP, Martínez P, Tomicic A, Reinel M, Olhaberry M, et al. Barreras de acceso a tratamiento de la depresión posparto en centros de atención primaria de la Región Metropolitana: un estudio cualitativo. Rev Med Chile. 2015; 143:424-32.,2424. Yawn B, Olson A, Bertram S, Pace W, Wollan P, Dietrich A. Postpartum Depression: Screening, Diagnosis, and Management Programs 2000 through 2010. Depress Res Treat. [Internet]. 2012 . [Acesso 15 dez 2014];ID 363964. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1155/2012/363964
http://dx.doi.org/10.1155/2012/363964...
).

Conclusão

Em conclusão, considera-se que este estudo abre um campo para novas pesquisas, ao propor um perfil de risco para a falta de acesso a tratamento na APS, para mães com DPP. Trata-se de um modelo preditivo pragmático, que pode orientar os recursos humanos disponíveis na APS, a apoiar a implementação de atividades destinadas à resolução da falha no tratamento de uma doença que tem sido reconhecida como um problema de saúde pública. Neste mesmo sentido, sugere-se que os/as enfermeiros/as estejam atentos/as àquelas mães com PPD, que apresentam baixa anedonia, ou falta dela, sem pânico ou medo e sem histórico de depressão, uma vez que estas são as pacientes que têm uma maior probabilidade de não terem acesso a tratamento para a doença, de acordo com o modelo. São necessários mais estudos para a validação e a avaliação do impacto da utilização desse perfil de risco em ambientes clínicos reais

Agradecimentos

Agradecemos a todos os centros de atenção primaria e às mulheres que participaram do estudo.

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    Apoio financeiro da Iniciativa Científica Milenio, Chile, processo nº IS130005 e do Fondo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico, Chile, processo nº 1130230.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2015
  • Aceito
    21 Jul 2015
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