Acessibilidade / Reportar erro

Editorial

É sábio olhar o passado com gratidão, pois a história nos mostra o heroísmo de muitos botânicos, que ao sonharem com uma flora fluminense estudada e divulgada, deram suas contribuições nos levantamentos e estudos dos diferentes grupos taxonômicos, deixando para as gerações futuras um legado de continuidade de algo que seria realizado numa escala temporal longeva. A memória histórica do passado nos mostra a ousadia de Frei Vellozo, Freire Allemão, Graziela Barroso, Carlos Rizzini entre outros, e de tantos naturalistas como Glaziou, Gardner, Saint-Hilaire, Gaudichaud, Langsdorff, Raddi, Mikan, Sellow, Von Martius, Pohl, Riedel, Clausssen, cujas coleções servem de base para os estudos da Flora Rio de Janeiro. Estes protagonistas foram sucedidos por muitos outros botânicos que deram, e continuam dando uma contribuição importante nos estudos das famílias, gêneros e espécies que ocorrem no Estado, deixando para as gerações futuras dos botânicos um legado que será enriquecido com novas coletas, novos enfoques e monografias dos diversos grupos taxonômicos.

Com estas imprescindíveis contribuições históricas, inúmeros pesquisadores e jovens botânicos de diferentes instituições, principalmente do Estado do Rio de Janeiro, e também de outros estados do país e do exterior, sentem-se motivados a dar continuidade aos levantamentos, pesquisas, e elaboração de monografias deste rico patrimônio da flora fluminense, tendo como um dos veículos principais de divulgação, a conceituada Revista RODRIGUÉSIA.

Neste editorial, gostaríamos de chamar a atenção sobre a importância destes estudos de floras regionais, sobretudo neste contexto em que vivemos, onde fatores antropológicos, climáticos e econômicos contribuem para redução de nossos biomas e ecossistemas, levando ao desaparecimento progressivo de muitas espécies que se tornam mais vulneráveis com as contínuas alterações ambientais. Não podemos esquecer que estes estudos regionais trazem uma enorme contribuição para a compreensão da complexidade da Flora do Brasil, pois os estudos em nível local enriquecem o conhecimento científico nacional. As monografias da Flora do Rio de Janeiro constituem assim um incentivo para a formação de recursos humanos na área da botânica, motivando novas vocações para as ciências puras, como a taxonomia, campo do saber tão necessário para as ciências aplicadas. Para tanto é necessário sublinhar o papel do taxonomista em estabelecer identidades, elaborar sistemas lógicos de identificação e fazer as correlações entre os grupos taxonômicos, algo que só acontece com um amplo conhecimento morfológico, ecológico e genético das espécies. Hoje, mais do que em outras épocas, precisamos de botânicos que coletem, estudem, fascinem e publiquem a grandeza desta flora, tão exuberante na diversidade de táxons. É necessário que os catálogos das espécies sirvam de ferramentas para as monografias, assim como as monografias enriqueçam, corrijam e ampliem os catálogos.

Ao estudar a flora regional do Rio de Janeiro, não podemos esquecer também a preocupação ética dos botânicos que trabalham com a taxonomia, cujo fundamento consiste no reconhecimento da identidade de cada ser, pois sem isto as plantas continuam no anonimato científico e no horizonte do desconhecido, dificultando a defesa dos indivíduos e das comunidades vegetais. A conhecida máxima de que ninguém pode preservar e conservar, se não há conhecimento e inteligibilidade, continua mantendo sua atualidade.

A visão utilitarista e imediatista de nossos tempos não pode tirar a paixão e o fascínio que os botânicos têm em conhecer nos detalhes da natureza, a riqueza e a beleza de algo que foi colocado em nossas mãos para ser conhecido e disseminado na ciência e na sociedade. Apoiar os estudos de flora regional deve ser uma das prioridades dos Institutos de Pesquisas Botânicas, pois conhecendo de perto as espécies locais poderemos dar respostas inteligentes àquilo que em nível nacional nos orgulhamos, a saber: ser um país de megabiodiversidade que deseja deixar para a ciência brasileira, uma herança que permita preservar a riqueza de nosso patrimônio biológico, assegurando principalmente o direito e a continuidade da vida das espécies mais raras, endêmicas e vulneráveis.

Pe. Josafá Carlos de Siqueira SJ
Reitor e Professor do Departamento de Biologia da PUC-Rio
Rio de Janeiro - RJ - Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Rua Pacheco Leão, 915 - Jardim Botânico, 22460-030 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21)3204-2148, Fax: (55 21) 3204-2071 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rodriguesia@jbrj.gov.br