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Aleitamento materno, introdução precoce de leite não materno e excesso de peso na idade pré-escolar

Resumo

Objetivo:

Investigar relações existentes entre excesso de peso em pré-escolares, duração do aleitamento materno e a idade de introdução de leite não materno.

Métodos:

Estudo transversal de amostra representativa de 817 pré-escolares, 2-4 anos de idade, de creches municipais de Taubaté. O peso e a altura das crianças foram mensurados nas creches em 2009, 2010 e 2011. Calculado o escore z de Índice de Massa Corporal (zIMC), as crianças foram classificadas como risco de sobrepeso (zIMC≥1 a<2) ou como excesso de peso (zIMC≥2). A análise dos dados foi feita por comparação de proporções, coeficiente de correlação e regressão linear multivariada.

Resultados:

A prevalência de risco de sobrepeso foi 18,9% e de excesso de peso (sobrepeso ou obesidade) de 9,3%. A mediana de duração do aleitamento materno e a idade de introdução do leite não materno foi de 6 meses. O zIMC da criança evidenciou correlação direta com o peso ao nascer (r=0,154; p<0,001) e com o Índice de Massa Corporal (IMC) materno (r=0,113; p=0,002). A correlação foi inversa com a duração total do aleitamento materno (r=−0,099; p=0,006) e a idade de introdução de leite não materno (r=−0,112; p=0,002). Não houve correlação entre o zIMC da criança com o comprimento ao nascer, duração do aleitamento exclusivo e idade da mãe.

Conclusões:

Quanto mais precoce a introdução de leite não materno, maior a correlação com excesso de peso na idade pré-escolar.

PALAVRAS-CHAVE
Aleitamento materno; Alimentação complementar; Sobrepeso; Pré-escolar; Obesidade

Abstract

Objective:

Investigate associations between excess weight in preschool children, breastfeeding duration and age of non-breast milk introduction.

Methods:

Cross-sectional study of a representative sample of 817 preschool children, aged 2-4 years, attending municipal day care centers in the city of Taubaté. The weight and height of children were measured in the day care centers in 2009, 2010 and 2011. The body mass index z-score (BMIz) was calculated and children were classified as risk of overweight (BMIz≥1 to<2) or excess weight (BMIz≥2). Data analysis was carried out by comparison of proportions, coefficient of correlation and multivariate linear regression.

Results:

The prevalence of risk of overweight was 18.9% and of excess weight (overweight or obesity) was 9.3%. The median duration of breastfeeding and age of introduction of non-breast milk was 6 months. The child's BMIz showed direct correlation with birth weight (r=0.154; p<0.001) and maternal body mass index (BMI) (r=0.113; p=0.002). The correlation was inverse with the total duration of breastfeeding (r=−0.099; p=0.006) and age at non-breast milk introduction (r=−0.112; p=0.002). There was no correlation between the child's BMIz with birth length, duration of exclusive breastfeeding and mother's age.

Conclusions:

The earlier the introduction of non-breast milk, the higher the correlation with excess weight at preschool age.

KEYWORDS
Breastfeeding; Complementary feeding; Excess weight; Preschooler; Obesity

Introdução

O aleitamento materno representa forma natural e adequada de alimentar uma criança nos primeiros meses de vida, propicia crescimento e desenvolvimento adequados.11 Kramer MS, Chalmers B, Hodnett ED, Sevkovskaya Z, Dzikovich I, Shapiro S, et al. Promotion of Breastfeeding Intervention Trial (PROBIT): a randomized trial in the Republic of Belarus. JAMA. 2001;285:413-20. Nesse sentido, a Organização Mundial de Saúde preconiza que o aleitamento materno exclusivo seja mantido até os seis meses e que a sua complementação com outros alimentos é necessária somente a partir dessa idade.22 World Health Organization. Evidence for the ten steps to successful breastfeeding. Geneva: WHO; 2004.

Diversos estudos têm mostrado que o aleitamento materno é um fator de proteção tanto para a desnutrição quanto para a obesidade.33 Schack-Nielsen L, Sørensen TI, Mortensen EL, Michaelsen KF. Late introduction of complementary feeding, rather than duration of breastfeeding, may protect against adult overweight. Am J Clin Nutr. 2010;91:619-27.

4 Kramer MS. Breastfeeding complementary (solid) foods and long-term risk of obesity. Am J Clin Nutr. 2010;91:500-1.
-55 Simon VG, Souza JM, Souza SB. Aleitamento materno, alimentação complementar, sobrepeso e obesidade em pré-escolares. Rev Saúde Pública. 2009;43:60-9. O momento de introdução de outros alimentos, inclusive sólidos, durante a infância também tem sido considerado um aspecto importante na atenção à criança, até por suas possíveis consequências sobre a saúde ao longo de toda a vida.66 World Health Organization. Global strategy for infant and young child feeding. Geneva: WHO; 2002. O momento de introdução e a quantidade de alimentos sólidos77 Gluckman PD, Hanson MA, Bateson P, Beedle AS, Law CM, Bhutta ZA, et al. Towards a new developmental synthesis: adaptive developmental plasticity and human disease. Lancet. 2009;373:1654-7.,88 Cottrell EC, Ozanne SE. Early life programming of obesity and metabolic disease. Physiol Behav. 2008;94:17-28. introduzidos na dieta das crianças, no início da vida, podem levar a um aumento do risco de desenvolver obesidade precocemente e as comorbidades a ela associadas.99 Arenz S, von Kries R. Protective effect of breast-feeding against obesity in childhood: can a meta-analysis of observational studies help to validate the hypothesis? Adv Exp Med Biol. 2005;569:40-8.,1010 Tarini B, Carroll A, Sox C, Christakis D. Systematic review of the relationship between early introduction of solid foods to infants and the development of allergic disease. Arch Pediatr Adolesc Med. 2006;160:502-7.

A obesidade, atualmente, é um dos grandes desafios da saúde pública, inclusive na pediatria, desde os lactentes até a adolescência. Nesse contexto, sabe-se que os primeiros meses de vida são apontados como cruciais para o desenvolvimento da obesidade.1111 Ebbeling CB, Pawlak DB, Ludwig DS. Chidhood obesity: public-health crisis, common sense cure. Lancet. 2002;360:473-82.,1212 Wang Y, Monteiro C, Popkin BM. Trends o obesity and underweight in older children and adolescents in the United States, Brazil, China, and Russia. Am J Clin Nutr. 2002;75:971-7. A introdução precoce de alimentos sólidos, particularmente antes dos 4 meses de vida, se associa a um aumento do ganho de peso e até de gordura corpórea durante a infância,1313 Baker JL, Michaelsen KF, Rasmussen KM, Sørensen TI. Maternal prepregnant body mass index, duration of breastfeeding, and timing of complementary food introduction are associated with infant weight gain. Am J Clin Nutr. 2004;80:1579-88.,1414 Kim J, Peterson KE. Association of infant child care with infant feeding practices and weight gain among US infants. Arch Pediatr Adolesc Med. 2008;162:627-33. fatores esses considerados predisponentes à obesidade futura.1515 Taveras EM, Rifas-Shimam SL, Belfort MB, Kleinman KP, Oken E, Gilman MW. Weight status in the first 6 months of life and obesity at 3 years of age. Pediatrics. 2009;123:1177-83.

Existe ainda controvérsia em relação à proteção do leite materno no desenvolvimento da obesidade. Enquanto alguns estudos sugerem que o aleitamento materno pode proteger as crianças quanto ao desenvolvimento de sobrepeso ou obesidade, outros sugerem que o fato de iniciar a introdução de alimentos complementares o mais próximo do recomendado seja o fator de proteção contra o excesso de peso.33 Schack-Nielsen L, Sørensen TI, Mortensen EL, Michaelsen KF. Late introduction of complementary feeding, rather than duration of breastfeeding, may protect against adult overweight. Am J Clin Nutr. 2010;91:619-27.,55 Simon VG, Souza JM, Souza SB. Aleitamento materno, alimentação complementar, sobrepeso e obesidade em pré-escolares. Rev Saúde Pública. 2009;43:60-9.

Nesse contexto, o objetivo deste estudo é investigar as possíveis relações existentes entre excesso de peso na idade pré-escolar e duração do aleitamento materno e idade de introdução de leite não materno, com controle de peso e comprimento ao nascer, além de algumas características maternas de risco para o desenvolvimento precoce de excesso de peso.

Método

Estudo transversal feito em creches municipais de Taubaté, Estado de São Paulo, Brasil, com crianças em idade pré-escolar, originalmente previsto para avaliar o crescimento e o estado nutricional dos ingressantes durante os anos letivos de 2009, 2010 e 2011.

Para o cálculo da amostra, foi considerada uma diferença de 1/3 de desvio padrão no escore z de Índice de Massa Corpórea (zIMC), com suposição de desvio padrão de 1,2 de zIMC, para um poder de teste de 90% e um alfa de 5%. O total mínimo estimado como necessário foi de 248 crianças que, acrescido de 10% para repor possíveis perdas ou recusas, resultou em amostra inicial de 273 pré-escolares necessária para cada ano letivo de avaliação.

A amostragem foi probabilística e aleatória por conglomerados, teve como unidade amostral as próprias creches, baseada na listagem da Secretaria de Educação da cidade. Das 59 creches existentes nessa listagem, foram sorteadas nove creches municipais e chegou-se a 288, 246 e 283 pré-escolares entre 2 a 4 anos incompletos, avaliados em 2009, 2010 e 2011, respectivamente.

Após a coleta dos dados do último ano letivo, procedeu-se à comparação dos três anos, com o intuito de verificar possível semelhança da amostra. Como os três anos letivos amostrados não revelaram diferenças nas características antropométricas dos pré-escolares (tabela 1), optou-se por continuar a análise do grupo como um todo, independentemente do ano de avaliação das crianças.

Tabela 1
Características dos pré-escolares por ano de ingresso nas creches, 2009, 2010 e 2011

Desse modo, no presente estudo foram incluídos todos os pré-escolares que estavam matriculados e frequentavam as classes de maternal I no primeiro semestre desses 3 anos letivos, o que resultou em amostra final de 817 crianças.

Dessa amostra foram analisadas as informações de peso e comprimento de nascimento, duração do aleitamento materno exclusivo, duração total do aleitamento materno e a idade de introdução de leite não materno, além de idade, peso e altura das mães. Esses dados foram referidos e anotados pelas mães e/ou responsáveis dos pré-escolares em formulário padronizado que foi enviado por intermédio das creches.

Os dados antropométricos de peso e altura das crianças foram tomados nas próprias creches, em dias devidamente programados, em abril de 2009, 2010 e 2011. As crianças foram pesadas sem sapatos e com o mínimo de roupa possível, em balança eletrônica portátil (803, Seca®, Portugal), com capacidade para até 150 kg e subdivisões de 100g.

Para a medida de estatura foi usado um estadiômetro portátil (E210, WISO®, São Paulo, Brasil) fixado à parede, com subdivisões em centímetros e milímetros. As crianças encostaram à parede calcanhares, panturrilhas, glúteos e ombros e posicionaram a cabeça com o plano de Frankfurt horizontalizado. Todas as medidas antropométricas foram obtidas com as técnicas descritas por Lohman et al.1616 Lohman TG, Roche AF, Martorell R. Anthropometric standardization reference manual. Illinois: Human Kinetics Publishers; 1998. em duplicata, anotadas imediatamente após sua tomada, com a média como valor final para as análises.

Os valores de escore z de Peso (zP), de Estatura (zE) e de Índice de Massa Corporal (zIMC) de cada criança foram calculados a partir do referencial da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2006.1717 WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO child growth standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr Suppl. 2006;450:76-85. Para classificar o estado nutricional das crianças foram usados os critérios propostos pelo Ministério da Saúde em 2009.1818 Brazil - Ministério da Saúde - SISVAN [página na Internet]. Sistema de vigilância alimentar nutricional [cited 05.01.16]. Available from: http://nutricao.saude.gov.br\\sisvan.php?conteudo=curvas_cresc_om
http://nutricao.saude.gov.br\\sisvan.php...
Consideraram-se com risco de sobrepeso os pré-escolares com zIMC≥1 a<2 e com excesso de peso, isto é, sobrepeso ou obesidade, aquelas com z IMC≥2.

A análise dos dados do grupo das três amostras como um todo foi feita por meio de cálculos de frequências, comparações de proporções e cálculo dos coeficientes de correlação de Pearson. Além disso, no fim, foi também feita uma análise de regressão linear múltipla, que teve como variável dependente o zIMC dos pré-escolares. Para essas análises, as informações de duração do aleitamento materno exclusivo e do aleitamento materno total, bem como a idade de introdução do leite não materno, foram operacionalizados em meses completos. No modelo de análise de regressão linear de múltiplas variáveis foram incluídas nove variáveis independentes, a saber, idade e sexo da criança, duração do aleitamento materno exclusivo, duração total do aleitamento materno, idade de introdução de leite não materno, peso ao nascer, comprimento ao nascer, além da idade e do IMC das mães.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (Protocolo 1.877, de abril de 2009). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi enviado às mães ou responsáveis, pela própria creche, foram devolvidos devidamente preenchidos e assinados antes do início de coleta, conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 196/1996, vigente na época da pesquisa.

Resultados

A tabela 1 mostra a média de idade das crianças avaliadas em 2009, 2010 e 2011, de 38,8, 38,9 e 38,8 meses, respectivamente, com desvio padrão (DP) de 3,7 meses, nos três momentos (p=0,465). Em relação ao Índice de Massa Corporal e ao seu escore z, verificou-se não existir diferença estatística (p=0,689 e p=0,515; respectivamente). Em relação aos demais parâmetros antropométricos apresentados, também não foi observada diferença estatística.

Na amostra total, 51,3% das crianças eram do sexo masculino, não há diferença nessa proporção entre 2009, 2010 e 2011, cujos valores foram 51,7%, 50,4% e 52,3%, respectivamente (qui-quadrado; p=0,907).

No que se refere ao risco de sobrepeso (zIMC≥1 a<2), a amostra total evidenciou uma prevalência de 18,9% e quanto à do excesso de peso (zIMC≥2), de 9,3%. A comparação das prevalências do excesso de peso para 2009, 2010 e 2011 não mostrou diferenças, de 9,4%, 8,5% e 9,9%, respectivamente (qui-quadrado; p=0,864).

Com relação à duração do aleitamento materno, 25% das crianças receberam aleitamento materno de forma exclusiva até os 6 meses e a mediana de duração do aleitamento materno exclusivo foi de 3 meses. A mediana de duração total do aleitamento materno e de introdução do leite não materno foi a mesma, 6 meses, e apresentou a mesma amplitude de variação, 0 a 23 meses de idade. Do total da amostra, 10% das crianças receberam leite materno por 24 meses.

Quanto às características maternas verificou-se que 43,7% das mães apresentavam sobrepeso (IMC≥25) e que 11,7% eram obesas (IMC≥30).

Na análise bivariada, houve correlação entre zIMC da criança com o peso ao nascer (r=0,154; p<0,001), o IMC materno (r=0,113; p=0,002), a duração do aleitamento materno total (r=-0,099; p=0,006) e a idade de introdução do leite não materno (r=-0,112; p=0,002). Essas duas últimas apresentaram correlação inversa (fig. 1).

Figura 1
Tendências de correlação/regressão entre o escore z de Índice de Massa Corporal dos pré-escolares e peso de nascimento, duração total do aleitamento materno, idade de introdução de leite não materno e Índice de Massa Corporal da mãe. Taubaté, São Paulo, 2009-2011.

A análise de regressão linear de múltiplas variáveis (tabela 2) mostrou que apenas quatro das nove variáveis do modelo inicial permaneceram associadas de modo significante ao zIMC dos pré-escolares, a saber, por ordem crescente de significância estatística: sexo masculino, IMC materno, idade de introdução de leite não materno e peso ao nascer. Dessas, apenas os coeficientes do peso ao nascer e do Índice de Massa Corporal materno foram positivos, enquanto para as outras duas variáveis foram negativos, indicaram uma correlação inversa. Não apresentaram significância no modelo a idade da criança, seu comprimento ao nascer, a duração do aleitamento materno exclusivo, a duração total do aleitamento materno e a idade da mãe.

Tabela 2
Regressão linear de múltiplas variáveis associadas ao escore z de Índice de Massa Corporal (IMC) dos pré-escolares

Discussão

No presente estudo, a prevalência de excesso de peso entre os pré-escolares foi de 9,3%, valor que pode ser considerado elevado em nosso meio.55 Simon VG, Souza JM, Souza SB. Aleitamento materno, alimentação complementar, sobrepeso e obesidade em pré-escolares. Rev Saúde Pública. 2009;43:60-9.,1919 Nascimento VG, Silva JP, Bertoli CJ, Abreu LC, Valenti VE, Leone C. Prevalência de sobrepeso em crianças pré-escolares em creches públicas: um estudo transversal. Sao Paulo Med J. 2012;130:225-9. O maior índice de massa corporal materno, a introdução precoce de leite não materno e o maior peso ao nascer dos pré-escolares se mostraram fatores de risco para o desenvolvimento de excesso de peso (risco de sobrepeso, sobrepeso ou obesidade) nessa faixa etária.

Quanto ao sexo, apesar de o masculino ter se mostrado como fator de proteção frente ao excesso de peso, seu impacto foi muito pequeno (coeficiente padronizado=-0,082), o que explica o fato de não se ter encontrado diferença significante na prevalência em relação ao sexo (p=0,907) na amostra analisada, o que, aliás, está de acordo com outras pesquisas que também não encontraram diferenças na prevalência do excesso de peso em função do sexo da criança.2020 Dias LC, Navarro AM, Cintra RM, Silveira LV. Sobrepeso e obesidade em crianças pré-escolares matriculadas em cinco centros de educação infantil de Botucatu, SP. Rev Cienc Ext. 2008;4:105-12.,2121 Menezes RC, Lira PI, Oliveira JS, Leal VS, Santana SC, Andrade SL, et al. Prevalência e determinantes do excesso de peso em pré-escolares. J Pediatr (Rio J). 2011;87:231-7.

Quanto ao Índice de Massa Corporal materno, verificou-se que 43,7% das mães estavam com excesso de peso (sobrepeso ou obesidade) e que havia correlação direta entre o Índice de Massa Corporal materno e o da criança, fato que tem sido documentado na literatura já há algum tempo, até no Brasil.2222 Hediger ML, Overpeck MD, Kuczmarski RJ, Ruan J. Association between infant breastfeeding and overweight in young children. JAMA. 2001;285:2453-60.,2323 Mondini L, Levy RB, Saldiva SR, Venâncio SI, Aguiar JA, Stefanini ML. Prevalência de sobrepeso e fatores associados em crianças ingressantes no ensino fundamental em um município da região metropolitana de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2007;23:1825-34. Essas evidências da relação direta entre o estado nutricional de mães e filhos no Brasil quanto ao sobrepeso estão sendo divulgadas desde os anos 1980, quando a Pesquisa Nacional sobre Nutrição e Saúde (PNSN), ao estudar crianças menores de 10 anos, concluiu que o risco de uma criança ter sobrepeso era 3,2 vezes maior quando a mãe também tinha sobrepeso.2424 Silveira JA, Colugnati FA, Cocetti M, Taddei JA. Tendência secular e fatores associados ao execesso de peso entre pré-escolares brasileiros: PSDS-1996 e 2006/07. J Pediatr (Rio J). 2014;90:258-66. Moreira et al.2525 Moreira MA, Cabral PC, Ferreira HS, de Lira PI. Excesso de peso e fatores associados em crianças da Região Nordeste do Brasil. J Pediatr (Rio J). 2012;88:347-52. mostraram também uma elevada prevalência de excesso de peso nas crianças associada à obesidade central da mãe e ao aleitamento materno não exclusivo por um período inferior a 6 meses.

Embora alguns pesquisadores considerem inconclusivas as evidências de que a amamentação é um fator de proteção contra a obesidade infantil,2626 Balaban G, Silva GA, Dias ML, Dias MC, Fortaleza GT, Morotó FM, et al. O aleitamento materno previne o sobrepeso na infância? Rev Bras Saúde Mater Infant. 2004;4:263-8. na última década outros têm concluído que o aleitamento materno exclusivo protege contra o sobrepeso nas crianças de idade pré-escolar e escolar.55 Simon VG, Souza JM, Souza SB. Aleitamento materno, alimentação complementar, sobrepeso e obesidade em pré-escolares. Rev Saúde Pública. 2009;43:60-9.,2121 Menezes RC, Lira PI, Oliveira JS, Leal VS, Santana SC, Andrade SL, et al. Prevalência e determinantes do excesso de peso em pré-escolares. J Pediatr (Rio J). 2011;87:231-7. Hediger et al.,2727 Siqueira RS, Monteiro CA. Amamentação na infância e obesidade na idade escolar em famílias de alto nível socioeconômico. Rev Saúde Pública. 2007;41:5-12. nos Estados Unidos, concluíram que o pré-escolar que havia sido amamentado apresentava um risco reduzido de ser obeso, porém não de apresentar sobrepeso. Já estudo longitudinal em crianças alemãs evidenciou o papel protetor do aleitamento materno prolongado também para o sobrepeso.2222 Hediger ML, Overpeck MD, Kuczmarski RJ, Ruan J. Association between infant breastfeeding and overweight in young children. JAMA. 2001;285:2453-60. No Brasil, em Pelotas, estudo com menores de 4 anos mostrou que a prevalência de sobrepeso em crianças amamentadas por mais de 11 meses foi menor do que a observada entre aquelas amamentadas por menos de 3 meses.2828 Araújo CL, Victora CG, Hallal PC, Gigante DP. Breastfeeding and overweight in childhood: evidence from the Pelotas 1993 birth cohort study. Int J Obes (Lond). 2006;30:500-6.

Apesar do efeito protetor do aleitamento materno descrito por diversos autores, a idade de introdução de leite não materno parece ser um fator de risco mais importante para o desenvolvimento do excesso de peso em crianças na fase de pré-escolar. No nosso estudo, o tempo total de aleitamento materno, na análise bivariada, mostrou correlação com o zIMC dos pré-escolares, porém essa significância não se manteve na análise de regressão de múltiplas variáveis, indicou possivelmente que a introdução precoce de leite não materno, mesmo quando em aleitamento misto, com a manutenção prolongada do aleitamento materno, pode resultar na atenuação do efeito protetor do leite materno. A introdução precoce do leite não materno, pelo excesso de oferta de proteínas que acarreta, pode estar induzindo o desenvolvimento do excesso de peso em crianças já na idade pré-escolar,2929 Koletzo B, Broekaert I, Demmelmair H, Franke J, Hannibal I, Oberle D, et al. Protein intake in the first year of life: a risk factor for later obesity? The EU Childhood Obesity project. In: Koletzo K, Dodds PF, Akerblom H, Ashwell M, editors. Early nutrition and its later consequence new opportunites. Dordecht: Kluwer Academic; 2005. p. 69-79. mesmo quando associado ao leite materno, e reduzindo, assim, o papel protetor desse frente ao risco de desenvolvimento de sobrepeso e obesidade.

A promoção do aleitamento materno como possível estratégia para a prevenção da obesidade infantil faz do incentivo ao aleitamento materno uma ferramenta indispensável no combate a alterações nutricionais. Por outro lado, o leite não materno deveria ser incluído a partir do sexto mês de vida, pois o leite materno como único e exclusivo alimento não mais atende a todas as necessidades da criança. A prática correta da alimentação complementar é considerada fundamental no combate a desvios do estado nutricional, já que se processa entre os 6 e 24 meses, um período particularmente crítico para o crescimento, pode interferir na velocidade de crescimento, o que, em médio e longo prazo, pode vir a ter consequências para o desenvolvimento e a saúde da criança. Nesse contexto, uma limitação do estudo foi a não verificação da introdução de outros alimentos na dieta da criança.

Conclui-se, portanto, que em crianças que apresentam condições de manter o aleitamento materno por um período prolongado de tempo, mesmo que de maneira não exclusiva, postergar a introdução de leite não materno até por volta dos 6 meses pode contribuir para que se mantenha o efeito protetor do leite materno face ao risco de desenvolvimento precoce de excesso de peso, que já pode se manifestar na idade pré-escolar.

  • Financiamento
    O estudo não recebeu financiamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    7 Dez 2015
  • Aceito
    29 Maio 2016
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