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A enfermagem na era da globalização: desafios para o século XXI

Resumos

O objetivo deste texto foi abrir espaço para reflexão acerca de questões relativas aos processos de globalização e impactos na saúde global, apontando alguns desafios para a Enfermagem no século XXI. Nesse sentido, a autora delineia os contornos e tendências da globalização no mundo contemporâneo e os impactos drásticos na saúde humana e no meio ambiente. Para responder aos desafios do mundo globalizado, aponta alguns caminhos, dentre os quais se destacam o fortalecimento da disciplina de Enfermagem e algumas diretrizes para a educação, pesquisa e cuidado de Enfermagem, em âmbito local e global.

saúde; enfermagem


The purpose of this paper was to reflect about issues related to the processes of globalization and the global impacts on health, pointing out some challenges for Nursing in the twenty-first century. In this sense, the author outlines the forms and trends of globalization in the contemporary world, and the drastic impacts on human health and environment. To respond to the challenges of the globalized world, some ways are indicated, among which, the strengthening of nursing discipline stands out, together with some guidelines for education, research and Nursing care, in a local and global scope.

health; nursing


El objetivo de este texto encontrar un momento para reflexionar sobre los aspectos relacionados a los procesos de globalización, así como sobre los impactos en la salud global señalando algunos desafíos para la Enfermería en el siglo XXI. En este sentido, la autora esboza los contornos y tendencias de la globalización en el mundo contemporáneo, así como los drásticos impactos en la salud humana y ambiental. De esta forma, para responder a estos aspectos, señala algunos caminos entre los cuales se destacan el fortalecimiento de Enfermería como disciplina y el establecimiento de directivas en educación, investigación y cuidado en Enfermería, en el ámbito regional y mundial.

salud; enfermería


COMUNICAÇÕES BREVES / RELATO DE CASO

Pós-doutora, Professor, Universidade de Aveiro, Portugal, e-mail: alsilva@ua.pt

RESUMO

O objetivo deste texto foi abrir espaço para reflexão acerca de questões relativas aos processos de globalização e impactos na saúde global, apontando alguns desafios para a Enfermagem no século XXI. Nesse sentido, a autora delineia os contornos e tendências da globalização no mundo contemporâneo e os impactos drásticos na saúde humana e no meio ambiente. Para responder aos desafios do mundo globalizado, aponta alguns caminhos, dentre os quais se destacam o fortalecimento da disciplina de Enfermagem e algumas diretrizes para a educação, pesquisa e cuidado de Enfermagem, em âmbito local e global.

Descritores: saúde; enfermagem

INTRODUÇÃO

A globalização é entendida por aqueles que seguem a ideologia neoliberal enquanto processo irreversível que se intensifica e avança, segundo uma lógica e uma dinâmica próprias. Para outros(1-2), a globalização transcende a falácia do determinismo, à medida que se transforma em campo de contestação social e política. Alguns também assinalam que a globalização é, primordialmente, econômica(3), podendo, ainda, ser percebida como fenômeno complexo e plural, com dimensões econômicas, sociais, políticas e culturais, dentre outras(1-2).

Através dessa pluralidade de discursos, a partir da década de 1980, a globalização adquiriu diversos contornos e tendências, muitas vezes, até, conflitantes. Inegável, contudo, é o impacto negativo que a globalização oferece à vida quotidiana e à saúde das pessoas em âmbito global, especialmente daquelas excluídas economicamente dos bens e serviços sociais básicos, como educação e cuidado à saúde.

Nesse contexto, a Enfermagem é desafiada a buscar caminhos que respondam de forma crítica e efetiva às questões de saúde que estão postas na vida em sociedade. Partindo desse cenário, desenvolve-se, neste texto, algumas reflexões sobre as seguintes questões: quais as perspectivas para a saúde na era da globalização? Que desafios se impõem para a Enfermagem no século XXI?

QUAIS AS PERSPECTIVAS PARA A SAÚDE NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO?

Em tempos de globalização, na saúde, há que se destacar os avanços positivos no campo da comunicação e da biotecnologia. Entretanto, a repercussão da globalização sobre a saúde da população mundial pobre tende a ser muito mais negativa do que positiva, uma vez que a pobreza está intimamente relacionada às condições e expectativas de saúde. Vale salientar que dos 6 bilhões de habitantes do mundo, 2,8 bilhões (quase a metade) vivem com menos de 2 dólares por dia e 1,2 bilhões (um quinto) com menos de 1 dólar por dia, sendo que 44% vivem no Sul da Ásia(4).

Nesse sentido, os países pobres têm a seu cargo 90% das doenças que ocorrem no mundo, mas não têm mais de 10% dos recursos globalmente gastos em saúde, o que se reflete no parco desenvolvimento econômico desses países, em decorrência da perda de pessoas em idade jovem e produtiva. Crianças com menos de cinco anos na África têm 7 vezes mais probabilidade de morrer do que as crianças da Europa, assim como pessoas de 15-59 anos, na África, têm 4,5 vezes mais probabilidade de morrer do que as pessoas na Europa, sendo que as taxas de mortalidade materna são 16 vezes mais altas na África do que na Europa(5).

Um risco à saúde mundial, decorrente da globalização, está relacionado à aceleração do comércio transnacional, sendo essa uma causa direta da expansão das doenças(6) , como o vírus da hepatite B, pelo comércio internacional de produtos do sangue, as doenças relacionadas ao consumo de alimentos, encefalopatia espongiforme bovina e aquelas relacionadas a novos variantes da doença Creutzfeld-Jakob para humanos.

Os danos ao ambiente físico, causados grandemente pelas insustentáveis taxas de consumo dos países ricos, podem ser vistos como decorrentes do processo de globalização. Esses danos ao ambiente têm acarretado perda alarmante na qualidade socioambiental, com abalo considerável na saúde populacional, tornando visível a inviabilidade de um futuro global sem um programa estratégico de desenvolvimento sustentável.

Riscos para a saúde global resultam, também, da crescente urbanização estimulada pelo crescimento econômico e expansão industrial que geram significantes transformações sociais, econômicas e políticas. Esse resultado impacta negativamente a saúde das pessoas, em decorrência, principalmente, da ameaça das doenças transmissíveis, além do agravamento de outros problemas associados à desintegração social e à violência.

Sabe-se que a boa saúde depende, também, da qualidade das políticas de saúde e investimentos em saúde(7), bem como da educação, idéias, técnicas e tecnologias. Contudo, além dos países pobres investirem pouco em saúde e educação, existe falta tanto de recursos financeiros como humanos que permitam participação igualitária desses países nas organizações internacionais, nas quais são tomadas decisões que os afetam e formatadas regras sob as quais os sistemas internacionais operam.

Esses são apenas alguns dos impactos na saúde decorrentes dos processos de globalização. Certamente que o impacto da globalização na saúde se constitui em processo complexo, multifacetado, cujas dimensões escapam de longe à perspectiva aqui focada. Está-se diante de um grande desafio, que terá que ser enfrentado caso se concorde com a Declaração de Alma Ata de 1978, de que a saúde é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é uma das mais importantes metas sociais mundiais, cuja realização requer ações de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde(8).

QUE DESAFIOS A GLOBALIZAÇÃO IMPÕE PARA A ENFERMAGEM NO SÉCULO XXI?

Ao longo de pouco mais de um século, a Enfermagem, em diferentes países do globo, passou por inúmeras transformações, registrando avanços inegáveis, que se projetaram no meio acadêmico e conquistaram novos espaços de ação(9). Contudo, os contornos e tendências dos processos de globalização no mundo contemporâneo impõem novos e grandes desafios para a disciplina profissional de Enfermagem, neste século XXI. Esses desafios são decorrentes, em grande parte, das inúmeras e rápidas alterações no campo político, econômico, social, cultural, com efeitos drásticos na saúde humana individual e coletiva.

Dada a complexidade desses processos e desafios inerentes a eles, torna-se vital o fortalecimento da disciplina de Enfermagem. Esse fortalecimento passa pela construção de bases epistemológicas inovadoras e condizentes com os avanços contemporâneos, consistentes e sensíveis às necessidades humanas, ambientais e societais. Tais bases epistemológicas irão, por sua vez, apoiar e direcionar a constelação da prática profissional, ligada à educação, pesquisa e cuidado, em âmbito local e global.

É imprescindível, neste século XXI, sinergia de esforços colaborativos na Enfermagem, em cada país e entre os diferentes países, para abrir e consolidar espaços de ação efetiva referentes: 1) a formar cientistas competentes, com habilidade para pensar criticamente, definir e priorizar as necessidades sociais para nortear a escolha do seu objeto de estudo, avaliar os aspectos vulneráveis na sua formação e tomar decisões para fortalecer e consolidar a excelência na sua capacitação e produção científica; 2) produzir conhecimento inovador e com impacto substancial na realidade social e na saúde e bem-estar de indivíduos, famílias e comunidades, em especial das populações mais carentes e excluídas dos bens e serviços; 3) oportunizar a capacitação no uso de novos referenciais teórico-metodológicos e o treinamento em estratégias tecnológicas avançadas; 4) estimular o desenvolvimento de "...uma postura pró-activa das lideranças de Enfermagem no sentido de atenção às oportunidades, criação de espaços e mecanismos de inserção desta área de conhecimento e apresentação de demandas por meio de projetos em sintonia com as políticas públicas"(10), voltados às necessidades sociais. Entretanto, esse processo requer, sobretudo, domínio multicultural, sensibilidade para lidar com as diferenças e capacidade para construir pontes entre as diferentes fronteiras que habitam o viver humano em âmbito global.

A força da pesquisa em Enfermagem deve estar em considerá-la como espaço importante para o cuidado, enquanto ativismo político, não só no sentido da construção de novos marcos de conhecimento teórico-prático, mas, principalmente, para as ações em prol de níveis crescentes de qualidade de vida em sociedade(11).

No campo da educação formal em Enfermagem, há que se buscar, obrigatoriamente, uma educação emancipadora, enquanto dimensão importante na formação de profissionais com capacidade crítica de pensar-se, de pensar globalmente as estruturas vigentes, a partir de suas raízes históricas, e agir localmente na resolução de problemas, de forma transformadora e com responsabilidade ecológico-social. A formação necessita estar comprometida em preparar enfermeiros(as) capazes de, dentre outros aspectos: 1) conhecer a realidade local e global; o perfil de saúde da população, em âmbito regional, nacional e mundial; 2) atuar nos diversos níveis de complexidade de atenção à saúde individual e coletiva, com responsabilidade social e compromisso com a cidadania; 3) desenvolver prática culturalmente competente, que valorize e respeite as diferenças no âmbito de gênero, raça, orientação sexual, dentre outros aspectos; 4) construir conhecimento a partir da prática educativa.

No contexto do cuidado faz-se necessário algumas estratégias que o centrem essencialmente nas pessoas, guiando-as em direção à emancipação e autonomia, tornando-as capazes de pensar e agirem criticamente para a melhoria de suas vidas. Da mesma forma, a valorização e o estímulo às crenças e valores culturais e sociais se tornam imprescidíveis ao exercício do cuidado culturalmente competente, favorecendo a construção de atitudes e comportamentos saudáveis.

A intenção neste texto foi abrir espaço para reflexão acerca de algumas questões relativas aos processos de globalização e impactos na saúde global, apontando algumas implicações para a Enfermagem. Naturalmente que o recorte realizado reduz significativamente essa realidade tão complexa e plural. Diante desse contexto, há que se perguntar: para onde ir a partir daqui? Qualquer caminho que se escolher implica em responsabilidade coletiva e passa pela lógica da solidariedade, da justiça e da dignidade humana. O futuro da Enfermagem e da saúde dependerá de nossas escolhas coletivas, de nossas escolhas políticas.

REFERÊNCIAS

  • 1. Santos BS. Globalização: fatalidade ou utopia? Porto: Afrontamento; 2001.
  • 2. Ferreira JMC. Trabalho e sindicalismo no contexto da globalização. In: Scherer-Warren I, Ferreira JMC. Transformações sociais e dilemas da globalização: um diálogo Brasil/Portugal. São Paulo: Cortez; 2002. p. 211-41.
  • 3. Assmann SJ. Globalização como fato e como ideologia. Rev Política e Cultura 1998; 1(1): 27-38.
  • 4
    World Bank. Human world development report 2000/2001. Attacking poverty: opportunity, empowerment, and security. Washington (DC): World Bank; 2001.
  • 5
    World Health Organization. World health report. Making a difference. Geneva: WHO; 1999.
  • 6. Lister G. Global health and development: the impact of globalisation on the health of poor people. Cambridge (UK): The College of Health; 2000.
  • 7. Sen A. Keynote address to the World Health Assembly. Geneva: WHO; 1999.
  • 8
    Organização Mundial da Saúde. Conferência internacional sobre cuidados primários de saúde. Alma-Ata, URSS. Organização Mundial da Saúde, 1978. Disponível em www.opas.org.br/coletiva/uploadArq/Alma-Ata.pdf
  • 9. Silva AL. Pós-doutorado: desafios e perspectivas. Rev Texto Contexto Enferm 2002; 11(1): 77-83.
  • 10. Marziale MHP, Mendes IAC. O investimento em pesquisa na área de saúde: termos de referência para o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro. Rev Latino-am Enfermagem 2006; 14(2): 149-50.
  • 11. Silva AL. A pesquisa como prática de cuidado. In: Silva AL, Ramos TRO, Lago MCS, organizadoras. Falas de gênero. Florianópolis:Mulheres; 1999. p. 105-18.
  • A enfermagem na era da globalização: desafios para o século XXI

    Alcione Leite da Silva
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      15 Jun 2008
    • Recebido
      03 Set 2007
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