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A radicalização do freudo-marxismo

A radicalização do freudo-marxismo

André de Melo Santos

Universo psíquico e reprodução do capital.

Ensaios freudo-marxistas

Nildo Viana

São Paulo: Escuta, 2008, 108p.

Nada mais oportuno do que o lançamento de Universo psíquico e reprodução do capital. Ensaios freudo-marxistas, de Nildo Viana. Este livro é uma reunião de ensaios que abordam as relações entre o marxismo e a psicanálise, divididos em quatro ensaios: Universo psíquico e reprodução do capital; Freud e o marxismo; Freud e a abjuração dos sentimentos; e, por fim, Marcuse e a crítica ao neofreudismo. Nesses ensaios são retomados os debates iniciados por alguns teóricos que buscaram unir marxismo e psicanálise, ou analisar suas relações, tal como Fromm, Reich e os pensadores ligados à Escola de Frankfurt. Contudo, já faz alguns anos que não vemos uma produção nova e relevante sobre assunto.

Os primeiros ensaios freudo-marxistas, datados da década de 1930, tinham como objetivo explicar a adesão da classe operária alemã ao nazismo. Como a classe operária, que, segundo Marx, é a classe revolucionária, se aliou à extrema-direita? Isto ocorreu mesmo? Estas são questões que Fromm e Reich, entre outros, buscaram discutir. Para compreender e explicar tal fenômeno, esses teóricos fizeram a junção entre a psicanálise e o marxismo, bem como, buscando compreender diversos aspectos da teoria marxista e da psicanálise, analisando, por exemplo, o conceito da alienação à luz do conceito de inconsciente elaborado pela psicanálise. Autores como Fromm, Reich e outros partiram da crítica ao nazismo e chegaram a conclusões sobre a patologia da sociedade moderna capitalista. Contudo, no contexto posterior à Segunda Guerra Mundial, temos uma alteração no regime de acumulação, com a emergência do regime intensivo-extensivo (em substituição ao regime intensivo) que se caracterizou nos países desenvolvidos por um Estado assistencialista, ou Estado do bem-estar social. Isto fez o movimento revolucionário retroceder nos países desenvolvidos, levando alguns teóricos a falar da integração da classe operária no capitalismo contemporâneo. Porém, a exploração nos países subdesenvolvidos se intensificava, e com a crise desse regime de acumulação, e a consequente passagem para o regime de acumulação integral, caracterizado, entre outros aspectos, pela hegemonia neoliberal, as lutas contra o capitalismo floresceram novamente.

Nesse contexto se insere a obra de Nildo Viana, um teórico que, partindo do marxismo, busca uma compreensão da totalidade dessa sociedade. Isto significa desenvolver também o debate com o freudo-marxismo, visto que a psicanálise, segundo Viana, é fundamental para compreendermos os mecanismos psíquicos que possibilitam a exploração da classe operária e sua domesticação pelo sistema capitalista. Na obra Universo psíquico e reprodução do capital, temos vários ensaios que estão inseridos na tradição freudo-marxista e isso pode ser visto tanto no referencial teórico quanto nos conceitos utilizados, novos ou retomados de outros autores, desde o conceito de mentalidade, que, segundo o autor, é mais apropriado que o conceito de Fromm de caráter social, para compreendermos a realidade e como o indivíduo a incorpora e reproduz. Passando pela própria relação entre o marxismo e a psicanálise, em que o autor defende uma leitura acrescentando o método dialético e o materialismo histórico para se pensar uma nova psicanálise, criticando o racionalismo freudiano e analisando a relação Freud e marxismo, bem como o processo de abjuração dos sentimentos, objeto de outro ensaio no qual há o prolongamento dessa discussão. Por fim, uma crítica à crítica de Marcuse ao neofreudismo, no qual reconhece alguns méritos da crítica marcuseana, mas mostra seus equívocos.

A importância desses ensaios tanto para o marxismo quanto para a psicanálise, também é devida ao fato de existirem setores da pseudoesquerda que rejeitam a psicanálise por considerá-la ciência burguesa, e psicanalistas que ignoram o marxismo, como se fosse possível compreender a psique humana sem levar em conta o contexto em que vive, e desconhecer que só o marxismo, através do método dialético, pode possibilitar uma compreensão da totalidade das relações sociais. Até a Escola de Frankfurt, que no período de seu surgimento era ligada a essa linha, se tomarmos como exemplo seu atual diretor Axel Honnet e a linha dos seus escritos, a análise das relações de poder, do reconhecimento e respeito, está se construindo através de um distanciamento do marxismo.

Como dissemos no título desta resenha, esse debate se torna radical a partir dessa obra. Por quais motivos? Bem, hoje vivemos no regime de acumulação integral, que se caracteriza por uma maior exploração dos trabalhadores, um estado que diminui os gastos com setores sociais, e isso tem por consequência um acirramento das lutas sociais e aumento da pobreza com a concentração de riqueza. Porém, não nos iludamos, pois a burguesia, além de estar no poder do estado, com a posse de todo seu aparato repressivo, conta com meios de manipulação exercida pela mídia. Daí ser importante a retomada da crítica marxista dessa sociedade, ao lado da contribuição da psicanálise desvendando o inconsciente, que, segundo Viana, se refere às potencialidades humanas reprimidas nos indivíduos. Logo, a transformação do indivíduo tem que caminhar junto com a superação da sociedade capitalista.

Desse modo, percebemos a necessidade de um posicionamento político diante desse quadro atual e, a nosso ver, o marxismo oferece proposta de um mundo melhor, sem exploração. Neste ponto encontramos os escritos de Nildo Viana e a radicalidade de sua produção, expressa, por exemplo, na percepção dos problemas psíquicos como gerados pela sociedade repressiva, capitalista, cuja base é analisada de forma mais profunda do que no freudo-marxismo anterior, proporcionando uma radicalização deste. Assim recomendamos a leitura desses ensaios, pois julgamos serem de muita relevância para o debate psicanalítico, alargando-o com a junção com o marxismo com a finalidade de compreender o funcionamento do aparelho psíquico e principalmente apontando formas de superar a repressão.

ANDRÉ DE MELO SANTOS

Historiador e cientista político; professor da Universidade Estadual de Goiás (Goiânia, GO, Brasil).

Av. Cesar Lates, 980 - Novo Horizonte

74363-400 Goiânia, GO, Brasil

e-mail: andrexmelo@uol.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009
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