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Editorial

EDITORIAL

Weber, em sua "Sociologia da Religião", dedica algumas considerações à arte, o que inclui a música. Originalmente, religião e arte estiveram muito próximas: a música, por exemplo, servia à religião como técnica de êxtase; a arte religiosamente inspirada rendeu muitos frutos. Mas quando acompanhamos, como pretende Weber, o que seria um processo que levaria à sistematização racional do modo de levar a vida, religião e arte tenderiam a divergir. De um lado, uma religião avessa aos efeitos eventuais da arte; de outro, a arte como fonte de uma ética alternativa à religiosa. Já neste número de Religião e Sociedade, dedicado ao tema da música, arte e religião estão muito próximas. O tema é explorado em muitas direções em sete dos artigos e em uma das resenhas à disposição do leitor.

Eloísa Martín analisa a relação entre uma cantora popular Argentina e seus fãs como algo devocional, colocando em jogo práticas de sacralização que não dispensam o uso do profano. Rachel Rua Bakke enfoca também uma cantora popular, agora no contexto da música brasileira, para ver como os valores, símbolos e vocabulários das religiões afros aparecem em sua produção artística. Robson de Paula acompanha a trajetória de três cantores evangélicos no Brasil, procurando entender as condições nas quais interagem com o ambiente eclesial e com a indústria fonográfica. Mylene Mizrahi oferece uma etnografia das performances e visões de um cantor de funk carioca, singularizado pela presença da religião evangélica e judaica em meio a um gênero onde predominam os temas eróticos e violentos. O universo evangélico permanece à baila no texto de Airton Jungblut, o qual trabalha os problemas identitários levantados pela absorção do rock em um ambiente religioso que lhe é predominantemente avesso. A contribuição Márcia Leitão recai sobre um segmento marginal e pouco conhecido do mesmo universo, definido pela interface produzida com vetores étnicos: a "música negra" evangélica. Lucas Kastrup, por sua vez, dedica-se a uma caracterização da música composta e executada em templos do Santo Daime, sobretudo as interpretações de seus líderes e fiéis sobre a gênese dos hinos religiosos em sua relação com os pensamentos, sentimentos e subjetividade. A resenha de María Eugenia Domínguez enfoca obra recente publicada na Argentina sobre a interação entre práticas musicais e religião em uma sociedade indígena.

Portanto, variam bastante as referências religiosas em questão, assim como variam muito as problematizações levantadas em cada um dos artigos. Em tantos destes, o que está em discussão é a própria passagem entre o religioso e o não religioso, tal como o permitem colocar personagens e práticas que envolvem a música em diversos gêneros e contextos. A multiplicidade é marca necessária de uma temática emergente, embora não se perca a conexão com abordagens consagradas. A perspectiva que Weber nos colocou continua certamente válida, acompanhada de muitas outras. Mas a variedade e a recorrência das conexões, efetivas e possíveis, entre religião e música nos faz lembrar de outro intelectual alemão quando registrou: "O mundo sem música seria um erro". Trata-se de Nietzsche, melômano assumido, que parecia não compartilhar da condição de alguém religiously unmusical confessada por Weber.

Este número, além de trazer outras duas resenhas (de Suene Almeida e Bianca Arruda), abre com um texto de Pierre Sanchis. Seu personagem é o Pe. Cícero, certamente muito cantado em versos de repentistas do Nordeste brasileiro. Sanchis toma a reavaliação eclesial em curso sobre o Pe. Cícero como oportunidade para uma rediscussão sociológica que incide sobre o presente e o futuro da "Igreja popular" desde as suas matrizes católicas no Brasil. Trata-se de tema muito visitado nas páginas desta revista, e quando Religião e Sociedade completa seus trinta anos nos pareceu mais do que adequado oferecê-lo com a ajuda de um destacado colaborador como é Pierre Sanchis mais uma vez à apreciação de nossos leitores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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