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TEPT balzaquiano: considerações diagnósticas

CARTA AOS EDITORES

TEPT balzaquiano: considerações diagnósticas

Rodrigo Grassi de Oliveira

MS, MD. Doutor em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS. Supervisor, Programa de Residência Médica em Psiquiatria, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), Porto Alegre, RS

Correspondencia Correspondência : Rodrigo Grassi-Oliveira Departamento de Pós-Graduação em Psicologia, Faculdade de Psicologia, PUCRS Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, Sala 933, Partenon CEP 90619-900, Porto Alegre, RS E-mail: rodrigo_grassi@terra.com.br

Prezados Editores,

De acordo com Balzac1, "uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis. A mulher jovem tem muitas ilusões, muita inexperiência. (...) Entre elas duas há a distância incomensurável que vai do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de não sê-lo, nada pode satisfazer". O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) está aproximando-se de seus 30 anos. Nasceu, em meio a atribuladas discussões da terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III), pelas mãos de nossa colega Nancy2. Durante esse período, tal como as mulheres de Balzac, sua maturação veio de sua fragilidade. O TEPT deixa de ser uma unidade intrínseca e passa ser visto como o produto das práticas pelas quais é estudado e diagnosticado3. Isso não significa que o TEPT não é um transtorno real, que gera sofrimento real, porém ainda está sendo construído e conceitualizado4. Nisso consiste sua força: o reconhecimento de sua fragilidade diagnóstica.

Frente a isso, algumas considerações se fazem necessárias:

a) Apesar da ambigüidade inerente à definição de trauma, é essencial o estabelecimento de um limiar de gravidade do estressor para o diagnóstico de TEPT. O critério A (DSM-IV) tenta estabelecer diretrizes para isso, levando em conta a resposta individual. Julgamentos mais criteriosos desse tópico estão relacionados com a diminuição na detecção do transtorno, assim como interpretações mais liberais, com o aumento5. Como regra, só é se qualifica para evento traumático o que estiver de acordo com o critério A do DSM-VI-TR.

b) Ainda que já se tenham proposto novos modelos de grupamentos sintomatológicos para o TEPT6, é absolutamente necessária a presença dos três grupamentos sintomatológicos - revivescência (critério B), evitação (critério C) e hiperexcitabilidade (critério D) - por pelo menos 30 dias (critério E) para o diagnóstico. Muitos profissionais são suscetíveis ao chamado viés confirmatório7, ou seja, uma vez que o clínico sabe que o cliente foi vítima de trauma e refere algum sintoma, tenderia a diagnosticar TEPT sem de fato revisar plenamente todos os clusters sintomatológicos. Assim, por exemplo, um assalto seguido de pesadelos recorrentes poderia levar à interrupção de uma investigação mais criteriosa e ao diagnóstico precoce de TEPT.

c) Para o diagnóstico de TEPT, a definição de disfunção ou sofrimento é uma tarefa altamente complexa, porém extremamente necessária. Se a significância clínica (critério F) não for considerada na avaliação, a probabilidade de diagnosticar TEPT após exposição a um evento traumático será aproximadamente 30% mais alta do que quando isso for considerado8.

d) O TEPT pode ser descrito de maneira categórica ou contínua9,10. O diagnóstico de TEPT assume que alguém entra ou não nessa categoria. Parte da importância de se usar diagnósticos categóricos seria a melhoria da confiabilidade entre diferentes avaliadores. Essa estratégia separa os indivíduos que estão muito sintomáticos daqueles que não possuem sintomas ou possuem sintomas moderados. Todavia, isso não significa que os indivíduos que possuem algum sintoma e não preenchem todos os critérios exigidos para o diagnóstico não apresentem disfunções de natureza pós-traumática (subsindrômicos). Nesses casos, avaliações através de escalas de rastreamento e gravidade como o Post-Traumatic Stress Disorder Checklist - Civilian Version (PCL-C)11 são mais apropriadas. Estudos de prevalência do diagnóstico devem utilizar os critérios diagnósticos previamente discutidos.

e) Por último, outra fragilidade no diagnóstico de TEPT seria a avaliação dos altos índices de comorbidades com outros transtornos psiquiátricos, que freqüentemente se sobrepõem e confundem os diagnósticos, particularmente a interface de TEPT com depressão maior.

Com essa breve comunicação, tentou-se mostrar que a aparente fragilidade do diagnóstico de TEPT reflete um amadurecimento na sua compreensão. É através da sutileza e da perspicácia clínicas, aliadas a ferramentas metodológicas robustas, que o balzaquiano TEPT se solidifica e satisfaz. Ao contrário do que Balzac falou sobre as mulheres, a fisionomia do TEPT começou antes dos 30 anos e deve ser respeitada.

Recebido em 29.08.2007.

Aceito em 30.08.2007.

  • 1. Balzac H. La femme de trente ans. Paris; 1842.
  • 2. Andreasen NC. Acute and delayed posttraumatic stress disorders: a history and some issues. Am J Psychiatry. 2004;161(8):1321-3.
  • 3. Solomon Z, Horesh D. Changes in diagnostic criteria of PTSD: implications from two prospective longitudinal studies. Am J Orthopsychiatry. 2007;77(2):182-8.
  • 4. Young A. The harmony of illusions: Inventing post-traumatic stress disorder. Princeton, NJ: Princeton University; 1995.
  • 5. Weathers FW, Keane TM. The Criterion A problem revisited: controversies and challenges in defining and measuring psychological trauma. J Trauma Stress. 2007;20(2):107-21.
  • 6. Asmundson GJ, Frombach I, McQuaid J, Pedrelli P, Lenox R, Stein MB. Dimensionality of posttraumatic stress symptoms: a confirmatory factor analysis of DSM-IV symptom clusters and other symptom models. Behav Res Ther. 2000;38(2):203-14.
  • 7. Parmley MC. The effects of the confirmation bias on diagnostic decision making. Philadelphia, PA: Drexel University; 2006.
  • 8. Breslau N, Alvarado GF. The clinical significance criterion in DSM-IV post-traumatic stress disorder. Psychol Med. 2007;37(10):1437-44.:1-8.
  • 9. Grubaugh AL, Elhai JD, Cusack KJ, Wells C, Frueh BC. Screening for PTSD in public-sector mental health settings: the diagnostic utility of the PTSD checklist. Depress Anxiety. 2007;24(2):124-9.
  • 10. Berlim MT, Perizzolo J, Fleck MP. [Posttraumatic stress disorder and major depression]. Rev Bras Psiquiatr. 2003;25 Suppl 1:51-4.
  • 11. Berger W, Mendlowicz MV, Souza WF, Figueira I. Equivalência semântica da versão em português da Post-Traumatic Stress Disorder Checklist Civilian Version (PCL-C) para rastreamento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Rev Psiquiatr RS. 2004;26(2):167-75.
  • Correspondência

    :
    Rodrigo Grassi-Oliveira
    Departamento de Pós-Graduação em Psicologia, Faculdade de Psicologia, PUCRS
    Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, Sala 933, Partenon
    CEP 90619-900, Porto Alegre, RS
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007
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