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Transtornos de humor bipolar na infância

EDITORIAL A CONVITE

Transtornos de humor bipolar na infância

Gibsi Possapp RochaI; Paulo de Tarso da Luz Fontes NetoII

IPsiquiatra. Professora, Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS

IIPsiquiatra. Mestre em Ciências Médicas: Pediatria, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS

Em 1845, Esquirol publicou um artigo sobre crianças com 5 anos de idade que apresentavam alterações de humor, dando início à psiquiatria infantil na literatura médica. Apesar de estar associado com taxas alarmantes de suicídio, comportamentos de alto risco e problemas escolares, apenas nas últimas décadas o transtorno de humor bipolar (THB) na infância tem recebido a devida atenção. São muitos os questionamentos e linhas de pesquisa em andamento; dentre elas, duas questões importantes estão tentando ser respondidas pelos pesquisadores:

- Comportamento explosivo, descontrolado e labilidade emocional em crianças e adolescentes iniciais podem ser diagnosticados como THB?

- THB nesta faixa etária é a mesma doença descrita em adultos?

Estamos assistindo, ultimamente, ao aumento do número de crianças e adolescentes sendo diagnosticados como portadores de THB. Esse fato também tem gerado diversas discussões no meio científico, levantando outros questionamentos sobre o motivo dessa elevação. Seria em função do aumento da identificação ou realmente o transtorno vem se tornando mais freqüente? Esse tipo de pergunta está fazendo com que a fenomenologia do transtorno esteja no em foco, com conseqüências interessantes relacionadas à sua identificação. Sem dúvida, o diagnóstico do THB está evoluindo à medida que se investigam as informações sobre a sintomatologia dos casos ao longo da vida, que se desenvolvem novos critérios diagnósticos com caracterização de possíveis subtipos, com a capacitação dos profissionais sobre o tema e o aperfeiçoamento de instrumentos de avaliação1.

Descontrole de humor em crianças e adolescentes jovens é freqüentemente associado com características do transtorno de personalidade borderline ou com transtornos de comportamento, levantando questões quanto à especificidade do diagnóstico, à sobreposição entre transtornos de humor e de personalidade e a validade do diagnóstico de transtornos de personalidade nessa faixa etária1.

Como vem sendo evidenciado o diagnóstico de THB em crianças e adolescentes jovens ainda é controvertido, embora, quando o início ocorre na adolescência média ou final, seja considerado similar ao do adulto. A apresentação clínica precoce da mania, por exemplo, pode se apresentar somente como piora de alguns comportamentos inadequados, como exacerbação de uma labilidade emocional, comportamentos impulsivos mais freqüentes, dificuldades de concentração, alterações de sono e piora nos relacionamentos sociais. Sendo estes comportamentos pré-existentes, mas menos intensos, muitas vezes não são percebidos facilmente pelos pais. Por outro lado, encontram-se relatos na literatura evidenciando alterações mais importantes de comportamento, referindo crianças-modelo que se tornaram, subitamente, crianças selvagens2. O National Institute of Mental Health chegou a um consenso, em 2001, de que o THB na infância pode ter apresentação fenotípica ampla ou circunscrita. Crianças e adolescentes com a apresentação circunscrita apresentam períodos de depressão maior e mania ou hipomania, enquadrando-se nas definições clássicas de THB tipo I ou II pelo Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais. A maioria desses jovens apresenta episódios múltiplos com ciclagem rápida e duração breve (< 4-7 dias) dos quadros de mania e hipomania. O espectro amplo constitui a maioria dos casos que chegam aos consultórios e clínicas. São quadros de muita irritabilidade, tempestades comportamentais, "ataques de fúria", labilidade de humor, sintomas depressivos, ansiedade, hiperatividade, problemas de concentração e impulsividade, podendo ou não apresentar periodicidade3. Em 2003, Leibenluft et al. sugeriram a inclusão de um tipo intermediário, com duas subcategorias: um grupo com sintomas de curta duração (1-3 dias) e um grupo com sintomas de hipomania ou mania com irritabilidade sem elação4. Sobre a ocorrência de sintomas característicos de THB em crianças, Kowatch et al., em 2005, realizaram uma metanálise e encontraram dados que demonstram a diversidade da sintomatologia5. Quanto à euforia, encontraram índices que variam de 14 a 89,5 em seus estudos6,7. Em relação à ocorrência de irritabilidade, apresentam dados entre 22 e 97,77,8. No critério grandiosidade, seus achados demonstram índices de 61,1 a 867,9. Quanto à existência de fugas de idéias, relatam achados de 44 a 698-10. O pensamento acelerado foi encontrado em 46,5 a 87,87-10. A diminuição da necessidade de sono foi encontrada em 61,1 a 95,19-11. A diminuição de crítica relatada pelos pesquisadores foi de 33,3 a 89,57,9. A hipersexualidade teve o seu relato variando entre 32,3 e 45,37,10. A pressão na fala foi encontrada em 67 a 96,57,8. A distratibilidade apresentou valores de 61,1 a 937,9, e o aumento de energia relatado foi de 81,1 a 1007,10.

Outro fato que chama a atenção é a quantidade e a importância do diagnóstico diferencial e das comorbidades no THB. Transtornos de ansiedade, transtorno de conduta, transtornos de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtornos psicóticos, entre outros, destacam-se por sua sintomatologia em comum com o quadro do THB e sinalizam para a importância de sua procura e discriminação minuciosa. THB pode ser diferenciado de TDAH pela presença de grandiosidade, elação, fuga de idéias, hipersexualidade e diminuição de sono12.

Quanto à segunda pergunta, tentando entender se a THB na infância é a mesma doença descrita em adultos, ainda não existem evidências conclusivas de que a THB pediátrica seja a mesma patologia vista em adultos, embora quadros maníacos psicóticos de início na adolescência pareçam similares ao THB visto em adultos13.

O THB na infância foi, durante muito tempo, subdiagnosticado e mal-reconhecido, confundindo-se com outros quadros psicopatológicos. Isso se deve às manifestações clínicas muito variáveis, com sintomas que se sobrepõem aos de outras doenças, e à variação da sintomatologia de acordo com a faixa do desenvolvimento desses pequenos pacientes. Não é nosso objetivo neste editorial levantar todas as questões envolvidas nesse tema tão complexo, e sim motivar os colegas a buscar cada vez mais substratos teóricos que possam auxiliar no manejo de seus pequenos pacientes.

  • 1. Lee Fu-I. Transtorno bipolar na infância e na adolescência. São Paulo: Segmento Frama; 2007.
  • 2. Carlson GA, Jensen PS, Findling RL, Meyer RE, Calabrese J, DelBello MP, et al. Methodological issues and controversies in clinical trials with child and adolescent patients with bipolar disorder: report of a consensus conference. J Child Adolesc Psychopharmacol. 2003;13(1):13-27.
  • 3. National Institute of Mental Health research roundtable on prepubertal bipolar disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2001;40(8):871-8.
  • 4. Leibenluft E, Charney DS, Towbin KE, Bhangoo RK, Pine DS. Defining clinical phenotypes of juvenile mania. Am J Psychiatry. 2003;160(3):430-7.
  • 5. Kowatch RA, Youngstrom E A, Danielyan A, Findling RL. Review and meta-analysis of the phenomenology and clinical characteristics of mania in children and adolescents. Bipolar Disord. 2005;7(6)483-96.
  • 6. Wozniak J, Biederman J, Faraone SV, Frazier J, Kim J, Millstein R, et al. Mania in children with pervasive developmental disorder revisited. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1997;36(11):1552-9.
  • 7. Geller B, Zimerman B, Williams M, Bolhofner K, Craney JL, Delbello MP, et al. Diagnostic characteristics of 93 cases of a prepubertal and early adolescent bipolar disorder phenotype by gender, puberty and comorbid attention deficit hyperactivity disorder. J Child Adolesc Psychopharmacol. 2000;10(3):157-64.
  • 8. Ballenger JC, Reus VI, Post RM. The "atypical" picture of adolescent mania. Am J Psychiatry. 1982;139(5):602-6.
  • 9. Lewinsohn PM, Klein DN, Seeley JR. Bipolar disorders in a community sample of older adolescents: prevalence, phenomenology, comorbidity, and course. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1995;34(4):454-63.
  • 10. Findling RL, Gracious BL, McNamara NK, Youngstrom EA, Demeter CA, Branicky LA, et al. Rapid, continuous cycling and psychiatric co-morbidity in pediatric bipolar I disorder. Bipolar Disord. 2001;3(4):202-10.
  • 11. Faedda GL, Baldessarini RJ, Suppes T, Tondo L, Becker I, Lipschitz DS. Pediatric - onset bipolar disorder; a neglected clinical and public health problem. Harv Rev Psychiatry. 1995;3(4):171-95.
  • 12. Geller B, Warner K, Williams M, Zimmermann B. Prepubertal and Young adolescent bipolarity versus ADHD: assessment and validity using the WASH-U-KSADS, CBCL and TRF. J Affect Disord. 1998;51(2):93-100.
  • 13. McClellan J, McCurry C, Snell J, DuBose A. Early-onset psychotic disorders: course and outcome over a 2-year period. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1999;38:1380-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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