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Materiais particulados: produtos ameaçadores resultantes da queima de combustíveis

EDITORIAL

Editor-Chefe. Revista Matéria. E-mail: pmiranda@labh2.coppe.ufrj.br

Os combustíveis fósseis, tais como o carvão, os derivados de petróleo e o gás natural são atualmente largamente utilizados pela nossa sociedade para a geração de eletricidade e calor, assim como para os diferentes meios de transporte individuais e de massa. Desde a Revolução Industrial que as máquinas térmicas consomem grandes tonelagens desses combustíveis [1], proporcionando uma miríade de atividades industriais, profissionais, pessoais e de lazer da vida moderna, que cresceram de forma contínua e explosiva durante o século XX. Mas, o início do século XXI clama por qualidade, em pleno desafio de necessitar cada vez maior quantidade; por eficiência, em lugar do perdularismo atual que responde por perdas inadmissíveis; e por baixo impacto bio-ambiental, ao invés da potencial disseminação de doenças e da destruição dos ecossistemas terrestres, fluviais, lacunares e marinhos, como se vem observando.

Algumas áreas da ciência e da engenharia se destacam, instigadas a oferecer soluções inovadoras, dentre as quais a dos materiais bio-compatíveis e degradáveis para melhoria da qualidade e ampliação do nosso tempo de vida e ainda para garantir reincorporação adequada ao meio ambiente através da reciclabilidade. Além disso, a nanociência e a nanotecnologia também impactam esses mesmos temas e outros, como o de catalisadores, na tentativa de melhor limpeza dos produtos nocivos criados pela queima de combustíveis em máquinas térmicas. Tal queima produz os materiais particulados, que estão acompanhados de uma série de outros produtos líquidos e gasosos, que por si só são nefastos, mas que também transformam-se em outros ainda mais deletérios. Como exemplo, a combinação reativa de produtos da combustão de combustíveis fósseis também gera o ozônio no nosso ambiente, que é um forte contaminante local e, alternativamente, volatiliza produtos que destroem a camada de ozônio da estratosfera, a qual é importante para nos proteger dos malefícios dos raios solares ultravioletas. Dentre os materiais particulados gerados em profusão nos grandes centros urbanos pelo uso de veículos automotores, pela abrasão e ressuspensão do asfalto e em atividades comerciais, de serviços e industriais, dá-se atualmente mais importância àqueles que possuem tamanho de até 2,5 µm. Estes são facilmente inalados, percorrendo todo o nosso sistema respiratório até os alvéolos, responsabilizando-se principalmente pela ocorrência de doenças respiratórias e cardíacas, podendo até contribuir para comprometer a vida humana. Eles são compostos por partícula sólida micrométrica de carbono com hidrocarbonetos condensados na sua superfície, tendo ainda partículas aderidas de hidrocarbonetos líquidos, que são solúveis em meio orgânico, sulfatos hidratados e, eventualmente, partículas finas de metais pesados e tóxicos. Além disso, atuam como carreadores de bactérias, vírus, produtos químicos tóxicos e também poluem a água, o solo, plantas e alimentos, além do ar.

A abordagem de temas científicos de qualquer área do conhecimento associados às questões energéticas e ambientais requerem comprovação clara da responsabilidade antropogênica na geração das causas para que se possa bem determinar seus efeitos. Por isso, busquei informações de grande significado estatístico, que tivessem sido obtidas com metodologias de comprovada aceitação por grupos de pesquisa conceituados, em centros urbanos representativos da vida moderna de base tecnológica, a fim de quantificar e caracterizar a poluição acarretada por materiais particulados e seus efeitos. Encontrei estas características no projeto denominado Aphekom [2], desenvolvido em 25 cidades europeias, durante os anos de 2004 a 2006, cujos resultados foram convenientemente reportados e analisados [3]. Manipulei as tabelas de resultados publicados [3] para compor a Figura 1, a qual mostra dados referentes à medição quantitativa média do nível de materiais particulados com tamanho igual ou inferior a 2,5 µm, expressa em µg/cm3, em suspensão no ar de cada cidade estudada, com indicação do limite máximo aceitável proposto pela Organização Mundial de Saúde - OMS, igual a 10 µg/cm3, superpostos aos dados de mortalidade humana por 100.000 habitantes, referentes especificamente a problemas respiratórios e cardíacos, que se supõem serem os mais afetados por este tipo de poluição. Verifica-se que a maioria das cidades estudadas apresentou níveis de poluição do ar superior ao nível máximo estabelecido pela OMS e também que há uma correlação bastante coincidente entre picos de mortalidade e os maiores níveis de poluição do ar com material particulado medindo até 2,5 µm. Além disso, foi feito cálculo do impacto econômico/financeiro desses resultados para o conjunto de 39 milhões de habitantes que compõem aquelas cidades europeias. Isso levou à conclusão de que a manutenção do nível de poluição com material particulado medindo até 2,5 µm nestas cidades abaixo do limite estabelecido pela OMS representaria uma economia anual de divisas com saúde e custos relacionados da ordem de € 31,5 bilhões. Considerando que a contaminação média da cidade do Rio de Janeiro no ano de 2011 com material particulado medindo até 2,5 µm foi igual a 15,44 µg/cm3 [4] e, por hipótese, uma ocorrência de mortalidade por 100.000 habitantes comparável à europeia para este nível de contaminação, aplicando-se metodologia análoga a do projeto Aphekom [2, 3] para o cálculo de valor estatístico de vida, chega-se à conclusão que a manutenção dos limites de contaminação com material particulado medindo até 2,5 µm no Rio de Janeiro abaixo do limite estabelecido pela OMS corresponderia a uma economia anual de R$ 662.000.000,00 em gastos com saúde e custos relacionados. Uma motivação econômica drástica, mais que a informação de uma catástrofe humana confirmada, pode assim representar vontade política para mudança de hábitos urbanos, que incluiriam eliminar o uso do combustível mais contaminante, o diesel, substituir progressivamente os transportes individuais, como automóveis pessoais, por transportes públicos não poluentes, utilizar veículos com tração elétrica, incentivar o uso de bicicletas e caminhadas e trabalhar para o uso mais eficiente de energia e de aproveitamento dos recursos naturais, dentre outros. O uso de tração elétrica híbrida-hidrogênio é uma opção viável e satisfatória, para veículos equipados com pilhas a combustível. Imagina-se que estas ganharão, no século XXI, o mesmo nível de importância que os computadores tiveram para o século XX. Tais adaptações requererão o desenvolvimento de novos materiais para uso energético [5], representando um grande desafio para a ciência e engenharia de materiais, temas esses incentivados para a publicação de novos artigos na revista Matéria.


BIBLIOGRAFIA

  • [1] P. E. V. de Miranda, "Combustíveis - materiais essenciais para prover energia à nossa sociedade", Matéria, Vol. 18, no3, 2013.
  • [2] Aphekom - Improving Knowledge and Communication for Decision Making on Air Pollution and Health in Europe. (http://www.aphekom.org).
  • [3] M. Pascal , M. Corso, O. Chanel, C. Declercq, C. Badaloni, G. Cesaroni, S. Henschel, K. Meister, D. Haluza, P. Martin-Olmedo, S. Medina, "Assessing the public health impacts of urban air pollution in 25 European cities: Results of the Aphekom project"; Science of the Total Environment, 449, pp. 390 - 400, 2013.
  • [4] INEA - Instituto Estadual do Ambiente. "Relatório da qualidade do ar do Estado do Rio de Janeiro - Anos base 2010 e 2011".
  • [5] P. E. V. de Miranda, "Materiais para uso na indústria de energia", Matéria, Vol. 18, no1, 2013.
  • Materiais particulados: produtos ameaçadores resultantes da queima de combustíveis

    Paulo Emílio V. de Miranda
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
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