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Motivos que levaram idosos a buscar atenção em uma unidade básica de saúde

Resumos

Estudo de abordagem quantitativa, cujo objetivo foi conhecer os motivos que levaram idosos a buscar atenção em um ambulatório de serviço básico de saúde de Santa Catarina. Os dados foram coletados em prontuários de 401 idosos atendidos pela equipe de saúde. A leitura inicial dos registros evidenciou 4 634 motivos que, após análise qualitativa, foram agrupados em queixas e solicitação de atenção. Esses dados, em segunda análise, receberam classificação de R e Z, segundo a CID-10. A categoria R - queixas expressas por sinais e sintomas - somou 64% dos motivos, sendo a "dor" o mais evidenciado. Os demais motivos, 36%, corresponderam à categoria Z, denominada solicitação de atenção, representada por pedidos de receita de medicamentos e atendimentos para controle de saúde. O estudo evidenciou a complexidade da demanda de atenção à saúde dessa população na região pesquisada, mostrando a necessidade de aquele serviço desenvolver atenção específica e de caráter interdisciplinar.

saúde do idoso; saúde pública; promoção da saúde; classificação internacional de doenças


This quantitative study aimed to get to know the reasons that made aged people seek care at a basic health care outpatient clinic in the State of Santa Catarina, Brazil. The data was collected in the patient files of 401 aged people attended by the health team. Initial reading of these records evidenced 4634 reasons that, after qualitative analysis, were grouped under complaints and requests for attention. In a second analysis, these data were classified as R and Z, according to ICD-10. The R category - complaints expressed by signs and symptoms- equals 64% of the reasons, with "pain" as the most common one. The other reasons, 36%, corresponded to the Z category, called requests for attention, represented by medicine prescription requests and attendance for health control. The study evidenced the complexity of this population's health care demands in the study region, showing the need for that service to develop specific and interdisciplinary care.

health of the elderly; public health; health promotion; international classification of diseases


Estudio de abordaje cuantitativo, cuyo objetivo fue conocer los motivos que llevaron a los ancianos a buscar atención en un ambulatorio del servicio básico de salud de Santa Catarina. Los datos fueron recolectados de las fichas de 401 ancianos atendidos por el equipo de salud. La lectura inicial de los registros evidenció 4.634 motivos que, después de un análisis cualitativo, fueron agrupados en quejas y solicitud de atención. Esos datos, en un segundo análisis, recibieron clasificación de R y Z, según la CID-10. La categoría R - quejas expresadas por señales y síntomas - sumó 64% de los motivos, siendo el "dolor" el más evidenciado. Los demás motivos, 36%, correspondieron a la categoría Z, denominada solicitud de atención, representada por pedidos de medicamentos y atenciones para control de la salud. El estudio evidenció la complejidad de la demanda de la atención de la salud de esa población en la región investigada, mostrando la necesidad de que este servicio desarrolle una atención específica y de carácter interdisciplinar.

salud del anciano; salud pública; promoción de la salud; clasificación internacional de enfermedades


ARTIGO ORIGINAL

Motivos que levaram idosos a buscar atenção em uma unidade básica de saúde

Mary Rosane Quirino Polli RosaI; Zuleica Maria PatrícioII; Maria Regina SilvérioIII; Davi RumelIV

IUniversidade do Sul de Santa Catarina, Brasil: Enfermeira, Mestre em Saúde Coletiva, Professor Titular, e-mail: mary.polli@unisul.br

IIUniversidade do Sul de Santa Catarina, Brasil: Enfermeira, Doutor em Filosofia da Enfermagem, Professor Titular, e-mail: zucamp@hotmail.com

IIIUniversidade do Sul de Santa Catarina, Brasil: Mestre em Educação, Professor, e-mail: maria.silvério@unisul.br

IVUniversidade do Sul de Santa Catarina, Brasil: Médico, Doutor em Epidemiologia, Professor Titular, e-mail: davi.rumel@gmail.com

RESUMO

Estudo de abordagem quantitativa, cujo objetivo foi conhecer os motivos que levaram idosos a buscar atenção em um ambulatório de serviço básico de saúde de Santa Catarina. Os dados foram coletados em prontuários de 401 idosos atendidos pela equipe de saúde. A leitura inicial dos registros evidenciou 4 634 motivos que, após análise qualitativa, foram agrupados em queixas e solicitação de atenção. Esses dados, em segunda análise, receberam classificação de R e Z, segundo a CID-10. A categoria R - queixas expressas por sinais e sintomas - somou 64% dos motivos, sendo a "dor" o mais evidenciado. Os demais motivos, 36%, corresponderam à categoria Z, denominada solicitação de atenção, representada por pedidos de receita de medicamentos e atendimentos para controle de saúde. O estudo evidenciou a complexidade da demanda de atenção à saúde dessa população na região pesquisada, mostrando a necessidade de aquele serviço desenvolver atenção específica e de caráter interdisciplinar.

Descritores: saúde do idoso; saúde pública; promoção da saúde; classificação internacional de doenças

INTRODUÇÃO

As estimativas apontam que a proporção de idosos no Brasil passará de 7,3% (11 millhões) em 1991 para cerca de 15% (32 milhões) em 2025, que é a atual proporção de idosos da maioria dos países europeus, onde essa transição foi mais lenta e ainda não equacionada(1-2).

Em menos de 40 anos, mudou-se de um cenário de mortalidade próprio de uma população jovem para um quadro de enfermidades complexas e onerosas, típicas da terceira idade, caracterizado por doenças crônicas e múltiplas, que perduram por anos, com exigência de cuidados constantes, medicação contínua e exames periódicos. O número de idosos passou de 3 milhões para 17 milhões em 2006 - aumento de 600% em menos de cinquenta anos(3).

No Brasil, a maior causa de mortalidade, nessa faixa etária, são as doenças do aparelho circulatório, ou seja, as cerebrovasculares. Em Santa Catarina, essa realidade não é diferente de outras regiões da Federação, posto que a maior incidência de óbitos é decorrente de acidente vascular cerebral(4).

Na ótica da Saúde Coletiva, o envelhecimento é um desafio do mundo atual. Nas nações consideradas desenvolvidas, o envelhecimento da população tem suas principais causas nas transformações econômico-sociais vividas pela sociedade no século passado e que, no entanto, só produziram modificações significativas nas suas variáveis demográficas na virada do século XX(3).

O crescimento demográfico no Brasil e o atual perfil epidemiológico com altos índices de doenças crônicas e degenerativas fazem emergir a preocupação com a população idosa. Essa realidade requer que a sociedade entenda o envelhecimento de sua população como responsabilidade individual e coletiva para alcançar o âmbito público(5). Nesse aspecto, destaca-se a importância da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, que tem como propósitos a promoção do envelhecimento saudável, a manutenção e melhoria da sua capacidade funcional, prevenção de doenças e a recuperação da saúde, de modo a garantir-lhe permanência no meio em que vive, exercendo, de forma independente e com qualidade, suas funções na sociedade(6).

Esses aspectos trazem importantes desafios ao Sistema de Saúde, gerando a necessidade do estabelecimento de agenda para as políticas de saúde que possam responder pelas várias transições epidemiológicas através de ações voltadas para a detecção precoce de doenças e promoção da saúde(7).

Com base nessa lógica, considera-se o paradigma da promoção da saúde importante estratégia para o enfrentamento dos problemas de saúde-doença na sociedade. As ações de promoção da saúde preconizam o exercício da cidadania com vistas a atitudes individuais e coletivas que possibilitem melhorar as condições de vida e, consequentemente, a saúde da população.

Nesse contexto, o Programa de Saúde da Família (PSF), criado em 1994 pelo Ministério da Saúde, é espaço privilegiado para a concretização da Promoção, uma vez que visa a reversão do modelo assistencial vigente - mais centrado na doença - para a atenção à saúde integral. Essa proposta é um referencial determinante à população idosa, visto que possibilita maior aproximação da equipe de saúde ao contexto de vida das pessoas.

A ação participativa da comunidade e a capacitação continuada dos profissionais envolvidos no Programa, com vistas à melhoria da qualidade de vida e saúde e, ainda, à promoção de envelhecimento saudável revelam-se pontos positivos para que tal aproximação se concretize.

As mudanças fisiológicas e psicossociais que ocorrem nessa faixa etária e suas repercussões na qualidade de vida e saúde do idoso, somadas à expectativa da promoção da saúde e à visão sistêmica do ser humano, tornam mais complexa a assistência a ser prestada a essa população.

Tem-se observado que o aumento do número de idosos faz crescer a demanda dessa população nos serviços de saúde, uma vez que esse grupo apresenta grande quantidade de doenças crônicas e incapacitantes, comparado a outros grupos etários(8).

Por ser, entretanto, situação emergente no contexto da atenção básica, a assistência que lhes é prestada carece de cuidados específicos e sistemáticos às suas necessidades. Ainda é possível identificar que, mesmo quando o idoso se encontra inserido em ações de prevenção, a atenção está apenas focada na doença. Entende-se que a situação decorre de variados aspectos. Entre esses, destaca-se a carência de conhecimentos sistemáticos, por parte da equipe, acerca das condições de saúde dos idosos e ainda os aspectos subjetivos desses e capacitação da equipe para o atendimento interdisciplinar, voltado à promoção da saúde, tendo em vista a complexidade das situações específicas, apresentadas por essa população.

Uma vez que os fatores citados acima estão descritos nas diretrizes da Política Nacional da Saúde da Pessoa Idosa, é preciso somente cumpri-las, entre elas pode-se citar: a promoção do envelhecimento ativo e saudável; a atenção integral à saúde da pessoa idosa; estímulo à participação e fortalecimento do controle social; formação e educação permanente dos profissionais de saúde do SUS na área de saúde da pessoa idosa; divulgação e informação sobre a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa para profissionais de saúde, gestores e usuários do SUS e o apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas(6).

A carência de atenção mais focada na pessoa e menos na doença tem sido identificada nos serviços de atenção básica, incluindo o local deste estudo, no decorrer das atividades de ensino, extensão e pesquisa. Por ser um ambulatório-escola, entende-se que a assistência prestada necessitaria estar mais sintonizada com a realidade da população idosa do município e com as políticas públicas para essa demanda.

Essa situação, associada à inexistência de estudos sobre os problemas de saúde da população idosa, na região de atuação dos pesquisadores, fez despertar a necessidade desta pesquisa. Para tanto, desenvolveu-se estudo de abordagem quantitativa, precedida de análise qualitativa de dados, com o objetivo de conhecer os motivos que levaram os idosos residentes na cidade de Tubarão, Santa Catarina, Brasil, a procurar a atenção ambulatorial em um serviço básico de saúde, no período de 1998 a 2004. Ressalta-se que, desde 2002, o Programa de Saúde da Família, atualmente denominado Estratégia de Saúde da Família, é desenvolvido nesse ambulatório.

Os resultados do estudo já estão sendo aplicados, à medida que são levados para espaços de reflexão crítica junto a gestores e equipes de saúde desse serviço, e introduzidos em processos de ensino-aprendizagem de alunos e professores de cursos de graduação da área da saúde que lá desenvolvem atividades com a população de idosos.

Sendo esse serviço referência para outros serviços, acredita-se que os resultados desta pesquisa possam contribuir para a criação de estratégias de aperfeiçoamento das ações de atenção básica à população idosa da região.

A divulgação dos resultados deste estudo tem como finalidade incitar pesquisadores, profissionais, gestores e docentes da área da saúde para estudos da mesma natureza em seus contextos e, em especial, fortalecer as discussões já existentes no país sobre a importância de o atendimento ao idoso ser fundamentado em suas necessidades específicas e de caráter interdisciplinar, tendo em vista a promoção do envelhecimento saudável em seu próprio contexto.

MÉTODOS

Trata-se de estudo exploratório de caráter retrospectivo, focado na abordagem quantitativa, desenvolvida a partir de análise qualitativa de dados dos prontuários da população idosa atendida pelo Serviço de Assistência Integrada à Saúde (SAIS), localizado na Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul.

Dos 462 prontuários encontrados, relativos aos atendimentos ao idoso, no período de 1998 a 2004, foram analisados todos aqueles que apresentavam condições para isso, totalizando 401 prontuários. Essa condição de inclusão diz respeito àqueles registros que se caracterizavam como motivos de procura manifestados pelo usuário. No decorrer deste artigo, essa população será denominada "usuário idoso".

Na pesquisa, considera-se "usuário idoso" a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Legalmente, em nosso país, a velhice ocorre a partir dos 60 anos de idade, conforme documentos oficiais: a Lei 10741/2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, e a Portaria2.528, de 19 de outubro de 2006, que aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, que definem a idade a partir dos 60 anos para designar o idoso; e a Lei 8.842/94, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, relata no seu artigo 2º que "considera-se idoso, para todos os efeitos desta lei, a pessoa maior de 60 anos de idade"(6-9).

Da população estudada, 66% eram do sexo feminino, e do total, 51% encontrava-se na faixa etária entre 60 e 64 anos, 21% entre 65 e 69 anos, 16% entre 70 e 74 anos e 12% acima de 75 anos de idade.

Os dados foram coletados mediante a técnica de "análise documental". Essa técnica pode ser realizada no contexto de características de uma pesquisa documental, mesmo quando focada em um único tipo de documento, em razão da natureza dos dados e dos processos de leitura e análise minuciosos. Os documentos constituem fonte rica e estável de dados, pois subsistem ao longo do tempo e constituem importante fonte de dados em qualquer pesquisa de natureza histórica(10-11).

O processo de análise dos dados ocorreu em quatro fases. Na primeira fase, análise qualitativa dos registros, buscou-se identificar categorias que expressassem os "motivos", resultando uma complexidade de "sinais e sintomas" e "outras situações". A segunda constou da elaboração de conjuntos de dados relacionados a tais categorias. Na terceira fase, esses conjuntos foram analisados, buscando a correspondência com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), referente à categoria "R", nas subcategorias de R00 a R99, que inclui "sinais e sintomas, e achados anormais de exames clínicos e de laboratório não classificados em outra parte", e a categoria "Z", nas subcategorias de Z00 a Z99, que compreendem "outras circunstâncias que não uma doença, um traumatismo ou causa externa". Nesse processo, foram identificadas 64 categorias agrupadas nas classificações R e Z, da CID-10.

A quarta fase caracterizou-se pela análise quantitativa dos dados e pela elaboração das figuras representativas. Para esse tipo de análise, foram selecionadas as vinte categorias mais frequentes, a saber: R52 (dor não classificada em outra parte); Z76 (pessoas em contato com os serviços de saúde em outras circunstâncias); Z01.3 (exame da pressão arterial); R45 (sintomas e sinais relativos ao estado emocional); Z00 (exame geral e investigação de pessoas sem queixas ou diagnóstico relatado); Z01 (outros exames e investigações especiais de pessoas sem queixa ou diagnóstico relatado); R53 (mal-estar e fadiga); R06 (anormalidades da respiração); R19 (outros sintomas e sinais relativos ao aparelho digestivo e ao abdome); R42 (tontura e instabilidade); R05 (tosse); Z71 (pessoas em contato com os serviços de saúde para outros aconselhamentos e conselho médico, não classificados em outra parte); R23 (outras alterações cutâneas); R51 (cefaleia); R60 (edema não classificado em outra parte); R07 (dor de garganta e no peito); R63 (sintomas e sinais relativos à ingestão de alimentos e líquidos); R20 (distúrbios da sensibilidade cutânea); R10 (dor abdominal e pélvica) e R11 (náusea e vômitos). As quatro primeiras categorias, que apareceram com maior frequência, foram aquelas selecionadas para discussão com embasamento na literatura.

O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa - CEP, da Universidade do Sul de Santa Catarina (Parecer n° 05.412.404).

RESULTADOS

No período correspondente, entre 1998 e 2004, os 401 idosos usuários do SAIS, cujos prontuários foram analisados, apresentaram à equipe de saúde 4 634 motivos, envolvendo "queixas" e "solicitações".

Destaca-se o crescimento progressivo do número de idosos cadastrados nesse serviço a cada ano, observando-se maior crescimento no último ano analisado. Isso demonstra que, paralelamente ao seu crescimento, a população idosa está procurando mais o Serviço de Saúde em busca de assistência e ajuda para resolver seus problemas de saúde-doença.

A Figura 1 apresenta o crescimento progressivo desses motivos de procura pelo serviço no período, aqui delimitado.


A Figura 2 apresenta a distribuição, por ano, dos dois principais motivos na categoria Z e na categoria R.


Em 2002, a demanda foi maior, fato esse possivelmente justificado pelo fim do processo de implantação e maior divulgação do Programa de Saúde da Família no SAIS.

Segundo esta pesquisa, a relação de atenção no período de 1998 a 2004, de acordo com o CID-10, mostrou que 64% encontravam-se na categoria "R", representada por queixas, traduzidas em sinais e sintomas. Desses, os mais comuns foram relacionados às subcategorias R52, que significa "dor não classificada em outra parte", e R45, ou seja, "sintomas e sinais relativos ao estado emocional".

Em um estudo no qual foram avaliados 990 indivíduos na faixa etária a partir de 65 anos, observou-se "queixa de dor frequente (diária ou uma a duas vezes por semana) em cerca de 35% dos avaliados e dor ocasional (uma ou duas vezes ao mês) em aproximadamente 29% dos idosos"(12). Esse estudo destaca ainda que as dores mais comumente relatadas foram as dores articulares e lombares, seguidas de dores em membros inferiores.

Os resultados do presente estudo corroboram os dados acima, uma vez que as queixas registradas nos prontuários analisados apontavam "dor nas articulações", "nas costas", "na perna", "no braço", "no joelho", "na axila", "nas juntas", "no corpo", "nos ossos", "no ombro" e "dor no corpo todo".

A dor contribui para a depressão, a ansiedade, a diminuição da capacidade funcional e da socialização, ou seja, diminui a autonomia que já costuma, nessa idade, estar comprometida por outros fatores(13).

A outra grande categoria encontrada, equivalente a 36% dos motivos que levaram os idosos ao serviço de saúde, de acordo com o CID-10, referia-se à categoria "Z", que se denomina, aqui, "solicitações de atenção". Essas, mesmo não sendo relacionadas a "sinais e sintomas", requerem atenção da equipe de saúde. Nessa categoria, as subcategorias mais comuns foram a Z76, referente a "pessoas em contato com o serviço de saúde em outras circunstâncias", como solicitação de receita médica e remédios para dormir, e a subcategoria Z01.3, que abrange a solicitação "para exame da pressão arterial".

A Figura 3 apresenta as constantes das equações lineares quanto à tendência de crescimento do número de consultas por ano de estudo, refletindo as inclinações das retas: quanto maior a constante, maior a inclinação, maior a velocidade de crescimento.


Como se pode observar, a categoria Z76 cresce mais rápido que a categoria R52, e a categoria R45, correspondente a sintomas e sinais relativos ao estado emocional, apesar de bastante frequente, aparece com tendência de crescimento em 4° lugar.

Comparando a frequência da categoria Z76 - pessoas em contato com os serviços de saúde em outras circunstâncias - e sua tendência no tempo, pode-se inferir que a procura de medicamentos para dormir pode estar associada a questões de ordem psicossocial-existencial, necessitando, pois, de intervenção.

É importante ressaltar que as queixas relacionadas ao estado emocional aparecem de forma muito significativa na população estudada, como, por exemplo: "medo" e sentimento de "solidão".

A análise dessas queixas apontou situações que podem estar causando alterações limitadoras para a saúde, particularmente alterando a qualidade do sono e do repouso, da função digestiva, a ponto de causar dores diversas, além de outras manifestações. A cronicidade desses sintomas e as limitações da autonomia tendem a gerar no indivíduo manifestações que sugerem um quadro de depressão. Embora, por outro lado, esse fenômeno pode estar acentuando a sensibilidade para dor.

Vale destacar, entretanto, que o quadro de depressão pode estar sendo gerado em função de sofrimentos existenciais. Esse aspecto merece ser trabalhado com mais atenção pela equipe de saúde, pois, segundo alguns autores(14-15), muitas vezes a depressão nessa população é confundida com "coisas de velho", ou com outros tipos de doenças, dificultando o diagnóstico específico para cada idoso.

A depressão é causa importante de perturbação do sono no envelhecimento e costuma estar presente nessa fase da vida, especialmente por razões de luto, sentimento de abandono e também por questões financeiras e de sensação de perda da identidade, estimulada, na maioria das vezes, pela própria sociedade quando desvaloriza a pessoa idosa. Essa situação de sofrimento, por sua vez, interfere na dinâmica do cotidiano da vida do idoso, na sua autonomia voltada às atividades sociais, fazendo emergir outros sinais e sintomas, ou exacerbando as queixas já existentes.

A leitura qualitativa também evidenciou que algumas das queixas apresentadas tinham origem em fatores ligados ao estilo de vida das pessoas como o uso de fumo, alimentação inadequada e sedentarismo.

CONCLUSÕES

A variedade e a frequência dos motivos que levaram os idosos a procurar a unidade de atenção básica de saúde evidenciam, para além de "sinais e sintomas" e solicitações de atendimento, a existência de situações complexas de saúde, sugerindo a necessidade do desenvolvimento de atenção mais específica para atender a demanda da população idosa da região pesquisada.

A dor é protagonista no conjunto de queixas apresentadas e solicitações de atenção. Reforça-se, porém, a importância de se entender que o idoso não é um conjunto de "sinais e sintomas", ou de queixas, de "dói aqui, dói ali". As especificidades de sinais e sintomas que apresentam, seja de cunho afetivo, cultural ou social, devem ser analisadas no contexto do cidadão e do "ser" idoso.

Nesse sentido, os profissionais da atenção básica em saúde necessitam desenvolver em suas práticas espaços de escuta, com componentes de respeito, carinho e diálogo, ampliando o conhecimento da situação de saúde que costuma aparecer em forma de queixas e solicitações.

Esse fenômeno torna a atenção básica à saúde uma prática de cuidado mais integral, posto que, quando se conhece a história de vida e o contexto atual do sujeito, aumenta a possibilidade de o profissional ter maior compreensão da situação de saúde dos usuários que atende e de desenvolver assistência mais humanizada e específica.

A observância do princípio da integralidade contribui sobremaneira para a garantia da qualidade da atenção à saúde, uma vez que esse conceito prevê que sejam ofertadas, de forma articulada, "ações de promoção da saúde, prevenção dos fatores de risco, assistência aos danos e reabilitação, segundo a dinâmica do processo saúde-doença"(16).

Os resultados também sugerem as limitações do CID, frente à necessidade de classificação/denominação dos problemas de saúde que as pessoas trazem. No contexto de práticas profissionais que visam a saúde integral, esses problemas são "situações", a maioria muito complexa, para serem catalogadas e terem protocolos pré-definidos de atendimento.

A realidade de expectativas e necessidades da pessoa idosa, encontrada neste estudo, valida ainda mais a importância de processos de trabalho em saúde com abordagem interdisciplinar, focalizados nas especificidades da população, além das ações de promoção, prevenção e tratamento prescritas a todo e qualquer cidadão com vistas à atenção integral à saúde.

No sentido de atenção integral, é essencial a união de ações sociais que procurem mobilizar organizações públicas e privadas para a promoção do envelhecimento saudável, incentivando a democratização de ações e a reorganização dos sistemas de saúde voltados a essa população.

Vale ressaltar que o envelhecimento saudável necessita ser percebido de maneira mais abrangente, reconhecendo que os cuidados específicos com a saúde, incluindo aqueles que preservam a integridade física, são importantes, como também a participação ativa do idoso nas relações sociais, objetivando a sua autonomia na busca da independência tornando-os membros ativos e construtores da sociedade(17).

Os aspectos aqui levantados tornam-se ainda mais importantes em ambientes de serviços de saúde que representam espaços de ensino-aprendizagem de alunos de graduação das áreas da saúde.

Com base nessas considerações, entende-se que há necessidade de se fortalecer as discussões já existentes nessa área e de se tornar mais enfática a incorporação de conteúdos e práticas sobre o cuidado integral à população de idosos, em projetos pedagógicos de cursos de graduação da área da saúde.

Sugere-se, também, o incremento de pesquisas em serviço e a capacitação de gestores e equipe de saúde, voltados para a atenção integral a essa população e de maneira que ainda se possa fortalecer a concretização da Política Nacional de Promoção à Saúde.

Finalizando, há necessidade de processos educativos junto à sociedade, a fim de aumentar a consciência da população quanto às questões do envelhecimento e seus reflexos na saúde integral, fazendo disso a questão mais importante no âmbito social e político e, em especial, junto ao poder público e a todos os profissionais que trabalham na promoção da saúde. Possivelmente, assim se garantirá aos jovens de hoje o envelhecimento saudável.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2009
  • Data do Fascículo
    Out 2009

Histórico

  • Aceito
    06 Jul 2009
  • Recebido
    27 Jul 2008
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