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Incorporação de fibras de papel kraft provenientes de embalagens de cimento pós-uso para produção de pisogramas de concreto

Incorporation of kraft paper fibers from post-use cement bag for the production of grass paver block of concrete

RESUMO

Este trabalho teve por objetivo analisar a viabilidade da produção de pisogramas de concreto com a incorporação de fibras de papel kraft provenientes de embalagens de cimento pós-uso. As embalagens foram coletadas e processadas, resultando nas fibras de papel kraft (FPK). Foi adotado o traço de referência de 1:2,31:2,49:0,54 nas proporções de massa de cimento, agregado miúdo, agregado graúdo e fator água/cimento, respectivamente. Estudou-se duas composições com incorporação de FPK nos percentuais de 0,5% e 1,0% em relação à massa total de agregados. Para cada composição, foram moldados 4 corpos de prova e executados os ensaios de absorção de água e resistência à compressão aos 28 dias. Como resultado, todas composições apresentaram absorção de água abaixo do limite normativo de 6%. No ensaio de resistência à compressão, as composições de referência, de 0,5% e de 1,0% de FPK obtiveram 35,55 MPa, 30,61 MPa e 28,40 MPa, respectivamente. Como o concreto com 0,5% de incorporação de FPK obteve melhor desempenho mecânico, foram confeccionados 6 pisogramas para realização da inspeção visual e avaliação dimensional, os quais atenderam aos requisitos normativos. Este trabalho mostra a viabilidade de produção de concreto com FPK e a utilização deste na fabricação de pisogramas para áreas que exijam até 30 MPa.

Palavras-chave
Material compósito; Peças de concreto; Reciclagem; Subproduto

ABSTRACT

This paper aimed to analyze the feasibility of the production of grass paver blocks of concrete with the incorporation of kraft paper fibers from post-use cement bag. The bags were collected and processed, resulting in kraft paper fibers (FPK). It adopted the reference composition of 1:2.31:2.49:0.54, in the proportions of mass of cement, fine aggregate, coarse aggregate, and water/cement factor, respectively. It was studied two compositions with FPK incorporation in the percentages of 0.5% and 1.0% in relation to the total mass of aggregates. For each composition, 4 specimens were molded, and the water absorption and compressive strength tests were performed at 28 days. As a result, all compositions showed water absorption below the normative limit of 6%. In the compressive strength test, the reference compositions, 0.5% and 1.0% FPK obtained 35.55 MPa, 30.61 MPa and 28.40 MPa, respectively. As the concrete with 0.5% FPK incorporation obtained better mechanical performance, 6 grass paver blocks were made to carry out the visual inspection and dimensional evaluation, which both met the normative requirements. This research presented the feasibility of the producing concrete with FPK and its use in the manufacture of grass paver block for areas requiring up to 30 MPa.

Keywords
Composite material; Concrete blocks; Recycling; By-product

1. INTRODUÇÃO

No Brasil, a disposição inadequada de resíduos sólidos ainda se faz presente e teve aumento de 16% na última década. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS, Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2022, Minas Gerais, ABRELPE, 2023.] áreas de disposição inadequada, incluindo lixões e aterros controlados, ainda seguem em operação e receberam 39% do total de resíduos coletados, alcançando um total de 29,7 milhões de toneladas somente em 2022. Em virtude da existência de lixões e aterros, estima-se o gasto total da saúde no Brasil para tratar dos problemas causados em decorrência da destinação inadequada de resíduos foi de 1,85 bilhão de dólares, entre 2016 a 2021 [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS, Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2022, Minas Gerais, ABRELPE, 2023.].

O setor da construção civil é responsável pela geração de grande parte dos resíduos sólidos urbanos. De acordo com os dados do Panorama dos Resíduos Sólidos de 2022 da ABRELPE [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS, Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2022, Minas Gerais, ABRELPE, 2023.], foram coletados mais de 48 milhões de toneladas de Resíduos de Construção e Demolição (RCD) pelos municípios brasileiros, representando 45% de aumento da quantidade coletada em 2010.

De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS [2[2] BRASIL, “Lei n. 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos”, Diário Oficial da União, Brasília,DF, 2010.], os resíduos sólidos devem ter destinação final ambientalmente adequada, que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético. Com isso, surge a necessidade de buscar soluções para mitigar os impactos negativos causados pelas construções e demolições, impulsionando o desenvolvimento de estudos nas áreas de tecnologia de construções e novos materiais.

Nesta perspectiva, o cimento, material altamente consumido para execução de obras, apresenta-se como agente nocivo ao meio ambiente tanto pela liberação de gases do efeito estufa na fabricação, quanto pela geração de resíduos em toda cadeia [3[3] SOARES, R.C., FIALHO, R.L., BARBOSA, A.S., et al., “Portland Cement Packaging Reuse in the Production of Pre-Castbeams for Non-Structural Masonry.”, Journal of Solid Waste Technology Management, v. 46, n. 4, pp. 563–571, 2020.].

O Relatório Anual de 2020 do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento – SNIC [4[4] SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DO CIMENTO, Relatório Anual 2020, Rio de Janeiro, SNIC, 2021.] revelou que, apesar dos impactos da pandemia, o consumo foi 10,6% maior que no ano anterior. De modo geral, foram consumidas 60,6 milhões de toneladas de cimento, das quais 69% foram vendidas em embalagens produzidas de papel kraft. Esse dado mostra que, somente em 2020, se considerarmos embalagens de 50 kg, foram distribuídas cerca de 840 milhões de embalagens que, na maioria das vezes, não recebem destinação final ambientalmente adequada.

As fábricas de pequeno e médio porte de pré-fabricados de concreto normalmente utilizam o cimento ensacado como insumo para produção das peças como blocos, placas, pisos, elementos vazados e pisogramas, transformando as embalagens em subprodutos. Vale salientar que o termo subproduto, de acordo com FERREIRA et al. [5[5] FERREIRA, S., FERNANDES, P., CARDOSO, S.M., et al., “Subprodutos Agroindustriais.”, Boletim da Sociedade Portuguesa de Biotecnologia, v. 2, pp. 9–11, 2015.], é aplicado aos compostos secundários que resultam de processos produtivos e que podem ser utilizados diretamente para a confecção de novos produtos.

Dentre as peças pré-fabricadas, o pisograma, peça vazada de concreto para pavimentação, tem sido utilizado em áreas de passeio, pois combina a resistência necessária de pavimento com aberturas que permitem o preenchimento de gramináceos [6[6] BARROS, E.N., BOAVENTURA, S.M., “Estudo experimental do desempenho de pavimentos permeáveis como alternativa de redução do escoamento superficial em áreas urbanas”, Revista Eletrônica de Engenharia Civil, v. 15, n. 2, pp. 300–313, 2019. doi: http://dx.doi.org/10.5216/reec.v15i2.61831
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]. Segundo SARTORE et al. [7[7] SARTORE, I.C., PAULINO, R.S., TORALLES, B.M., “Utilização de piso grama fabricado com agregados de RCD em calçamentos: uma alternativa para drenagem urbana”, Revista de Engenharia e Tecnologia, v. 12, n. 4, pp. 269–278, 2020.], os pisogramas são implantados lado a lado, formando piso permeável, que permite que a água da chuva infiltre, além de proteger a grama contra o esmagamento. Normalmente, são peças que apresentam tempo de vida útil prolongado.

No contexto das fábricas de peças de concreto, SOUZA et al. [8[8] SOUZA, A., SILVA, R.L., EL BANNA, W.R., et al. “Resíduos industriais e sua destinação final: análise e proposta o principal resíduo de uma fábrica de pré-moldados de concreto”, In: XXXIII Encontro Nacional De Engenharia De Produção, Salvador, 2013.], realizaram estudo de caso sobre a geração de subprodutos em uma fábrica de pré-moldados do estado do Pará e constataram que o principal problema era a quantidade de embalagens de cimentos gerada por dia (cerca de 500 unidades), pois resultava em custos para manutenção temporária, transporte e destinação final, fato que não difere nas demais fábricas de pré-fabricados de concreto de pequeno e médio porte espalhadas pelo país.

De acordo com MÁRMOL et al. [9[9] MÁRMOL, G., SANTOS, S.F., SAVASTANO JUNIOR, H., et al., “Mechanical and physical performance of low alkalinity cementitious composites reinforced with recycled cellulosic fibers pulp from cement kraft bags”, Industrial Crops and Products, v. 49, pp. 422–427, 2013. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.indcrop.2013.04.051
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], em muitos países, a quantidade de cimento Portland comercializado em ensacadas é significativamente elevada e o destino das embalagens pós-uso é considerado problema socioambiental. Se por um lado o papel kraft tem decomposição consideravelmente rápida, os resíduos de cimento preso nas embalagens não se decompõem facilmente, elevando o pH e contaminando o ambiente [3[3] SOARES, R.C., FIALHO, R.L., BARBOSA, A.S., et al., “Portland Cement Packaging Reuse in the Production of Pre-Castbeams for Non-Structural Masonry.”, Journal of Solid Waste Technology Management, v. 46, n. 4, pp. 563–571, 2020.]. O aumento do pH afeta a biodiversidade, interfere no equilíbrio de sistemas, água e solo, comprometendo a produção primária, e, consequentemente, toda cadeia trófica.

Geralmente, as embalagens de cimento são consumidas em grandes volumes e o modo mais adotado para destinação final ambientalmente adequada destas tem sido a incineração térmica, uma vez que são deletérias e não há viabilidade técnica para reutilização direta em novo ciclo de empacotamento de cimento. Apesar da incineração ser uma alternativa de destinação final, se torna relevante o desenvolvimento de estudos que busquem analisar as características desse subproduto e aplicá-lo na fabricação de novos produtos.

Vale ressaltar que estudos recentes têm apresentado resultados satisfatórios para a reciclagem das embalagens pós-uso em materiais de matriz cimentícia, como o caso de: BOOYA et al. [10[10] BOOYA, E., GHAEDNIA, H., DAS, S., et al., “Durability of cementitious materials reinforced with various Kraft pulp fibers”, Construction & Building Materials, v. 191, pp. 1191–1200, 2018. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2018.10.139
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] que investigaram a durabilidade de materiais cimentícios reforçados por fibras de kraft; SOARES et al. [3[3] SOARES, R.C., FIALHO, R.L., BARBOSA, A.S., et al., “Portland Cement Packaging Reuse in the Production of Pre-Castbeams for Non-Structural Masonry.”, Journal of Solid Waste Technology Management, v. 46, n. 4, pp. 563–571, 2020.] que propuseram o uso de embalagens de cimento na fabricação de vergas de concreto pré-moldadas; e, ALVES et al. [11[11] ALVES, L.S., PEREIRA, F.T., PEREIRA, C.H., “Estudo da interferência de adição de fibras kraft em argamassas”, Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 3, pp. 26259–26272, 2021. doi: http://dx.doi.org/10.34117/bjdv7n3-362
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] que estudaram a inserção de fibras de kraft em argamassas. Ainda nesse contexto, HAIGH et al. [12[12] HAIGH, R., SANDANAYAKE, M., BOURAS, Y., et al., “A review of the mechanical and durability performance of kraft-fibre reinforced mortar and concrete.”, Construction & Building Materials, v. 297, pp. 123759, 2021. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2021.123759
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] realizaram revisão sistemática de literatura que coletou 874 publicações, a partir dos anos 2000, relacionadas a aplicação de fibras de papel recicladas como reforço em argamassas e concretos.

Além disso, foram realizados trabalhos que investigaram a aplicação de subprodutos na confecção de peças de concreto pré-fabricadas, como: ALTOÉ et al. [13[13] ALTOÉ, S.P.S., SALES, A., MARTINS, C.H., “Resíduos de pneus e da queima do bagaço da cana-de-açúcar na fabricação de blocos de concreto para pavimentação (pavers)”, Revista IBRACON, v. 12, pp. 608–637, 2019.] que utilizaram subproduto de pneu e da queima de bagaço de cana em peças de concreto para pavimentação; BINS et al. [14[14] BINS, G.O., ARROYO, F.N., CHRISTOFORO, A.L., et al., “Análise de pisos intertravados com substituição do agregado miúdo por resíduo de construção e demolição.”, Revista Principia-Divulgação Científica e Tecnológica do IFPB, v. 59, n. 2, pp. 427–444, 2022. doi: http://dx.doi.org/10.18265/1517-0306a2021id4975
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] que analisaram pisos intertravados com Resíduo de Construção e Demolição (RCD); e FIGUEIREDO et al. [15[15] FIGUEIREDO, F., DO COUTO, C.X., BOTERO, E.R., et al., “Produção de piso intertravado de concreto (pavers) com substituição parcial do agregado miúdo pelo grits, resíduo da indústria de papel e celulose”, Brazilian Journal of Development, v. 8, n. 4, pp. 31339–31351, 2022. doi: http://dx.doi.org/10.34117/bjdv8n4-560
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] que também analisaram pisos intertravados só que com subproduto da indústria do papel e celulose.

Desse modo, este trabalho teve como foco a realização de análise acerca da aplicação de papel kraft reciclado a partir de embalagens de cimento pós-uso na fabricação de pisograma de concreto, verificando o potencial técnico para comercialização da peça, por meio de ensaios tecnológicos.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa foi dividida nas seguintes etapas: revisão de literatura; coleta, preparo e reciclagem das embalagens pós-uso; caracterização das matérias-primas; determinação da composição de referência e composições com incorporação de fibras; ensaios tecnológicos; confecção dos pisogramas e análise dos resultados. Com o intuito de facilitar a compreensão dos procedimentos da pesquisa, a Figura 1 apresenta o fluxograma das etapas experimentais.

Figura 1
Fluxograma das etapas experimentais da pesquisa.

De modo geral, o procedimento experimental encontra-se dividido em 3 vertentes de análise. A primeira tratou do conhecimento das matérias-primas, a partir da caracterização física, química e de aspecto. A segunda focou na determinação das composições, moldagem dos corpos de prova e realização dos ensaios tecnológicos no concreto. A terceira teve como objetivo confeccionar, avaliar e inspecionar visualmente os pisogramas para o concreto com incorporação com melhor desempenho, elencando os impactos relacionados com a fabricação.

2.1. Matérias-primas

As matérias-primas utilizadas para a fabricação dos pisogramas de concreto foram: cimento Portland, agregado miúdo (areia), agregado graúdo (brita) e fibras de papel kraft, provenientes de embalagens de cimento pós-uso. O tipo de cimento Portland escolhido foi o CP V – ARI, tipo de cimento, que apresenta alta resistência inicial. Os agregados utilizados, tanto o miúdo, quanto o graúdo, foram adquiridos em jazidas locais. As embalagens de cimento pós-uso foram coletadas, limpas e passaram por processo de reciclagem para, posteriormente, serem incorporadas, sem substituição, ao concreto para fabricação dos pisogramas.

2.1.1. Fibras de papel kraft – FPK

Coletaram-se 6 embalagens de cimento pós-uso em obras nas proximidades do IFAL – Campus Palmeira dos Índios para obtenção do subproduto, FPK. O procedimento de lavagem para eliminação de impurezas foi realizado em laboratório, com auxílio de balde, e consumiu 20 litros de água, que foi reservada para reuso. A secagem ocorreu a temperatura ambiente por 24 horas. Este processo foi análogo ao utilizado por ALVES [16[16] ALVES, L.S., “Influência da adição de fibras de celulose (papel kraft) nas características dos blocos de concreto não estrutural”, Tese de M.Sc., Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2016. doi: http://dx.doi.org/10.26512/2016.03.D.20825
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]; MOGROVEJO e ALBUQUERQUE [17[17] MOGROVEJO, D.R., ALBUQUERQUE, P.J.R., “Avaliação da resistência à compressão não-confinada e cisalhamento de dois tipos de solos com adição de fibras de papel kraft”, In: XIX Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, Salvador, BA, 2018.]; ALVES et al. [11[11] ALVES, L.S., PEREIRA, F.T., PEREIRA, C.H., “Estudo da interferência de adição de fibras kraft em argamassas”, Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 3, pp. 26259–26272, 2021. doi: http://dx.doi.org/10.34117/bjdv7n3-362
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]; e MORAIS et al. [18[18] MORAIS, C.D., CRUZ, W.M., MORAIS, M.V.A., et al., “Reforço de argamassas com fibras de papel kraft reaproveitadas de embalagens de cimento”, Brazilian Journal of Development, v. 8, n. 3, pp. 21566–21582, 2022. doi: http://dx.doi.org/10.34117/bjdv8n3-385
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]. A Figura 2 apresenta o fluxograma das etapas para obtenção das fibras de papel kraft – FPK.

Figura 2
Preparação das fibras de papel kraft.

Na sequência, foram processados em liquidificador convencional 30 g de pedaços de embalagens com 500 mL de água por 5 minutos, obtendo-se uma polpa, após 30 ciclos, que foi colocada para secar por 24 horas em temperatura ambiente. O material seco retornou ao liquidificador para dispersão e obtenção do subproduto FPK [16[16] ALVES, L.S., “Influência da adição de fibras de celulose (papel kraft) nas características dos blocos de concreto não estrutural”, Tese de M.Sc., Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2016. doi: http://dx.doi.org/10.26512/2016.03.D.20825
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]. Todo procedimento foi realizado no verão, durante o período da manhã e em ambiente arejado, dispensando o uso de iluminação artificial e equipamentos eletrônicos para climatização e ventilação.

2.2. Caracterização das matérias-primas

A análise granulométrica dos agregados seguiu as recomendações da Norma Mercosul NBR NM 248 [19[19] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR NM 248: agregados - determinação da composição granulométrica, Rio de Janeiro, ABNT, 2003.] – agregado para concreto – determinação da composição granulométrica, a qual prevê que a análise seja realizada por meio do peneiramento das amostras dos agregados. A análise granulométrica permitiu a determinação da dimensão máxima característica e o módulo de finura das amostras dos agregados.

A caracterização das FPK ocorreu por Fluorescência de Raios X (FRX) e Análise de Aspecto Macroscópico das Fibras, considerando a viabilidade de execução no material e com base nos procedimentos utilizados pelos autores de estudos correlatos [10, 13, 20–23].

2.3. Determinação das composições do concreto e moldagem dos corpos de prova

A determinação da composição de referência foi definida com base na literatura chegando ao traço 1:2,31:2,49 nas proporções de massa de cimento, agregado miúdo e agregado graúdo, respectivamente, com relação de água para cimento (a/c) de 0,54 [24, 25]. Foram avaliadas duas composições experimentais com incorporação de FPK nos percentuais de 0,5% e 1,0% da massa total de agregados na mistura com base MORAIS et al. [18[18] MORAIS, C.D., CRUZ, W.M., MORAIS, M.V.A., et al., “Reforço de argamassas com fibras de papel kraft reaproveitadas de embalagens de cimento”, Brazilian Journal of Development, v. 8, n. 3, pp. 21566–21582, 2022. doi: http://dx.doi.org/10.34117/bjdv8n3-385
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] e ANDRADE [26[26] ANDRADE, D.T.M. “Uso do papel kraft como fibra em peças de concreto para pavimentação”, Tese de M.Sc., Instituto Federal do Piauí, Teresina, PI, 2017.]. A Tabela 1 apresenta, de forma resumida, as composições estudadas nesta pesquisa.

Denominou-se por C00, C05 e C10, as composições com 0% (referência), com 0,5% e 1,0% de incorporação de FPK, respectivamente. O traço de referência foi mantido constante, incluindo a relação de água/cimento, e incorporar as fibras como material suplementar a mistura.

Tabela 1
Composições, em proporção de massa, para o concreto de referência e com incorporação de FPK.

A NBR 5738 [27[27] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 5738: concreto – procedimento para moldagem e cura dos corpos de prova. Rio de Janeiro, ABNT, 2016.] – Concreto – Procedimento para moldagem e cura dos corpos de prova – prescreve o processo para moldagem dos corpos de prova de concreto para serem utilizados no ensaio de resistência à compressão e absorção de água. Moldaram-se 4 corpos de prova, para cada composição, em formato cilíndrico com dimensão de diâmetro da base de 10 cm e altura de 20 cm, atendendo ao critério da NBR 7680-1 [28[28] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 7680-1: concreto — extração, preparo, ensaio e análise de testemunhos de estruturas de concreto - parte 1: resistência à compressão axial, Rio de Janeiro, ABNT, 2015.].

O Slump Test foi realizado similarmente aos autores que trabalharam com concreto aplicado na fabricação de peças para pavimentação [10, 14, 22, 29]. Estes autores objetivaram a produção de concretos mais secos com abatimento zero, pensando na produção prensada das peças, assim como os concretos estudados neste trabalho.

2.4. Ensaios tecnológicos no concreto

A NBR 9781 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013] estabelece os requisitos e métodos de ensaio para peças de concreto para pavimentação, sendo a que mais se encaixa para pisogramas, uma vez que não existe norma brasileira específica para esse material. Visando tanto atender aos requisitos estabelecidos nas normas vigentes, quanto investigar as propriedades analisadas por outros autores, foram realizados os seguintes ensaios tecnológicos nos corpos de provas de concreto: absorção de água e resistência à compressão.

O ensaio de absorção de água seguiu as recomendações da NBR 9778 [31[31] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9778: argamassa e concreto endurecidos – determinação da absorção de água, índice de vazios e massa específica. Rio de Janeiro, ABNT, 2009.] – argamassa e concreto endurecidos – determinação da absorção de água, índice de vazios, enquanto o de resistência à compressão NBR 5739 [32[32] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 5739: concreto - Ensaio de compressão de corpos de prova cilíndricos, Rio de Janeiro, ABNT, 2018.] – concreto – ensaio de compressão de corpos de prova cilíndricos. Ambos ensaios foram realizados aos 28 dias de cura dos corpos de prova.

2.5. Confecção dos pisogramas com FPK

Foram confeccionadas 6 peças de pisograma para a composição com incorporação que apresentasse o melhor desempenho nos critérios de absorção de água e resistência à compressão. O molde utilizado para confecção dos pisogramas possuía formato de prisma retangular com 100 × 200 × 60 mm de largura, comprimento e espessura nominais respectivamente. Para criar a área vazada, foram construídos paralelepípedos de EPS com 30 × 120 × 60 mm de largura, comprimento e espessura para fixação no molde antes do enchimento. O molde plástico adaptado com EPS para utilização na pesquisa pode ser visto na Figura 3a.

Figura 3
(a) Molde plástico adaptado com o EPS; e (b) Pisogramas moldados durante as primeiras horas de cura.

Os moldes foram untados com desmoldante e preenchidos com o concreto com FPK no estado fresco, imediatamente após a mistura dos materiais. As peças foram vibradas e compactadas manualmente para o melhor adensamento do concreto, processo análogo ao utilizado por ANDRADE [26[26] ANDRADE, D.T.M. “Uso do papel kraft como fibra em peças de concreto para pavimentação”, Tese de M.Sc., Instituto Federal do Piauí, Teresina, PI, 2017.] na confecção de pisos intertravados (Figura 3b).

Os pisogramas com incorporação de FPK foram verificados, seguindo os critérios estabelecidos na NBR 9781 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013] que prevê a realização de inspeção visual em relação ao aspecto homogêneo, coloração, arestas regulares, ângulos retos e defeitos, e avaliação dimensional, na qual todas as dimensões das peças não devem apresentar diferenças maior que 3 mm em relação às medidas nominais.

Por fim, a confecção dos pisogramas com incorporação de FPK serviu para nortear a análise acerca dos impactos relacionados com a incorporação das fibras recicladas a partir das embalagens de cimento pós-uso, destacando o potencial de reciclagem dos pisogramas.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. Caracterização das matérias-primas

3.1.1. Agregados

A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos na análise granulométrica do agregado miúdo, contendo o percentual de massa retida acumulada e o passante em cada peneira da série normal.

Tabela 2
Resultados do ensaio de granulometria do agregado miúdo.

Baseado nos dados da Tabela 2 e na NBR NM 248 [19[19] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR NM 248: agregados - determinação da composição granulométrica, Rio de Janeiro, ABNT, 2003.], determinou-se a dimensão máxima característica do agregado miúdo; nesse caso, 1,18 mm, pois o material retido acumulado na peneira com abertura de 1,18 mm foi superior a 5%. O módulo de finura da amostra foi calculado, resultando em 2,42, estando assim na zona ótima para utilização do material como agregado miúdo na fabricação de concreto de acordo com os critérios da NBR 7211 [33[33] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS , NBR 7211: agregados para concreto – especificação. Rio de Janeiro, ABNT, 2005.]. Os valores de dimensão característica máxima e módulo de finura para o agregado miúdo foram semelhantes aos encontrados nos trabalhos correlatos [20, 21, 24, 25, 29].

A Figura 4, a seguir, mostra a curva granulométrica que auxilia na visualização da distribuição dos grãos da amostra do agregado miúdo, que pode ser considerado bem graduado em virtude da presença de diferentes tamanhos dos grãos em sua composição. A curva granulométrica do material permite observar ainda que, de fato, a amostra ensaiada se apresenta dentro dos limites de utilização da NBR 7211 [33[33] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS , NBR 7211: agregados para concreto – especificação. Rio de Janeiro, ABNT, 2005.], estando na zona ótima, similar ao estudo [24, 25].

Figura 4
Curva granulométrica do agregado miúdo.

Em relação ao agregado graúdo, a Tabela 3 apresenta os resultados obtidos na análise granulométrica, contendo o percentual de massa retida acumulada e o passante em cada peneira da série normal e intermediária.

Tabela 3
Resultados do ensaio de granulometria do agregado graúdo.

Analisando a Tabela 3, determinou-se a dimensão máxima característica e calcular o Módulo de Finura da amostra do agregado graúdo com base nos critérios da norma NM 248 [19[19] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR NM 248: agregados - determinação da composição granulométrica, Rio de Janeiro, ABNT, 2003.]. Assim, pelos dados apresentados no ensaio de granulometria a dimensão máxima característica foi 9,5 mm e o módulo de finura calculado foi 5,97. De acordo com a NM 248 [19[19] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR NM 248: agregados - determinação da composição granulométrica, Rio de Janeiro, ABNT, 2003.], o agregado graúdo estudado pertence a zona granulométrica 4,75/12,5 com índice de forma menor que 3, estando assim em faixa utilizável como material constituinte na fabricação de concreto. SCHVAICKARDT e MATTOS [25[25] SCHVAICKARDT, C.M., MATTOS, J.R.G., “Proposta de traço para blocos de concreto de pavimento intertravado”, Tecnologica (Chicago, Ill.), v. 22, n. 2, pp. 157–166, 2018. doi: http://dx.doi.org/10.17058/tecnolog.v22i2.11797
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], em seu estudo sobre dosagem de concreto para peças para pavimentação, utilizaram agregado graúdo com dimensão máxima de 9,50 mm e módulo de finura de 5,89, valores estes bastante semelhantes aos encontrados nesta pesquisa.

3.1.2. Fibras de papel kraft

As FPK foram caracterizadas por Fluorescência de Raios X (FRX) e Análise de Aspecto Macroscópico. O resultado da análise de FRX para a composição das FPK encontra-se na Tabela 4.

Tabela 4
Fluorescência de raios X da amostra de FPK.

A partir dos resultados da Tabela 4, constatou-se que a amostra era essencialmente composta por óxido de cálcio (45,42%), sílica (22,82%) e alumina (19,12%), que juntos somam mais de 85% na amostra. É importante mencionar que estes compostos são predominantes nos demais materiais que constituem o concreto, assim, é viável incorporar as FPK a mistura cimentícia.

No estudo desenvolvido por BENITTEZ et al. [20[20] BENITTEZ, L.H., MARQUES NETO, J.D.C., DA SILVA FERREIRA, F.G., et al., “Bloco de concreto com incorporação de escória de aciaria BSSF: um estudo para substituição de agregados naturais.”, Revista Principia-Divulgação Científica e Tecnológica do IFPB, v. 59, n. 3, pp. 785–801, 2022. doi: http://dx.doi.org/10.18265/1517-0306a2021id5214
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] foi realizada a análise de FRX na escória de aciaria, subproduto incorporado ao concreto, e, os autores apresentaram como resultado que os compostos predominantes foram CaO, SiO2 e Fe2O3, somando mais de 80% da amostra. CARVALHO [34[34] CARVALHO, J.L.B., “Desenvolvimento de argamassa de assentamento com substituição parcial de agregado miúdo por embalagens cartonadas trituradas”, Tese de M.Sc., Instituto Federal de Alagoas Marechal Deodoro, Marechal Deodoro, 2022.] realizou FRX em amostras de embalagens cartonadas (compósito do tipo multicamada com papel cartão em maior proporção) para aplicação em argamassa, e os resultados revelaram que a amostra apresenta 49,79% de óxido de cálcio, 22,76% de sílica e 21,05% de alumina, resultados extremante similares aos desta pesquisa.

A análise de aspecto macroscópico confirmou que as FPK resultantes do processo de reciclagem utilizado neste trabalho apresentaram formação de microfibras de celulose juntamente com pequenos pedaços de papel kraft, características muito semelhantes às encontradas em ALVES et al. [11[11] ALVES, L.S., PEREIRA, F.T., PEREIRA, C.H., “Estudo da interferência de adição de fibras kraft em argamassas”, Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 3, pp. 26259–26272, 2021. doi: http://dx.doi.org/10.34117/bjdv7n3-362
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], SOARES et al. [3[3] SOARES, R.C., FIALHO, R.L., BARBOSA, A.S., et al., “Portland Cement Packaging Reuse in the Production of Pre-Castbeams for Non-Structural Masonry.”, Journal of Solid Waste Technology Management, v. 46, n. 4, pp. 563–571, 2020.] e ANDRADE [26[26] ANDRADE, D.T.M. “Uso do papel kraft como fibra em peças de concreto para pavimentação”, Tese de M.Sc., Instituto Federal do Piauí, Teresina, PI, 2017.]. O aspecto geral das FPK pode ser visto na Figura 5.

Figura 5
Aspecto geral das FPK: (a) mais fibroso e (b) pedaços de papel.

Na Figura 5a, é possível observar as fibras de celulose entrelaçadas, com formação semelhante com a de ‘lã’, enquanto na Figura 5b, os pequenos pedaços de papel (que também são conglomerados de fibras) foram espalhados para estimar sua ordem de grandeza. De modo geral, as FPK com aspecto da Figura 5a foram passadas na peneira de 9.5 mm antes da mistura, justamente para retirada de pedaços de papel kraft maiores. No entanto, o volume retido foi muito pequeno em relação ao volume total de FPK não representando desperdício, uma vez que pode ser triturado novamente.

A análise de aspecto permitiu ainda estimar a ordem de grandeza das FPK que foram incorporadas ao concreto. Assim, os agrupamentos de FPK entrelaçadas, em escala macroscópica, apresentam a maior dimensão na ordem de grandeza de 10 mm.

No que diz respeito ao aspecto e a ordem de grandeza das dimensões, as FPK são análogas as fibras encontradas nos trabalhos de ALVES et al. [11[11] ALVES, L.S., PEREIRA, F.T., PEREIRA, C.H., “Estudo da interferência de adição de fibras kraft em argamassas”, Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 3, pp. 26259–26272, 2021. doi: http://dx.doi.org/10.34117/bjdv7n3-362
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], SOARES et al. [3[3] SOARES, R.C., FIALHO, R.L., BARBOSA, A.S., et al., “Portland Cement Packaging Reuse in the Production of Pre-Castbeams for Non-Structural Masonry.”, Journal of Solid Waste Technology Management, v. 46, n. 4, pp. 563–571, 2020.] e ANDRADE [26[26] ANDRADE, D.T.M. “Uso do papel kraft como fibra em peças de concreto para pavimentação”, Tese de M.Sc., Instituto Federal do Piauí, Teresina, PI, 2017.], que não relataram nenhum impedimento, referente ao aspecto das fibras, para a incorporação em compósitos de matriz cimentícia, no caso, argamassa, vergas de concreto e pisos intertravados de concreto, respectivamente. Além disso, PASSOS e CARASEK [35[35] PASSOS, P.M., CARASEK, H., “Argamassas com resíduos para revestimento isolante térmico de parede pré-moldada de concreto”, Revista Cerâmica, v. 64, n. 372, pp. 577–588, 2018. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0366-69132018643722391
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] relatam que material de aspecto fibroso, podem atuar como reforço em compósitos de matriz cimentícia, reafirmando o potencial de aplicabilidade das FPK em peças de concreto.

3.2. Ensaios tecnológicos

Visando comparar os resultados obtidos nesta pesquisa com trabalhos correlatos, foi construída a Tabela 5.

Tabela 5
Resultados encontrados por autores em trabalhos similares.

Exceto FIGUEIREDO et al. [15[15] FIGUEIREDO, F., DO COUTO, C.X., BOTERO, E.R., et al., “Produção de piso intertravado de concreto (pavers) com substituição parcial do agregado miúdo pelo grits, resíduo da indústria de papel e celulose”, Brazilian Journal of Development, v. 8, n. 4, pp. 31339–31351, 2022. doi: http://dx.doi.org/10.34117/bjdv8n4-560
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] que executou as peças de concreto pelo método dormido em moldes e DJAMALUDDIN et al. [29[29] DJAMALUDDIN, A.R., CARONGE, M.A., TJARONGE, M.W., et al., “Evaluation of sustainable concrete paving blocks incorporating processed waste tea ash”, Case Studies in Construction Materials, v. 12, pp. e00325, 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.cscm.2019.e00325
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] em prensa manual, todos os autores presentes na Tabela 5 utilizaram vibroprensagem para executar os corpos de prova já no formato das peças para pavimentação e, por isso, adotaram traço de concreto mais seco com abatimento zero. O resultado do abatimento por meio do Slump test foi zero para todas as composições de concreto estudadas nesta pesquisa, em concordância com o exposto na literatura base [13–15, 21, 29, 36].

O slump test 0 foi utilizado objetivando a obtenção de um concreto com características para utilização em processo industrial de fabricação. De modo geral, a baixa trabalhabilidade apresentada pelo concreto dificultou a moldagem e compactação manual, mas não impediu a confecção das peças.

3.2.1. Absorção de água

Na Figura 6, estão apresentados os resultados obtidos no ensaio de Absorção de Água para os corpos de concreto para fabricação de peças para pavimentação. O gráfico apresenta os valores médios de cada composição, bem como a faixa limite de absorção de água da NBR 9781 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013].

Figura 6
Resultado do ensaio de absorção de água e a faixa de padrão normativo.

Na Figura 6 observa-se uma tendência de aumento na absorção de água para as composições com incorporação das fibras de papel kraft, no entanto, as duas composições com incorporação atenderam ao critério normativo proposto pela NBR 9781 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013] que determina que a absorção de água média da amostra seja menor que 6%. Ainda, analisando os valores de absorção de água individuais dos corpos de prova, nenhum apresentou valor superior a 7%, atendendo também a recomendação da NBR 9781 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013].

Os resultados de absorção de água encontram-se na mesma faixa de resultados dos trabalhos correlatos [13, 15, 36], apesar do aumento em C05 e C10, em termos relativos, representarem 38,11% e 44,08%, respectivamente, quando comparados com a composição sem incorporação de FPK. Nos estudos de ALTOÉ et al. [13[13] ALTOÉ, S.P.S., SALES, A., MARTINS, C.H., “Resíduos de pneus e da queima do bagaço da cana-de-açúcar na fabricação de blocos de concreto para pavimentação (pavers)”, Revista IBRACON, v. 12, pp. 608–637, 2019.] as composições com 2% e 5% com incorporação de pneu apresentaram aumento relativo de absorção de água de 45,28% e 38,89%, respectivamente, revelando que houve aumento com a incorporação, porém não aconteceu de forma linear. BINS et al. [14[14] BINS, G.O., ARROYO, F.N., CHRISTOFORO, A.L., et al., “Análise de pisos intertravados com substituição do agregado miúdo por resíduo de construção e demolição.”, Revista Principia-Divulgação Científica e Tecnológica do IFPB, v. 59, n. 2, pp. 427–444, 2022. doi: http://dx.doi.org/10.18265/1517-0306a2021id4975
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] também obtiveram aumento relativo na absorção de água nas composições de concreto para peças de pavimentação com substituição do agregado miúdo por resíduos de construção e demolição.

É importante frisar que as comparações foram estabelecidas pelo fato de os autores adicionarem um subproduto ao concreto para peças para pavimentação, porém as FPK apresentam natureza distinta tanto da borracha (pneu), quanto dos resíduos de construção e demolição.

Por outro lado, CARVALHO [34[34] CARVALHO, J.L.B., “Desenvolvimento de argamassa de assentamento com substituição parcial de agregado miúdo por embalagens cartonadas trituradas”, Tese de M.Sc., Instituto Federal de Alagoas Marechal Deodoro, Marechal Deodoro, 2022.] realizou estudo em argamassa incorporando embalagens cartonadas recicladas, que no caso são fibras de papel com aspecto semelhante ao das FPK, e apresentou também aumento de absorção nas composições com maiores teores de adição do subproduto. CARVALHO [34[34] CARVALHO, J.L.B., “Desenvolvimento de argamassa de assentamento com substituição parcial de agregado miúdo por embalagens cartonadas trituradas”, Tese de M.Sc., Instituto Federal de Alagoas Marechal Deodoro, Marechal Deodoro, 2022.] constatou por meio da análise de Microscopia Eletrônica de Varredura, o aumento de vazios no interior dos corpos de prova, causado em decorrência do arranjo das fibras.

3.2.2. Resistência à compressão

A Figura 7 traz os resultados obtidos no ensaio mecânico de resistência à compressão aos 28 dias dos corpos de prova de concreto para fabricação de peças para pavimentação e os limites mínimos de resistência da exigidos pela NBR 9781 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013]. Os resultados representam os valores da média aritmética aferidos no ensaio de resistência à compressão dos corpos de prova de cada composição estudada.

Figura 7
Resultados do ensaio de resistência à compressão aos 28 dias e os limites normativos.

Analisando a Figura 7, observa-se que as composições com incorporação das fibras de papel kraft apresentaram redução na resistência à compressão, de modo que somente a composição de referência atendeu ao critério normativo proposto pela NBR 9781 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013] que determina que a resistência à compressão média da amostra seja maior que 35 MPa para utilização em tráfego de pedestres, veículos leves e comerciais. As reduções obtidas, em termos percentuais em relação ao concreto de referência, foram de 13,90% para C05 e 20,13% para C10.

Redução na resistência à compressão do concreto com incorporação de subproduto também foi observada nos estudos similares [13, 14, 29]. No caso de BINS et al. [14[14] BINS, G.O., ARROYO, F.N., CHRISTOFORO, A.L., et al., “Análise de pisos intertravados com substituição do agregado miúdo por resíduo de construção e demolição.”, Revista Principia-Divulgação Científica e Tecnológica do IFPB, v. 59, n. 2, pp. 427–444, 2022. doi: http://dx.doi.org/10.18265/1517-0306a2021id4975
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], somente a composição de referência teve resistência acima dos 35 MPa da norma (38,14 MPa), enquanto as composições com 25%, 50% e 100% de substituição de areia por resíduo de construção apresentaram 26,97 MPa, 13,67 MPa e 8,26 MPa, respectivamente. Ainda, o traço com subproduto com melhor resistência à compressão teve redução de mais de 40% quando comparada com a composição de referência [14[14] BINS, G.O., ARROYO, F.N., CHRISTOFORO, A.L., et al., “Análise de pisos intertravados com substituição do agregado miúdo por resíduo de construção e demolição.”, Revista Principia-Divulgação Científica e Tecnológica do IFPB, v. 59, n. 2, pp. 427–444, 2022. doi: http://dx.doi.org/10.18265/1517-0306a2021id4975
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]. Realizando comparação entre a resistência do concreto de referência e composição com incorporação de melhor desempenho, no trabalho de DJAMALUDDIN et al. [29[29] DJAMALUDDIN, A.R., CARONGE, M.A., TJARONGE, M.W., et al., “Evaluation of sustainable concrete paving blocks incorporating processed waste tea ash”, Case Studies in Construction Materials, v. 12, pp. e00325, 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.cscm.2019.e00325
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], a redução de resistência à compressão foi 28,14% (composição com 10% de cinza de resíduo da fabricação de chá), enquanto em ALTOÉ et al. [13[13] ALTOÉ, S.P.S., SALES, A., MARTINS, C.H., “Resíduos de pneus e da queima do bagaço da cana-de-açúcar na fabricação de blocos de concreto para pavimentação (pavers)”, Revista IBRACON, v. 12, pp. 608–637, 2019.], a redução foi de 21,63% (composição com 2% de pneu).

Diversos fatores podem, em certo nível, contribuir para essa redução, incluindo o índice de vazios. DJAMALUDDIN et al. [29[29] DJAMALUDDIN, A.R., CARONGE, M.A., TJARONGE, M.W., et al., “Evaluation of sustainable concrete paving blocks incorporating processed waste tea ash”, Case Studies in Construction Materials, v. 12, pp. e00325, 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.cscm.2019.e00325
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] associam como causa possível para perda de resistência, o aumento de poros nas peças com incorporação do subproduto. Nesta pesquisa, os resultados de maior absorção de água sugerem maior índice de vazios nos corpos de prova com incorporação, o que pode também ter contribuído na redução de resistência à compressão observada. Além disso, a inserção de subprodutos em misturas de concreto pode interferir no envolvimento do agregado pela matriz cimentícia, ou no rearranjo dos materiais, provocando aumento de poros e consequente redução de resistência [29[29] DJAMALUDDIN, A.R., CARONGE, M.A., TJARONGE, M.W., et al., “Evaluation of sustainable concrete paving blocks incorporating processed waste tea ash”, Case Studies in Construction Materials, v. 12, pp. e00325, 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.cscm.2019.e00325
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].

De acordo com DJAMALUDDIN et al. [29[29] DJAMALUDDIN, A.R., CARONGE, M.A., TJARONGE, M.W., et al., “Evaluation of sustainable concrete paving blocks incorporating processed waste tea ash”, Case Studies in Construction Materials, v. 12, pp. e00325, 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.cscm.2019.e00325
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], para finalidade de tráfego leve de pedestre e para jardins, a resistência à compressão exigida pelas normas do seu país, Indonésia, é de 12,5 MPa e 8,5 MPa, respectivamente. Como no Brasil, a NBR 9781 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013] não prevê distinção de uso para localidades onde não há incidência de veículos, o valor de resistência à compressão das peças acaba sendo elevado. No entanto, as composições com incorporação de FPK apresentaram, mesmo com as reduções, valores relativamente altos que permitiriam ao concreto ser utilizado em outras aplicações, ou até mesmo para peças de pavimentação com orientação técnica para uso em áreas para tráfego leve de pedestre exclusivamente.

Por outro lado, BINS et al. [14[14] BINS, G.O., ARROYO, F.N., CHRISTOFORO, A.L., et al., “Análise de pisos intertravados com substituição do agregado miúdo por resíduo de construção e demolição.”, Revista Principia-Divulgação Científica e Tecnológica do IFPB, v. 59, n. 2, pp. 427–444, 2022. doi: http://dx.doi.org/10.18265/1517-0306a2021id4975
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] afirmam que são encontradas peças de concreto para pavimentação no mercado com resistências a partir de 25 MPa para tráfego leves de pedestres, o que implica que ambas as dosagens com incorporação de FPK propostas nesta pesquisa atendem aos requisitos de mercado. No entanto, é importante destacar que as normas brasileiras estabelecem requisito de resistência apenas para as áreas com circulação de veículos.

ANDRADE [26[26] ANDRADE, D.T.M. “Uso do papel kraft como fibra em peças de concreto para pavimentação”, Tese de M.Sc., Instituto Federal do Piauí, Teresina, PI, 2017.] coletou de forma aleatória peças de concreto para pavimentação comercializadas em 6 empresas diferentes, localizadas em Teresina – Piauí, e analisou a resistência à compressão. O resultado encontrado por ANDRADE [26[26] ANDRADE, D.T.M. “Uso do papel kraft como fibra em peças de concreto para pavimentação”, Tese de M.Sc., Instituto Federal do Piauí, Teresina, PI, 2017.] mostrou que nenhuma das empresas apresentou peças de concreto com resistência à compressão média acima de 35 MPa aos 28 dias, sendo que a de melhor desempenho teve 22,05 MPa de resistência à compressão. A Figura 8 traz o gráfico construído a partir dos resultados de resistência à compressão desta pesquisa e os dados disponibilizados por ANDRADE [26[26] ANDRADE, D.T.M. “Uso do papel kraft como fibra em peças de concreto para pavimentação”, Tese de M.Sc., Instituto Federal do Piauí, Teresina, PI, 2017.] para fins de comparação.

Figura 8
Comparação da resistência à compressão com empresas analisadas por ANDRADE [26].

A Figura 8 mostra que as composições experimentais desta pesquisa apresentam ótimo desempenho em comparação com as peças das empresas analisadas por ANDRADE [26[26] ANDRADE, D.T.M. “Uso do papel kraft como fibra em peças de concreto para pavimentação”, Tese de M.Sc., Instituto Federal do Piauí, Teresina, PI, 2017.]. Ainda, os dados reforçam que há a ocorrência de comercialização de peças com resistência à compressão muito menor que a exigida por norma, porém esta discussão não faz parte do escopo desta pesquisa, sendo os valores apresentados para fins de comparação.

3.3. Análise dos pisogramas

3.3.1. Inspeção visual

A Figura 9 mostra os pisogramas produzido com C05, uma vez que esta composição apresentou melhor desempenho nos ensaios tecnológicos. A Inspeção Visual e a Avaliação Dimensional foram realizadas em todas as peças apresentadas na Figura 9.

Figura 9
Pisogramas fabricados para C05.

A Figura 9 mostra que não houve variação considerável da cor das peças. Apesar das FPK apresentarem coloração diferente, a quantidade substituída não foi o suficiente para influenciar neste quesito, deixando apenas alguns pequenos pontos nos pisogramas, ou manchas provenientes de resíduos nas fôrmas. Além disso, como os pisogramas não foram fabricados em processo industrial, ocorreu o aparecimento de poucos e pequenos vazios na superfície que remetem, principalmente, a compactação insuficiente devido ao processo manual.

A inspeção visual permitiu ainda verificar que as arestas permaneceram perpendiculares e sem rebarbas, atendendo a exigência da NBR 9781 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013]. Dessa forma, os resultados revelam que a incorporação das FPK na proporção de 0,5% não foi suficiente para provocar alteração nas arestas das peças, assim como nos trabalhos correlatos [13, 21, 29, 36].

3.3.2. Avaliação dimensional

Para a avaliação dimensional, a largura, o comprimento e a espessura de todos os pisogramas foram medidas seguindo as recomendações da NBR 9871 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013]. Os resultados das medições estão expressos na Tabela 6.

Tabela 6
Avaliação dimensional dos pisogramas.

Através da análise da Tabela 6, observa-se que os pisogramas atenderam ao critério norma NBR 9781 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013] que prevê a tolerância máxima de 3 mm de variação entre a dimensão medida e a nominal. Desse modo, os resultados da avaliação dimensional comprovam que a inserção de FPK na mistura de concreto não altera as dimensões dos pisogramas. De forma análoga, ALTOÉ et al. [13[13] ALTOÉ, S.P.S., SALES, A., MARTINS, C.H., “Resíduos de pneus e da queima do bagaço da cana-de-açúcar na fabricação de blocos de concreto para pavimentação (pavers)”, Revista IBRACON, v. 12, pp. 608–637, 2019.], ANDRADE [26[26] ANDRADE, D.T.M. “Uso do papel kraft como fibra em peças de concreto para pavimentação”, Tese de M.Sc., Instituto Federal do Piauí, Teresina, PI, 2017.] e GIOVANELLA [36[36] GIOVANELLA, C., “Reutilização do lodo remanescente do processo de beneficiamento de gemas na fabricação de pisos intertravados de concreto”, Tese de M.Sc., Centro Universitário Univates, Lajeado, RS, 2017.] também não observaram alterações significativas nas dimensões frente aos subprodutos adicionados nos seus estudos. Em virtude dos resultados apresentados nesta pesquisa, a fabricação de pisogramas de concreto com incorporação de FPK atende aos critérios normativos de Inspeção Visual e Avaliação Dimensional.

3.3.3. Análise dos impactos relacionados com a fabricação dos pisogramas

Pensando na produção, em escala industrial, dos pisogramas com FPK provenientes de embalagens de cimento pós-uso reciclados, é possível estimar dados sobre os impactos relacionados com a fabricação, com foco no potencial de reciclagem das peças. A seguir, a Figura 10 apresenta a relação entre as embalagens recicladas pela quantidade de peças produzidas para a composição de 0,5% de FPK.

Figura 10
Embalagens de cimentos reciclados por peças produzidas.

Pela dosagem proposta com 0,5% de incorporação, seria reciclado 1 embalagem de cimento a cada 15 pisogramas produzidos. Com as dimensões dos pisogramas desta pesquisa, a cada embalagem reciclada seriam produzidos cerca de 0,3 m2 em peças. Como os pisogramas apresentam dimensões dentro dos padrões mais comuns de pavimentação intertravada, considerando-se a produção mundial de peças para pavimentação, mostrada por GIOVANELLA [36[36] GIOVANELLA, C., “Reutilização do lodo remanescente do processo de beneficiamento de gemas na fabricação de pisos intertravados de concreto”, Tese de M.Sc., Centro Universitário Univates, Lajeado, RS, 2017.], de 100 m2 por segundo, o mundo poderia reciclar cerca 330 embalagens de cimento pós-uso em apenas 1 segundo de produção. É fato que se todo o concreto produzido para peças de pavimentação incorporasse embalagens pós-uso, a geração de embalagens de cimento não seria suficiente para suportar toda cadeia.

Considerando que para o traço proposto nessa pesquisa, 50 kg de cimento produziam em média 2 m2 de peças para pavimentação. Desse modo, podem ser recicladas 6,67 embalagens de cimento pós-uso a cada nova mistura de 50 kg (massa média de cimento presente em 1 embalagem). Assim, para que a produção seja auto suficiente, no que diz respeito a reciclagem das embalagens de cimento pós-uso, seria necessário que menos 15% da produção fosse destinada a peças com incorporação de FPK na proporção de 0,5%. Em termos práticos, para que as fábricas de pré-moldados de concreto reciclassem todas embalagens no próprio ciclo produtivo, bastaria destinar 1 mistura com incorporação de FPK a cada 6 misturas convencionais.

Vale destacar que o foco desta pesquisa está no potencial de reciclagem da cadeia produtiva e que para a análise de viabilidade completa outras variáveis precisam ser consideradas como, por exemplo, logística de produção, consumo de energia e de água, redução de emissões provenientes da reciclagem, estudo financeiro e de mercado.

4. CONCLUSÕES

Os resultados apresentados neste trabalho indicaram que é possível incorporar as fibras de papel kraft, recicladas a partir de embalagens de cimento pós-uso, na mistura de concreto para produção de pisogramas, com restrições de fabricação, nas dosagens estudadas: 0,5% e 1,0%. É importante salientar que os resultados desta pesquisa se referem especificamente aos experimentos realizados, sendo necessária a elaboração de estudos complementares a fim de confirmar o desempenho dos pisogramas com FPK in loco.

As composições de concreto com incorporação de 0,5% e 1,0% de FPK obtiveram resultado no ensaio de absorção de água 2,80% e 2,92%, respectivamente. Estas composições absorveram mais água do que a de referência (2,02%), porém todas atenderam ao critério da NBR 9781 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013] que exige absorção de água menor que 6,0%, ressaltando que esta norma compreende recomendações de peças de concreto em geral, com foco em elementos maciços, porém não existe norma específica para pisogramas.

Em relação ao ensaio de resistência à compressão aos 28 dias, a composição de concreto referência obteve 35,55 MPa e as com incorporação de 0,5% e 1,0% de FPK apresentaram 30,61 MPa e 28,40 MPa, respectivamente. Embora não exista normatização voltada especialmente para pisogramas e a revisão da literatura mostre que peças para pavimentação com resistência à compressão superior a 25 MPa atendem as demandas de mercado, as reduções obtidas nas composições com incorporação tornam-se fator limitante para o total atendimento do critério da NBR 9781 [30[30] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 9781: peças de concreto para pavimentação – especificação e métodos de ensaio, Rio de Janeiro, ABNT, 2013] que exige no mínimo 35 MPa. Assim, a utilização do concreto proposto na fabricação de pisogramas fica condicionada ao uso de até 30 MPa.

Os pisogramas de concreto com incorporação de FPK confeccionados atenderam aos critérios normativos de inspeção visual e avaliação dimensional. As peças não apresentaram grandes defeitos, rebarbas, ou alteração nas dimensões devido às FPK.

Por fim, a elaboração deste trabalho mostrou a obtenção de concreto ecologicamente viável por meio da incorporação de subproduto (FPK), gerado na cadeia de consumo do cimento, buscando desenvolver tecnologia de interesse ambiental para produção de peças de pavimentação. Os resultados alcançados na fabricação de pisogramas, confirma a importância de investir esforços na busca por metodologias alternativas, que visem mitigar os impactos gerados pela destinação inadequada de materiais potencialmente interessantes.

5. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Ambientais do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2023
  • Aceito
    17 Ago 2023
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