Acessibilidade / Reportar erro

Editorial

EDITORIAL

Há 1,2 bilhão de fumantes no mundo inteiro. Estima-se que metade dos fumantes morra por causa de doenças causadas especificamente pelo cigarro. Atualmente, são cinco milhões de morte a cada ano, mas este número está crescendo. Do ano 2000 até 2050, serão aproximadamente 450 milhões de mortes.

Na verdade, já faz tempo que os malefícios do cigarro são conhecidos. Boa parte dos fumantes já sabe que o cigarro faz mal à saúde. Muitos têm procurado parar de fumar e muitos têm conseguido. No entanto, as chances de sucesso de uma tentativa isolada e sem apoio são baixas. Estima-se que, sem tratamento, apenas 3% a 5% dos fumantes consigam manter-se abstinentes por um ano inteiro.

Também se sabe que não é à toa que é tão difícil largar os cigarros. Conforme o relatório de 1988, do Surgeon General norte-americano, os processos fisiológicos e comportamentais envolvidos no tabagismo são análogos àqueles envolvidos na dependência de drogas como a heroína e a cocaína.

Não há dúvida, na maioria das vezes o consumo regular de tabaco deve ser definido como uma dependência de substância psicoativa e, portanto, um transtorno psiquiátrico.

Na verdade, segundo inquérito epidemiológico realizado em São Paulo por Laura Andrade et al. (1999), o tabagismo é o transtorno psiquiátrico mais freqüente entre os adultos. Naquele estudo, a prevalência da dependência de tabaco, segundo os rígidos critérios da CID-10, foi de 25%.

Mas, se é assim, por que a dependência do tabaco é tão pouco diagnosticada nas clínicas psiquiátricas? Pior, por que ela é tão pouco tratada, se já existem tratamentos eficazes?

Por causa destas questões, a Revista de Psiquiatria Clínica traz este número dedicado ao tabagismo.

Nele, Cleópatra Planeta e Fábio Cruz revêem as bases neurofisiológicas da dependência do tabaco. Conforme lembram, a nicotina é apontada como o principal agente responsável pelo desenvolvimento da dependência do tabaco. Em seu artigo, abordam as bases da capacidade que a nicotina tem de reforçar seu próprio uso, a questão da sensibilização comportamental e da dependência e a síndrome de abstinência da nicotina.

No artigo sobre tratamento farmacológico do tabagismo, Guilherme Focchi e Ivan Braun revêem a efetividade dos medicamentos disponíveis para o tratamento do tabagismo e a importância de seu uso. Conforme lembram, caso não haja contra-indicações, deve-se recomendar a inclusão de um medicamento no plano de tratamento de praticamente todo tabagista que procure tratamento.

Por sua vez, Sabrina Presman, Elizabeth Carneiro e Analice Gigliotti abordam os tratamentos não-farmacológicos para o tabagismo. A partir de sua grande experiência na área, as autoras revêem as bases do aconselhamento médico de fumantes, a efetividade do uso de materiais de auto-ajuda e do aconselhamento por telefone e a efetividade das principais técnicas comportamentais utilizadas no tratamento mais intensivo desses pacientes. Abordam ainda questões específicas relacionadas ao relacionamento com o paciente, o setting terapêutico, o modo de interromper o uso de cigarros e a abordagem de populações específicas.

A prevalência de tabagismo é maior entre pacientes psiquiátricos. André Malbergier e Hercílio Pereira da Oliveira Jr discutem esta questão, revendo estudos sobre o tabagismo e sua associação com a depressão, as crises e o transtorno de pânico, a esquizofrenia, o déficit de atenção e hiperatividade, a doença de Alzheimer e o consumo de outras substâncias psicoativas.

Finalmente, nenhuma publicação sobre tabagismo poderia deixar de considerar as formidáveis pressões sociais e econômicas que o cercam. A quase totalidade dos fumantes começa sua carreira na adolescência. Nesta fase da vida, os jovens estão mais propensos à experimentação e mais sujeitos à pressão de seu grupo social. São também vítimas de sofisticados esquemas de marketing e de publicidade. A indústria do tabaco é uma das maiores indústrias do nosso país, tem grande influência política e tem-se mostrado ativa na defesa de seus interesses. Felizmente para a saúde pública, temos conquistado vitórias importantes neste campo. Tânia Cavalcante descreve os princípios e as principais iniciativas para o controle de tabagismo no Brasil. Através de medidas como o aumento da taxação sobre os cigarros, restrição à publicidade e promoção da venda de cigarros e outros derivados do tabaco, redução do acesso de menores de idade ao tabaco, colocação de advertências claras e enfáticas nos maços e outras medidas de informação da população, e da facilitação do acesso da população ao tratamento do tabagismo, o Brasil tem visto uma diminuição da prevalência do tabagismo. Por este sucesso expressivo, o programa do INCA recebeu um expressivo prêmio internacional

Neste momento, o desafio para o nosso país é a ratificação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, cujo texto se encontra no Senado, aguardando aprovação. Uma série de manobras protelatórias tem atrasado a tramitação do processo de ratificação e há o sério risco de que percamos o prazo final. Espero que o artigo de Tânia Cavalcante ajude a iluminar alguns dos artifícios usados pela indústria do tabaco e a motivar mais profissionais de saúde a engajarem-se no combate ao tabagismo.

Quero tornar público meu agradecimento ao Prof. Wagner Gattaz pelo honroso convite e pelo apoio para a edição deste número especial da RPC.

Quero, também, agradecer o paciente auxílio da Sra. Sandra Picchiotti na edição deste número.

Montezuma Pimenta Ferreira

Editor Convidado

Andrade, L.H.S.G.; Lólio, C.A.; Gentil, V.; Laurenti, R. - Epidemiologia dos transtornos mentais em uma área definida de captação da cidade de São Paulo, Brasil. Rev Psiq Clín 26(5)257-61, 1999.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2006
  • Data do Fascículo
    Out 2005
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Rua Ovídio Pires de Campos, 785 , 05403-010 São Paulo SP Brasil, Tel./Fax: +55 11 2661-8011 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: archives@usp.br