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PROGRAMA EDUCATIVO PARA PROMOÇÃO DE CONHECIMENTOS, ATITUDES E PRÁTICAS PREVENTIVAS DE CRIANÇAS EM RELAÇÃO AOS ACIDENTES DE TRÂNSITO: ESTUDO EXPERIMENTAL

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o conhecimento, as atitudes e as práticas preventivas de acidentes de trânsito entre crianças escolares antes e depois da aplicação de um programa educativo.

Métodos:

Estudo experimental, com abordagens descritiva e analítica, realizado em duas escolas públicas do nordeste brasileiro. A amostra foi composta de 173 crianças do 3º ao 5º ano do ensino fundamental e aleatorizada em Grupo Experimental (GE), com 90 participantes, e Grupo Controle (GC), com 83 participantes. O programa educativo foi realizado no GE com a utilização do método eduterapêutico (Health Magic Box). Os dados foram obtidos por meio do questionário Conhecimento, Atitudes e Práticas (CAP), aplicado no início da pesquisa, antes de qualquer ação educativa, e após um mês da realização do tratamento experimental. Na análise estatística foi utilizado o teste t de Student pareado para comparação entre os momentos anteriores e posteriores à intervenção no GE e avaliação inicial e final no GC.

Resultados:

As crianças do GE e GC mostraram-se semelhantes quanto às variáveis sociodemográficas, e não foi observada diferença significativa no nível de conhecimento, atitudes e práticas preventivas de acidentes de trânsito entre os grupos na avaliação inicial. Entretanto, ainda após um mês da realização do experimento, foi evidenciada melhora significativa no conhecimento do GE (p=0,027). As atitudes e práticas preventivas também foram superiores nas crianças do GE, porém sem diferença significativa em relação ao GC (p=0,060 e p=0,282, respectivamente).

Conclusões:

A intervenção educativa aumentou o nível de conhecimento e manteve as atitudes e práticas preventivas de acidentes de trânsito estabilizadas em estudantes de 3º a 5º ano.

Palavras-chave:
Criança; Acidentes de trânsito; Educação em saúde; Prevenção de acidentes

ABSTRACT

Objective:

To evaluate knowledge, attitudes and preventive practices on traffic accidents in schoolchildren, before and after the implementation of a health education program.

Methods:

Experimental study carried out in two public schools in Northeastern Brazil. The sample was composed of 173 children from 3rd to 5th grade and was randomized into Experimental Group (EG; n=0) and Control Group (CG; n=8). The educational program was carried out at EG with the use of the educational therapeutic method (Health Magic Box). The data were obtained through the questionnaire Knowledge, Attitudes and Practices (KAP), applied at the beginning of the study, before any educational actions, and one month after the experimental treatment. Paired Student’s t-test was used to compare the moments before and after the intervention in the EG and initial and final evaluation in the CG.

Results:

The children in the EG and CG were similar in relation to sociodemographic variables, and no significant difference was observed in the level of knowledge, attitudes and preventive practices on traffic accidents between the groups in the initial evaluation. One month after the experimental treatment, a significant improvement in knowledge was observed in EG (p=0.027). Preventive attitudes and practices were also higher in children in the EG, but without significant differences in relation to CG (p=0.060 and p=0.282, respectively).

Conclusions:

The educational intervention increased the level of knowledge and maintained the preventive attitudes and practices on traffic accidents at the same level in 3rd-5th grade students.

Keywords:
Child; Accidents, traffic; Health education; Accident prevention

INTRODUÇÃO

Os acidentes de trânsito são responsáveis por um número elevado de vítimas fatais e feridas em diversos países.11. Sivak M, Schoettle B. Mortality from road crashes in 193 countries: a comparison with other leading causes of death. Michigan: Umtri; 2014. De acordo com o Relatório Global de Segurança Viária, esses acidentes causam mais de 1,3 milhão de mortes por ano e cerca de 20 a 50 milhões de pessoas ficam feridas, o que gera enorme impacto na saúde pública e no desenvolvimento da população.22. World Health Organization. Global status report on road safety 2015. Geneva: WHO; 2015.

A Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou o período de 2011 a 2020 como a Década de Ações para a Segurança no Trânsito e, juntamente com a Organização Mundial da Saúde (OMS), convocou 178 países para participar de um esforço conjunto para a diminuição dos índices de violência no trânsito. A meta é reduzir mundialmente em até 50% os acidentes de trânsito.33. World Health Organization. Decade of action for road safety 2011-2020: saving millions of lives. Geneva: WHO; 2010.

Sabe-se que a Europa é a região do mundo onde o trânsito é mais seguro. Em países que possuem regras mais rígidas, como Reino Unido, Suécia, Holanda, Noruega e Espanha, as mortes anuais por acidentes de trânsito são menores que 4 por 100 mil habitantes.22. World Health Organization. Global status report on road safety 2015. Geneva: WHO; 2015. A redução de mortes na União Europeia pode ser justificada pelos programas de educação e sensibilização no trânsito, em funcionamento desde 1990.44. Consultor Jurídico [homepage on the Internet]. Gomes LF. Europa tem mais carros e mata menos no trânsito [cited 2018 Apr 03]. Available from: http://www.conjur.com.br/2011-set-01/coluna-lfg-europa-vezes-carros-mata-transito.
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Nesse sentido, acredita-se que a educação para o trânsito deve ser inserida em todas as séries escolares, pois o comportamento das crianças e adolescentes de hoje pode melhorar as estatísticas dos acidentes de trânsito a longo prazo.

As crianças com idades entre 5 e 10 anos estão no início da vida escolar e fazem parte do grupo de vulnerabilidade para atropelamentos, uma vez que, para a condição de pedestre, se esperam maturidade, cautela e autodefesa suficientes na realização de travessias.55. Figueiredo SM. Entendendo a criança como pedestre. In: Figueiredo SM. Guia do programa criança segura, pedestre: como trabalhar o trânsito em sua comunidade. Curitiba: Criança Segura Brasil; 2006. p.13-25. Em função disso, o estímulo ao desenvolvimento de estratégias para prevenção de acidentes no trânsito no campo da educação em saúde, a fim de orientar as crianças acerca da importância de um comportamento adequado tanto de pedestres quanto de motoristas, deve ser priorizado.66. Faria EO. Bases para um programa de educação para o trânsito a partir do estudo de percepção de crianças e adolescentes [PhD thesis]. Rio de Janeiro (RJ): UFRJ; 2002.

Desse modo, ante as considerações apresentadas, foi desenvolvido um programa educativo de prevenção de acidentes de trânsito com o uso do método eduterapêutico na Universidade Federal de Sergipe (Brasil) em parceria com a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (Portugal). A inovação do trabalho está relacionada à realização de uma estratégia educativa para crianças visando ao aumento do conhecimento, de atitudes e de práticas preventivas de acidentes de trânsito.

O objetivo do presente estudo foi avaliar o conhecimento, as atitudes e as práticas preventivas de acidentes de trânsito entre crianças escolares antes e depois do tratamento experimental (programa educativo).

MÉTODO

Trata-se de um estudo experimental, com abordagens descritiva e analítica, realizado no segundo semestre de 2014 em duas escolas públicas do nordeste brasileiro. O estudo envolveu a observação de variáveis dependentes (conhecimento, atitudes e práticas sobre prevenção de acidentes de trânsito) antes e depois da realização de um tratamento experimental (programa educativo com uso do método eduterapêutico).

A população elegível ao estudo era composta de 305 crianças, com base em dados disponibilizados pela direção das duas escolas. Com isso, foi feito o cálculo amostral utilizando a fórmula de Barbetta,77. Barbetta PA. Estatística aplicada às ciências sociais. 7a ed. Santa Catarina: UFSC; 2011. considerando o nível de confiança de 95% e erro amostral de 5%, o que resultou em 173 crianças avaliadas. Esse número amostral (n=173) foi distribuído, aleatoriamente, entre Grupo Experimental (GE; n=90) e Grupo Controle (GC; n=83).

A aleatorização da amostra foi estratificada segundo a escola e o ano de estudo das crianças. As escolas e turmas foram aleatorizadas e classificadas em GE, elegível ao programa educativo, e GC, não elegível à intervenção. A cada escola foi atribuída, para efeito de randomização, uma sequência de números entre um e oito. Por meio do random.org e com base na técnica de amostragem aleatória simples, foram sorteados dois números para definição das escolas participantes do estudo.

Cada escola possuía uma turma do 3º, do 4º e do 5º ano. Para que houvesse a possibilidade de o GC e o GE serem equivalentes em relação à idade dos participantes e ao ano em que estes pertenciam, foi dado um número para cada turma de acordo com a escola que frequentavam:

  • 3º ano: escola 1 e escola 2.

  • 4º ano: escola 1 e escola 2.

  • 5º ano: escola 1 e escola 2.

Dessa forma, foi designado que a instituição com o número 1 faria parte do GE e o número 2 do GC, resultando assim em três turmas no GE e três turmas no GC.

O instrumento de coleta de dados foi o Conhecimento, Atitudes e Práticas (CAP), um questionário padronizado para obtenção de diagnósticos que antecedem uma intervenção educativa, visando orientar essa ação de forma direcionada, sistematizada e plausível, uma vez que desvenda o conhecimento (o que sabem), as atitudes (o que pensam) e as práticas (o que fazem) dos participantes sobre determinado assunto.88. El-Nmer F, Salama AA, Elhawary D. Nutritional knowledge, attitude, and practice of parents and its impact on growth of their children. Menoufia Med J. 2014;27:612-6. É composto de quatro partes. A primeira contém os dados sociodemográficos, e as três demais são referentes ao conhecimento (14 questões), atitudes (12 questões) e práticas (seis questões). A avaliação foi realizada pela proporção de acertos. Para cada resposta correta, era atribuído o valor 1, e, assim, obteve-se o somatório de cada parte do questionário.

Todas as questões do CAP foram adaptadas para abordagem da temática prevenção de acidentes de trânsito, tendo como base a literatura mais recente sobre o assunto, a validação do instrumento por três peritos na área, além de um teste piloto realizado com 15 crianças que não participaram desta pesquisa. O instrumento contempla itens do programa educativo e aborda também os fatores de riscos e de proteção à necessidade de comportamentos preventivos, de solidariedade e empatia pela criança e sua justificativa.

A coleta dos dados ocorreu em três etapas. Na primeira foi realizado o pré-teste, com aplicação do questionário CAP nos GE e GC. No dia seguinte, na segunda fase, fez-se a intervenção educativa com todos os alunos do GE. A terceira etapa ocorreu somente após um mês da prática da atividade educativa e consistiu em uma nova aplicação do questionário CAP a todos os participantes da pesquisa, além de ser entregue a cada aluno um fôlder com o resumo das informações oferecidas, a fim de reforçar o conhecimento abordado no trabalho.

Os dados foram tabulados no Microsoft Office Excel (2010) e em seguida importados para o software Statistical Package for the Social Sciences 20.0 for Mac (SPSS Inc., Chicago, Illinois, Estados Unidos), para efetivação das análises estatísticas descritiva e analítica. As variáveis numéricas foram expressas em média e desvio padrão, e as variáveis categóricas, descritas por meio de frequências absolutas e relativas. Foi utilizado o teste exato de Fisher para investigar as associações entre as variáveis categóricas com células de baixa frequência. Na comparação das variáveis quantitativas entre os GE e GC, empregou-se o teste t de Student para variáveis independentes. O teste t de Student pareado foi usado para comparação entre os momentos antes e depois da intervenção no GE e avaliação inicial e final no GC. Em todos os casos, adotou-se nível de significância <0,05.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe com o seguinte Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 16003813.9.0000.5546 (parecer nº 298.534). A identidade e os direitos dos participantes desta pesquisa foram preservados, atendendo à Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, em Brasília, DF, Brasil.99. Brasil. Presidência da República [homepage on the Internet]. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Ministério da Saúde. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Diário Oficial da União; 2012 [cited on Apr. 1, 2018]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html.
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Os responsáveis pelas crianças assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido com garantia de recusa a qualquer momento, sem o sofrimento de danos por parte das instituições.

A intervenção educativa foi realizada no GE por intermédio do método eduterapêutico, e o seu planejamento e organização foram feitos em Portugal, com a participação do criador do método.1010. Rodríguez MA. Programa de liberación creativa com imagen para alumnos com dificultades de aprendizaje. Siglo Cero. 2000;31:18-22. Este dispõe de várias técnicas e já foi estudado e implementado em diversas ações com crianças em contexto escolar e se mostrou eficaz. Para esta investigação, o método foi adaptado para prevenção de acidentes de trânsito e utilizou-se a técnica Health Magic Box (HMB), desenvolvida por Rodrigues.1010. Rodríguez MA. Programa de liberación creativa com imagen para alumnos com dificultades de aprendizaje. Siglo Cero. 2000;31:18-22.

A eduterapia busca estimular a vontade da criança de apontar dúvidas ou comentar ideias acerca de questões específicas relacionadas com a sua própria percepção do trânsito (questionamento) a partir da janela multissugestiva da imagem.1010. Rodríguez MA. Programa de liberación creativa com imagen para alumnos com dificultades de aprendizaje. Siglo Cero. 2000;31:18-22.,1111. Malkiewicz J, Stemper ML. Children's drawings: a different window. In: Chinn PL, Watson J. Art & esthetics in nursing. New York: National League for Nursing Press; 1994. p.263-89. Os desenhos das crianças são facilitadores da interação entre educadores, profissionais de saúde e crianças, além de serem ferramentas técnico-educativas eficazes no planejamento e na ação.1212. Rodríguez MA, Cruz MD. Children's health perception through creative drawing language. Invest Educ Enferm. 2012;30:353-61.

A HMB é uma analogia ao cérebro humano, extraordinária biblioteca de maravilhosas imagens organizadas em padrões disposicionais e prontas a serem evocadas no futuro. Cada HMB aborda um tema de saúde e tem um objetivo específico com a utilização de script. O conteúdo de HMB varia em função do objetivo e mantém o mesmo princípio funcional.1313. Rodríguez MA, Hawarylak MF. Edutherapeutic Method applied to children's health education in school context. Rev Referência. 2007;5:69-76.

Um script eduterapêutico é uma construção técnico-educativa organizada mediante um tópico de saúde (nesse caso, a prevenção de acidentes de trânsito) dirigida a crianças, durante um tempo delimitado (normalmente 90 minutos), por meio de regulação e retorno eduterapêutico, das quais se espera uma mudança de atitude e comportamento. Para este estudo, foi desenvolvido e aplicado apenas um script, pois se abordou exclusivamente o tema prevenção de acidentes de trânsito. Esse script compunha-se de 10 cartões, dos quais nove tratavam dos problemas no que se refere ao trânsito e o último lidava com o compromisso de mudança das crianças.

O script foi realizado da seguinte forma:

  • Na caixa foram colocados pequenos cartões, de um lado, com desenhos significativos criados pelas crianças (na primeira fase da pesquisa) relativos à sua percepção sobre a prevenção dos acidentes de trânsito. Do outro lado, dispôs-se uma questão criteriosamente selecionada (na caixa podem ser colocados 10 cartões, sendo o último orientado para a mudança voluntária de atitude ou comportamento de saúde - nesse caso, comportamento para prevenir os acidentes de trânsito).

  • Os desenhos e as perguntas foram escolhidos e validados por alguns critérios científicos:1010. Rodríguez MA. Programa de liberación creativa com imagen para alumnos com dificultades de aprendizaje. Siglo Cero. 2000;31:18-22.,1313. Rodríguez MA, Hawarylak MF. Edutherapeutic Method applied to children's health education in school context. Rev Referência. 2007;5:69-76.,1414. Rodríguez MA, Ortiz MC, Fonseca MS. El método eduterapéutico como estratégia de apoio al niño hospitalizado. Rev Educación. 2004;335:229-46.

Propósito: as mensagens organizadas em padrões significativos desempenham uma função multissugestiva intencionalmente dirigida à promoção de comportamentos positivos em relação ao trânsito;

Significado: os desenhos foram feitos pelas crianças, as ideias foram delas e por isso são significativos para elas. No processo de visualização das imagens previamente selecionadas, a criança foi estimulada a interagir com mensagens expressivas que lhe são familiares e ideias que lhe são significativas, gerando efeito espelho;

Adequação: cada imagem foi ancorada em questões que são adequadas ao estágio de desenvolvimento cognitivo da criança;

Hierarquia: as questões foram discutidas em uma sequência que facilitou a compreensão;

Evidência científica: o conteúdo das questões foi fundamentado em resultados científicos, e o conteúdo do script, baseado em materiais disponibilizados pelos seguintes órgãos de trânsito: Comunidade e Trânsito: Educar para o Trânsito e Observatório Nacional de Segurança Viária, além dos resultados de desenhos realizados pelas próprias crianças.

  • Os cartões foram extraídos da caixa pelas crianças, por ordem lógica, e elas procuraram em grupo respostas para cada questão.

  • As perguntas foram lidas e discutidas pelas crianças, com a mediação do profissional de saúde e do professor.

  • No fim do retorno eduterapêutico, as crianças retiraram o último cartão, que indicou um comportamento preventivo, e foram convidadas a praticar o comportamento indicado e a apresentar os resultados 30 dias após a intervenção.

RESULTADOS

As crianças do GE e do GC mostraram-se semelhantes quanto às variáveis sociodemográficas. A média de idade dos participantes do GE era de 9,6±1,2 anos e do GC 9,8±1,2 anos. Mais da metade era do sexo masculino (GE: 51,7% e GC: 53,4%) e estudava no turno da manhã (GE: 68,9% e GC: 100%). Em relação à série escolar, observou-se a seguinte distribuição proporcional:

  • 3ª série: GE: 36,7% e GC: 31,3%.

  • 4ª série: GE: 32,2% e GC: 36,1%.

  • 5ª série: GE: 31,1% e GC: 32,5% (Tabela 1).

Quando questionadas sobre a existência de algum transporte na residência, 86,5% (n=77) das crianças do GE e 86,6% (n=71) do GC responderam positivamente à questão. A maioria fazia uso de bicicleta à época da pesquisa (GE: 83,3% e GC: 84,1%), e muitas realizavam o percurso diário até a escola sem o acompanhamento de um adulto e a pé (GE: 35,2% e GC: 29,3%) (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização geral, comparação das características sociodemográficas e maneira de locomoção dos escolares segundo o grupo experimental e o grupo controle. Sergipe, Brasil, 2014*.

Quase a totalidade das crianças contou já ter recebido alguma atividade educativa sobre prevenção de acidentes de trânsito antes da intervenção realizada no presente estudo (GE: 95,6% e GC: 89%). Possivelmente, em função disso, não existiu diferença no nível de conhecimento, atitudes e práticas preventivas entre o GE e o GC na avaliação inicial. Entretanto, ainda após um mês do tratamento experimental (programa educativo), foi evidenciada melhora significativa no conhecimento do GE (p=0,027). As atitudes e práticas preventivas também foram superiores nas crianças do GE, porém sem diferença significativa em relação ao GC (p=0,060 e p=0,282, respectivamente) (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação do conhecimento, das atitudes e das práticas nas avaliações inicial (pré) e final (pós) entre os grupos de escolares. Sergipe, Brasil, 2014.

A Tabela 3 apresenta diferença significativa (p=0,003) no GE no tocante ao nível de conhecimento dos alunos. Nas atitudes e práticas não se viu diferença significativa entre os grupos (p=0,320 e p=0,948, respectivamente).

Tabela 3
Comparação antes e depois da intervenção quanto ao conhecimento correto, atitudes e práticas adequadas acerca da prevenção de acidentes de trânsito entre os participantes do grupo experimental. Sergipe, Brasil, 2014.

Os dados da Tabela 4 revelam que no GC, quanto ao conhecimento das crianças, o número de acertos na avaliação inicial (10,3±2,2) foi maior que na avaliação final (9,8±3,1), porém sem diferença significativa (p=0,085). Observou-se ainda na avaliação final redução no nível das atitudes e práticas adequadas com diferenças significativas, respectivamente p=0,033 e p=0,003.

Tabela 4
Comparação da avaliação inicial e final sobre o conhecimento correto, as atitudes e práticas adequadas acerca da prevenção de acidentes de trânsito entre os participantes do grupo controle. Sergipe, Brasil, 2014.

DISCUSSÃO

De acordo com o artigo nº 76 do Novo Código de Trânsito Brasileiro, a educação para o trânsito deve ser promovida na pré-escola e nos ensinos fundamental e médio por intermédio de ações coordenadas entre órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito e de Educação da União, do Distrito Federal, dos estados e dos municípios, em suas respectivas áreas de atuação.1515. Brasil. Presidência da República [homepage on the Internet]. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Brasília: Diário Oficial da União; 1997 [cited on Apr. 3, 2018]. Available from: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9503.htm.
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Atualmente, nas Américas, muitas famílias ainda utilizam as motocicletas como meio de transporte terrestre,1616. Organização Pan-Americana de Saúde. Informe sobre segurança no trânsito na Região das Américas. Washington, DC: OPAS; 2015. e, em análise recente, observou-se que as taxas de mortalidade relacionadas ao uso desses veículos aumentaram significativamente em todas as sub-regiões desse continente.1717. Rodrigues EM, Villaveces A, Sanhueza A, Escamilla-Cejudo JA. Trends in fatal motorcycle injuries in the Americas, 1998-2010. Int J Inj Contr Saf Promot. 2014;21:170-80. Ademais, embora se saiba que os adultos são os condutores desses transportes, trabalhar as ações preventivas com as crianças eventualmente possibilitaria que estas sejam multiplicadoras para seus familiares, uma vez que já foi evidenciada a deficiência no conhecimento de pais e de responsáveis legais sobre segurança no trânsito com crianças.1818. Pereira LN, Cancelier AC, Londero Filho OM, Franciotti DL, Müller MC, Jornada LK. Evaluation of knowledge of parents about safety in transportation of children in vehicles and motorcycles. Rev Paul Pediatr. 2011;29:618-24.

Foi identificada elevada utilização de bicicletas entre as crianças do presente estudo, o que torna importante incentivar e trabalhar o seu uso seguro para que se tornem adultos conscientes e diminuam o índice de carros utilizados pela população em geral. Em vários países desenvolvidos, existe o incentivo do uso da bicicleta com muitas justificativas, entre elas a diminuição da poluição e a redução dos acidentes de trânsito.1616. Organização Pan-Americana de Saúde. Informe sobre segurança no trânsito na Região das Américas. Washington, DC: OPAS; 2015.,1919. Woodcock J, Edwards P, Tonne C, Armstrong BG, Ashiru O, Banister D, et al. Public health benefits of strategies to reduce greenhouse-gas emissions: urban land transport. Lancet. 2009;374:1930-43.

Na Dinamarca, Alemanha e Holanda o uso da bicicleta é amplamente incentivado em função da redução drástica de acidentes e mortes no trânsito. Esses países estabelecem diversos direitos aos ciclistas, dispõem de estacionamentos adequados, integração total com os transportes públicos, educação para o trânsito abrangente e formação de ciclistas e motoristas, além de eventos promocionais destinados a gerar entusiasmo do público para apoio ao ciclismo.2020. Pucher J, Buehler R. Making cycling irresistible: lessons from the Netherlands, Denmark and Germany. Transport Reviews. 2008;28:495-528.

Observou-se que a maioria das crianças faz o percurso casa-escola sem a companhia de um adulto, sinalizando uma possível despreocupação ou despreparo dos pais nesse sentido. Entende-se que é essencial orientar essas crianças quanto ao comportamento preventivo durante o caminho percorrido, uma vez que o fato de a escola ter proximidade com a residência não diminui o risco de eventuais acidentes nesse público.2121. Reis IP, Coelho RN. Avaliação do percurso casa-escola das crianças de 1ª a 5ª séries do 1º grau. São Paulo: Companhia de Engenharia de Tráfego; 1994. (Nota Técnica 185/94).

Muitas crianças responderam que tiveram uma atividade educativa sobre prevenção de acidentes de trânsito na escola antes da intervenção realizada pelo presente estudo. Pertinente a esse dado, confirmou-se com a direção das instituições que, no calendário acadêmico, existe para o mês de setembro a programação da Semana Nacional do Trânsito, período que a maioria das escolas brasileiras utiliza para abordar a temática em sala de aula.2222. Brasil. Ministério da Infraestrutura [Internet]. Departamento Nacional de Trânsito. Legislação referente à Semana Nacional de Trânsito [cited on Apr. 3, 2018]. Available from: http://www.denatran.gov.br/educacao/97-educacao/semana-nacional-de-transito/369-legislacao-snt
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O questionário foi aplicado dois meses após esse evento, o que pode justificar o porquê de a maioria dos alunos ter apontado isso.

Ampliar o conhecimento de crianças em relação ao trânsito é outra recomendação para intensificar a segurança no trânsito.2323. Ghekiere A, van Cauwenberg CV, de Geus B, Clarys P, Cardon G, Salmon J, et al. Critical environmental factors for transportation cycling in children: a qualitative study using bike-along interviews. PLoS One. 2014;9:e106696. Ao promover a intervenção do presente estudo, com reforço da temática prevenção, constataram-se aumento no conhecimento das crianças do GE e estabilidade das atitudes e práticas preventivas adequadas. Os objetivos da educação para o trânsito são atingidos em longo prazo. Assim, para atingir a mudança de atitudes e práticas, é necessário que a intervenção seja trabalhada de forma periódica.2424. Coscrato G, Pina JC, Mello DF. Use of recreational activities in health education: integrative review of literature. Acta Paul Enferm. 2010;23:257-63.

Supõe-se que pelo fato de a Semana Nacional do Trânsito ter acontecido um pouco antes da avaliação inicial deste estudo, as crianças poderiam estar sensibilizadas, e o conhecimento correto, as atitudes e práticas adequadas do GC encontravam-se em nível equivalente aos do GE. Entretanto, a falta da intervenção educativa desenvolvida por esta pesquisa dois meses após o evento causou redução no nível de todas as variáveis analisadas no GC. Isso revela a importância da implementação de programas regulares com a temática trânsito nas escolas.

Por fim, pôde-se inferir que a intervenção educativa com o uso do método eduterapêutico influenciou positivamente o conhecimento, as atitudes e as práticas das crianças do GE acerca da temática prevenção de acidentes de trânsito. O presente estudo teve como limitação a falta de acompanhamento das crianças, por meio da aplicação do questionário CAP nos meses subsequentes, a fim de confirmar se a atividade educativa influenciaria permanentemente as variáveis avaliadas.

Ressalta-se que não houve dificuldade de implementação do método no contexto brasileiro, e torna-se fundamental o seu uso de forma a promover uma cultura educativa preventiva de acidentes de trânsito entre crianças. Acredita-se que o método pode ser utilizado em novos contextos educativos e propicia a imersão na cultura local, ao mesmo tempo em que cria um espaço de diálogo e esclarecimento que facilita a troca de saberes entre os envolvidos.

Recomenda-se assim a realização periódica de capacitações entre os profissionais de saúde envolvidos na educação da criança acerca do emprego do método eduterapêutico, de modo a promover o comportamento preventivo em relação ao trânsito.

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Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2018
  • Aceito
    29 Maio 2018
  • Publicado
    25 Jun 2019
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