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Mulheres com risco cardiovascular após pré-eclâmpsia: há seguimento no Sistema Único de Saúde?

Resumos

OBJETIVOS:

identificar mulheres com risco cardiovascular, cinco anos após a pré-eclâmpsia, e averiguar o seguimento dessas mulheres no Sistema Único de Saúde, em Natal, Rio Grande do Norte.

MÉTODOS:

estudo exploratório, quantitativo, realizado na Maternidade Escola Januário Cicco, em Natal. A amostra foi de 130 mulheres, 65 com pré-eclâmpsia e 65 normotensas.

RESULTADOS:

constatou-se diferença estatística significativa no que se refere ao índice de massa corpórea, peso, histórico familiar de doenças cardiovasculares e complicação cardiovascular entre as mulheres com pré-eclâmpsia prévia e as normotensas. Os grupos desconheciam os fatores de risco cardiovasculares e, além disso, referiam dificuldades de acesso aos serviços de atenção primária.

CONCLUSÕES:

as mulheres com histórico de pré-eclâmpsia possuíam risco aumentado de desenvolver doenças cardiovasculares, desconheciam as complicações tardias dessa doença e não recebiam seguimento ambulatorial diferenciado em relação às normotensas.

Perda de Seguimento; Pré-Eclâmpsia; Controle de Risco; Doenças Cardiovasculares


OBJECTIVES:

to identify women with cardiovascular risk, five years after a preeclampsic episode (PE), and identify the follow-up of these women within the Unified Health System (Sistema Único de Saúde - SUS), in the city of Natal/RN.

METHODS:

a quantitative and exploratory study conducted at the Januário Cicco University Maternity Ward/RN. The sample consisted of 130 women, 65 with a PE episode and 65 who were normotensive.

RESULTS:

we found statistical significance with regard to body mass index, weight, family history of cardiovascular disease (CVD) and cardiovascular complications when comparing women with previous PE to normotensive women. The groups were unaware of their cardiovascular risk factors and, in addition, they reported difficulties in accessing primary health care (PHC) services.

CONCLUSIONS:

women with a PE history are at increased risk of developing CVD, unaware of late PE complications, and lacked customized care when compared to normotensive patients.

Lost to Follow-Up; Pre-Eclampsia; Risk Management; Cardiovascular Diseases


OBJETIVOS:

identificar mujeres con riesgo cardiovascular, cinco años después de la pre-eclampsia (PE), y averiguar el seguimiento de esas mujeres en el Sistema Único de Salud en Natal/RN.

MÉTODOS:

estudio exploratorio, cuantitativo, realizado en la Maternidad Escuela Januario Cicco - RN. La muestra fue compuesta de 130 mujeres, 65 con PE y 65 normotensas.

RESULTADOS:

se constató diferencia estadística significativa en lo que se refiere al índice de masa corpórea, peso, histórico familiar de enfermedades cardiovasculares (ECV) y complicación cardiovascular entre las mujeres con PE previa y las normotensas. Los grupos desconocen los factores de riesgos cardiovasculares y, además de eso, refieren dificultades de acceso en los servicios de atención primaria.

CONCLUSIONES:

las mujeres con histórico de PE poseen riesgo aumentado de desarrollar ECV, desconocen las complicaciones tardías de esa enfermedad y en relación a las normotensas no reciben seguimiento en ambulatorio especializado.

Perdida de Seguimiento; Preeclampsia; Control de Riesgo; Enfermedades Cardiovasculares


Introdução

As Doenças Cardiovasculares (DCV) constituem o foco de atenção das políticas públicas de saúde no Brasil, por representarem a principal causa de morte em todo o país, em ambos os sexos( 11. Mansur AP, Favarato D. mortalidade por doenças cardiovasculares no Brasil e na região metropolitana de São Paulo: atualização. 2011. Arq Bras Cardiol. 2012;99(2):755-61. ). Estratégias de educação em saúde, treinamento de profissionais e medidas preventivas têm sido implementadas, uma vez que está ocorrendo aumento desses eventos em mulheres com idade inferior a 55 anos. Apesar disso, as medidas para a redução de danos cardiovasculares precisam avançar, visto que a causa dessas doenças permanece desconhecida, embora vários fatores de risco contribuam para a sua ocorrência.

Na mulher, destacam-se, como agravantes para as DCVs, a hipertensão gestacional, a Pré-Eclâmpsia (PE) e eclâmpsia, diabetes mellitus e obesidade( 22. Valdiviezo C, Garovic VD, Ouyang P.Preeclampsia and Hypertensive Disease in Pregnancy: Their Contriibutions to Cardiovascular Risk. Clin Cardiol. 2012;35(3):160-5. ). Nesse sentido, o guideline da American Hearth Association considera a PE como uma das principais complicações da gestação associada ao risco cardiovascular( 33. Mosca L, Benjamin EJ, Berra K,Bezanson JL, DolorRJ, LIoyd-JonesDM, et al. Effectiveness-based guidelines for the prevention of cardiovascular disease in women-2011. Update: a guideline from the American Heart Association. Circulation. 2011;123:1243-62. ).

A PE é uma doença multissistêmica, identificada pela presença de hipertensão arterial e proteinúria, após a 20ª semana de gestação( 44. American College of Obstetricians and Gynecologistis. Diagnosis and Management of preeclampsia and Eclampsia. Obstet Gynecol. 2002;33:159-67. ), e sua incidência varia em torno de 10%( 55. Mangos GJ, Spaan JJ, Pirabhahar, Brown MA. Markers of cardiovascular disease risk after hypertension in pregnancy. J. Hypertens. 2012;30(2):351-8. ). Evidencia-se, como complicação de extrema gravidade do ciclo gravídico-puerperal, por corroborar o surgimento de sequelas metabólicas em curto e em longo prazo, e aumento do risco cardiovascular. Em decorrência desses resultados, a PE é apontada como fator de risco independente e relevante para DCV( 66. McDonald SD, Malinowski A, Zhou Q,Yusuf S, DevereauxPJ. Cardiovascular sequelae of preeclampsia/eclampsia: a systematic review and meta-analyses.Am Heart J. 2008;156(5):918-30. ).

Dessa forma, é recomendável promover a avaliação clínica e subclínica no período pós-parto, com educação consistente e incentivo às mudanças no estilo de vida das mulheres acometidas por PE( 77. Firoz,T, Melnik T. Postpartum evaluation and long term implications.Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2011;25(4):549-61. ). Da mesma forma, são necessários o seguimento sistemático, a identificação e o monitoramento dos fatores de risco cardiovascular pelos profissionais de saúde envolvidos no atendimento no nível primário de assistência, com a finalidade de reduzir a morbidade e mortalidade dessa população( 33. Mosca L, Benjamin EJ, Berra K,Bezanson JL, DolorRJ, LIoyd-JonesDM, et al. Effectiveness-based guidelines for the prevention of cardiovascular disease in women-2011. Update: a guideline from the American Heart Association. Circulation. 2011;123:1243-62. ).

Para a concretização do cuidado, o serviço de atenção primária deve ser de fácil acesso e disponível à população. Caso contrário, postergará a procura por assistência, afetando o diagnóstico e a realização de condutas necessárias ao problema. Assim, o acesso, uma das mais importantes características da atenção primária, diretamente relacionado à resolutividade, ultrapassa a dimensão geográfica, incluindo aspectos no âmbito econômico, cultural e funcional de oferta de serviços( 88. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Atenção Primária e Promoção da Saúde. Conselho Nacional de Secretário de Saúde. Brasília: Conselho Nacional de Secretário de Saúde; Ministério da Saúde; 2011. ).

Cabe ressaltar que, após a criação da Estratégia Saúde da Família (ESF), houve a ampliação do acesso e oferta de ações à população( 88. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Atenção Primária e Promoção da Saúde. Conselho Nacional de Secretário de Saúde. Brasília: Conselho Nacional de Secretário de Saúde; Ministério da Saúde; 2011. ). No entanto, os serviços de saúde parecem não estar preparados para considerar as mulheres com história pregressa de PE como vulneráveis ao surgimento de DCV. Essas usuárias estão inseridas em um contexto de assistência que as nivela a qualquer outra parcela da população.

O atendimento, comumente, é fragmentado, pontual e ocorre mediante demanda espontânea, o que nem sempre reflete as necessidades da população. Contudo, se faz necessário que o Sistema Único de Saúde (SUS) e os profissionais da área disponham de competência para realizar intervenções cabíveis que promovam a melhoria da qualidade de vida da população, minimização de fatores de risco e agravos das doenças( 99. Carolino IDR, Molena-Fernandes CA, Tasca RS, Marcon SS,Cuman RKN. Risk factors in patients with type 2 diabetes mellitus. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(2):238-44. ).

Tendo em vista as evidentes associações da PE com o surgimento, em longo prazo, de DCV e o predomínio de estudos que enfatizam o diagnóstico precoce e a identificação dos fatores de risco dessa doença no período pré-parto, tal fato impõe a necessidade da realização de trabalhos prospectivos em longo prazo que evidenciem a abordagem e seguimento dessa população, no nível primário de assistência à saúde( 1010. Melo BCP, Amorim MMR, Katz L,Coutinho I, VeríssimoG. Perfil Epidemiológico e Evolução Clínica Pós-Parto na Pré-Eclampsia Grave. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(2):175-80. ).

Nesse sentido, o referido estudo apresenta relevância do ponto de vista epidemiológico, pois fornecerá aos gestores e profissionais de saúde a real condição de risco cardiovascular das mulheres que apresentaram PE com vistas a direcionar as políticas eficazes de saúde para o seguimento sistemático no período pós-parto tardio.

Frente a essa problemática, questiona-se: quais os fatores de risco cardiovascular presentes em mulheres com histórico de PE há cinco anos? Há acompanhamento dessas mulheres nos serviços de atenção primária de saúde?

Diante desses questionamentos, teve-se como objetivo do estudo identificar as mulheres com fatores de risco cardiovascular, cinco anos após a pré-eclâmpsia, e averiguar o seguimento dessas mulheres nos serviços de atenção primária à saúde.

Métodos

Trata-se de pesquisa exploratória, descritiva, de abordagem quantitativa, realizada na Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC), instituição de referência terciária do SUS para o atendimento às gestantes de alto risco, localizada no município de Natal, RN.

A população do estudo foi composta por 311 mulheres selecionadas do banco de dados do grupo de pesquisa de saúde da mulher, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com histórico de PE, e normotensas que tiveram parto realizado nessa maternidade, há cinco anos.

Consideraram-se critérios de inclusão: ter diagnóstico clínico-laboratorial de PE, não apresentar déficit mental e residir em Natal, RN. Para cálculo amostral foi considerado um limite de 5% sobre o erro de estimação para a proporção amostral, considerando proporção populacional de 50% de mulheres com histórico de pré-eclâmpsia, fazendo com que se obtivesse um tamanho de amostra conservador, ou seja, a obtenção de uma amostra possivelmente maior do que a necessária que totalizou 175 mulheres, dessas, 87 com PE prévia e 88 que não desenvolveram nenhuma forma de hipertensão na gestação selecionada, através do método de amostragem aleatória simples.

Dentre os critérios de exclusão foram adotados: antecedentes pessoais de DCV, déficit cognitivo ou sequelas neurológicas e preenchimento inadequado de informações referentes ao diagnóstico de PE nos prontuários. Deixaram de participar do estudo 22 mulheres sendo 14 por ausência de confirmação diagnóstica de PE, no banco de dados e prontuários, e oito não aceitaram participar da pesquisa. Com relação ao grupo das normotensas, 13 não se adequavam aos critérios de inclusão e 10 não se voluntariaram. Nesse sentido, a amostra final representativa para essa população, constituiu-se por 130 mulheres elegíveis para o estudo e classificadas em dois grupos, segundo a variável diagnóstico: normotensa (n=65) e PE (n=65).

A pesquisa foi realizada no período de março a dezembro de 2011. Inicialmente, através da busca direta, procedeu-se ao contato com as mulheres em suas residências, momento em que foram realizados os esclarecimentos detalhados acerca das características e finalidades do estudo, com indicação do local e data da coleta de dados, comumente unidades de saúde de atenção primária, próximas às suas residências, em Natal.

O instrumento para coleta de dados foi o formulário, composto por itens relacionados a variáveis qualitativas como: estado civil, renda, escolaridade, profissão, tipo de parto, antecedentes familiares de DCV, complicações cardiovasculares atuais, conhecimento dos fatores de risco cardiovascular, frequência de utilização dos serviços de saúde, mensuração da pressão arterial, acompanhamento pela equipe de saúde, serviço de saúde de referência, acesso e visita médica. As variáveis quantitativas constituíram-se em idade, peso, Índice de Massa Corpórea (IMC) e número de gestações.

O instrumento de coleta foi desenvolvido com base em documentos de pesquisadores experientes na área de gravidez de alto risco e em publicações referentes à promoção de cuidados em longo prazo em mulheres que apresentam risco cardiovascular( 33. Mosca L, Benjamin EJ, Berra K,Bezanson JL, DolorRJ, LIoyd-JonesDM, et al. Effectiveness-based guidelines for the prevention of cardiovascular disease in women-2011. Update: a guideline from the American Heart Association. Circulation. 2011;123:1243-62. - 44. American College of Obstetricians and Gynecologistis. Diagnosis and Management of preeclampsia and Eclampsia. Obstet Gynecol. 2002;33:159-67. ).

Garantiu-se a credibilidade dos dados coletados através da validação de conteúdo e de face do formulário, realizado em dois momentos: inicialmente o conteúdo foi julgado por um grupo de cinco especialistas na área de obstetrícia, com experiência em gestação de alto risco que consideraram os itens abrangentes, representativos e de fácil compreensão acerca da temática investigada. Posteriormente, realizou-se a pré-testagem do instrumento com 13 mulheres que não faziam parte da pesquisa, correspondendo a 10% da amostra selecionada. Não houve necessidade de modificações para atender o objetivo da investigação.

Após o preenchimento do formulário, realizou-se a aferição das medidas antropométricas (peso e altura), conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Para avaliação do estado nutricional (sobrepeso e obesidade), as mulheres foram classificadas de acordo com o IMC obtido, utilizando-se os pontos de corte recomendados pela OMS, que considera baixo peso o IMC<18,4kg/m2, peso adequado para o IMC variando de 18,5kg/m2 a 24,9kg/m2, sobrepeso o IMC de 25,0kg/m2 a 29,9kg/m2 e obesidade para os valores a partir de 30,0kg/m2(11).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob nºCEP-UFRN 08/01, e todas as participantes receberam informações sobre a importância da pesquisa, deixando-as livres para se voluntariar ou não, de acordo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em conformidade com a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde( 1212. Resolução 196, de 10 de outubro de 1996 (BR). Dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa em seres humanos.1996. [acesso 28 fev 2013]. Disponível em: http://www.ee.usp.br/pesq/doc/resolucao_196-96.pdf
Disponível em: http://www.ee.usp.br/pesq...
).

Na análise dos dados, empregou-se o software Statistical Package for the Social Sciences - SPSS, versão 17.0. Para verificar a associação entre as variáveis qualitativas e o diagnóstico de PE ou normotensa, foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson, enquanto que, para correlacionar o nível de escolaridade e o conhecimento, foi aplicado o teste de correlação de Spearman. As variáveis IMC e número de gestação não apresentaram normalidade nos dados e, portanto, o teste de escolha foi o teste de Mann-Whitney para comparação de médias, enquanto que nas demais variáveis quantitativas aplicou-se o teste t de Student, visto que tais variáveis apresentaram normalidade nos seus dados. Em todos os testes utilizou-se um nível de 5% de significância.

Resultados

Os dois grupos de mulheres analisadas tinham características sociodemográficas semelhantes. A média de idade variou entre 30,85 anos (dp±7,13) e 30,58 anos (dp±6,75), respectivamente (Tabela 1), como situação conjugal predominante encontrou-se a união consensual (63,07%), e o ensino médio como grau de instrução (59,23%). A renda familiar de até três salários-mínimos foi observada em 94,61%, e 62,30% afirmaram ter como profissão as atividades no lar.

Tabela 1
Distribuição dos valores médios e desvio-padrão referentes à idade, peso e IMC entre as mulheres normotensas e com histórico de pré-eclâmpsia. Natal, RN, Brasil, 2011

Com relação às características obstétricas, houve diferença significativa no nível de 5% entre os grupos. O parto cesáreo foi predominante entre as mulheres com diagnóstico de PE (85,94%), em relação a 31,75% das normotensas (p=0,000). No tocante ao número de gestações, os grupos foram similares (p=0,184).

Os dados antropométricos apresentados na Tabela 1 revelam índice elevado de IMC entre as mulheres do grupo de PE, com média de 30,68kg/m2 (dp±10,85), classificação compatível com obesidade. No que diz respeito ao grupo de normotensas, observou-se IMC médio de 26,69kg/m2 (dp±6,50), caracterizando sobrepeso. De maneira geral, observou-se diferença significativa entre os dois grupos, respectivamente, p=0,001 e p=0,008.

As características clínicas e fatores de risco cardiovascular atuais são apresentados na Tabela 2, na qual se observa que, em relação ao histórico de antecedentes familiares para DCV, que inclui hipertensão arterial sistêmica, infarto agudo do miocárdio, angina e acidente vascular encefálico, 93,85% das mulheres acometidas por PE e 76,92% do grupo das normotensas relataram a existência de DCV em parente de primeiro grau. Esses dados demonstram haver diferença significativa entre as participantes estudadas (p=0,006).

Tabela 2
Características clínicas e fatores de risco cardiovascular atuais de mulheres normotensas e com histórico de pré-eclâmpsia. Natal, RN, Brasil, 2011

Quanto às intercorrências e complicações atuais no quadro de saúde, 26,15% das mulheres com histórico de PE apresentavam alguma complicação cardiovascular, como hipertensão arterial. Por outro lado, esse evento ocorreu em apenas 6,15% das normotensas, sendo evidenciada diferença estatística consistente entre os grupos (p=0,002). Nas investigações sobre a frequência da mensuração da pressão arterial, 76,92% das respondentes que apresentaram PE afirmaram não realizar esse controle, da mesma forma que 87,69% das normotensas (p=0,108).

No tocante ao conhecimento das participantes acerca dos fatores de risco para DCV, foi evidenciado desconhecimento tanto no grupo de PE (52,31%) como no grupo das normotensas (50,77%) (p=0,861). A Tabela 3 mostra correlação positiva e significativa entre o grau de escolaridade e o conhecimento dos fatores de risco cardiovascular no grupo de PE (r=0,250, p=0,044) e de normotensas (r=0,318, p=0,010).

Tabela 3
Correlação entre nível de escolaridade e o conhecimento dos fatores de risco cardiovascular das mulheres normotensas e aquelas com história de pré-eclâmpsia. Natal, RN, Brasil, 2011

A Tabela 4 aponta que 89,09% das pesquisadas com PE e 90,00% das mulheres normotensas afirmaram não realizar nenhum tipo de acompanhamento com profissional de saúde, atualmente, (p=0,639). No âmbito do acesso, a maioria das entrevistadas, tanto no grupo das normotensas (93,85%) como entre aquelas com PE (92,31%), dispõe de serviço de saúde de referência (p=0,730). Entretanto, 72,31 e 67,69% das participantes normotensas e com PE prévia, respectivamente, informaram ter dificuldades de acesso aos serviços de atenção primária de saúde (p=0,548), bem como, independente de terem desenvolvido uma gravidez normal (86,15%) ou com PE (75,38%), raramente buscam atendimento médico, por dificuldades como: número insuficiente de profissionais, principalmente o médico, forma inadequada de marcação de consultas, exames, encaminhamentos e falta de medicamentos (p=0,119).

Tabela 4
Distribuição da população estudada, segundo as condições de seguimento nos serviços de atenção primária à saúde. Natal, RN, Brasil, 2011

Discussão

A investigação acerca do seguimento das mulheres com histórico de PE corroborou outros estudos que constataram a íntima relação dessa doença com alterações metabólicas e risco cardiovascular em longo prazo( 1313. Forest JC, Girouard J, Massé J. Early ocurrence of metabolic syndrome after hypertension in pregnancy.Obstet Gynecol. 2005;105:1373-80. ). Dessa forma, o IMC do grupo com PE foi significativamente maior do que nas mulheres com histórico de gravidez normal. Esses dados estão de acordo com estudos semelhantes que também constataram aumento do IMC nas mulheres com PE prévia( 55. Mangos GJ, Spaan JJ, Pirabhahar, Brown MA. Markers of cardiovascular disease risk after hypertension in pregnancy. J. Hypertens. 2012;30(2):351-8. , 1414. Lu J, Zhao YY, Qiao J,Zhang HJ, GeL, Wei Y, et al. A follow-up study of women with a history of severe preeclampsia: relationship between metabolic syndrome and preeclampsia. Chin Med J. 2011;124(5):775-9. ).

A frequência significativamente maior de parto cesáreo, entre as mulheres com PE prévia, quando comparada a mulheres que tiveram gravidez normal, é consistente com os resultados de estudo anterior que evidenciou percentagem maior de cesariana em mulheres acometidas por hipertensão da gravidez( 1515. Pádua KS, Osis MJD, Faúndes A,Barosa AH, Moraes OBFilho. Fatores associados à realização de cesariana em hospitais brasileiros. Rev Saúde Pública. 2010;44(1):70-9. ). No entanto, o American College of Obstetrics and Gynecology recomenda a via vaginal pela possibilidade dos benefícios maternos e maior probabilidade de sucesso com a indução, além de reduzir os riscos de complicações hemorrágicas( 44. American College of Obstetricians and Gynecologistis. Diagnosis and Management of preeclampsia and Eclampsia. Obstet Gynecol. 2002;33:159-67. ). Os achados de manifestações clínicas sugestivas de eventos cardiovasculares nas mulheres com PE investigadas neste estudo diferem de pesquisas anteriores, cujo registro do surgimento de DCV ocorreu em torno de 10 anos após a PE( 66. McDonald SD, Malinowski A, Zhou Q,Yusuf S, DevereauxPJ. Cardiovascular sequelae of preeclampsia/eclampsia: a systematic review and meta-analyses.Am Heart J. 2008;156(5):918-30. , 1616. Smith, GN, Pudwell J, Walker M,Wen SW. Ten-year, thirty-year, and lifetime cardiovascular disease risk estimates following a pregnancy complicated by preeclampsia. J Obstet Gynaecol Can. 2012;34(9):830-5. ).

O predomínio de histórico familiar para DCV, entre as mulheres acometidas por PE em detrimento das normotensas, sugere que os fatores de risco cardiovascular frequentemente se apresentam de forma agregada à predisposição genética e aos fatores ambientais( 1717. Cesarino CB, Cipullo JP, Martins JFV,Ciorlia LA, GodoyMRP, Cordeiro JA. Prevalência e Fatores Sociodemográficos em Hipertensos de São José do Rio Preto-SP. Arq Bras Cardiol. 2008;91(1):31-5. ). No entanto, autores reafirmam que, independente dos fatores de risco tradicionais para DCV, dentre os quais os antecedentes familiares, as doenças hipertensivas da gravidez podem aumentar o seu surgimento em longo prazo( 1818. Cassidy-BushrowAE, Bielak LF, Rule AD, Sheedy PF,Turner ST, GarovicVD, et al. Hypertension during pregnancy is associated with coronary artery calcium independent of renal function. J. Womens Health. (Larchmt). 2009;18(10):1709-16. ).

Quanto ao seguimento ambulatorial das mulheres com PE investigadas neste estudo, constatou-se que, apesar de ser um grupo vulnerável ao desenvolvimento de DCV e estar inserido em área coberta pela estratégia saúde da família, com unidade de saúde de referência no bairro, esse seguimento não está sendo realizado por questões relacionadas ao acesso das mulheres a esse serviço, o que se configura como provável desintegração da rede assistencial de saúde e descumprimento dos princípios do SUS( 1919. Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saúde Pública. 2004;20 Suppl:190-8. ).

As diretrizes internacionais determinam o controle rotineiro e reavaliação anual da Pressão Arterial (PA) das mulheres acometidas pela PE( 33. Mosca L, Benjamin EJ, Berra K,Bezanson JL, DolorRJ, LIoyd-JonesDM, et al. Effectiveness-based guidelines for the prevention of cardiovascular disease in women-2011. Update: a guideline from the American Heart Association. Circulation. 2011;123:1243-62. ). No entanto, os dois grupos não monitoravam a PA. Estudos similares evidenciaram monitoramento da pressão arterial de mulheres com PE por um período máximo de três meses após o parto, o que contribuiu para o aumento do risco cardiovascular( 2020. Macdonald SE, Walker M, Ramshaw H,Godwin M, ChenXK, Smith G. Hypertensive disorders of pregnancy and long-term risk of hypertension: what do Ontario prenatal care providers know, and what do they communicate? J Obstet Gynaecol Can. 2007;29:705-10. ).

Os dados também evidenciaram que o fato de terem apresentado PE não foi considerado relevante para que elas tivessem atendimento diferenciado em relação às normotensas. Tal circunstância pode ser minimizada a partir da organização dos serviços de atenção primária, os quais devem dispor de estrutura física e insumos adequados. Além disso, é fundamental a presença de equipe interdisciplinar competente e comprometida com o desenvolvimento de ações focalizadas nos usuários com potenciais fatores de risco, objetivando prevenir o aparecimento de doenças e danos evitáveis, e acompanhamento de eventos instalados( 88. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Atenção Primária e Promoção da Saúde. Conselho Nacional de Secretário de Saúde. Brasília: Conselho Nacional de Secretário de Saúde; Ministério da Saúde; 2011. ).

Outro aspecto importante e no qual não houve distinção entre os grupos de PE e normotensas diz respeito ao desconhecimento de fatores de risco cardiovascular. Embora elas tenham sido informadas de que apresentavam hipertensão da gravidez, aparentemente não foram esclarecidas quanto às possíveis consequências da doença e a necessidade de acompanhamento tardio e mudanças nos hábitos de vida, como alimentação saudável, realização de atividade física, controle regular da PA, entre outros. Considera-se, também, que a falta de conhecimento corroborou com a procura pouco frequente por atendimento entre as mulheres com pregressa PE.

Assim, a educação em saúde, direcionada a essa população específica, deve ser priorizada pela equipe interdisciplinar durante o ciclo gravídico puerperal e no momento da alta hospitalar, com abordagem compatível ao nível socioeconômico e educacional.

Nessa perspectiva, o enfermeiro, como elemento-chave no processo de cuidar, atua na identificação dos riscos de adoecimento e prevenção de agravos. Portanto, é necessária revisão da sua prática clínica para que seja organizada de forma integral e resolutiva, focada na singularidade e autonomia do usuário( 2121. Nauderer TM, Lima MAD. Nurses' practices at health basic units in a city in the south of Brazil. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(5):889-94. ).

Conclusão

A investigação constatou que as mulheres com antecedentes familiares DCV, obesidade e manifestações clínicas atuais sugestivas de DCV possuem risco para o desenvolvimento de eventos cardiovasculares, potencializado pelo histórico de PE, porém, não há atendimento diferenciado e seguimento ambulatorial adequado nas redes de atenção primária.

São necessárias, portanto, a manutenção de um estruturado sistema de referência e contrarreferência, e uma equipe interdisciplinar competente e qualificada, na qual o enfermeiro está inserido, para diagnosticar precocemente e promover o seguimento de mulheres com risco cardiovascular, através da educação em saúde, durante o ciclo gravídico puerperal e no momento da alta hospitalar, visando a aquisição de conhecimentos referentes às complicações tardias dessa doença e à importância do acompanhamento ambulatorial, em longo prazo, com ênfase no monitoramento dos dados clínicos e na implementação de um estilo de vida saudável.

O presente estudo teve como limitação a localização das mulheres, devido às mudanças frequentes de números telefônicos e de endereço, comumente de difícil acesso, o que impediu maior expansão da pesquisa em relação à amostra.

Faz-se necessária a realização de novos estudos que investiguem o funcionamento e a integração dos serviços de atenção às mulheres no ciclo gravídico e puerperal, sobretudo aquelas consideradas de risco cardiovascular, com vistas a traçar estratégias de melhoria da qualidade e resolutividade da atenção à saúde da mulher e que possam apoiar os resultados encontrados neste estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2013
  • Aceito
    23 Set 2013
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