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COMO AS NOVAS TECNOLOGIAS PODEM AUXILIAR NA REDUÇÃO DO ABSENTEÍSMO EM CONSULTA PEDIÁTRICA?

RESUMO

Objetivo:

Identificar a forma mais efetiva de contato, como possibilidade de intervenção, para diminuir o absenteísmo em consultas de crianças com suspeita ou com tuberculose pulmonar.

Métodos:

Ensaio clínico randomizado com coleta de dados prospectiva, entre março de 2017 e fevereiro de 2018. Os pacientes foram aleatorizados em três grupos para relembrar a consulta: contato telefônico; mensagens curtas (SMS) ou WhatsApp; e nenhuma intervenção. Amostra de conveniência, com nível de significância de 5%.

Resultados:

Incluídas 78 crianças, mediana de idade quatro anos (zero a 14); 59,0% em tratamento para infecção latente e 6,4% com tuberculose ativa; 74,4% moravam em Curitiba, Paraná; 62,8% residiam com ambos os pais; 38,5% dos pais possuíam emprego formal e 47,4% das mães eram do lar; 50,8% dos pais e 55,7% das mães possuíam mais de nove anos de estudo; em 78,2% das famílias a renda per capita foi de até 0,5 salário mínimo; 27,3% estavam inscritas em programas sociais; e 28,2% residiam em casa cedida. Foram 238 intervenções: 85 (35,7%) por contato telefônico, 78 (32,8%) por mensagem de texto (WhatsApp 97,2%) e 75 (31,5%) sem nenhum contato adicional. Nas características sociodemográficas e culturais estudadas não houve diferença estatística. O absenteísmo foi de 24,0% e o abandono, de 16,7%. Lembrar o responsável previamente à consulta, independente da intervenção (p=0,021) e especificamente por mensagem por WhatsApp (p=0,032) foi associado ao não absenteísmo, porém não associado ao abandono.

Conclusões:

O uso de novas ferramentas, como o aplicativo WhatsApp, pode reduzir o absenteísmo, diminuir a possibilidade de abandono no seguimento e melhorar o desfecho do tratamento de crianças com tuberculose, seja a infecção ou a doença.

Palavras-chave:
Tuberculose; Criança; Recusa do paciente ao tratamento; Absenteísmo

ABSTRACT

Objective:

To identify the most effective form of contact, as a possible intervention to reduce absenteeism in consultations of children with suspected or confirmed pulmonary tuberculosis.

Methods:

A randomized clinical trial was conducted with prospective data collection, between March 2017 and February 2018. Patients were randomized into three groups to be reminded about the appointment: telephone contact, SMS or WhatsApp, or no intervention. A convenience sample was obtained, with a significance level of 5%.

Results:

78 children were included, with a median age of four years old (zero to 14); 59.0% of them were in treatment for a latent infection and 6.4% had active tuberculosis. Among the 78 children, 74.4% lived in Curitiba (Sourhern Brazil); 62.8% lived with both parents; 38.5% of the parents had formal employment and 47.4% of the mothers were housewives; 50.8% of the fathers and 55.7% of the mothers had more than nine years of schooling. In 78.2% of the families, per capita income was up to 0.5 minimum wages; 27.3% were enrolled in social programs; 28.2% lived in homes provided by the government. There was a total of 238 interventions made: 85 (35.7%) by telephone contact, 78 (32.8%) by text message (WhatsApp was 97.2% of these) and 75 (31.5%) had no further contact. There was no statistical difference among the sociodemographic and cultural characteristics studied. The absenteeism rate was 24.0% and the abandonment rate was 16.7%. Giving a reminder to the patient’s guardian prior to the consultation, regardless of the intervention (p=0.021) and specifically by WhatsApp message (p=0.032) was associated with no absenteeism, though it was not associated with abandonment of the treatment.

Conclusions:

Using new tools, such as WhatsApp, to remind guardians of appointments reduces absenteeism. Consequently, it may lead to a reduction in abandoning treatment and it may improvetreatment outcome of children with a tuberculosis infection or disease.

Keywords:
Tuberculosis; Child; Treatment refusal; Absenteeism

INTRODUÇÃO

A tuberculose é uma doença infectocontagiosa considerada uma das maiores causas de morte em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, caracterizando um problema de saúde pública. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016 essa foi uma das dez principais causas de morte por doença infecciosa em todo o mundo, acima do vírus da imunodeficiência humana (HIV/AIDS). Em 2016 ocorreram 10,4 milhões de casos novos de tuberculose e as crianças menores de 15 anos representaram 6,9% desse total.11. World Health Organization [homepage on the Internet]. Global tuberculosis Report 2017. Geneva: WHO; 2017 [cited 2018 Dec 07]. Available from: http://www.who.int/tb/publications/global_report/en.
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Em 2014, durante a Assembleia Mundial de Saúde, foi aprovada a nova estratégia global para o enfrentamento da tuberculose como problema de saúde pública. Com metas para acabar com a doença até o ano de 2035, representada por um coeficiente de incidência menor do que 10/100 mil habitantes, através da estratégia End TB, a qual tem como visão “um mundo livre da tuberculose”. Dessa forma, o Ministério da Saúde do Brasil iniciou a construção do Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose, o qual delineia mecanismos para alcançar esse objetivo, bem como define indicadores para o monitoramento do progresso das ações empregadas. O plano nacional está estruturado em três pilares, os quais estão voltados para a prevenção e o cuidado integrado centrados no paciente, em políticas arrojadas e sistema de apoio, e intensificação da pesquisa e da inovação.22. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Brasil livre da tuberculose. Plano nacional pelo fim da tuberculose como problema de saúde pública. Brasília: Ministério da Saúde; 2017. Nesse sentido, a criança deve ser priorizada através de políticas de saúde voltadas a esse segmento, principalmente com a preocupação dos serviços envolvidos na prevenção do abandono do tratamento de crianças expostas à tuberculose.

O objetivo deste estudo foi identificar a forma mais efetiva de contato, como possibilidade de intervenção, para diminuir o absenteísmo em consultas de crianças com suspeita ou com tuberculose pulmonar.

MÉTODO

Ensaio clínico randomizado com coleta de dados prospectiva das crianças em acompanhamento ambulatorial de tuberculose infantil em centro terciário, em Curitiba, Paraná, no Sul do Brasil. Os critérios de inclusão foram: idade entre zero e 14 anos; consultar entre março de 2017 e fevereiro de 2018; estar em tratamento para tuberculose ativa, latente ou em investigação; pais ou responsáveis possuírem telefone celular ou informarem o contato de pessoa próxima; assinar o termo de consentimento livre e esclarecido e o termo de assentimento para crianças maiores de 12 anos. Não houve critérios de exclusão.

Foi realizada uma amostra de conveniência. Para determinação do tamanho mínimo da amostra, o cálculo foi realizado com intervalo de confiança de 95% (IC95%) e um erro amostral de 5%, sendo considerada uma amostra necessária de 131 intervenções.33. Prática Clínica [homepage on the Internet]. Calculo amostral: calculadora on-line [cited 2018 Dec 21]. Available from: https://praticaclinica.com.br/anexos/ccolaborativa-calculoamostral/ccolaborativa-calculo-amostral.php
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Durante as consultas ambulatoriais, os pacientes e seus responsáveis foram convidados a participar do estudo. Durante a inclusão na pesquisa, foi preenchido um questionário com as características clínicas, sociais, econômicas e culturais da criança e da sua família. Foi estabelecido com o responsável quais seriam os números telefônicos para contato e se preferiam receber mensagens curtas (SMS) ou por WhatsApp (mensagem de voz ou texto).

Nas consultas de retorno subsequentes, nas 24 a 48 horas que as antecediam, os indivíduos foram alocados aleatoriamente, por sorteio, para um dos grupos de intervenção, os quais correspondiam à maneira como pais ou responsáveis seriam lembrados ou não da consulta agendada. As informações nesses contatos eram feitas de forma padronizada, reforçando a data, o horário e o local da consulta. Quando havia mais de um indivíduo na mesma residência e com consulta agendada para mesma data, eram colocados no mesmo grupo. As intervenções foram:

  • Grupo mensagem: envio de SMS ou WhatsApp (áudio ou mensagem de texto), conforme a escolha na entrevista, para o celular dos pais, responsáveis ou da pessoa indicada.

  • Grupo telefone: ligação para os pais, responsáveis ou pessoa indicada. Foram realizadas até três ligações para os números informados.

  • Grupo sem intervenção adicional: não foi feito nenhum contato prévio com os pais ou responsáveis.

Para todos os indivíduos, a data, a hora e o local da consulta eram registrados na carteirinha do hospital, de acordo com a rotina preestabelecida da instituição. As crianças eram alocadas aleatoriamente em cada consulta ambulatorial para qualquer um dos grupos de intervenção, independentemente, e os pais ou responsáveis não sabiam previamente como seriam contatados. As crianças que durante o período da pesquisa retornaram mais de uma vez às consultas foram novamente alocadas aleatoriamente e consideradas como uma nova intervenção. Assim, a quantidade de intervenções foi maior do que o número de pacientes.

Para as crianças que apresentaram absenteísmo nas consultas, realizava-se ligação telefônica, com o objetivo de identificar os motivos que desencadearam a falta e reagendar a consulta perdida. As crianças que apresentaram duas faltas consecutivas foram consideradas como abandono e não foram mais incluídas em novas intervenções, porém continuaram o seguimento ambulatorial de rotina.

Os dados obtidos pelo pesquisador, por meio do instrumento de coleta de dados, foram digitados em planilha eletrônica (Microsoft Excel®), conferidos, validados e exportados para análise estatística. As variáveis quantitativas foram descritas em termos de média e desvio padrão, enquanto as variáveis qualitativas foram descritas por frequência e porcentagem. Os dados foram submetidos ao teste do qui-quadrado de Pearson para verificar a associação entre as variáveis. Nessas análises, considerou-se um nível de significância de 5% e os ajustes foram obtidos no software STATA® (versão 12.0, StataCorp LP, Texas, Estados Unidos).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CAAE: 61854216.5.0000.0096; parecer n° 1.948.281).

RESULTADOS

No período do estudo, entre março de 2017 e fevereiro de 2018, foram atendidas no ambulatório e incluídas no estudo 78 crianças. Dessas, 61 (78,2%) eram pacientes novos e 17 (21,8%) já estavam em acompanhamento ambulatorial; cinco (31,2%) já haviam apresentado faltas em consultas anteriores, com média de 1,4 faltas (±0,55). Nenhuma família se recusou a participar do estudo.

Nessa casuística, 58 pacientes (74,4%) residiam em Curitiba, 41 (52,3%) eram do sexo masculino, com mediana de idade de quatro anos (variando de zero a 14 anos). Quarenta e nove (62,8%) residiam com ambos os pais, 30 (38,5%) pais possuíam emprego formal e 37 mães (47,4%) eram do lar. Quanto à escolaridade, 30 pais (50,8%) e 39 mães (55,7%) possuíam mais de nove anos de estudo, com dois pais e uma mãe sem escolaridade. Em 54 (69,2%) domicílios a renda familiar foi de até dois salários mínimos e em 61 (78,2%) a renda per capita foi de até 0,5 salário mínimo; 43 (55,1%) famílias não estavam inscritas em programas sociais do governo federal e 22 (28,2%) residiam em casa cedida.

A história de contato com tuberculose foi identificada em 74 (94,9%) indivíduos, sendo que em 39 (50,0%) o caso fonte eram os genitores ou padrasto. Entre pessoas com dependência química no domicílio, 13 (16,7%) entrevistados relataram ter familiares que faziam uso de algum tipo de droga lícita ou ilícita. Oito (10,3%) faziam uso de álcool e desses, cinco (6,4%) eram o pai. Em 11 casos (14,1%) a pessoa com dependência química era o caso fonte.

A mãe trouxe a criança no momento da inclusão na pesquisa e respondeu ao questionário do estudo em 56 (71,8%) casos. Sobre a forma como gostariam de ser lembrados da consulta, 31 (39,7%) entrevistados preferiram mensagem (SMS ou WhatsApp), 25 (32,1%) preferiram a carteirinha do hospital e 22 (28,2%), o contato telefônico. Quando fossem selecionados na pesquisa para receberem mensagem, 65 (83,3%) optaram por WhatsApp texto, nenhum por áudio e 13 (16,7%) por SMS. Sobre o telefone informado para contato, em 64 (82,0%) casos o número era de um dos pais.

Em relação ao conhecimento sobre tuberculose, 55 (70,5%) responsáveis referiam compreender a doença, 62 (79,5%) acreditavam que a criança não estava doente e 40 (51,3%) não tinham medo dessa doença.

Ao longo da pesquisa, os 78 pacientes foram submetidos a 238 intervenções referentes a como reforçar o agendamento das consultas (contato telefônico, mensagem ou apenas o agendamento na carteirinha do serviço). Sobre as intervenções realizadas, 85 (35,7%) receberam contato telefônico, 78 (32,8%) receberam mensagem, sendo 68 (28,6%) por WhatsApp texto, e 75 (31,5%) não receberam nenhum contato adicional. A quantidade e o tipo de intervenção variaram para cada paciente, descritos na Tabela 1.

Tabela 1
Quantidade e tipo de intervenção realizada nos pacientes atendidos em ambulatório terciário no Sul do Brasil.

Na intervenção contato telefônico foi realizada uma média de 1,6 ligações, e em 17 (20,0%) os responsáveis não atenderam às três tentativas. Nas ligações atendidas, em 48 (70,6%) foi o responsável pela criança quem atendeu, e em 38 (55,9%) foi a mãe. Não foi observada associação entre quem atendeu ao telefone e ter vindo à consulta, como também, se considerarmos contato telefônico apenas os que atenderam ao telefonema como intervenção, não houve redução no absenteísmo (p=0,087).

Durante esse período, em 181 (76,1%) intervenções as crianças compareceram às consultas agendadas e em 57 (24,0%) faltaram. Os motivos informados pelos responsáveis da criança sobre a falta estão descritos na Tabela 2 e a frequência de faltas, na Tabela 3. Treze (16,7%) crianças foram consideradas como abandono, 43 (55,1%) receberam alta, as demais continuaram em seguimento. Ao avaliar o tipo de intervenção e a frequência na consulta, quando foi mensagem houve redução no absenteísmo, sendo risco relativo (RR) 1,22 e o IC95% 1,01–1,47; diferentemente de quando foi telefonema (RR=1,16; IC95% 0,96–1,41).

Tabela 2
Causas do absenteísmo nos pacientes atendidos em ambulatório terciário no Sul do Brasil.
Tabela 3
Frequência às consultas nos pacientes atendidos em ambulatório terciário no Sul do Brasil.

Os pacientes novos no ambulatório apresentaram absenteísmo em 52 (30,2%) consultas, enquanto os pacientes que já acompanhavam o serviço faltaram em cinco (7,6%), independentemente se foram submetidos a alguma intervenção ou não (p<0,001). E quando se avaliou o absenteísmo nos pacientes que fizeram qualquer intervenção, quatro (7,3%) pacientes antigos faltaram, enquanto 28 (25,9%) novos faltaram (p=0,006).

Para avaliar possíveis vieses de influência das intervenções anteriores no mesmo paciente, foi realizada uma avaliação separando o paciente em relação à sua característica quanto a já ter recebido alguma intervenção ou não e qual intervenção recebeu, com a frequência ou não nas consultas (Tabela 4 – os dados comparativos para qualquer intervenção e em diferentes momentos do paciente no ambulatório não estão descritos na tabela por não terem significância estatística). A intervenção protetora ao absenteísmo foi enviar mensagem na primeira intervenção (RR=1,45; IC95% 1,05–2,02), independente se o paciente era novo (p=0,008) ou se já recebia acompanhamento no ambulatório (p=0,006).

Tabela 4
Comparação entre as intervenções realizadas para relembrar as consultas nos pacientes atendidos em ambulatório terciário no Sul do Brasil.

Comparou-se o tipo de intervenção realizada com as várias características pesquisadas: sexo, escolaridade dos pais ou responsáveis, quem trouxe à consulta médica, responsável pelo paciente, ser paciente novo ou não, já ter apresentado falta ou não antes de ingressar na pesquisa, se o responsável compreende o diagnóstico ou tem medo da doença, se achava que a criança estava doente ou não, se possuía algum familiar em tratamento para tuberculose ou se havia dependente químico, receber benefício do governo ou não, renda familiar, pais ou responsáveis serem empregados e ser de Curitiba ou não. Em todas essas condições os grupos de intervenção eram homogêneos e essas características não interferiram no absenteísmo às consultas.

DISCUSSÃO

O presente estudo indica que a intervenção mais efetiva para diminuir o absenteísmo nas consultas agendadas em ambulatório especializado no atendimento da tuberculose infantil é lembrar a consulta pelo aplicativo WhatsApp. A redução desse absenteísmo pode contribuir para uma melhora no tratamento da tuberculose, principalmente considerando que a faixa etária analisada é o grupo de maior risco de adoecimento.

Neste estudo, a maioria dos pais possuía telefone celular ou smartphone, mostrando que, mesmo entre famílias de baixa renda, são equipamentos amplamente utilizados e, entre aqueles que não o possuíam, isso não os impossibilitou de participar da pesquisa, pois indicaram o número de outro membro da família. Quando o número é atualizado, essa pode ser uma ferramenta para localizar mais facilmente o paciente, porém essa atualização deve ocorrer frequentemente.

Ao comparar as intervenções realizadas, no grupo geral entre contato telefônico e o envio de mensagem, a segunda foi mais efetiva, com absenteísmo de 8,5%, enquanto no contato telefônico foi de 11,9%. Na literatura não foram encontrados estudos sobre o uso de mensagens de WhatsApp para redução do absenteísmo em consultas, somente sobre mensagem de texto SMS. Conforme estudo realizado em 2011, na Arábia Saudita, os lembretes de mensagem são eficazes na redução da taxa de absenteísmo em consultas ambulatoriais, embora possa variar conforme a especialidade; e houve grande satisfação do paciente com o serviço de envio de mensagens, indicando que poderiam ser usadas para aumentar a interação com os pacientes.44. Youssef A, Alharthi H, Khaldi O Al, Alnaimi F, Alsubaie N, Alfariss N. Effectiveness of text message reminders on nonattendance of outpatient clinic appointments in three different specialties: A randomized controlled trial in a Saudi Hospital. J Taibah Univ Med Sci. 2014;9:23-9. https://doi.org/10.1016/j.jtumed.2013.10.001
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Neste estudo, as mensagens iniciais foram utilizadas apenas para lembrar a data, a hora e o local da consulta. Porém, os autores sugerem que esse tipo de tecnologia seja utilizado também para informar sobre a importância dos retornos, da terapêutica e outras informações gerais sobre a doença e o tratamento, instrumentalizando o doente sobre sua doença, bem como seu acompanhamento. Isso ocorreu muitas vezes nesta pesquisa, em trocas de mensagens subsequentes com os familiares. Contudo, reforça--se o cuidado necessário com as questões ético-legais. As trocas de mensagens não devem substituir consultas presenciais nem orientar diagnósticos ou condutas terapêuticas.

O envio de lembretes para pacientes, por meio de telefone ou SMS, é considerado uma forma de telemedicina, já que envolve distância e é uma aplicação de tecnologia que contribui para o processo de assistência médica. Há evidência de que os lembretes têm um efeito positivo nas taxas de não comparecimento. Em revisão sistemática, mostrou-se que pode ser esperada uma melhora de 39 e 29%, respectivamente, na taxa basal de faltas ao utilizar lembretes manuais e automatizados.55. Hasvold PE, Wootton R. Use of telephone and SMS reminders to improve attendance at hospital appointments: a systematic review. J Telemed Telecare. 2011;17:358-64. https://doi.org/10.1258/jtt.2011.110707
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Nesta pesquisa, a interação estabelecida entre o profissional de saúde e os responsáveis pela criança foi exitosa. Em diversas situações os pais interagiram por meio de mensagens para esclarecer dúvidas sobre exames e medicamentos e para solicitação de reagendamento da consulta, quando por algum motivo não poderiam comparecer na data agendada. Portanto, as mensagens tornaram-se um elo entre o profissional de saúde e os responsáveis pela criança, principalmente pelo aplicativo WhatsApp. Mensagens de texto curtas podem servir como um simples lembrete para tomar medicamentos e abordar barreiras à adesão, como esquecimento e falta de apoio social.66. Oren E, Bell ML, Garcia F, Perez-Velez C, Gerald LB. Promoting adherence to treatment for latent TB infection through mobile phone text messaging: study protocol for a pilot randomized controlled trial. Pilot feasibility study. 2017;3:15. https://doi.org/10.1186/s40814-017-0128-9
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As mensagens de texto têm a vantagem de serem eficientes e consideravelmente menos invasivas às vidas diárias das pessoas, em comparação às chamadas telefônicas.77. Kaplan WA. Can the ubiquitous power of mobile phones be used to improve health outcomes in developing countries? Global Health. 2006;2:9. https://doi.org/10.1186/1744-8603-2-9
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Observa-se que fazer qualquer intervenção é mais eficaz para o paciente retornar do que apenas marcar a consulta na carteirinha do ambulatório. Nas intervenções realizadas, a mensagem se mostrou mais efetiva do que o telefonema.

A rotina do ambulatório antes desta pesquisa era de lembrar os responsáveis por contato telefônico sobre a consulta previamente agendada e registrada na carteirinha. Em outra pesquisa, com essa mesma população, mostrou-se que os pacientes antigos acreditavam conhecer mais sobre a tuberculose e abandonavam menos o acompanhamento.88. Bueno NS. Principais fatores e medidas para prevenção do abandono do tratamento de crianças com tuberculose doença ou infecção latente [master’s thesis]. Curitiba (PR): Universidade Federal do Paraná; 2018. Dessa forma, acredita-se que esses fatores diminuíram o absenteísmo no grupo de pacientes antigos, ao compará-los com os pacientes novos, que apresentaram menos vínculo com os profissionais do ambulatório.

Ressalta-se que em várias situações, ao contatarmos os responsáveis pela criança, esses referiram que haviam esquecido da data previamente agendada na carteirinha do hospital e possivelmente, se não houvesse intervenção, essa criança faltaria à consulta. A realização de ações conjuntas e a inserção de novas ferramentas são de fundamental importância para minimizar a taxa de absenteísmo e oferecer um atendimento mais humanizado e personalizado.99. Monken SF, Moreno RC. Use of control alerts as a tool for the loyalty of the customers of pediatrics in a public clinic. RAHIS. 2015;94-105.

Na impossibilidade de contatar os responsáveis, foram acionadas as unidades de atenção primária à saúde e os conselhos tutelares, com a finalidade de que os responsáveis fossem comunicados sobre a consulta reagendada. Quanto ao trabalho em rede, devemos entendê-lo como uma engrenagem fundamental, produtora de articulações e ações complementares, que objetivam facilitar o acesso dos usuários ao serviço público de saúde.1010. Canelada HF, Levorato CD, Corte RI, Diniz EE. Redução do absenteísmo através da gestão da agenda e do trabalho em rede. In: Anais do Congresso Internacional de Humanidades & Humanização em Saúde. São Paulo: Blucher; 2014. https://doi.org/10.5151/medpro-cihhs-10458
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Durante o período do estudo, a taxa de absenteísmo às consultas foi elevada; e a principal causa foi o esquecimento da consulta. No Rio de Janeiro, em estudo realizado entre 2005 e 2009, as taxas de abandono do tratamento de crianças em tratamento da infecção latente foram de 25,3%.1111. Mendonça AM, Kritski AL, Land MG, Sant’Anna CC. Abandonment of treatment for latent tuberculosis infection and socioeconomic factors in children and adolescents. PLoS One. 2016;11:e0154843. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0154843
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Nesse estudo não se conseguiu relacionar o absenteísmo e/ou abandono ao uso de medicação ou não e nem ao período do acompanhamento. O absenteísmo poderá atrasar o diagnóstico e, consequentemente, o início do tratamento, o que pode interferir na saúde da criança. Essas faltas acabam por aumentar o período de acompanhamento e, por conseguinte, reduzem as vagas para outros pacientes que aguardam a consulta no ambulatório. No âmbito da saúde pública, a discussão sobre absenteísmo em consultas nos ambulatórios deve ser enfatizada, já que traz, de maneira direta, desperdícios de recursos estruturais e financeiros à disposição do cidadão, além do custo social.1212. Bittar OJ, Magalhães A, Martines CM, Felizola NB, Falcão LH. Absenteísmo em atendimento ambulatorial de especialidades no estado de São Paulo. BEPA. 2016;13:19-32. Assim, intervenções como a lembrança da consulta com novas ferramentas, como o aplicativo WhatsApp, devem ser encorajadas. Nos dias atuais de multitarefas, esse tipo de conduta auxilia o paciente, pois cria mais vínculo, gera acolhimento e melhora os desfechos do acompanhamento.

Esta pesquisa, apesar de mostrar uma redução do absenteísmo com a lembrança da consulta, não estabeleceu a mesma associação com o abandono, provavelmente por uma limitação no desenho do estudo. Todos os pacientes foram submetidos às várias intervenções diferentes, sem haver um grupo controle sem intervenção. Dessa forma, em algum momento todos receberam algum tipo lembrança, o que deve ter ocasionado essa ausência de associação. Outras limitações foram a amostra ser de conveniência, o que poderia levar a uma seleção de pacientes com um risco maior ou menor de absenteísmo, porém acredita-se que esse fato não influenciou o resultado, pois no período do estudo todas as crianças que frequentaram o ambulatório foram incluídas.

Com a elevada taxa de absenteísmo encontrada, medidas efetivas devem ser tomadas para reduzir esses índices. Dessa forma, impede-se o incremento nas taxas de abandono, os custos no atendimento pessoal e institucional são diminuídos e os desfechos são melhorados. Enfatiza-se que a principal causa de absenteísmo foi o esquecimento; e quando perguntado previamente, a maioria dos responsáveis preferia ser lembrado da consulta agendada. Neste estudo não foram associados outros fatores ao absenteísmo.

As crianças apresentam características específicas da faixa etária, que as distinguem dos outros grupos e as colocam numa posição de vulnerabilidade e dependência. Nesse sentido, todas as ações favoráveis para reduzir o absenteísmo e contribuir para o tratamento das doenças vão ao encontro do que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, através da garantia da doutrina da proteção integral, compreendendo-os como cidadãos plenos, sujeitos à proteção prioritária, tendo em vista que são pessoas em desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.1313. Brazil – Presidência da República [homepage on the Internet]. Lei 8.069 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União [cited 2018 Dec 06]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
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Por fim, esta pesquisa buscou dar visibilidade a um tema extremamente relevante, como é o caso da tuberculose infantil, e às possibilidades de uso de ferramentas que possam reduzir o absenteísmo. As metas mundiais são voltadas para a erradicação dessa doença; e outras pesquisas com populações virgens de intervenções devem ser realizadas para confirmar estes achados.

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Financiamento

  • Este estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2018
  • Aceito
    13 Jan 2019
  • Publicado
    20 Dez 2019
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