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Análise transcultural do desenvolvimento motor de crianças brasileiras, gregas e canadenses avaliadas com a Alberta Infant Motor Scale

Resumos

OBJETIVO:

Comparar o desempenho motor de crianças de três amostras populacionais (Brasil, Canadá e Grécia), verificar as diferenças nas curvas de percentis do desenvolvimento motor para essas amostras e investigar a prevalência de atrasos motores em crianças brasileiras.

MÉTODOS:

Estudo observacional, descritivo e transversal, do qual participaram 795 crianças brasileiras com idade entre zero e 18 meses, avaliadas com a Alberta Infant Motor Scale (AIMS) nas escolas infantis, maternidades, unidades de saúde pública e em domicílio. Os escores motores de crianças brasileiras foram comparados aos resultados de pesquisas com os grupos populacionais da Grécia (424 crianças) e do Canadá (2.400 crianças). Utilizou-se estatística descritiva, com os testes one-sample t-test e binomial, sendo significante p≤0,05.

RESULTADOS:

Observou-se que 65,4% das crianças brasileiras apresentaram desempenho motor normal, embora com escores médios mais baixos que os outros grupos. No início do segundo ano de vida, as diferenças de desempenho entre as crianças brasileiras, canadenses e gregas diminuíram e, aos 15 meses, o desempenho motor tornou-se semelhante. Verificou-se tendência de aquisições motoras não lineares.

CONCLUSÕES:

Os percentis mais baixos da amostra brasileira reforçam a necessidade de se usarem normas nacionais para categorizar adequadamente o desempenho motor. As diferentes trajetórias do desenvolvimento motor são possivelmente decorrentes de diferenças culturais no cuidado das crianças.

desenvolvimento infantil; provas de rendimento; destreza motora


OBJECTIVE:

To compare the motor development of infants from three population samples (Brazil, Canada and Greece), to investigate differences in the percentile curves of motor development in these samples, and to investigate the prevalence of motor delays in Brazilian children.

METHODS:

Observational, descriptive and cross-sectional study with 795 Brazilian infants from zero to 18 months of age, assessed by the Alberta Infant Motor Scale (AIMS) at day care centers, nurseries, basic health units and at home. The Brazilian infants' motor scores were compared to the results of two population samples from Greece (424 infants) and Canada (2,400 infants). Descriptive statistics was used, with one-sample t-test and binomial tests, being significant p≤0.05.

RESULTS:

65.4% of Brazilian children showed typical motor development, although with lower mean scores. In the beginning of the second year of life, the differences in the motor development among Brazilian, Canadian and Greek infants were milder; at 15 months of age, the motor development became similar in the three groups. A non-linear motor development trend was observed.

CONCLUSIONS:

The lowest motor percentiles of the Brazilian sample emphasized the need for national norms in order to correctly categorize the infant motor development. The different ways of motor development may be a consequence of cultural differences in infant care.

child development; performance tests; motor skills


OBJETIVO:

Comparar el desarrollo motor de niños de tres muestras poblacionales (Brasil, Canadá y Grecia), verificar las diferencias en las curvas de percentiles del desarrollo motor para esas muestras e investigar la prevalencia de retardos motores en niños brasileños.

MÉTODOS:

Estudio observacional, descriptivo y transversal, del que participaron 795 niños brasileños con edad entre 0 y 18 meses, evaluados con la Alberta Infant Motor Scale (AIMS) en las escuelas infantiles, maternidades, unidades de salud pública y en domicilio. Los escores motores de niños brasileños fueron comparados a los resultados de investigaciones con los grupos poblacionales de Grecia (424 niños) y de Canadá (2.400 niños). Se utilizó la estadística descriptiva, con las pruebas one-sample t-test y binominal, siendo significante p≤0,05.

RESULTADOS:

Se observó que el 65,4% de los niños brasileños presentaron desempeño motor normal, aunque con escores medianos más bajos que los otros grupos. En el inicio del segundo año de vida, las diferencias de desempeño entre los niños brasileños, canadienses y griegos se redujeron y, a los 15 meses, el desempeño motor se hizo semejante. Se verificó tendencia de adquisiciones motoras no lineales.

CONCLUSIONES:

Los percentiles más bajos de la muestra brasileña reforzaron la necesidad de usarse normas nacionales para categorizar adecuadamente el desempeño motor. Los distintos recorridos del desarrollo motor son posiblemente decurrentes de diferencias culturales en el cuidado del niño.

desarrollo infantil; pruebas de rendimiento; destreza motora


Introdução

Na primeira infância, as aquisições posturais da criança são extremamente variáveis, uma vez que diferentes fatores biológicos e ambientais podem influenciar o desenvolvimento ao longo do tempo( 11. Clark JE, Metcalfe JS. The mountain of motor development: a metaphor. In: Clark JE, Humphrey JH, editors. Motor development: research and reviews. Reston: Naspe; 2002. ). Essa variabilidade tem sido um desafio aos profissionais que direcionam seus estudos para a avaliação motora, considerando-se estudos clínicos, de diagnóstico, intervenção e acompanhamento de crianças( 22. Blackman JA. Early intervention: a global perspective. Inf Young Children 2002;15:11-9.

3. Blauw-Hospers CH, de Graaf-Peters VB, Dirks T, Bos AF, Hadders-Algra M. Does early intervention in infants at high risk for a developmental motor disorder improve motor and cognitive development? Neurosci Biobehav Rev 2007;31:1201-12.
- 44. Vanderveen JA, Bassler D, Robertson CM, Kirpalani H. Early interventions involving parents to improve neurodevelopmental outcomes of premature infants: a meta-analysis. J Perinatol 2009;29:343-51. ). Cabe ressaltar que avaliações motoras, em geral, são realizadas com diferentes finalidades, que incluem a detecção e discriminação de atrasos, a implementação de políticas de prevenção para crianças vulneráveis e expostas a riscos e o acompanhamento da conquista dos marcos motores e novas habilidades ao longo do tempo( 55. Spittle AJ, Doyle LW, Boyd RN. A systematic review of the clinimetric properties of neuromotor assessments for preterm infants during the first year of life. Dev Med Child Neurol 2008;50:254-66. ).

No primeiro ano de vida, período no qual a criança possui grande potencial para prevenir, reverter ou minimizar a instalação de distúrbios, a avaliação é essencial( 66. Vaccarino FM, Ment LR. Injury and repair in the developing brain. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed 2004;89:F190-2. ). O diagnóstico de alterações possibilita a organização de intervenções adequadas para cada criança em seu contexto de inserção, como a casa da família( 77. Formiga CK, Pedrazzani ES, Silva FP, Lima CD. Effectiveness of the early intervention program with preterm infants. Paideia 2004;14:301-11. ), as creches( 88. Almeida CS, Valentini NC. Information integration and memory reactivation: the positive effects of a cognitive-motor intervention in babies. Rev Paul Pediatr 2010;28:15-22. ) ou as Unidades Básicas de Saúde( 99. Müller AB. Efeitos da intervenção motora em diferentes contextos no desenvolvimento da criança com atraso motor [tese de mestrado]. Rio Grande do Sul (RS): UFRGS; 2008. ). Portanto, o diagnóstico adequado permite a inserção da criança em programas compensatórios, os quais têm como meta minimizar as consequências de curto, médio e longo prazo de desordens motoras( 88. Almeida CS, Valentini NC. Information integration and memory reactivation: the positive effects of a cognitive-motor intervention in babies. Rev Paul Pediatr 2010;28:15-22. ).

Diferentes instrumentos são utilizados para avaliação motora de crianças na primeira infância( 55. Spittle AJ, Doyle LW, Boyd RN. A systematic review of the clinimetric properties of neuromotor assessments for preterm infants during the first year of life. Dev Med Child Neurol 2008;50:254-66. ), destacando-se a Alberta Infant Motor Scale (AIMS), instrumento canadense, caracterizado como um teste observacional da motricidade ampla, que avalia a sequência do desenvolvimento motor e o controle da musculatura antigravitacional em diferentes posturas( 1010. Piper MC, Pinnell LE, Darrah J, Maguire T, Byrne PJ. Construction and validation of the Alberta Infant Motor Scale (AIMS). Can J Public Health 1992;83 (Suppl 2):S46-50. ). Devido à fácil aplicabilidade e às características métricas, a AIMS transformou-se em um importante instrumento de apoio à pesquisa( 55. Spittle AJ, Doyle LW, Boyd RN. A systematic review of the clinimetric properties of neuromotor assessments for preterm infants during the first year of life. Dev Med Child Neurol 2008;50:254-66. ), à prática clínica( 1111. Pin TW, Darrer T, Eldridge B, Galea MP. Motor development from 4 to 8 months corrected age in infants born at or less than 29 weeks' gestation. Dev Med Child Neurol 2009;51:739-45.

12. Pin TW, Eldridge B, Galea MP. Motor trajectories from 4 to 18 months corrected age in infants born at or less than 30 weeks of gestation. Early Hum Dev 2010;86:573-80.
- 1313. Van Haastert IC, de Vries LS, Helders PJ, Jongmans MJ. Early gross motor development of preterm infants according to the Alberta Infant Motor Scale. J Pediatr 2006;149:617-22. ) e à ação interventiva( 88. Almeida CS, Valentini NC. Information integration and memory reactivation: the positive effects of a cognitive-motor intervention in babies. Rev Paul Pediatr 2010;28:15-22. , 1414. Spittle AJ, Ferretti C, Anderson PJ, Orton J, Eeles A, Bates L et al. Improving the outcome of infants born at < 30 weeks' gestation - a randomized controlled trial of preventative care at home. BMC Pediatr 2009;9:73. ).

O uso crescente da AIMS, embora considerada padrão-ouro para identificar atrasos nos primeiros meses de vida( 1515. Harris SR, Backman CL, Mayson TA. Comparative predictive validity of the Harris Infant Neuromotor Test and the Alberta Infant Motor Scale. Dev Med Child Neurol 2010;52:462-7. ), tem gerado preocupações para pesquisadores de vários países. Primeiramente, questiona-se se a interferência de fatores culturais e econômicos poderiam explicar diferentes trajetórias no desenvolvimento de crianças avaliadas com a AIMS( 1212. Pin TW, Eldridge B, Galea MP. Motor trajectories from 4 to 18 months corrected age in infants born at or less than 30 weeks of gestation. Early Hum Dev 2010;86:573-80. , 1313. Van Haastert IC, de Vries LS, Helders PJ, Jongmans MJ. Early gross motor development of preterm infants according to the Alberta Infant Motor Scale. J Pediatr 2006;149:617-22. , 1616. Fleuren KM, Smit LS, Stijnen T, Hartman A. New reference values for the Alberta Infant Motor Scale need to be established. Acta Paediatr 2007;96:424-7.

17. Formiga CK, Linhares MB. Motor development curve from 0 to 12 months in infants born preterm. Acta Paediatr 2011;100:379-84.

18. Lopes VB, Lima CD, Tudella E. Motor acquisition rate in Brazilian infants. Infant Child Dev 2009;18:122-32.

19. Saccani R, Valentini NC. Reference curves for the Brazilian Alberta Infant Motor Scale: percentiles for clinical description and follow-up over time. J Pediatr (Rio J) 2012;88:40-7.
- 2020. Syrengelas D, Siahanidou T, Kourlaba G, Kleisiouni P, Bakoula C, Chrousos GP. Standartization of the Alberta Infant Motor Scale in full-term Greek infants: preliminary results. Early Hum Dev 2010;86:245-9. ). Ainda mais, pesquisadores indagam se adaptações e novas normas, em outras culturas, são necessárias para o instrumento(12,16,17,19,20-22).

Uma das formas de responder a esses questionamentos se dá por meio de estudos que, usando a AIMS, procuram identificar crianças em situação de risco ou com alterações já instaladas, em diversas culturas e com níveis socioeconômicos diferenciados( 1212. Pin TW, Eldridge B, Galea MP. Motor trajectories from 4 to 18 months corrected age in infants born at or less than 30 weeks of gestation. Early Hum Dev 2010;86:573-80. , 1313. Van Haastert IC, de Vries LS, Helders PJ, Jongmans MJ. Early gross motor development of preterm infants according to the Alberta Infant Motor Scale. J Pediatr 2006;149:617-22. , 1616. Fleuren KM, Smit LS, Stijnen T, Hartman A. New reference values for the Alberta Infant Motor Scale need to be established. Acta Paediatr 2007;96:424-7.

17. Formiga CK, Linhares MB. Motor development curve from 0 to 12 months in infants born preterm. Acta Paediatr 2011;100:379-84.
- 1818. Lopes VB, Lima CD, Tudella E. Motor acquisition rate in Brazilian infants. Infant Child Dev 2009;18:122-32. , 2020. Syrengelas D, Siahanidou T, Kourlaba G, Kleisiouni P, Bakoula C, Chrousos GP. Standartization of the Alberta Infant Motor Scale in full-term Greek infants: preliminary results. Early Hum Dev 2010;86:245-9. , 2323. Manacero S, Nunes ML. Evaluation of motor performance of preterm newborns during the first months of life using the Alberta Infant Motor Scale (AIMS). J Pediatr (Rio J) 2008;84:53-9. ). Por exemplo, os resultados das pesquisas nacionais alinhadas a essa meta demonstram atrasos nas aquisições posturais de crianças brasileiras( 1717. Formiga CK, Linhares MB. Motor development curve from 0 to 12 months in infants born preterm. Acta Paediatr 2011;100:379-84.

18. Lopes VB, Lima CD, Tudella E. Motor acquisition rate in Brazilian infants. Infant Child Dev 2009;18:122-32.
- 1919. Saccani R, Valentini NC. Reference curves for the Brazilian Alberta Infant Motor Scale: percentiles for clinical description and follow-up over time. J Pediatr (Rio J) 2012;88:40-7. , 2121. Valentini NC, Saccani R. Brazilian validation of the Alberta Infant Motor Scale. Phys Ther 2012;92:440-7. ).

Neste estudo, propõe-se outra forma de investigar o fenômeno. Desenvolveu-se uma análise transcultural dos escores e percentis da AIMS obtidos a partir da avaliação de crianças brasileiras, canadenses e gregas, do nascimento até os 18 meses de idade. Dessa forma, o presente estudo objetivou: a) comparar o desempenho motor de crianças avaliadas com a AIMS em três grandes amostras populacionais; b) verificar as diferenças nas curvas de desempenho das crianças dos três países nos percentis 5, 10, 25, 50, 75 e 90; c) investigar a prevalência de atrasos motores no grupo de crianças brasileiras. Considerando-se os resultados de estudos nacionais, estabeleceu-se como hipótese a observação do desempenho inferior das crianças brasileiras, quando comparadas a crianças de outros países com características socioculturais e econômicas diferentes, e da elevada prevalência de crianças com desenvolvimento motor inadequado à idade.

Método

Estudo observacional, de caráter descritivo e comparativo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), do qual participaram 795 crianças com idade entre zero e 18 meses, provenientes de diferentes municípios da região sul do Brasil (Porto Alegre, São Leopoldo, Erechim, Caxias do Sul e Antônio Prado), de 2009 a 2011.

Do total, 407 eram do sexo feminino e 388 do masculino, sendo 658 nascidos a termo e 137, pré-termo, de diferentes classes socioeconômicas. A renda familiar variou de R$ 300,00 a R$ 7.100,00, obtendo-se como média R$ 1.401,00 [desvio-padrão (DP)±1.305,00] e mediana de R$ 750,00 (percentil 25=650,00; percentil 75=1.775,00). Quanto às características biológicas da amostra, as crianças apresentaram as seguintes médias: a) semanas de gestação: 37,3±3,62; b) peso ao nascer (em gramas): 2938±758; c) comprimento ao nascer (em centímetros): 47,8±3,9; e d) perímetro cefálico ao nascer (em centímetros): 33,6±2,9.

Incluíram-se as crianças de forma consecutiva, mediante autorização das instituições (escolas de educação infantil, maternidades e Unidades Básicas de Saúde) e da assinatura do termo de consentimento pelos responsáveis, obedecendo-se a critérios pré-estabelecidos (idade entre zero e 18 meses e não participação em programas de intervenção). Excluíram-se as portadoras de malformações congênitas, doenças agudas e afecções osteomioarticulares, como fraturas, lesão nervosa periférica, infecção osteomuscular, entre outras. Na coleta de dados, 37 crianças foram excluídas, sendo que as três principais causas foram a participação em atividades interventivas, doenças agudas (pneumonia, bronquiolite) e impossibilidade de finalizar a avaliação por choro e indisposição da criança.

Realizou-se o cálculo amostral no Program for Epidemiologists, versão 4.0. Para um nível de confiança de 95%, uma proporção de respostas de 50% e uma margem de erro de 4%, seria necessária a avaliação de um mínimo de 600 crianças. Buscou-se também manter distribuição semelhante de crianças em cada uma das faixas etárias, para possibilitar a comparação entre os grupos populacionais (Brasil, Canadá e Grécia) em cada uma das idades.

Utilizaram-se, como parâmetros para comparação, os dados de dois estudos de normatização da AIMS em grupos populacionais distintos: amostra de 2.400 crianças canadenses( 2424. Piper MC, Darrah J. Motor assessment of the developing infant. Philadelphia: WB Saunders; 1994. ) nascidas a termo e pré-termo, provenientes de diferentes localidades e em situação socioeconômica diversificada, e amostra de 424 crianças gregas( 2020. Syrengelas D, Siahanidou T, Kourlaba G, Kleisiouni P, Bakoula C, Chrousos GP. Standartization of the Alberta Infant Motor Scale in full-term Greek infants: preliminary results. Early Hum Dev 2010;86:245-9. ), nascidas a termo, com idade entre sete dias e 18 meses, de todas as classes socioeconômicas (excluíram-se crianças com histórico de problemas perinatais, doenças neurológicas, bem como qualquer doença aguda ou crônica).

A AIMS, instrumento-alvo deste estudo, foi validada para a população brasileira( 2121. Valentini NC, Saccani R. Brazilian validation of the Alberta Infant Motor Scale. Phys Ther 2012;92:440-7. ), com resultados que evidenciam validade de conteúdo - índice de validade de conteúdo (IVC) para clareza entre 66,7 e 92,8; IVC para pertinência superior a 98,0; estabilidade temporal - correlação de Spearman (rho) 0,85; p<0,001; consistência interna - coeficiente alfa de Cronbach (αtotal) 0,88, αprono=0,86, αsupino=0,89, αsentado=0,80, αem pé=0,85, e capacidade discriminante (-4,842; p<0,001).

A AIMS avalia o desenvolvimento motor de bebês do nascimento até o caminhar independente e é composta por 58 critérios motores, distribuídos em quatro subescalas que descrevem o desenvolvimento da movimentação espontânea e das habilidades motoras nas posturas prono( 2121. Valentini NC, Saccani R. Brazilian validation of the Alberta Infant Motor Scale. Phys Ther 2012;92:440-7. ), supino( 99. Müller AB. Efeitos da intervenção motora em diferentes contextos no desenvolvimento da criança com atraso motor [tese de mestrado]. Rio Grande do Sul (RS): UFRGS; 2008. ), sentado( 1212. Pin TW, Eldridge B, Galea MP. Motor trajectories from 4 to 18 months corrected age in infants born at or less than 30 weeks of gestation. Early Hum Dev 2010;86:573-80. ) e em pé( 1616. Fleuren KM, Smit LS, Stijnen T, Hartman A. New reference values for the Alberta Infant Motor Scale need to be established. Acta Paediatr 2007;96:424-7. ). Cada item observado no repertório motor da criança recebe escore um se a criança desempenhar todos os critérios motores-chave; cada item não observado recebe escore zero. Ao final da avaliação, obtém-se o escore bruto a partir da soma do escore em cada uma das subescalas, o qual pode ser convertido em percentil( 2424. Piper MC, Darrah J. Motor assessment of the developing infant. Philadelphia: WB Saunders; 1994. ). Os percentis permitem determinar o desempenho motor do bebê, categorizado conforme os seguintes critérios: a) desempenho motor normal/esperado, quando o resultado no teste for acima de 25% na curva percentílica; b) desempenho motor suspeito, quando o resultado for de 25 a 6% na curva percentílica; c) desempenho motor anormal, quando o resultado for menor ou igual a 5% na curva percentílica.

Realizaram-se os testes nas instituições de origem das crianças, efetuando-se o primeiro contato para agendamento de visita e entrega do termo de consentimento livre e esclarecido para os pais, além da ficha de identificação para coleta de informações. Com os termos assinados, avaliaram-se as crianças por aproximadamente 20 minutos, filmando-se todo o processo de observação para posterior análise do desempenho motor do bebê nas quatro posturas. As análises foram conduzidas por três avaliadores independentes, em um único momento, considerando-se a livre movimentação da criança e focalizando-se aspectos como superfície do corpo que sustenta o peso, postura e movimentos antigravitacionais. Por meio da análise das filmagens, calculou-se o índice de concordância interexaminadores, cujos valores dos coeficientes de correlação intraclasse oscilaram de a=0,86 a a=0,99, indicando níveis elevados de concordância. Além disso, pelos testes de Friedman e de Wilcoxon, não se encontrou diferença significativa entre as respostas dos três avaliadores (p>0,05).

Para caracterizar a amostra, entregou-se um questionário aos pais, com os seguintes itens: data de nascimento, sexo, tipo de parto, semanas de gestação, Boletim de Apgar no 5º minuto, peso ao nascer, comprimento ao nascer, perímetro cefálico e renda familiar mensal. Os pais e/ou responsáveis legais responderam ao questionário e o encaminharam à pesquisadora.

Efetuaram-se as análises no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0. Descreveu-se o escore bruto da AIMS por média, mediana, desvio-padrão, mínimo, máximo e percentis na amostra total. Para as comparações dos escores totais nos grupos populacionais, utilizou-se o one sample t-test e, para as comparações dos percentis, aplicou-se o teste de comparação binomial. O nível de significância adotado foi de 5% (p≤0,05).

Resultados

O desenvolvimento motor das crianças brasileiras demonstrou estar abaixo do esperado em 34,6% da amostra, sendo que 83 (10,4%) crianças manifestaram atraso e 192 (24,2%), suspeita de atraso motor. Porém, a maioria dos participantes (520; 65,4%) apresentou desempenho motor normal.

Os resultados de desempenho das crianças brasileiras demonstraram, conforme a Tabela 1, inferioridade nos escores brutos, quando comparados aos valores observados em estudos com crianças canadenses e gregas. Comparando-se as crianças brasileiras e as canadenses, apenas aos 18 meses de idade observou-se superioridade significativa nas aquisições motoras das crianças brasileiras. Nas demais faixas etárias, houve superioridade das crianças canadenses. Ao se comparar o desempenho com crianças gregas, as brasileiras demonstraram inferioridade em todas as faixas etárias.

Tabela 1
Comparações do desempenho motor de crianças brasileiras, canadenses e gregas nos escores bruto da Alberta Infant Motor Scale (AIMS)

Pode-se observar a inferioridade no desempenho de crianças brasileiras pelas curvas da Figura 1, nas quais a amostra nacional permaneceu sempre abaixo dos escores de referência canadense e grego. Porém, essa variabilidade diminui nas extremidades etárias, sendo menor nos recém-nascidos e em crianças acima dos 15 meses de idade. A partir dos 13 meses, começa a aparecer uma sobreposição das curvas. Além disso, observou-se maior semelhança entre as crianças recém-nascidas dos três grupos amostrais e aumento contínuo do número de aquisições motoras nos meses seguintes. No entanto, a média de aquisições motoras das crianças brasileiras demostraram padrão não linear, tendendo à estabilização a partir dos 16 meses de idade, como observado nas pontuações de crianças gregas e canadenses a partir dessa idade.

Figura 1
Curvas de desenvolvimento motor das crianças brasileiras, gregas e canadenses: médias por idade, utilizando-se os escores brutos da Alberta Infant Motor Scale (AIMS)

A média geral dos percentis das crianças avaliadas foi de 42,38 (DP=27,52), sendo que 424 bebês (53,34%) ficaram abaixo do percentil 50. Nas Tabelas 2 e 3, dispõem-se os valores dos percentis 5, 10, 25, 50, 75 e 90 das amostras populacionais estudadas, demonstrando inferioridade das crianças brasileiras comparadas às gregas (Tabela 2) e às canadenses (Tabela 3) em todos os percentis analisados. Menor variabilidade entre os países foi identificada nos percentis 75 e 90.

Tabela 2
Comparação de desempenho entre Brasil (BR) e Grécia (GR), considerando-se a média dos percentis 5, 10, 25, 50, 75 e 90 da Alberta Infant Motor Scale (AIMS)
Tabela 3
Comparação de desempenho entre Brasil (BR) e Canadá (CA), considerando-se a média dos percentis 5, 10, 25, 50, 75 e 90 da Alberta Infant Motor Scale (AIMS)

A Figura 2 mostra que as semelhanças no desempenho das crianças brasileiras, gregas e canadenses ocorrem nos percentis 75 e 90. As curvas referentes aos percentis 5, 10, 25 e 50 demonstram maior disparidade entre o desempenho motor infantil dos três países, com as crianças brasileiras abaixo das demais. A análise por faixas etárias apresentou maior semelhança entre as crianças recém-nascidas em todos os percentis.

Figura 2
Curvas do desenvolvimento motor das crianças brasileiras, gregas e canadenses, considerando-se os percentis de análise (5, 10, 25, 50, 75 e 90). Médias por idade, utilizando-se os escores brutos da Alberta Infant Motor Scale (AIMS)

Discussão

As aquisições motoras das crianças investigadas neste estudo ocorrem de modo diverso das aquisições de crianças canadenses e gregas. Estudos nacionais apontam para atrasos motores de crianças brasileiras e relatam inferioridade no escore motor ao compararem os resultados com a normativa canadense da AIMS( 1717. Formiga CK, Linhares MB. Motor development curve from 0 to 12 months in infants born preterm. Acta Paediatr 2011;100:379-84.

18. Lopes VB, Lima CD, Tudella E. Motor acquisition rate in Brazilian infants. Infant Child Dev 2009;18:122-32.
- 1919. Saccani R, Valentini NC. Reference curves for the Brazilian Alberta Infant Motor Scale: percentiles for clinical description and follow-up over time. J Pediatr (Rio J) 2012;88:40-7. , 2121. Valentini NC, Saccani R. Brazilian validation of the Alberta Infant Motor Scale. Phys Ther 2012;92:440-7. ). Por exemplo, Formiga e Linhares( 1717. Formiga CK, Linhares MB. Motor development curve from 0 to 12 months in infants born preterm. Acta Paediatr 2011;100:379-84. ), ao descreverem o desempenho motor de crianças nascidas pré-termo, demonstraram que as curvas de desenvolvimento, em um grupo de 308 bebês de zero a 12 meses de idade, denotavam desempenho abaixo do esperado para a idade. Reportou-se previamente tendência similar em diversos estudos com crianças de diferentes grupos etários( 1818. Lopes VB, Lima CD, Tudella E. Motor acquisition rate in Brazilian infants. Infant Child Dev 2009;18:122-32. , 1919. Saccani R, Valentini NC. Reference curves for the Brazilian Alberta Infant Motor Scale: percentiles for clinical description and follow-up over time. J Pediatr (Rio J) 2012;88:40-7. , 2121. Valentini NC, Saccani R. Brazilian validation of the Alberta Infant Motor Scale. Phys Ther 2012;92:440-7. ). Pesquisa com crianças da região nordeste é, até o momento, uma das poucas a verificar semelhanças no desempenho motor de bebês nordestinos e canadenses( 2525. Maia PC, Silva LP, Oliveira MM, Cardoso MV. Motor development of preterm and term infants - using the Alberta Infant Motor Scale. Acta Paul Enferm 2011;24:670-5. ).

Neste trabalho, a diferente trajetória do grupo de crianças brasileiras pode ter sido determinada por fatores de riscos que aumentam a vulnerabilidade e a predisposição a alterações motoras( 2626. Walker SP, Wachs TD, Gardner JM, Lozoff B, Wasserman GA, Pollitt E, Carter JA; International Child Development Steering Group. Child development: risk factors for adverse outcomes in developing countries. Lancet 2007;369:145-57. ). Crianças de países em desenvolvimento possuem maior exposição a fatores de risco biológicos, como a prematuridade e a desnutrição( 1313. Van Haastert IC, de Vries LS, Helders PJ, Jongmans MJ. Early gross motor development of preterm infants according to the Alberta Infant Motor Scale. J Pediatr 2006;149:617-22. , 2626. Walker SP, Wachs TD, Gardner JM, Lozoff B, Wasserman GA, Pollitt E, Carter JA; International Child Development Steering Group. Child development: risk factors for adverse outcomes in developing countries. Lancet 2007;369:145-57. ), e ambientais, como baixa procura por serviços de saúde( 2727. Campos D, Santos DC, Gonçalves VM, Montebello MIL, Goto MM, Gabbard C. Postural control of small for gestacional age infants born at term. Rev Bras Fisioter 2007;11:7-12. ), práticas maternas inapropriadas( 2828. Pin T, Eldridge B, Galea MP. A review of the effects of sleep position, play position, and equipment use on motor development in infants. Dev Med Child Neurol 2007;49:858-67.

29. Kuo YL, Liao HF, Chen PC, Hsieh WS, Hwang AW. The influence of wakeful prone positioning on motor development during the early life. J Dev Behav Pediatr 2008;29:367-76.
- 3030. Fetters L, Huang HH. Motor development and sleep, play, and feeding positions in very-low-birthweight infants with and without white matter disease. Dev Med Child Neurol 2007;49:807-13. ), bem como baixa escolaridade materna e paterna, vulnerabilidade socioeconômica e pouca estimulação em casa( 3131. Hamadani JD, Tofail F, Hilaly A, Huda SN, Engle P, Grantham-Mcgregor SM. Use of family care indicators and their relationship with child development in Bangladesh. J Health Popul Nutr 2010;28:23-33. , 3232. Raniero EP, Tudella E, Mattos RS. Pattern and rate of motor skill acquisition among preterm infants during the first four months corrected age. Rev Bras Fisioter 2010;14:396-403. ). Essa exposição repercute negativamente na aquisição dos marcos motores da infância. Por exemplo, recente estudo nacional( 3333. Zajonz R, Müller AB, Valentini NC. The influence of environmental factors in motor and social performance of children from the suburb of Porto Alegre. Rev Educ Fis 2008;19:159-71. ) demonstrou que crianças com desenvolvimento motor em níveis abaixo do esperado para sua faixa etária haviam sido amamentadas por curto espaço de tempo e eram provenientes de famílias de baixo poder aquisitivo, em que o pai era ausente. Portanto, a qualidade do estímulo ofertado em casa é determinante para a evolução de comportamentos motores( 3131. Hamadani JD, Tofail F, Hilaly A, Huda SN, Engle P, Grantham-Mcgregor SM. Use of family care indicators and their relationship with child development in Bangladesh. J Health Popul Nutr 2010;28:23-33. ), sendo um dos possíveis mecanismos pelos quais a baixa renda familiar, fator presente nos países em desenvolvimento, afeta negativamente as aquisições comportamentais da criança(26) e talvez seja responsável pelas diferenças observadas.

Embora esta seja uma explicação plausível para as diferenças observadas, chama a atenção de pesquisadores a inferioridade no desempenho observada também em países desenvolvidos como, por exemplo, Holanda e Austrália. Fleuren et al ( 1616. Fleuren KM, Smit LS, Stijnen T, Hartman A. New reference values for the Alberta Infant Motor Scale need to be established. Acta Paediatr 2007;96:424-7. ), ao avaliarem cem crianças holandesas até 12 meses de idade, demonstraram que 75% apresentaram percentil abaixo de 50, assim como escores inferiores em todas as faixas etárias avaliadas. Pesquisa com 800 crianças holandesas converge para resultados semelhantes de escores inferiores das crianças prematuras analisadas, mesmo utilizando-se a idade corrigida( 1313. Van Haastert IC, de Vries LS, Helders PJ, Jongmans MJ. Early gross motor development of preterm infants according to the Alberta Infant Motor Scale. J Pediatr 2006;149:617-22. ). Estudo longitudinal desenvolvido na Austrália verificou tendência similar, ao analisar crianças prematuras e a termo, aos quatro, oito e 12 meses, demonstrando inferioridade nos níveis de desempenho, independentemente da idade gestacional( 1212. Pin TW, Eldridge B, Galea MP. Motor trajectories from 4 to 18 months corrected age in infants born at or less than 30 weeks of gestation. Early Hum Dev 2010;86:573-80. ). Na Grécia, entretanto, Syrengelas et al ( 2020. Syrengelas D, Siahanidou T, Kourlaba G, Kleisiouni P, Bakoula C, Chrousos GP. Standartization of the Alberta Infant Motor Scale in full-term Greek infants: preliminary results. Early Hum Dev 2010;86:245-9. ), em estudo com 424 crianças, demonstraram que as curvas de desenvolvimento motor de bebês gregos e canadenses são semelhantes, ressaltando que os valores de referência da AIMS podem ser usados sem perda de informações clínicas importantes. Essa contradição de resultados internacionais ressalta que as propriedades de instrumento de avaliação como a AIMS sofrem interferência nos resultados frente à adaptação a outro meio e aos fatores socioeconômicos, étnicos e culturais distintos( 1616. Fleuren KM, Smit LS, Stijnen T, Hartman A. New reference values for the Alberta Infant Motor Scale need to be established. Acta Paediatr 2007;96:424-7. , 3434. Santos DC, Gabbard C, Goncalves VM. Motor development during the first 6 months: the case of Brazilian infants. Infant Child Dev 2000;9:161-6. ).

O valor médio e a variabilidade dos escores brutos indicam tendência à estabilização das aquisições motoras a partir dos 16 meses de idade, nos três países analisados. Cabe ressaltar a interferência do número reduzido de itens na AIMS para avaliar o desempenho motor nas extremidades etárias, diminuindo, assim, os parâmetros de dificuldade da escala( 2121. Valentini NC, Saccani R. Brazilian validation of the Alberta Infant Motor Scale. Phys Ther 2012;92:440-7. , 3535. Liao PJ, Campbell SK. Examination of the item structure of the Alberta Infant Motor Scale. Pediatr Phys Ther 2004;16:31-8. ). Valentini e Saccani relatam a pouca sensibilidade da AIMS nas extremidades etárias até os dois meses de idade e a partir dos 15 meses, conforme também observado nos valores de referência canadenses( 2121. Valentini NC, Saccani R. Brazilian validation of the Alberta Infant Motor Scale. Phys Ther 2012;92:440-7. , 2424. Piper MC, Darrah J. Motor assessment of the developing infant. Philadelphia: WB Saunders; 1994. ) e em estudo australiano de Pin et al ( 1212. Pin TW, Eldridge B, Galea MP. Motor trajectories from 4 to 18 months corrected age in infants born at or less than 30 weeks of gestation. Early Hum Dev 2010;86:573-80. ). Observa-se, portanto, com o uso da AIMS, o "efeito teto" nas aquisições comportamentais das crianças a partir dos 15 meses de idade.

Os resultados encontrados evidenciam que, a partir dos 15 meses, as crianças brasileiras apresentam desempenho similar ao das outras duas amostras populacionais. Uma possível explicação reside na maior exploração e interação com o ambiente, após o advento da marcha independente, o qual torna a criança mais autônoma e menos dependente da estimulação parental. Essa possibilidade deve ser considerada, já que uma pesquisa nacional apontou desempenho semelhante das crianças brasileiras comparadas ao das norte-americanas a partir dos seis meses, ao se utilizar, como instrumento de avaliação, a escala Bayley( 3434. Santos DC, Gabbard C, Goncalves VM. Motor development during the first 6 months: the case of Brazilian infants. Infant Child Dev 2000;9:161-6. ). Deve-se investigar ainda essa explicação, principalmente após a aquisição da marcha independente. Embora prevaleçam diferenças de desempenho entre as amostra investigadas, observa-se, ao longo dos cortes transversais, momentos de semelhança no desempenho motor das crianças dos três países, em percentis específicos (por exemplo, em crianças brasileiras e gregas aos quatro meses no percentil 90 e em crianças brasileiras e canadenses aos nove meses nos percentis 50 e 75). Esses dados são desafiadores e apontam para a necessidade de pesquisas futuras nas comparações em percentis específicos.

Outro aspecto interessante deste estudo foi a observação de desempenho motor não linear e períodos de maior estabilidade nas aquisições, como notou-se em estudos prévios( 1717. Formiga CK, Linhares MB. Motor development curve from 0 to 12 months in infants born preterm. Acta Paediatr 2011;100:379-84. , 1818. Lopes VB, Lima CD, Tudella E. Motor acquisition rate in Brazilian infants. Infant Child Dev 2009;18:122-32. ). Essa instabilidade nas aquisições motoras sinaliza a importância do acompanhamento da criança ao longo do tempo para identificar as reais alterações motoras e direcionar a intervenção às necessidades observadas, proporcionando melhor qualidade de vida a muitas crianças.

O presente estudo apresenta uma contribuição única e original para o conhecimento atual, uma vez que é o primeiro a comparar os percentis de três grupos populacionais. Porém, a falta de caracterização detalhada das amostras do Canadá e da Grécia limitou, em parte, as comparações das amostras populacionais, bem como a discussão quanto a peculiaridades de fatores de risco biológicos e ambientais das mesmas. A heterogeneidade das amostras do Brasil, do Canadá e da Grécia, embora possa representar um viés, justifica a importância do estudo e estimula a utilização de parâmetros nacionais na investigação do desempenho do desenvolvimento. Cabe destacar que a generalização dos resultados para toda a população brasileira só será possível após pesquisas futuras, que incluam diferentes regiões do país e garantam controle sobre as variações culturais existentes. Porém, os resultados do desta pesquisa sinalizam para uma possível categorização equivocada do desempenho de crianças brasileiras e, portanto, devem ser considerados, principalmente para amostras da população nacional com características socioeconômicas e culturais semelhantes às apresentadas.

A transversalidade do estudo pode ser vista como uma limitação por alguns pesquisadores, mas algumas vantagens essenciais estabeleceram-se com o uso desse desenho. O delineamento transversal permitiu a investigação de um grande grupo de participantes, a prontidão na coleta de informações sobre o fenômeno investigado e a menor perda amostral. Estudos transversais definem características demográficas e clínicas importantes e são considerados adequados para avaliar prevalência de atrasos e fatores de risco, objetivo deste trabalho. Futuras pesquisas podem, a partir desta investigação, determinar uma amostra para estudos de coorte e/ou ensaios clínicos.

Concluindo, as diferenças entre crianças brasileiras, canadenses e gregas foram prevalentes até os 15 meses de idade e um número representativo da amostra brasileira apresentou desempenho motor abaixo do esperado para idade (34,6%). Os resultados podem representar uma diferente trajetória no desenvolvimento, decorrente, possivelmente, da influência de fatores socioculturais, o que reforça a necessidade de se usarem as normas brasileiras para categorizar o desempenho motor de crianças.

Reconhecer as diferenças de desempenho entre grupos populacionais é fundamental para entender a vulnerabilidade de grupos específicos de crianças com atrasos motores, os quais repercutem na qualidade de vida e no cotidiano da população investigada. Essas informações são, portanto, essenciais para implantar programas compensatórios e de políticas públicas que visem a reduzir a ocorrência ou os efeitos de problemas motores sobre a criança e a família, principalmente em populações de baixa renda. A identificação de comportamentos motores inadequados permite que programas possam ser desenhados, oferecendo ajustes possíveis no cotidiano da criança e de sua família, que promovam o desenvolvimento e previnam atrasos, o que remete à melhor assistência e à redução de custos à Saúde Pública.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2013

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2012
  • Aceito
    08 Abr 2013
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