EDITORIAL
Automedicação em crianças: um problema de saúde pública
Children's self-medication: a public health concern
Grace Pfaffenbach
Doutora; Membro do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde e da Comissão de Farmácia e Terapêutica do Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Campinas, SP, Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Grace Pfaffenbach Rua Vital Brasil, 251 - Cidade Universitária Zeferino Vaz CEP: 13083-888 - Campinas, SP E-mail: grace@hc.unicamp.br
A utilização de medicamentos tem sido descrita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como comercialização, distribuição, prescrição e uso de medicamentos em uma sociedade, com ênfase especial nas consequências médicas, sociais e econômicas(1). Estudos a respeito do uso de medicamentos são relevantes em saúde pública, pois, desde o século 20, quando os primeiros medicamentos começaram a ser produzidos, até os dias de hoje, seu processo se modificou e essas mudanças foram incorporadas nas legislações para registro e comercialização. O medicamento deixou de ser um produto de origem natural e artesanal para ser industrializado, passando a ser encarado com um bem de consumo(2,3). No entanto, o acesso universal aos serviços de saúde e aos medicamentos não vem acompanhando as necessidades em saúde de vários países. Paralelamente, as estruturas reguladoras de mercado em diversos países apresentam fragilidades e suas políticas de medicamentos mostram dificuldades de implementação(4).
O medicamento traz intrinsecamente um valor simbólico, que expressa o desejo de modificar o curso natural da doença. Dentro desse cenário, a automedicação se estabelece na tentativa de mitigar agravos em saúde, gerando irracionalidades no consumo, levando a consequências com impacto sanitário importantes para qualquer sistema de saúde. Atualmente, estima-se que cerca de 50% dos medicamentos vendidos, prescritos ou dispensados são inadequadamente consumidos(4,5).
A automedicação pode, então, ser compreendida como o uso de medicamentos não-prescritos, muitas vezes de venda livre, com objetivo de "tratar" sintomas leves, sem consultar um médico(6), consistindo em um processo que ocorre por iniciativa do usuário ou de seu responsável para utilizar um produto com a crença de que este lhe trará benefícios no tratamento de doenças ou alívio de seus sintomas(7-10). Tal fenômeno tem implicação importante para crianças, nas quais o cuidado é exercido por seus responsáveis(11-14).
Atualmente, o tema da automedicação em crianças tem sido abordado na literatura, mas carecem estudos que ampliem sua análise e permitam demonstrar intervenções efetivas. As motivações para a automedicação em crianças estão muitas vezes relacionadas à busca de alívio de sintomas como resfriado, febre e dor(14,15). Estudos têm apontado que as principais classes terapêuticas utilizadas em crianças são anti-inflamatórios não-esteroidais, analgésicos e antibióticos(13,14,16-18). A frequência da automedicação em crianças tem se mostrado elevada em vários estudos(6,11-18) e é fator preocupante quando parcela importante dessa população não recebe atenção adequada por parte dos serviços de saúde, ficando o cuidado restrito às decisões do cuidador.
O estudo publicado neste fascículo da Revista Paulista de Pediatria por Beckhauser et al(19) aborda a questão da automedicação em crianças de famílias cobertas pela Estratégia Saúde da Família e traz rico material para reflexão sobre as práticas em saúde, bem como para o trabalho de educação com a comunidade.
Recebido em: 8/6/2010
Conflito de interesse: nada a declarar
Instituição: Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Nov 2010 -
Data do Fascículo
Set 2010