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A remissão em esquizofrenia é possível?

Is remission in schizophrenia possible?

Resumos

CONTEXTO: O conceito de remissão já está bem definido em algumas patologias psiquiátricas, como é o caso do transtorno depressivo, porém só recentemente foi proposto um critério para esquizofrenia. OBJETIVO: Revisar o novo conceito de remissão em esquizofrenia. MÉTODO: Revisão da literatura usando o PubMed. RESULTADOS: Os conceitos de resposta, remissão, estabilidade e recuperação são amplamente discutidos neste artigo, bem como os itens das escalas utilizados para definição. CONCLUSÃO: O conceito de remissão caracteriza-se pela presença nos últimos 6 meses de sintomas que atingem um nível máximo de gravidade (nível 3 da Panss) mas que permitem um certo funcionamento social. As dimensões do conceito e seus respectivos sintomas psicopatológicos são: Positiva: alucinações, delírios, conteúdo incomum do pensamento. Desorganização: desorganização conceitual, maneirismos e postura. Negativa: afeto embotado, afastamento social passivo/apático, falta de espontaneidade no fluxo da conversação.

Esquizofrenia; resposta; remissão


BACKGROUND: The concept of remission is well established in some psychiatric disorders such as depression, but only recently it has been proposed for schizophrenia. OBJECTIVE: The aim of the present paper is to review the new proposed criteria for remission in schizophrenia. METHOD: PubMed search. RESULTS: The concept of remission, response, stability and recover are extensively discussed in the present article, as well as items of the scales used in the definition. CONCLUSION: The concept of remission is characterized by the presence in the last 6 months of symptoms with a maximum threshold severity level (Panss level 3) but which allows a certain degree of social functioning. The dimensions of the concept and respective psychopathological symptoms are: Positive: delusions, hallucinations and unusual thought content. Disorganization: conceptual disorganization and mannerisms and posturing; Negative: blunted affect, passive/apathetic social withdrawal and lack of spontaneity and flow of conversation.

Schizophrenia; response; remission


REVISÃO DA LITERATURA

A remissão em esquizofrenia é possível?

Is remission in schizophrenia possible?

Hélio Elkis

Professor-associado livre-docente do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Projeto Esquizofrenia (Projesq) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP). Pós-doutorado pela Case Western Reserve University (EUA). Membro do International Psychopharmacology Algorithm Project (www.ipap.org)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Hélio Elkis Instituto de Psiquiatria Rua Ovídio Pires de Campos, 785 – 05403-010 – São Paulo, SP E-mail: helkis@usp.br

RESUMO

CONTEXTO: O conceito de remissão já está bem definido em algumas patologias psiquiátricas, como é o caso do transtorno depressivo, porém só recentemente foi proposto um critério para esquizofrenia.

OBJETIVO: Revisar o novo conceito de remissão em esquizofrenia.

MÉTODO: Revisão da literatura usando o PubMed.

RESULTADOS: Os conceitos de resposta, remissão, estabilidade e recuperação são amplamente discutidos neste artigo, bem como os itens das escalas utilizados para definição.

CONCLUSÃO: O conceito de remissão caracteriza-se pela presença nos últimos 6 meses de sintomas que atingem um nível máximo de gravidade (nível 3 da Panss) mas que permitem um certo funcionamento social. As dimensões do conceito e seus respectivos sintomas psicopatológicos são: Positiva: alucinações, delírios, conteúdo incomum do pensamento. Desorganização: desorganização conceitual, maneirismos e postura. Negativa: afeto embotado, afastamento social passivo/apático, falta de espontaneidade no fluxo da conversação.

Palavras-chave: Esquizofrenia, resposta, remissão.

ABSTRACT

BACKGROUND: The concept of remission is well established in some psychiatric disorders such as depression, but only recently it has been proposed for schizophrenia.

OBJECTIVE: The aim of the present paper is to review the new proposed criteria for remission in schizophrenia.

METHOD: PubMed search.

RESULTS: The concept of remission, response, stability and recover are extensively discussed in the present article, as well as items of the scales used in the definition.

CONCLUSION: The concept of remission is characterized by the presence in the last 6 months of symptoms with a maximum threshold severity level (Panss level 3) but which allows a certain degree of social functioning. The dimensions of the concept and respective psychopathological symptoms are: Positive: delusions, hallucinations and unusual thought content. Disorganization: conceptual disorganization and mannerisms and posturing; Negative: blunted affect, passive/apathetic social withdrawal and lack of spontaneity and flow of conversation.

Key-words: Schizophrenia, response, remission.

Conceitos de resposta e remissão

O termo remissão está muito presente na literatura psiquiátrica moderna ao lado de outros muito importantes, tais como: recorrência, recaída, resposta e recuperação (Leucht e Kane, 2006). No entanto, seu significado, embora intuitivamente compreensível, muitas vezes carece de uma definição objetiva.

O conceito de resposta está ligado à eficácia terapêutica de um medicamento e é mensurado por intermédio de escalas. No caso da esquizofrenia, por exemplo, é comum definir-se como resposta a redução em 20% da gravidade de uma determinada escala (por exemplo, PANSS [Kay et al., 1987] ) quando comparamos o final de um tratamento ("endpoint") em relação ao início deste (linha de base ou "baseline"). No entanto, os pontos de corte podem variar (20%, 30% ou 40%), tornando o conceito de resposta muito relativo (Leucht e Kane, 2006).

Nesse sentido, Leucht e colaboradores (Leucht et al., 2007) (Leucht e Lasser, 2006) identificaram que 25% de redução na BPRS (Overall e Gorham, 1962) (Romano e Elkis, 1996) ou na PANSS (Kay et al., 1987) correspondem ao critério de "um pouco melhor" na escala de avaliação clínica CGI (Guy, 1976), enquanto 50% de redução correspondem ao critério "muito melhor" na CGI.

Os autores destacam que, no caso de pacientes com esquizofrenia refratária, uma pequena mudança tem um grande significado e, para este subtipo de esquizofrenia, recomendam como critério de resposta a 25% de redução na PANSS ou no BPRS (Leucht et al., 2007).

O conceito de remissão também revela-se complexo à medida que nas doenças completamente curáveis ela pode ser definida como ausência total de sintomas. Mas, tal critério não pode ser aplicado à esquizofrenia (Haro et al., 2007).

De fato, para a esquizofrenia, o conceito de remissão foi desenvolvido tendo como modelo doenças crônicas não completamente curáveis, tais como: linfomas ou artrite reumatóide. No caso de linfomas, por exemplo, são considerados em remissão aqueles pacientes que, embora assintomáticos, apresentam nódulos de tamanho não superior a 1,5 cm, identificáveis por meio de tomografia. No caso da artrite reumatóide, os critérios são: ausência de fadiga, mínima rigidez matinal, ausência de dores articulares e hemossedimentação dentro dos limites normais (Andreasen et al., 2005).

No caso dos transtornos do humor, destaca-se o conceito de remissão em depressão maior, o qual é definido como a manutenção de escores com gravidade de 7 ou menos na escala de Hamilton, com 17 itens por pelo menos 2 meses, até o máximo de 6 meses (Frank et al., 1991) (Nierenberg e Wright, 1999).

Assim, enquanto o conceito de remissão está necessariamente vinculado ao de redução de gravidade dos sintomas psicopatológicos, o conceito de recuperação implica melhora funcional. Como exemplo, no caso do transtorno de ansiedade generalizada, a remissão implica a redução e a manutenção do controle sintomatológico, medidas pela Escala de Ansiedade de Hamilton. Recuperação, no caso desse transtorno, implica não só a remissão dos sintomas, mas também o retorno das funções a níveis quase normais (Ninan, 2001).

O conceito de resposta pode apresentar alguns problemas quanto à sua interpretação, pois, ao utilizar o critério de percentagem de redução em comparação ao "baseline", não fornece uma informação precisa sobre como o paciente está no "endpoint" quanto à sintomatologia, uma vez que a redução de 120 para 60 na PANSS é de 50%, o mesmo ocorrendo se o paciente inicia o estudo com 80 e termina em 40 na mesma escala.

Portanto, embora tenha havido uma resposta idêntica em ambos os casos (redução em 50% do valor total da PANSS), obviamente, um paciente com um escore de 60 é bem mais grave do que um com escore de 40 (Leucht e Kane, 2006).

Por outro lado, o critério de remissão é útil à medida que prevê informação sobre o nível de gravidade do paciente no "endpoint", se está ou não sintomático. Porém, diferentemente do critério de resposta, não fornece uma impressão sobre a mudançasofrida pelo paciente. Em função disso, estudos clínicos atuais envolvendo pacientes com depressão estão utilizando os dois critérios para melhor definir a eficácia de antidepressivos (Leucht e Kane, 2006).

Critérios para remissão em esquizofrenia

Alguns grupos têm procurado desenvolver o conceito de remissão em esquizofrenia (Andreasen et al., 2005) (van Os et al., 2006) (van Os et al., 2006), sendo que o grupo de Andreasen propôs definição baseada em dois critérios: o primeiro, de tempo, e o segundo, sintomatológico (dimensional).

Quanto ao tempo, os pesquisadores propuseram que, para serem considerados "em remissão", os pacientes deveriam apresentar níveis mínimos de gravidade sintomatológica (a serem definidos a seguir) pelo período, ao menos, de 6 meses.

Para definir gravidade psicopatológica, os autores usaram o conceito de três dimensões sintomatológicas da esquizofrenia (Alves et al., 2005): "positiva" ou"psicótica"ou "de distorção da realidade" (por exemplo, delírios e alucinações), de "desorganização" (por exemplo, desorganização conceitual do pensamento) e "negativa" ou "de pobreza psicomotora" (por exemplo, embotamento afetivo-volitivo).

A vantagem do uso dessas dimensões sobre o uso de categorias (isto é, subtipos de esquizofrenias) reside no fato de que as últimas nunca se apresentam de forma "pura" (por exemplo, esquizofrenia desorganizada com a presença de delírios paranóides, ou esquizofrenia paranóide com presença de desorganização do pensamento), sendo que no caso das dimensões é possível melhor caracterizar a esquizofrenia, uma vez que elas se sobrepõem na maioria das ocorrências (por exemplo, presença de delírios, desorganização conceitual e embotamento afetivo no mesmo paciente, independentemente se ele revela-se portador de esquizofrenia paranóide ou desorganizada).

Assim, combinando os dois componentes (gravidade psicopatológica e tempo), o grupo liderado por Andreasen usou as mais importantes escalas de avaliação psicopatológica para esquizofrenia, como é o caso da SANS (Andreasen, 1983), da SAPS (Andreasen, 1984), da BPRS (Overall e Gorham, 1962) e da PANSS (Kay et al., 1987) e, a partir delas, escolheu os sintomas mais representativos das três dimensões psicopatológicas da esquizofrenia anteriormente citadas.

Dessa forma, para definição de remissão chegou-se a um consenso que, durante um período de 6 meses, o paciente não poderia ultrapassar um determinado limiar de gravidade ("threshold"), definido de acordo com os critérios de cada uma das escalas. Só assim, ele pode ser considerado "em remissão" (Andreasen et al., 2005).

Apresentamos, na tabela a seguir, um dos critérios de remissão de acordo com a escala PANSS (Tabela 1).

Tais critérios para definição de remissão mostram-se válidos (van Os et al., 2006) e úteis e, como citado no artigo "Novos antipsicóticos no tratamento da esquizofrenia", na mesma edição deste suplemento, Lasser et al. (2005) aplicaram o conceito de "remissão" em esquizofrenia proposto por Andreasen et al. a uma amostra de pacientes com esquizofrenia, acompanhados por um ano, em um estudo aberto multicêntrico europeu, (Fleischhacker et al., 2003) e observaram que, de 578 pacientes incluídos e considerados clinicamente "estáveis", 68,2% não preenchiam os critérios de remissão no início do estudo, mas, durante o tratamento com risperidona de longa ação, 20,8% deles alcançaram tal critério, graças à redução da sintomatologia.

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  • Endereço para correspondência:
    Hélio Elkis
    Instituto de Psiquiatria
    Rua Ovídio Pires de Campos, 785 – 05403-010 – São Paulo, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      2007
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