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Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina: espécies da Floresta Estacional Decidual

Floristic and Forest Inventory of Santa Catarina: species of Seasonal Deciduous Forests

Resumos

O presente trabalho visou apresentar e analisar a flora da Floresta Estacional Decidual em Santa Catarina, Brasil, tendo como fonte de dados os levantamentos realizados durante o Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina. Foram avaliadas as espécies de indivíduos lenhosos de 79 unidades amostrais de 4.000 m². Foram feitas coletas extras de indivíduos férteis, no entorno e nas unidades amostrais, das demais formas de vida. Este esforço amostral registrou 420 espécies, abrangendo 90 famílias e 275 gêneros. Nas unidades amostrais, registrou-se 233 espécies, sendo 204 com diâmetro na altura do peito (DAP) > 10 cm e 162 com diâmetro na altura do peito DAP < 10 cm e altura > 1,50 m, portanto com espécies em comuns. A coleta de material extra registrou 332 angiospermas e uma gimnosperma (Araucaria angustifolia), demonstrando a importância de coletas externas às áreas previamente delimitadas. Entre as ameaçadas de extinção foram registradas Ocotea odorifera e Araucaria angustifolia.

árvores; biodiversidade; FED; IFFSC; Floresta Atlântica; riqueza


This paper aims at to present and analyze the flora of Seasonal Deciduous Forests in Santa Catarina, Brazil, based on results of a Floristic and Forest Inventory of Santa Catarina. We evaluated the botanical collections made in 79 sample units of 4,000m², within which all individual from woody species higher than 1,5 m were sampled. Additionally, we collected plant species in their reproductive phase both inside and outside the sample units. This sample effort registered 420 species, 90 families, and 275 genera. Inside the sample units there were 233 species, of which 204 species had a diameter at breast high (DBH) > 10 cm; 162 species with DBH < 10 cm and higher than 1,5 m. Fertile specimens collected inside and outside the sample units included 332 angiosperms and one gymnosperm (Araucaria angustifolia), showing the importance of additional collecting. Among the endangered species we collected Ocotea odorifera and Araucaria angustifolia.

trees; biodiversity; FED; IFFSC; Atlantic Rain Forest; richness


ARTIGOS ORIGINAIS

Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina: espécies da Floresta Estacional Decidual

Floristic and Forest Inventory of Santa Catarina: species of Seasonal Deciduous Forests

André Luís de GasperI,1 1 Autor para correspondencia: algasper@gmail.com ; Alexandre UhlmannIV; Lucia SevegnaniI; Débora Vanessa LingnerII; Morilo José Rigon-JúniorI; Marcio VerdiI; Anita Stival-SantosI; Susana DreveckI; Marcos SobralI; Alexander Christian VibransIII

IFundação Universidade Regional de Blumenau, Herbário Dr. Roberto Miguel Klein (FURB), Depto. Ciências Naturais, R. Antônio da Veiga 140, 89012-900 Victor Konder, Blumenau, SC, Brasil

IIUniversidade Federal de São João Del-Rei, Praça Frei Orlando 170, 36307-352, São João Del-Rei, MG, Brasil

IIIFundação Universidade Regional de Blumenau, Depto. Engenharia Florestal, R. Antônio da Veiga 140, 89012-900, Victor Konder, Blumenau, SC, Brasil

IVEmbrapa Florestas, Est. da Ribeira, km 111, C.P. 319, 83411-000, Colombo, PR , Brasil

RESUMO

O presente trabalho visou apresentar e analisar a flora da Floresta Estacional Decidual em Santa Catarina, Brasil, tendo como fonte de dados os levantamentos realizados durante o Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina. Foram avaliadas as espécies de indivíduos lenhosos de 79 unidades amostrais de 4.000 m2. Foram feitas coletas extras de indivíduos férteis, no entorno e nas unidades amostrais, das demais formas de vida. Este esforço amostral registrou 420 espécies, abrangendo 90 famílias e 275 gêneros. Nas unidades amostrais, registrou-se 233 espécies, sendo 204 com diâmetro na altura do peito (DAP) > 10 cm e 162 com diâmetro na altura do peito DAP < 10 cm e altura > 1,50 m, portanto com espécies em comuns. A coleta de material extra registrou 332 angiospermas e uma gimnosperma (Araucaria angustifolia), demonstrando a importância de coletas externas às áreas previamente delimitadas. Entre as ameaçadas de extinção foram registradas Ocotea odorifera e Araucaria angustifolia.

Palavra-chave: árvores, biodiversidade, FED, IFFSC, Floresta Atlântica, riqueza.

ABSTRACT

This paper aims at to present and analyze the flora of Seasonal Deciduous Forests in Santa Catarina, Brazil, based on results of a Floristic and Forest Inventory of Santa Catarina. We evaluated the botanical collections made in 79 sample units of 4,000m2, within which all individual from woody species higher than 1,5 m were sampled. Additionally, we collected plant species in their reproductive phase both inside and outside the sample units. This sample effort registered 420 species, 90 families, and 275 genera. Inside the sample units there were 233 species, of which 204 species had a diameter at breast high (DBH) > 10 cm; 162 species with DBH < 10 cm and higher than 1,5 m. Fertile specimens collected inside and outside the sample units included 332 angiosperms and one gymnosperm (Araucaria angustifolia), showing the importance of additional collecting. Among the endangered species we collected Ocotea odorifera and Araucaria angustifolia.

Key words: trees, biodiversity, FED, IFFSC, Atlantic Rain Forest, richness.

Introdução

O estudo da flora das florestas estacionais tropicais secas - FETS (seasonally dry tropical forests - SDTF) tem sido objeto de análise por diversos autores (Prado & Gibbs 1993; Pennington et al. 2000; Pennington et al. 2009, Linares-Palomino 2011). Estes consideram que as flutuações climáticas ocorridas durante o Pleistoceno sejam responsáveis pela atual distribuição disjunta de FETS no neotrópico, havendo, nas condições climáticas atuais, sua retração a partir de uma cobertura pretérita mais ampla.

Segundo Gentry (1995), florestas estacionais ocorrem em regiões com precipitação atmosférica inferior a 1.600 mm anuais, com forte sazonalidade, havendo períodos entre cinco e seis meses com volume mensal de chuvas inferior a 100 mm. Prado & Gibbs (1993) apontam a existência de um "arco pleistocênico" constituído por uma extensa área de florestas sazonais que vão desde a caatinga, no nordeste brasileiro, até o sul do Brasil, inclusive parte do Paraguai e norte da Argentina, este último grupo, constituindo o "núcleo Missiones" (Prado & Gibbs 1993; Pennington et al. 2009). Este arco agrega as mais extensas áreas de FETS em território brasileiro (Pennington et al. 2000) e é onde se insere a área de Floresta Estacional Decidual (FED) catarinense (IBGE 1992). Com relação à origem da FED, foi considerada uma vegetação recente em Santa Catarina (Bigarella 1964), sendo seu estabelecimento posterior àquele dos campos e da Floresta Ombrófila Mista, o que parece ser sustentado por Pennington et al. (2000).

A Floresta Estacional Decidual em Santa Catarina distribui-se por 7.670 km2 em um intervalo altitudinal situado entre 150 a 800 m (excepcionalmente 900 m, segundo - Klein 1978) ao longo do eixo principal da bacia do rio Uruguai, irradiando-se pelos seus afluentes, onde estabelece contato com a Floresta Ombrófila Mista, em geral, a partir dos 600 m de altitude (Gasper et al. 2012). Por isso, sua maior expressão se dá nas porções média e baixa dos vales formados por este rio e seus afluentes, especialmente no sudoeste do estado.

Desde a segunda metade do século XX, esta região fitoecológica recebe intensa pressão de exploração dos recursos florestais e, segundo Klein (1972, 1978), à época, já sofria com a exploração indiscriminada de madeira e com a sua substituição pela agricultura, dadas as propriedades dos solos da região, tanto que as florestas primárias eram representadas por poucos e pequenos núcleos. Esta mesma condição ainda hoje prevalece, sendo a vasta maioria dos remanescentes representada por fragmentos de pequena dimensão (Ribeiro et al. 2009; Vibrans et al. 2012a; Vibrans et al. 2013). Segundo os dados de Vibrans et al. (2012a), de sua área original total, remanescem cerca de 16,3%, sendo que 52% da área atualmente coberta por FED no estado está representada por fragmentos florestais com menos que 50 ha. Este dado indica que a metade da cobertura atual da FED se encontra completamente fragmentada, sendo muito raras, segundo os mesmos autores, as áreas contínuas com mais que 200 ha. A condição atual da FED é ainda mais grave se comparados os dados totais do estado, onde a soma da cobertura dos fragmentos com tamanho igual ou menor a 50 ha representa 14% da área coberta por florestas (Vibrans et al. 2012a), explicitando que a FED representa a tipologia florestal mais gravemente afetada pela colonização recente.

Em Santa Catarina, a FED foi, de forma geral, pouco estudada em termos de sua estrutura e riqueza, com exceção dos trabalhos taxonômicos desenvolvidos para a Flora Ilustrada Catarinense, que datam dos anos entre 1957 a 1964 (Reitz 1965). Diante desta carência e da exploração que esta floresta sofreu e ainda está sendo submetida, temos como perguntas: 1) quantas e quais são as espécies arbóreo-arbustivas presentes na FED atualmente; 2) o estádio sucessional avançado apresenta significante diferença florística em relação ao médio? Há algum efeito dos estádios sucessionais sobre a riqueza de espécies? 3) quantas são as espécies não encontradas por este trabalho e que foram inventariadas em trabalhos sistemáticos anteriores a este?

Material e Métodos

Coleta de dados

A relação florística aqui apresentada resulta das coletas de campo do Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina (IFFSC), especificamente da Floresta Estacional Decidual (Fig. 1), tendo sido analisadas as espécies das 79 unidades amostrais (UA) implementadas pelo IFFSC, entre setembro de 2008 e maio de 2009 (Vibrans et al. 2010).


As precipitações anuais variam entre 1.800 a 2.000 mm, com pequena tendência à estacionalidade (Wrege et al. 2002). Seus índices térmicos determinam dois períodos bem distintos: um de quatro a cinco meses, centrado no verão, com médias compensadas iguais ou superiores a 20ºC e outro de dois a três meses, centrado no inverno, com médias iguais ou inferiores a 15ºC. O clima, apesar de quente-úmido durante boa parte do ano, conserva, por apreciável período, caráter frio, capaz de imprimir restrições à proliferação e ao desenvolvimento de grande número de espécies tropicais (Leite & Klein 1990).

A metodologia de instalação das UA foi detalhada por Vibrans et al. (2010). Cada UA inclui uma área de 4.000 m2 para o componente arbóreo, distribuídos em quatro segmentos de 20 m × 50 m (1.000 m2) dispostos em cruz cujos braços estão orientados na direção dos pontos cardeais, sendo no final destes braços uma parcela de 5 m × 5 m, totalizando 100 m2 para o componente arbustivo/subarbóreo.

As coletas efetuadas durante as medições das UA neste trabalho foram divididas como (1) componente arbóreo: refere-se às espécies medidas em campo com diâmetro à altura do peito (DAP, a 1,30 m do solo) >10 cm; (2) componente arbustivo/subarbóreo: refere-se aos indivíduos medidos em campo com DAP < 10 cm e altura > 1,50 m; (3) componente florístico extra: refere-se a todas as coletas férteis feitas no interior e nos arredores das UA, mesmo que fora dos critérios de inclusão acima citados.

Apenas os indivíduos identificados em nível de espécie ou gênero foram listados. No caso da determinação ter sido possível apenas ao nível genérico, somente foram listadas aqueles representados por uma espécie, evitando assim estimativas equivocadas. A determinação do material botânico foi realizada em campo ou após coleta e herborização, mediante consulta à coleção depositada no herbário Dr. Roberto Miguel Klein, da Universidade Regional de Blumenau (FURB) e quando necessário, por meio de consulta à especialistas. Todo o material botânico coletado foi depositado no herbário FURB, e doações foram encaminhadas aos herbários BHCB, MBM e RB (siglas conforme Thiers 2012).

A circunscrição das famílias segue APG III (2009) para as angiospermas e Christenhusz et al. (2011) para as gimnospermas.

Análise dos dados

Fez-se uma comparação histórica, após sinonimização, entre a lista de espécies arbóreas apresentadas por Reitz et al. (1979) para a FED e a deste trabalho para o componente arbóreo e arbóreo/subarbóreo. As espécies amostradas pelo IFFSC, mas não listadas pelo trabalho de Reitz et al. (1979), tiveram descritas áreas de ocorrência e/ou raridade, conforme especificado nos fascículos da Flora Ilustrada Catarinense.

As unidades amostrais foram categorizadas em estádios sucessionais (médio e avançado) conforme classificação visual de campo, análise com base na resolução CONAMA 04/94 e ajustes efetuados por Sevegnani et al. (2013). O número de espécies do componente arbóreo dos estádios (avançado e médio, valores por UA) foi comparado através do teste T. Antes, a homogeneidade da variância e a distribuição normal dos dados foram testadas pelos testes de Levene e Kolmogorov-Smirnoff, respectivamente.

Além disso, o coeficiente de correlação de Pearson foi utilizado para verificar a existência de associações entre a riqueza de espécies (somente do componente arbóreo) e variáveis relacionadas com a estrutura da floresta (dominância total - em m2/ha e densidade total - em N ind./ha, ambos os valores calculados para toda a UA), e variáveis ambientais (altitude, latitude e longitude). Os coeficientes de correlação obtidos foram utilizados para eliminar as variáveis colineares e ajustar, através de regressão linear simples e múltipla, modelos considerando a riqueza de espécies como variável dependente. Os resíduos dos modelos foram submetidos à análise a fim de verificar a normalidade do erro.

Resultados

Considerando somente os componentes avaliados nas unidades amostrais (arbóreo e arbustivo/subarbóreo), foram registradas 233 espécies (uma gimnosperma - Araucaria angustifolia - e 232 angiospermas), das quais 133 espécies (55%) são comuns a ambos os componentes, enquanto 71 espécies (30%) são exclusivas do componente arbóreo e 29 (12%) do componente arbustivo/subarbóreo (Tabela 2).

Considerando tanto a amostragem sistemática, quanto aquela feita nos arredores das parcelas, foram amostradas 419 espécies de angiospermas e uma gimnosperma. Esse conjunto inclui 90 famílias e 275 gêneros (Tab. 1). A família com maior riqueza específica foi Fabaceae (42 spp.), seguida de Myrtaceae (36) e Asteraceae (33). Os gêneros com maior riqueza foram Solanum L. (17 spp.), Eugenia L. (12), Peperomia Ruiz & Pav. (8) e Myrcia DC. (7).

Foram registradas as seguintes espécies exóticas: Citrus reticulata Blanco, Citrus x limon (L.) Burm. f., Hovenia dulcis Thunb., Morus nigra L. e Persea americana Mill. dentro das parcelas do componente arbóreo e arbustivo/subarbóreo. Contudo, estas espécies não foram contabilizadas na contagem de espécies. Cabe destaque que Meyer et al. (2012) registrou outras 20 espécies exóticas para esta região fitoecológica.

O número médio de espécies no componente arbóreo foi de 36,45 (com mínimo de 12 e máximo de 59) e no componente arbustivo/subarbóreo 14,85 (com mínimo de quatro e máximo de 32).

A coleta de material fértil (componente florístico extra) registrou 332 angiospermas e uma gimnosperma A. angustifolia (Tab. 2). Das 333 espécies, 190 são árvores e arbustos (sendo que 115 não foram registrados dentro das parcelas), 77 ervas terrícolas, 19 espécies de epífitos e 42 lianas.

Dentre as 164 espécies arbóreas citadas por Reitz et al. (1979) para a região fitoecológica, não foram amostradas 36 espécies (Tab. 3). Foram registradas ainda as espécies Araucaria angustifolia e Ocotea odorifera como ameaçadas de extinção (MMA 2008).

Considerando somente o componente arbóreo, as zonas proximais ao contato com a Floresta Ombrófila Mista, nas regiões mais elevadas ao norte e leste, se caracterizam pela maior riqueza de espécies, conforme demonstrado pela relação significativa da regressão múltipla (R2 múltiplo= 0,37; p<0,01) entre a riqueza de espécies (variável dependente) e as variáveis longitude e altitude (variáveis independentes), o que pode ser deduzido também através da Fig. 2.


Os dados de riqueza de espécies, segundo os testes aplicados, atenderam às premissas do teste T quanto à normalidade e homocedasticidade. Considerando o componente arbóreo, a análise atestou haver maior riqueza de espécies em áreas de estágio avançado (42,4 espécies/UA) em relação às áreas de estágio médio (35,9 espécies/UA; p<0,01). (Fig. 3a). A análise de correlação entre os dados de riqueza de espécies arbóreas e a dominância total de cada UA demonstrou haver uma potencial relação positiva e significativa (R = 0,43, p=4,4 × 10-5, Fig. 3b).



Discussão

As coletas do IFFSC contemplaram 61,8% das espécies relacionadas por Stehmann et al. (2009) para a FED no Domínio da Floresta Atlântica brasileira. Destaca-se que em ambos os casos, os dados não são apenas de levantamentos fitossociológicos, mas de coletas gerais efetuadas e registradas em herbários.

Os dados apontados por este trabalho corroboram outros que destacam Fabaceae e Myrtaceae como famílias importantes dentro das florestas estacionais (Reitz et al. 1979; Klein 1972, 1978; Pennington et al. 2009; Ruschel et al. 2009; Rios et al. 2010). Gentry (1985) considera que ao lado de Fabaceae, Bignoniaceae é uma família importante no contexto das florestas estacionais, principalmente pela representatividade de lianas neste ambiente e cita a relevância de Myrtaceae nas florestas ombrófilas da margem Atlântica do Brasil, o que ressalta a contribuição também do contingente de espécies atlânticas nas florestas aqui descritas (Morellato & Haddad 2000; Oliveira-Filho & Fontes 2000; Pennington et al. 2009). Particularmente, Myrtaceae é melhor representada nas florestas ombrófilas do que nas estacionais, tendendo a declinar em riqueza nos biomas cerrado e Amazônia (Oliveira-Filho & Fontes 2000).

Sarmiento (1972) destaca, dentre os gêneros típicos das florestas estacionais Annona, Eugenia, Machaerium Pers.,Myrcia,Pisonia L., Rauvolfia L. e Trichilia P. Browne. Todos figuram dentre aqueles mais representativos em número de registros por UA. Por outro lado, Gentry (1995) cita Handroanthus (=Tabebuia Gomes ex DC.), Cordia L., Casearia Jacq., Bauhinia L., Trichilia,Erythroxylum P. Browne, Randia L., Hippocratea L., Serjania Mill., Croton L. e Zanthoxyllum L. como os gêneros mais amplamente representados nas florestas secas neotropicais. Muitos destes gêneros e, inclusive espécies, são também representados nas florestas ombrófilas em Santa Catarina, embora haja diferenças evidentes na representação de cada uma delas. Muitas destas diferenças foram discutidas por Gasper et al. (2012) que apontaram Apuleia leiocarpa, Rauvolfia sellowii, Bastardiopsis densiflora, Chrysophyllum gonocarpum, Cordia trichotoma, Holocalyx balansae, Myrocarpus frondosus e Pisonia ambigua como componentes de um conjunto de espécies que representa muito bem a estrutura fitossociológica das florestas estacionais catarinenses.

Apesar da elevada riqueza registrada em Santa Catarina, 36 espécies arbóreas catalogadas por Reitz et al. (1979) na FED catarinense não foram encontradas, o que pode significar que as ações de supressão de florestas e sua simplificação constatada tiveram grande impacto sobre essas espécies, com forte indicação de extinção regional. Mas, apesar do esforço amostral desempenhado pelo IFFSC, algumas delas podem estar localizadas em diferentes áreas não estudadas, por isso considera-se relevante fazer novas pesquisas direcionadas para este conjunto indicado na Tab. 3.

Segundo os dados de Vibrans et al. (2012b), comparativamente às demais regiões fitoecológicas do Estado, a FED possui um contingente florístico menor de espécies arbustivas/arbóreas (242 spp.) e compartilha menos espécies com as florestas ombrófilas (165) do que estas (Floresta Ombrófila Mista e Densa) compartilham entre si (202). A FED ainda possui um menor número de espécies exclusivas (19), contrastando fortemente com a Floresta Ombrófila Densa (339), embora menos com a Floresta Ombrófila Mista (57), o que certamente deve interferir na riqueza específica menor desta unidade. No total, foram amostradas 242 espécies, contra 452 na FOM e 736 na FOD.

De fato, estes números, bem como aqueles do presente trabalho, parecem concordar com os de Oliveira-Filho & Fontes (2000), que atestam menor riqueza das florestas estacionais, definindo a FED em Santa Catarina como um conjunto empobrecido em espécies quando comparado às demais unidades tipologias florestais presentes no estado.

Gentry (1995) admite haver relação entre o volume anual de precipitações e a riqueza específica nas florestas tropicais situadas em baixas altitudes. Considerando que as florestas ora em análise estão situadas em regiões de elevado volume de precipitações anuais, com pequena tendência à estacionalidade (Wrege et al. 2002), estas tendem a ser mais ricas que outras áreas que abrigam florestas estacionais, mas que possuem marcante sazonalidade climática. Embora, a FED em Santa Catarina não esteja submetida a estacionalidade na precipitação, há diferenças marcantes entre as temperaturas médias de inverno e verão influenciadas pela diminuição do fotoperíodo no outono e inverno, e esses fatores desencadeiam deciduidade de folhas (Alberti et al. 2011) de mais de 50% das espécies do dossel e emergentes (Klein 1972, 1978).

Portanto, analisando conjuntamente os dados deste trabalho e aqueles de outros autores, principalmente Gentry (1995) e Oliveira-Filho & Fontes (2000), pode-se admitir que florestas estacionais de Santa Catarina, embora sejam classificadas como estacionais, representam algo como uma transição entre aquelas típicas de ambientes ombrófilos da margem atlântica e as estacionais, que tendem a predominar para oeste, fato este já discutido por Oliveira-Filho & Fontes (2000).

O conjunto de dados apresentado neste trabalho revelou ainda dois aspectos importantes sobre a atual estrutura das florestas estacionais catarinenses: o primeiro é que a riqueza da flora arbórea/arbustiva é maior em fragmentos mais desenvolvidos do ponto de vista da sucessão ecológica (Fig. 3a). O segundo é que a dominância total é um bom preditor da riqueza de espécies arbóreas (Fig. 3b). Na verdade, ambas as conclusões combinam-se, pois é esperado que florestas em estádios mais avançados de sucessão apresentem estrutura mais complexa, evidenciado tanto maior riqueza, quanto abriguem maior biomassa, neste caso, medida indiretamente pela dominância total. O aumento da área basal representa maior proporção de cobertura do solo, refletindo em condições propícias ao estabelecimento de espécies de sub-bosque, ampliação do número de estratos e sinúsias não existentes, ou menos representativas, nos estágios iniciais e médios de sucessão florestal.

Em um contexto geral, as áreas de Floresta Estacional Decidual de Santa Catarina são razoavelmente ricas em espécies, se comparadas a outras florestas estacionais (Oliveira-Filho & Fontes 2000; Liñares-Palomino et al. 2011), provavelmente devido ao fato de ocuparem regiões com maior pluviosidade, mas apresentam famílias e gêneros amplamente característicos de florestas secas. Além disso, recebem acentuada influência florística oriunda das florestas ombrófilas situadas a leste. Além de menos diversas que as florestas ombrófilas, encontram-se mais acentuadamente fragmentadas e descaracterizadas que aquelas, indicando a necessidade de ações e políticas relacionadas à conservação.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina, pelo financiamento do projeto Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina e aos proprietários das florestas amostradas. Agradecem também pela leitura e pelas valiosas críticas do professor Dr. João André Jarenkow e aos taxonomistas voluntários de diversas famílias botânicas pela identificação do material, em especial à equipe do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Artigo recebido em 02/11/2011

Aceito para publicação em 29/07/2013

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    Autor para correspondencia:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      02 Nov 2011
    • Aceito
      29 Jul 2013
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