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O divino no humano e o humano no divino: esboço de uma cosmologia cristã-pentecostal

The divine within the human and the human within the divine: outline of a Pentecostal Christian cosmology

Resumos

Resumo: Este artigo apresenta uma reflexão acerca da relação entre homem e divindade na cosmologia cristã-pentecostal. Com base em uma experiência etnográfica de quase dois anos junto a crentes pentecostais na Assembleia de Deus em Península (Adep), o texto, primeiro, explicita a interpretação que os crentes dessa igreja fazem do mito de origem do homem em Gênesis para, em seguida, mostrar a sua relação com a doutrina pentecostal dos “pequenos deuses”. O artigo termina por estabelecer um diálogo entre a cosmologia cristã-pentecostal e a rediscussão que a antropologia contemporânea tem feito acerca dos conceitos de animismo e de perspectivismo.

Palavras-chave:
pentecostalismo; cristianismo; cosmologia; animismo


Abstract: This article presents a reflection on the relationship between man and divinity in the Christian Pentecostal cosmology. Settled on my ethnographic experience of almost two years with the Pentecostals of an Assembly of God, I, first of all, present the description believers give about the human myth of origin in Genesis, in order to show the relation of this explanation with the Pentecostal doctrine of “little gods”. The article ends by making a dialogue with the renewed discussion that contemporary anthropology has made about the concepts of animism and perspectivism.

Keywords:
Pentecostalism; believers; perspectivism; animism


Foi no final de 2011 que cheguei, pela primeira vez, na Assembleia de Deus em Península (Adep)1 1 O nome Península, referente ao ministério da Assembleia de Deus em que se deu meu trabalho de campo na favela Cidade de Deus, é fictício. . Em comparação com as outras igrejas evangélicas presentes na Cidade de Deus, Rio de Janeiro, ela era considerada uma igreja de médio porte e notória por ter muitos ex-traficantes como integrantes. Por volta de meados de 2013, contava com 211 membros dizimistas ligados à igreja matriz, e outros 350, levando em consideração as outras congregações ligadas ao ministério Península. Além do templo principal, onde transcorreu a maior parte de minha pesquisa, havia outros oito templos (ou, nas palavras dos crentes, congregações), nos quais também cheguei a assistir alguns cultos e outros eventos, ainda que de modo esporádico.

No templo principal - ou igreja matriz -, os cultos ocorriam todas as segundas, quartas, sextas e domingos. Por quase dois anos frequentei todos os cultos. De manhã, nas quartas e nos sábados, às 9 horas, e nas terças, às 15 horas, ocorriam os cultos de consagração. Estes eram normalmente frequentados por mulheres e jovens e dirigidos pela União Feminina, o grupo formado pelas varoas da igreja.

Os cultos de segunda-feira eram chamados de culto de libertação. Neles, a cura e o exorcismo, ou a batalha espiritual contra as agências demoníacas, eram a questão central. Esses cultos também se voltavam para as pessoas que não eram da igreja, em geral tidas como aquelas que verdadeiramente precisavam ser libertas. A dimensão evangelística, aqui, sobrepunha-se à dimensão apostólica. Na cosmologia cristã-pentecostal, como desenvolvo adiante, todos os seres humanos, pelo fato de terem sido originados do pecado adâmico, precisavam de libertação. Nesse culto, as orações e pregações voltavam-se sempre para os problemas mais concretos e imediatos das pessoas, como os vícios, os conflitos familiares ou conjugais, as enfermidades físicas e as doenças psíquicas. Todos esses problemas eram tratados a partir de suas causas espirituais, sendo relacionados, portanto, à baixa intensidade da presença do espírito santo de Deus na vida das pessoas.

Além do culto de libertação às segundas, havia o culto de campanha nas quartas-feiras. Ele era sempre orientado por um tema específico e pré-definido. Um exemplo de campanha, que pude acompanhar ao longo do trabalho de campo, foi a campanha pela família, em que, como o nome indica, energias, orações e pregações estavam voltadas para os conflitos familiares. Havia também nesses cultos, durante as semanas em que a campanha era realizada, o compartilhamento dos milagres e vitórias concedidas na vida de cada pessoa em relação à temática aludida.

Nas sextas-feiras, ocorriam os cultos de doutrina. Diferentemente dos cultos de segunda e de quarta, eles eram considerados “cultos internos”, voltados para os membros da igreja. Neles, prevaleciam a dimensão apostólica, a que visa normatizar os participantes e regular possíveis transgressões e problemas.

Aos domingos, pela manhã, havia a escola bíblica dominical. Esta só não ocorria no segundo domingo do mês, quando acontecia o culto mais solene da igreja, o culto da Santa Ceia. A escola bíblica era um culto de ensino e contava com uma apostila temática trimestral feita pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus, conhecida como CPAD. No mundo tereis aflição e Prosperidade são dois exemplos de títulos desse material que pude acompanhar com os membros da Adep.

As escolas bíblicas eram momentos particularmente propícios para uma discussão mais especulativa e teológica. Foi, inclusive, nelas que passei a me aproximar de Maia. Conhecido por ter sido ex-dono da boca de fumo local, ele era um ser carismático e, embora ainda não fosse pastor, mas presbítero, gozava de um prestígio maior do que os demais pastores. Por ser muito inteligente e dado a reflexões especulativas, Maia tornou-se um dos meus interlocutores privilegiados. Foi ele que, pela primeira vez, me falou da tese, que desenvolvo adiante, de que o homem seria um “pequeno Deus”.

Como fruto dessa interação semanal nas escolas bíblicas dominicais da Adep, reuni um considerável material empírico com base no qual, neste presente texto, pretendo apresentar um esboço de uma cosmologia cristã-pentecostal2 2 O resultado desta etnografia está presente em minha tese de doutorado (Corrêa 2015). . Em outros termos, procurarei expor uma cosmologia que pude apreender e elaborar reflexivamente a partir das leituras e diálogos que estabeleci com Maia e outros membros da Adep.

A literatura sobre pentecostalismo no Brasil

No que diz respeito à literatura sobre religião que trata do pentecostalismo no país, creio que é possível divida-la em três grandes blocos ou constelações. Um primeiro é constituído sobretudo por sociólogos que procuram explicar os pentecostais, voltando-se para a relação que possuem com a pobreza, a urbanização e os contextos de escassez. Merecem menção, dessa constelação, os trabalhos pioneiros de Fernando Cartaxo Rolim (1985ROLIM, Fernando Cartaxo. (1985), Pentecostais no Brasil: uma interpretação sócio-religiosa. Petrópolis: Editora Vozes.), de Cecília Mariz (1994MARIZ, Cecília. (1994), Coping with poverty: Pentecostals and Christian base communities in Brazil. Philadelphia, Pa.: Temple Univ. Press.) e aqueles de Reginaldo Prandi (1997PRANDI, Reginaldo. (1997), Um sopro do Espírito. São Paulo: Edusp. ) e Ricardo Mariano (2005MARIANO, Ricardo. (2005), Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 2ª ed.). Apesar de suas variações, tais autores têm em comum a mobilização de variáveis exógenas às formas de vida dos pentecostais, fazendo eco ao seguinte raciocínio: o pentecostalismo cresce em regiões pobres e periféricas (o que é mensurável estatisticamente) exatamente porque fornece elementos necessários para as populações mais vulneráveis do país lidarem com e enfrentarem os problemas advindos da acelerada e desordenada urbanização.

A segunda constelação é formada por autores diretamente ligados a outras religiões - em geral, católica ou protestante histórica. Giumbelli (2001GIUMBELLI, Emerson (2001), “A vontade do saber: terminologias e classificações sobre o protestantismo brasileiro”. Religião & Sociedade , vol. 21, n° 1: 87-120.) mostrou como boa parte dos autores envolvidos no debate sobre a religião no Brasil são cientistas sociais que foram ou ainda são ligados, em sua trajetória, ao universo religioso. Não se trata, evidentemente, de reduzir a análise desses autores à polarização um tanto ingênua entre ciência e religião, mas, em vez disso, de explicitar os elementos que estão em jogo nas categorizações sobre as religiões no país. Emblemáticos desse grupo são Antônio Gouvêa Mendonça e Prócoro Velasques Filho, que escreveram juntos o livro Introdução ao Protestantismo no Brasil (1990VELASQUES FILHO, Prócoro; MENDONÇA, Antônio Gouvêa. (1990), Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Edições Loyola .). Para essa tradição de autores diretamente vinculados ao universo religioso cristão, o que está em jogo é a definição do que seja a boa prática “cristã” e a defesa do uso de uma “teologia racional” capaz de distinguir e discernir corretamente o que é da ordem do profano e o que é da ordem do sagrado. Os pentecostais e neopentecostais são vistos, por tal constelação, como uma espécie de degeneração do “bom” e “autêntico” cristianismo.

Por fim, há um terceiro bloco constituído de autores cujo escopo é menos explicar o pentecostalismo com base em variáveis sociológicas, ou compará-los com uma teologia cristã mais “racional” ou “erudita”, e mais fazer uma descrição etnográfica a partir de suas expressões em formas de vida particulares. Por serem trabalhos vinculados à antropologia, saber mais alinhado à obsessão pela alteridade e à descrição dos coletivos a partir de seus critérios imanentes, esses autores buscam uma perspectiva mais compreensiva e descritiva que explicativa. O trabalho de Regina Novaes (1985NOVAES, Regina. (1985), Os escolhidos de Deus. Rio de Janeiro: Marco Zero.) é, sem dúvida, pioneiro e merece destaque, o mesmo podendo ser dito a respeito dos trabalhos de Patrícia Birman (2012BIRMAN, Patricia. (2012), “Cruzadas pela paz: práticas religiosas e projetos seculares relacionados à questão da violência no Rio de Janeiro”. Religião & Sociedade, vol. 32, nº 1: 209-226. ), Carly Machado (2014MACHADO, Carly Barboza. (2014), “Pentecostalismo e o Sofrimento do (Ex) Bandido: Testemunhos, Mediações, Modos de Subjetivação e Projetos de Cidadania nas Periferias”. Horizontes Antropológicos, vol. 20, n° 42: 153-180.), Christina Vital da Cunha (2008VITAL DA CUNHA, Christina. (2008), “‘Traficantes evangélicos’: novas formas de experimentação do sagrado em favelas cariocas”. Plural, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, vol. 15: 23-46., 2014VITAL DA CUNHA, Christina. (2014), “Religião e criminalidade: traficantes e evangélicos entre os anos 1980 e 2000 nas favelas cariocas”. Religião & Sociedade , vol. 34, nº 1: 61-93., 2015VITAL DA CUNHA, Christina. (2015), Oração de traficante: uma etnografia. Rio de Janeiro: Garamond.), Cesar Teixeira (2008TEIXEIRA, Cesar Pinheiro. (2008), “O pentecostalismo em contextos de violência: uma etnografia das relações entre evangélicos pentecostais e traficantes de drogas em Magé”. Ciências Sociais e Religião/Ciencias Sociales y Religión, vol. 10, nº 10: 181-205., 2011TEIXEIRA, Cesar Pinheiro. (2011), A construção social do “ex-bandido”: um estudo sobre sujeição criminal e pentecostalismo. Rio de Janeiro: 7Letras., 2013TEIXEIRA, Cesar Pinheiro. (2013), A teia do bandido - um estudo sociológico sobre bandidos, policiais, evangélicos e agentes sociais. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Sociologia, UFRJ.), Bruno Reinhardt (2015REINHARDT, Bruno. (2015), “A Christian plane of immanence? Contrapuntal reflections on Deleuze and Pentecostal spirituality”. Hau: Journal of Ethnographic Theory, vol. 5, nº 1: 405-436., 2016, 2020).

Identifico-me, em particular, com essa terceira constelação e aqui pretendo justamente me somar a ela, contribuindo com a elaboração do que chamo de “cosmologia cristã-pentecostal”. Meu ponto será sublinhar a singularidade do pentecostalismo no que diz respeito ao modo como ele, em sua cosmologia, concebe a relação entre homem e Deus, natureza e sobrenatureza.

Para isso, irei, num primeiro momento, exibir como os crentes com os quais convivi na Adep concebem o mito de origem dos homens, a partir de uma interpretação particular do livro de Gênesis. Farei isso com base em trechos de entrevistas com Maia, um dos principais interlocutores e membro da igreja supracitada. Em um segundo momento, manifesto a relação que essa interpretação particular tem com a doutrina, apregoada por diversos teólogos pentecostais contemporâneos, dos “pequenos deuses”. Por fim, concluo com um debate sobre como essa discussão pode se beneficiar de contribuições etnográficas oriundas de outros contextos do que aqueles da religião, como nos trabalhos de Nurit Bird-David (1999BIRD-DAVID, Nurit. (1999), “‘Animism’ Revisited: Personhood, Environment, and Relational Epistemology”. Current Anthropology, Special Issue Culture - A Second Chance?, vol. 40: 67-S91. ), Tim Ingold (2000INGOLD, Tim. (2000), The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge., 2011INGOLD, Tim. (2011), Being Alive: Essays on movement, Knowledge and description. London: Routledge .), Bruno Latour (1994LATOUR, Bruno. (1994), Jamais Fomos Modernos. Ensaio de Antropologia Simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34 . ), Rane Willerslev (2007WILLERSLEV, Rane. (2007), Soul Hunters: Hunting, Animism, and Personhood Among the Siberian Yukaghirs. California: University of California Press.), Eduardo Viveiros de Castro (1996VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (1996), “Os Pronomes Cosmológicos e o Perspectivismo Ameríndio”. Mana, vol. 2, nº 2:115-144.), Philippe Descola (2005DESCOLA, Philippe. (2005), Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard.), entre outros, sobre animismo, perspectivismo e a ontologia dos “modernos”. Meu objetivo, com a incorporação desses autores da antropologia contemporânea que rediscutem o conceito de animismo, é, em primeiro lugar, apontar como eles podem ajudar a compreender a relação entre homem e Deus expressa pela cosmologia cristã-pentecostal de modo distinto à perspectiva secularista padrão. Em segundo lugar, pretendo também mostrar como o estudo e a exposição dessa cosmologia que apregoa uma continuidade cósmica entre natureza e sobrenatureza podem contribuir para ampliar o repertório da antropologia em torno das discussões sobre o animismo.

Antes de passar à próxima seção, vale acrescentar uma nota sobre o conceito de cosmologia. A fim de evitar possíveis mal-entendidos ou más interpretações, gostaria de enfatizar que quando falo em “cosmologia cristã-pentecostal” não me refiro a um conjunto sistematizado e coerente de representações e relações que, por meio de um processo de socialização, se encontra inculcado em todo e qualquer crente. Também não considero a cosmologia uma espécie de “jaula de ferro” na qual aqueles que se convertem ao cristianismo de orientação pentecostal ficam prisioneiros e não podem acionar outros registros e regimes (Boltanski 1990BOLTANSKI, Luc. (1990), L’amour et la justice comme compétences: trois essais de sociologie de l’action. Paris: Métailié. ) - uma “espécie de teologia dogmática” (Viveiros de Castro 2002VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2002). “O nativo relativo”. Mana , vol. 8, nº 1: 113-148.) que eles precisam necessária e mecanicamente seguir uma vez conversos.

Estou ciente de que os crentes variam muito entre si e, por isso mesmo, seria leviano afirmar que todos compartilham um mesmo conjunto de conceitos, percepções e prescrições - ou mesmo uma cosmologia comum. Há ênfases sempre distintas e não necessariamente o que um crente diz o outro concorda. Apesar disso, não deixo de considerar como heuristicamente válido o trabalho reflexivo do pesquisador que, partindo de experiências vividas junto aos nativos no campo, se põe a tarefa de desenvolver traços cosmológicos potencialmente (senão compartilhados, ao menos) compartilháveis pelos seus interlocutores. Quero dizer, com isso, que considero os desdobramentos metafísico-cosmológicos que extraio das experiências concretas que tive junto aos crentes da Adep sempre suficientemente singulares a ponto de não serem generalizáveis para todo e qualquer crente, ao mesmo tempo que sempre suficientemente generalizáveis a ponto de não serem redutíveis a um único crente singular - ou à minha experiência vivida enquanto pesquisador.

Sustento, pois, que a explicitação da cosmologia que pude desenvolver a partir do convívio reiterado com o universo crente em situações de campo se situa a meio caminho entre a generalização absoluta (“todo crente certamente sabe, já viveu ou viverá essa experiência”) e a singularização total solipsista (“essa experiência de um crente particular é redutível apenas a ele próprio, sendo impossível de ser vivida, compreendida por qualquer outro crente”). Assim, afirmo que, se há crentes da igreja da Adep que potencialmente não irão se reconhecer nos desdobramentos metafísicos que produzo, estou certo de que eles conceberão o que descrevo como sendo possível e passível de ser pensado, justificado ou sustentado por um “outro” (crente) “generalizado”, para falar nos termos de George Herbert Mead (1934MEAD, George Herbert. (1934), Mind, Self and Society. Chicago: University of Chicago.).

Por fim, quero ratificar que as reflexões adiante tratadas assumem que a cosmologia é um arranjo conceitual reflexivamente construído por mim enquanto pesquisador, feito sempre a posteriori e em certo sentido em atraso, com base nas situações vividas no campo e nos contrastes conceituais que emergem do contato com os meus interlocutores. A cosmologia, então, deve ser entendida como uma resultante de um exercício que busca tornar visível e extrair o valor heurístico dos contrastes entre sistemas metafísicos comparados (Charbonnier, Salmon & Skafish 2017CHARBONNIER, Pierre; SALMON, Gildas; SKAFISH, Peter (orgs.). (2017), Comparative metaphysics: ontology after anthropology. Lanham: Rowman & Littlefield International.). Nesse sentido, o ideal regulativo que motiva o exercício especulativo que aqui proponho não é a procura por uma neutralidade axiológica, cuja tarefa seria exprimir a cosmologia cristã-pentecostal de forma objetiva e neutra, mas explorar de maneira sistemática a fricção oriunda dos contrastes e das parcialidades ontológicas que emergiram na comparação entre conceitos e sistemas metafísicos - os nossos, secularistas, e os deles, não seculares.

A singularidade do pentecostalismo

Foi na convivência reiterada com os crentes na favela Cidade de Deus e as discussões mais especulativas nas escolas bíblicas, sobretudo na interlocução com Maia, que eu comecei a me interrogar sobre a evidência da divisão entre natural e sobrenatural. Em vários momentos dos cultos, pregações e aulas, por maior que fosse o meu esforço, era-me impossível distinguir os ambientes e locais nos quais se podia assinalar a presença de agências espirituais ou divinas e aqueles exclusivos para ações profanas. Um pequeno passeio com qualquer crente da Adep pela Cidade de Deus bastava para perceber que, para eles, as entidades espirituais estavam espalhadas por todos os lugares da favela. Biroscas, salões de beleza, quadras de samba, igrejas, bocas de fumo e postos da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), tudo estava saturado pela intencionalidade de agências espirituais. Não havia espaço totalmente “desencantado”, “neutro” ou “matéria morta”: tudo, absolutamente tudo, estava virtualmente impregnado pela presença do espírito santo e/ou das agências espirituais.

Como apontam diversos trabalhos (Anderson 2004ANDERSON Allan. (2004), An introduction to Pentecostalism. Global charismatic Christianity. Cambridge: Cambridge University Press.; Macchia 2010MACCHIA, Frank. (2010), Justified in the Spirit: creation, redemption, and the triune God. Pentecostal Manifestos. Grand Rapids: William B. Eerdmans.; Smith 2010SMITH, James. (2010), Thinking in Tongues: Pentecostal Contributions to Christian Philosophy. Grand Rapids: William B. Eerdmans . ; Neumann 2012NEUMANN, Peter. (2012), Pentecostal Experience: An Ecumenical Encounter. Princeton Theological Monograph Series. Eugene, OR: Pickwick.), a singularidade do pentecostalismo dentro do universo cristão reside precisamente na ênfase que ele confere tanto à imediatidade da relação entre homem e o espírito santo quanto à contemporaneidade dos poderes deste último. O pentecostalismo situa-se no que se convencionou chamar de movimento carismático, já que ele é parte da fração do cristianismo que enfatiza os carismas, isto é, os dons do espírito santo. O próprio pentecostalismo, enquanto doutrina bíblica, surge de uma retomada interpretativa de Atos 2, passagem na qual o Apóstolo Paulo descreve o evento de Pentecostes, no qual os discípulos de Jesus reunidos foram tocados por “línguas de fogo” e, cheios do espírito santo, passaram a falar em outras línguas (Atos 2:1-4). O “falar em línguas” ou a glossolalia é, não por acaso, dentro do pentecostalismo, tido como um dos principais exemplos de manifestação do espírito santo.

Antes de aprofundar a discussão em torno do pentecostalismo, queria agora me deter sobre o mito de origem que os pentecostais da Adep com os quais convivi apresentavam para explicar o surgimento do homem.

O mito de origem cristão-pentecostal

Se Lévi-Strauss certa vez, em resposta a Didier Eribon, afirmou que um mito é “a história de um tempo no qual humanos e animais não se diferenciavam um do outro” (Eribon & Lévi-Strauss 1988ERIBON, Didier; LÉVI-STRAUSS, Claude. (1998), De près et de loin. Paris: Editions Odile Jacob.:193), o mesmo pode ser dito a respeito do mito de origem cristão-pentecostal: ele remete a um estado originário no qual Deus e os homens não se diferenciavam um do outro ou, como me disse várias vezes Maia em escolas bíblicas, “viviam em plena e completa comunhão”. E se é verdade, como Viveiros de Castro (2015VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2015), Metafísicas Canibais. São Paulo: Cosac Naify.:80) afirmou, que os “mitos falam do estado em que corpos e nomes, almas e afetos, o Eu e o Outro interpenetravam-se, submersos no mesmo e imanente meio pré-subjetivo e pré-objetivo”, defendo aqui que o mito pentecostal do paraíso não é apenas a descrição do estado no qual Deus e os homens se interpenetravam, submersos no mesmo e imanente meio pré-subjetivo e pré-objetivo, como também o relato de como eles se diferenciaram posteriormente no plano terrestre.

Quando, em diversos momentos mais especulativos, conversava sobre a origem da humanidade com Maia, a passagem que ele frequentemente evocava era a de Gênesis 1:26-28. Não haveria nada de especial em tal referência se não fosse uma peculiaridade no modo como essa parte bíblica me era comumente apresentada por ele. Maia costumava dizer que “Deus fez o homem perfeito, igualzinho a Deus, e [que] Deus deu ao homem, à humanidade, todos os Seus atributos: amor, paz, perdão, longanimidade, poderes, perfeição, tudo de Deus, tudo de bom, Deus colocou no homem” (entrevista com Maia, 24/12/2014Entrevistas com Maia, 20 de outubro de 2013, 22 de setembro e 24 de dezembro de 2014., grifo nosso). Antes do pecado original, segundo o presbítero da Adep, Deus teria feito o homem perfeito, à sua imagem e semelhança, isto é, “igualzinho a Ele”. O homem, portanto, possuía, no início dos tempos, todos os traços e atributos da divindade; como diz Maia, ele era dotado de “todos os atributos de Deus” - o que significa que o homem era uma divindade.

A condição divina do homem só teria sido perdida com o pecado original. No jardim do Éden, Maia afirma, “Deus teria colocado a árvore da ciência, do bem e do mal, e a árvore da vida, e teria dito ao homem para que não comesse do fruto da primeira árvore. Foi só então ao fazê-lo que o homem teria perdido a imagem e a semelhança com Deus, tornando-se um homem pecador, que queria viver a sua própria independência, um homem rebelde” (entrevista com Maia, 21/10/2013). Na narrativa mítica dos crentes, o pecado original teria quebrado a comunhão indiferenciante entre o homem e Deus, sendo o processo de “humanização” do homem, na verdade, uma espécie de “desdivinização”. Neste aspecto, o homem seria aquele que, em razão do pecado original, se constituiria a partir da perda dos atributos divinos.

Teria sido o pecado original, portanto, que teria cindido essa relação originária de unidade entre Deus e o homem, introduzindo nela o espaço para a atuação do diabo e dos demônios3 3 Importante se faz ressaltar que, no presente texto, deixaremos de lado, por razões de espaço, as questões cosmológicas relativas ao diabo e aos demônios. . Ao mesmo tempo, essa espécie de bifurcação cósmica entre homem e Deus que o pecado teria inaugurado, não seria para os crentes intransitiva e duraria ad eternum. De fato, o homem, a partir de então, teria passado a nascer e emergir do (e com o) pecado. Ele viria ao mundo, à Terra, “desdivinizado”, portanto. Todavia, isso não quer dizer que ele tivesse sido condenado a permanecer nesse estado de forma peremptória. Pelo contrário, o potencial transformador e metamórfico da cosmologia cristã-pentecostal consiste justamente em chamar a atenção para o fato de que, ao menos em princípio (e enquanto o homem fosse vivo), a “desdivinização” seria virtualmente reversível. Afinal, se por um lado o homem teria nascido com o pecado, ele teria também sido, em função da sua vinculação originária com Deus, dotado do espírito santo (de Deus). Dessa forma, o homem, ao menos em potência, sempre pode recuperar a relação original e primordial com o próprio Deus. Segundo a cosmologia cristã-pentecostal, encontra-se sempre em aberto a possibilidade do homem, desde que vivo, de se “redivinizar”.

Contudo, cabe perguntar como, segundo os crentes da Adep, se daria esse processo de redivinização? Aqui, entra a importância das duas outras figuras da trindade, que eles tanto mobilizam em conversas e pregações: Jesus Cristo e o espírito santo. No que diz respeito ao primeiro, ele é a condição de possibilidade dessa reversão. Do mesmo modo que os humanos advêm ao mundo já “humanizados” (ou seja, “desdivinizados”) pelo pecado herdado de Adão, eles possuem, ao mesmo tempo, a possibilidade de reobterem e recuperaram a imagem e semelhança perdida com Deus. Jesus é, neste sentido, o exemplo humanizado de Deus: ele exerce uma espécie de exemplaridade contínua (Reinhardt 2016REINHARDT, Bruno. (2016), “De epifania a método: a teopolítica do testemunho em um seminário pentecostal em Gana”. Religião & Sociedade , vol. 36, nº 2: 44-70.). Aceitar Jesus como “único e suficiente Salvador” é tomá-lo como caminho da salvação, mas também como exemplo de como o crente deve se comportar para obtê-la. Só assim - e aqui o espírito santo assume toda a sua relevância teológica - o homem pode ter o espírito que o habita não mais adomercido, mas desperto e, portanto, capaz de fazê-lo recuperar a origem indiferenciada com Deus. Segundo as palavras de Maia:

Como é dito em João 3, 16, Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu único filho [Jesus Cristo] para que você e eu, nossos irmãos, que estávamos perecendo, deixássemos de perecer e tivéssemos uma vida eterna em Cristo, Jesus. É somente Nele que podemos ter uma restauração, a vida eterna. É somente no aceite dele que todas as capacidades que perdemos quando estávamos lá no Éden com Deus podem ser reconquistadas. E é o espírito que nos habita, e que acorda quando aceitamos Jesus, que nos permite essa reconquista. Independentemente de a pessoa estar no espiritismo, no tráfico, na droga, na prostituição, todos têm salvação, todos tem como readquirir essa comunhão original. Deus não viu maconheiro, prostituta, traficante, ele viu uma raça de pecadores. Uma raça de pecadores que, desde que aceitassem o Seu filho como único e suficiente salvador e seguisse a sua palavra, seriam salvos. (entrevista com Maia, 22/09/2014).

A narrativa de Maia, que se calca no que aqui chamamos de mito de origem cristão-pentecostal, enfatiza que a semelhança perdida com Deus pode (e mesmo deve) ser reconquistada. Portanto, a “desdivinização”, entendida como um progressivo processo de afastamento e consequente perda de atributos comumente associados a Deus, é apresentada como reversível. Nesse sentido, não é exagero dizer que o processo de restauração e de reconciliação por meio do aceite de Jesus Cristo e do batismo nas águas é um processo de “redivinização” do homem.

Contudo, importa definir melhor o que seria exatamente “redivinizar”. Ora, é óbvio para qualquer crente que um homem, um convertido qualquer que seja, não pode se tornar Deus. Desde já, é preciso deixar claro, não se trata de uma troca substantiva de termos que permanecem integralmente diferentes. Se há algo que todos os crentes comumente associam à loucura e à megalomania (e mesmo ao engano provocado pelo diabo) é o homem pensar que é Deus. Aliás, uma das críticas mais comuns no universo pentecostal refere-se àqueles que deixam o poder do Espírito de Deus “subir à cabeça”, achando, eles mesmos, que se tornaram o próprio “Deus”.

Por isso, de modo a detalhar melhor o que significa “redivinizar”, irei trazer à baila a doutrina, existente dentro do universo do pentecostalismo, que defende que os homens são “pequenos deuses”. Deixo claro que cheguei ao conhecimento dessa doutrina a partir de uma conversa com Maia que, para que eu entendesse melhor o que ele queria dizer, me disse para assistir a uma palestra do pastor Marco Feliciano no YouTube.

O homem como pequeno deus

Em 2015, o pastor Marco Feliciano, que pertence à Catedral do Avivamento, uma igreja pentecostal ligada à Assembleia de Deus, sustentou tal doutrina no Congresso dos Gideões, na cidade de Camboriú, Santa Catarina. Em sua pregação, ele assim a expôs:

O que eu vou falar agora, eu espero que não escandalize muito. A minha Bíblia Sagrada diz assim, no livro do Êxodo, capítulo 7, versículo 1: “Então, disse o SENHOR a Moisés: Vê que te constituí como Deus sobre Faraó, e Arão, teu irmão, será teu profeta”. O meu Deus chamou a Moisés e disse: “você não vai ter medo sobre o Faraó”. E Moisés lhe perguntou: “por que, meu Senhor?”. Ao que o Senhor respondeu: “Porque você vai ser Deus sobre ele”. Podem achar que é uma heresia, mas está escrito aí, na tua Bíblia. Não se assuste: leia em Êxodo 15, 11. A Bíblia diz assim: “Ó, Senhor, quem é como tu entre os deuses? Quem é como tu glorificado em santidade, admirável em louvores, realizando maravilhas?” […] Agora vamos em Salmos 8, 5-6: “Pois pouco menor o fizeste do que os deuses, e de glória e de honra o coroaste”. O salmista está dizendo que quando Deus fez os homens, ele os fez um pouco menor do que si mesmo. Se você acha que isso basta… Os homens estavam discutindo com Jesus, e Jesus lhes disse: “eu sou filho de Deus”. Os homens tentaram prendê-lo, e Jesus foi em cima deles e lhes disse assim: “Vós sois deuses, e vós outros sois todos filhos do Altíssimo”. E tem mais, no Salmo 82, 6, está escrito: “Vós sois deuses, e todos vós filhos do Altíssimo”. Será que alguém começa a compreender o que eu estou dizendo aqui? Vou utilizar a explicação mais simples de todas. Essa, todo mundo vai me compreender. Tem um ditado popular que diz que filho de peixe… [a plateia repete:] peixinho é; filho de cachorro, [a plateia repete:] cachorrinho é; e filho de cavalo? [a plateia repete:] cavalinho é; filho de girafa, [a plateia repete:] girafinha é; filho de baleia, [a plateia repete:] baleinha é; filho de pássaro, [a plateia repete:] passarinho é. E filho de Deus? [Silêncio] Não, você não compreendeu ainda. Deus não fez o homem para ser uma divindade, mas o homem é como se fosse um deus pequenininho. Um deus diminuto. Um deus que morre. Mas é um Deus em essência de poder, porque ele é filho de Deus 4 4 Transcrição da palestra que está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=L6uKQcKBniI. Acesso em: 27/12/2019. .

A longa passagem da pregação de Feliciano explicita três pontos comuns à doutrina dos “pequenos deuses” que alguns membros da Adep defendiam. Primeiro, segundo ela, a relação entre Deus e homem não é externa e transcendente, mas interior e imanente: a filiação confere a ambos atributos e capacidades que são da mesma natureza, já que ambos pertenceriam a uma mesma substância. Segundo, Feliciano explicita o fato de o homem não ser Deus, mas um “deus diminuto”, afastando a possível confusão de que a doutrina dos pequenos deuses estaria colocando homem e Deus em uma relação de identidade absoluta. Por fim, ele define o homem como “um Deus em essência de poder”. Trata-se aqui de um ponto fundamental cujo detalhamento deixarei para um outro texto. Em todo caso, convém ressaltar que, quando Feliciano declara “em essência de poder”, ele se refere justamente aos carismas. E isso porque, de acordo com a cosmologia cristã-pentecostal, a forma privilegiada pela qual o homem se expressa como um “deus diminuto” é por intermédio do exercício dos carismas. Questão essa, vale enfatizar, que está em consonância com a fala de Maia acima, quando ele diz expressamente que “Deus deu ao homem, à humanidade, todos os seus atributos”.

Imperativo se faz ratificar que Feliciano não está argumentando que o homem se tonará o próprio Deus, mas sim que Deus e o homem não são de natureza distinta. Em outras palavras, conforme a cosmologia cristã-pentecostal que aqui destacamos, existe a possibilidade de a divindade ser obtida pelo homem enquanto um atributo relacional, particular e processual. Grosso modo, um crente pode, sim, ser Deus, isto é, assumir um devir próprio à divindade (Zourabichvili 2019ZOURABICHVILI, François. (2019), “O que é um devir? (Parte 1)”. Blog do Sociofilo, 2019. Disponível em: Disponível em: https://blogdolabemus.com/wp-content/uploads/2019/12/O-que-%C3%A9-um-devir-para-Gilles-Deleuze_Parte-1.pdf . Acesso em: 20/05/2020.
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) desde que (1) de modo relacional, já que sempre relativamente a alguém ou a alguma coisa; (2) de modo parcial, posto que sempre a partir do exercício de um determinado dom ou capacidade determinada; (3) e, por fim, de modo provisório, visto que sempre por uma duração específica e finita.

Marco Feliciano, contudo, não foi o primeiro nem é o único, dentro do universo pentecostal, a advogar por tal doutrina. Ao aprofundar-me nesta perspectiva dos pequenos deuses, sempre em conversas e articulação dialógica com Maia, percebi que Feliciano apenas expôs um conjunto de ideias que outros teólogos mais importantes e renomados no meio pentecostal internacional, como David Copeland, Benny Hinn, Creflo Dollar, etc., já defenderam. No livro de Joseph Bachota, Word of Faith PreachersBACHOTA, Jr., Joseph. (2010), Word of Faith Preachers: How Misinterpretation of Scripture Might Lead You Astray. Bloomington: iUniverse, há uma série de frases reunidas desses autores que a sustentam.

Em vez de falar em “deus diminuto”, como Feliciano, David Copeland5 5 As passagens se referem a trechos de broadcasts transcritos no blog Let us Reason. Disponível em: http://www.letusreason.org/pent11.htm. Acesso em: 17/10/2019. refere-se à humanidade como pertencente à “classe de deuses”: “Sou eu um Deus? O homem foi criado em uma classe de deus, não foi criado em uma classe animal… você se torna parte de uma natureza divina. Está certo, somos todos deuses? Todos somos uma classe de deuses” (Copeland, em 1986). Em consonância com o argumento expresso por Maia mais acima, no qual o membro da Adep menciona uma primeira unidade primordial entre homem e Deus antes do pecado original, no Paraíso, Copeland afirma não apenas que “Adão era Deus manifesto em carne”, bem como seria “tanto filho de Deus quanto Jesus e Jesus tanto quanto Adão” (Copeland, em 2001). E a mesma tese da filiação defendida por Feliciano é também sustentada por Copeland: “Cachorros dão luz a cachorros, gatos a gatos e Deus a deuses. Vocês são todos pequenos deuses”.

Outro renomado teólogo pentecostal, Creflo Dollar, sustenta a teoria dos pequenos deuses afirmando que “Nós somos deuses nessa terra, e é tempo que nós comecemos a operar como deuses ao invés de um bando de humanos sem poderes” (Dollar 2002DOLLAR, Creflo. (2002), “Made After His Kind”. Your World with Creflo, 2002. Disponível em: Disponível em: http://www.yourworldwithcreflo.com . Acesso em: 25/10/2019.
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). Interessante notar que, como Feliciano, Dollar enfatiza que operar como deuses está em relação inversa ao “bando de humanos sem poderes”. Isso quer dizer que, para aqueles que advogam pela doutrina dos pequenos deuses, o homem agir como Deus é dotá-lo de um poder que não é humano, ou seja, é fazê-lo exercer a capacidade sobrenatural, por intermédio de dons, de operar como o próprio Deus. Ainda o mesmo teólogo sustenta a doutrina dos pequenos deuses de forma mais enfática em outra passagem na qual afirma: “vocês [crentes] são deuses, com ‘d’ minúsculo, vocês são deuses porque vocês vieram de Deus. Vocês não são apenas humanos. A única parte humana que vocês têm é o corpo físico no qual vivem” (Dollar 2002:n.p., tradução nossa). Nesta última passagem, Dollar afirma a dupla condição do homem e, de modo mais radical do que os outros autores que sustentam a doutrina dos pequenos deuses, propõe que a única parte humana que o homem tem e que o diferenciaria de Deus seria o corpo físico no qual vive.

O teólogo pentecostal William Branham, na mesma linha daqueles que defendem a doutrina, declara que existe uma “deidade no homem” e expõe o fato de que ela é inerente à humanidade. Deus não é de outra ordem ou de classe diferente que esta última. Branham sintetiza essa ideia asseverando que “Deus colocou um espírito no homem. Essa nuvem branca, a Deidade, desceu não no animal, mas no homem… Esse é o problema do povo pentecostal: eles não reconhecem quem são. Vocês são filhos e filhas de Deus. Vocês têm isso em suas mãos… veja: Jesus, certa vez na Bíblia, disse: “Vocês são Deuses” 6 6 Trecho do sermão “The Resurrection of Lazarus”, de 1950. Disponível em: https://churchages.net/en/sermon/branham/50-0813A-resurrection-of-Lazarus. Acesso em: 27/12/2019. (Branham 1950:n.p., tradução nossa).

Ele então segue afirmando que o homem, neste plano terrestre, é o ponto privilegiado da manifestação de Deus, argumentando que, “no início, quando Deus fez o homem à sua imagem, ele fez deste último uma teofania” (Branham 1950BRANHAM, William. (1950), “The Resurrection of Lazarus”. Church Ages. Disponível em: Disponível em: https://churchages.net/en/sermon/branham/50-0813A-resurrection-of-Lazarus . Acesso em: 27/12/2019.
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:n.p., tradução nossa). Ora, ao relacionar a humanidade com a teofania, Branham evidencia o fato de que, na linha da doutrina dos pequenos deuses, o homem é capaz de realizar no plano sensível ações que manifestam o próprio poder imaterial Deus. Ele mostra, como desenvolveremos mais adiante, que, para os pentecostais, o natural e o sobrenatural não são províncias ontológicas separadas, mas pertencem a um plano cósmico comum.

No entanto, em vez de “pequeno Deus” ou de deus com “d” minúsculo, Branham escolhe uma outra expressão para exprimir a diferença entre homem e Deus: o primeiro é um “deus amador”. Com isso, o teólogo norte-americano sublinha o ponto que Maia, Feliciano e outros afirmavam a respeito da relação primordial e comunal entre Deus e o homem: “Adão respirou o ar da Vida Eterna, e ele se tornou uma pessoa eterna com Deus. Ele tinha poder como Deus: ele era um deus amador. Ele era Deus na terra, não mais Deus no paraíso. E, em algum dia, os filhos de Deus se tornarão novamente deuses” (Branham 1950:n.p., tradução nossa). A passagem destaca não apenas que Adão, no Éden, tinha poder como Deus - razão pela qual, como acima mencionei, ele então se “desdivinizará” com o pecado original -, mas explicita um outro ponto da cosmologia cristã-pentecostal para o qual eu chamei particular atenção anteriormente: aqueles que possuem uma filiação com Deus e atualizam plenamente a virtualidade do espírito santo que os habita se tornarão, quando salvos, novamente deuses.

A bem da verdade, a já conhecida relação entre homem e Deus que, na tradição cristã, tem a sua mais perfeita junção na figura Jesus Cristo - aquele que é, simultaneamente, homem e Deus - ganha contornos cosmológicos particulares no pentecostalismo, quando o vemos a partir da doutrina dos pequenos deuses. E isso porque, na tradição pentecostal, com sua maior importância conferida à terceira pessoa da trindade, o espírito santo, a junção entre homem e Deus estende-se potencialmente para toda a condição humana de modo geral. Não é preciso ser um pastor, um sacerdote ou um santo: a “santificação” (Vital da Cunha 2008:246; Teixeira 2011TEIXEIRA, Cesar Pinheiro. (2011), A construção social do “ex-bandido”: um estudo sobre sujeição criminal e pentecostalismo. Rio de Janeiro: 7Letras.:94) na tradição pentecostal, quando lida sob o prisma da doutrina dos pequenos deuses, significa justamente a possibilidade processual de uma “redivinização”, que é passível de ser realizada a partir dos comportamentos que as pessoas apresentam - quanto mais um crente realiza práticas que nutrem o espírito que o habita, maior tende a ser a intensidade da presença deste último em seu corpo.

Assim, a doutrina dos pequenos deuses evidencia uma característica que creio ser comum ao pentecostalismo de modo geral e ao que aqui especulamos como cosmologia cristã-pentecostal em particular, a saber, a existência de uma forma de vida na qual humanos e entidades espirituais estão inclusos em uma mesma comunidade de pessoas, mantêm relações sociais entre si e, mais do que isso, compartilham faculdades, propriedades, capacidades e comportamentos.

No que diz respeito aos crentes com os quais pude conviver na Adep, Jesus Cristo e o espírito santo expressam, mais do que qualquer outra entidade, a continuidade ontológica que existe não apenas entre homem e deus, mas também entre o natural e o sobrenatural, natureza e sobrenatureza. Pois, do mesmo modo que o próprio Deus possui uma humanidade potencial (realizada sobretudo em Cristo), os humanos possuem uma divindade potencial (realizada nos crentes) por intermédio do espírito santo. Em suma, se Deus se torna homem via uma antropomorfização (afinal, Cristo é o próprio Deus que assume a forma humana), o homem se torna (ainda que relativa, temporária e parcialmente) Deus por meio do espírito santo (sendo os dons ou carismas os modos pelos quais o próprio homem exprime faculdades, propriedades, capacidades, habilidades e comportamentos de Deus).

Figura 1
Relação entre Deus e homem.

Segundo a cosmologia cristã-pentecostal que aqui esboço por meio do fluxograma acima, enquanto a aparição de Deus na condição de homem se dá por uma forma material e humana, a aparição do homem na condição de Deus ocorre pela assunção de um devir espiritual e divino - o que se pode chamar de devir-espírito (Zourabichvili 2019ZOURABICHVILI, François. (2019), “O que é um devir? (Parte 1)”. Blog do Sociofilo, 2019. Disponível em: Disponível em: https://blogdolabemus.com/wp-content/uploads/2019/12/O-que-%C3%A9-um-devir-para-Gilles-Deleuze_Parte-1.pdf . Acesso em: 20/05/2020.
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). Utilizo a palavra devir porque o espírito santo nunca é definido pelos crentes como uma entidade material estabelecida e identificável, mas como um fluxo dinâmico e imaterial. Como afirma Reinhardt (2020REINHARDT, Bruno. (2020), “Atmospheric Presence: Reflections on ‘Mediation’ in the Anthropology of Religion and Technology”. Anthropological Quarterly, vol. 93, nº 1: 1523-1553.:1527), “há uma qualidade atmosférica da fé pentecostal, que dissolve persistentemente os limites dos mediadores discerníveis-orgânicos e mecânicos na fluidez do meio ecológico”, razão pela qual se pode afirmar que o espírito santo é uma espécie de “corpo sem órgãos” (Deleuze & Guattari 2004DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. (2004), “28 de novembro de 1974 - como criar para si um corpo sem órgãos” [1980]. In: G. Deleuze; F. Guattari. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, vol. 3.). Seu modo de manifestação ocorre sempre em um regime de fluxos, sem fronteiras bem definidas e demarcáveis. Como nas zonas de intensidade que Manuel De Landa (2005DE LANDA, Manuel. (2005), “Space: Extensive and Intensive, Actual and Virtual”. In: I. Buchanan; G. Lambert (eds.). Deleuze and Space. Edinburgh: Edinburgh University Press.) define na sua reflexão sobre os mapas intensivos, o espírito se dá por uma dinâmica de gradações de presença - perceptíveis apenas por variações de intensidade - e se mostra em “relações de velocidade variáveis, aspectos e disposições dinâmicas” (Zourabichvili 2019:4). Não por acaso, quando se trata de descrevê-lo do ponto de vista fenomenológico e da experiência, os crentes sempre enfocam propriedades intensivas como as variações de temperatura, pressão, densidade, ritmo, etc.

Agora, na próxima sessão, cabe perguntar em que medida essa cosmologia cristã-pentecostal que aqui descrevo pode contribuir para a retomada do debate mais recente sobre animismo (Costa e Fausto 2010COSTA, Luiz; FAUSTO, Carlos. (2010), “The return of the animists: Recent studies of Amazonian ontologies.” Religion and Society: Advances in Research, vol. 1, nº 1: 89-101.) e, além disso, em que a atual discussão na antropologia sobre animismo pode contribuir para a reflexão sobre a cosmologia cristã-pentecostal.

Um animismo ou perspectivismo crente?

Nesta última parte, interessa-me, em particular, o modo como Eduardo Viveiros de Castro (1996), Philippe Descola (2005DESCOLA, Philippe. (2005), Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard.), Bruno Latour (1994LATOUR, Bruno. (1994), Jamais Fomos Modernos. Ensaio de Antropologia Simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34 . ), Tim Ingold (2000INGOLD, Tim. (2000), The perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. London: Routledge.), entre outros autores contemporâneos, compartilham uma crítica aos grandes divisores instituídos pelos processos modernizantes ou pela ontologia “naturalista” ocidental, tais como natureza e cultura, fato e valor, espírito e matéria, etc. Antes avançar na questão de como a cosmologia cristã-pentecostal nos ajuda a superar tais oposições ou divisores, gostaria de apresentar um extrato do meu diário de campo:

Era uma segunda-feira e fazia meia hora que o culto da Adep havia acabado. Encontrava-me no vão entre a porta de vidro da igreja, que dá início ao espaço do templo no qual se desenrolam os cultos, e a grade branca, logo à sua frente, que faz a divisa com a calçada da rua. Com a atenção dispersa, apenas cumprimentava as pessoas que, de passagem, transitavam da igreja para a rua ou da rua para a igreja. Eu estava ali à espera de um irmão, isto é, um membro da igreja, com quem combinara de fazer uma entrevista. De repente, sou surpreendido por uma cena atípica. Um carro, na verdade um táxi, situado na rua em frente à grade da igreja, não “pegava”: o motorista girava a chave da ignição, era possível ouvir um barulho, mas nada do carro funcionar. Nesse meio tempo, um dos pastores que acabara de participar do culto e estava no banco do carona, sai do carro. Ele contorna um dos seus lados, vai à parte da frente, onde estão situados os faróis, e coloca as mãos em cima do capô, mais especificamente onde fica o motor. Em seguida, ele se põe a orar em voz alta. “Glorioso Deus, eterno Pai celestial…” Alguns instantes depois, o pastor diz: “Em nome de Jesus, vai funcionar! Agora, gira a chave irmão, gira a chave!” O motorista acata a ordem e imediatamente gira a chave da ignição. Novamente ouve-se um barulho… e nada, o carro continua sem ligar, não pega. Nisso, um outro pastor, que também havia participado do culto, passa pela porta da igreja. Ao vê-lo, o pastor que se punha a orar o motor do carro lhe chama: “Fulano, vem cá, ajuda aqui!” Diante do pedido, o pastor se aproxima e, junto com o outro, se prontifica a ajudar, colocando, ele também, as suas mãos sobre o capô do táxi. São quatros mãos e duas pessoas que se põem a orar. E então o pastor, o primeiro a começar a orar o capô, grita, em voz alta: “Em nome de Jesus, vai funcionar agora! Em nome de Jesus, agora! Agora, vira a chave, fulano! Vira agora!” Uma vez mais, o motorista gira, faz-se um baralho, e nada. Em meio àquela situação tensa e curiosa, finalmente o irmão da igreja com quem havia combinado de fazer uma entrevista aparece. Com isso, não pude ficar até o final pra ver qual teria sido o desfecho da inusitada situação. Um dia depois, contudo, de volta à igreja, eu encontro o pastor que havia orado o carro. Aproximo-me dele e pergunto se tudo tinha dado certo. Ele, assentindo com a cabeça, diz que sim. Ao ser perguntado por mim sobre o papel da oração para eficácia do carro, ele retruca: “claro, Diogo, você tem que entender que a origem de tudo é espiritual”.

Esta situação acima descrita e um tanto inusitada impõe de imediato a seguinte questão: por que razão os pastores se puseram a orar um carro? Como me inquiriu um amigo a quem confidenciei a história dias depois: “por que os pastores não foram simplesmente buscar um mecânico para resolver o problema?”.

Aqui entra em jogo a importância da rediscussão contemporânea sobre o animismo. Como se sabe, o conceito de animismo foi desenvolvido por E. B. Tylor em seu famoso livro, Primitive Culture, publicado em 1871TYLOR, Edward Burnett. (1871), Primitive Culture: Researches into the Development of Mythology, Philosophy, Religion, Art, and Custom, Volume 1 and 2. London: John Murray.. O antropólogo inglês, assim como posteriormente Jean Piaget (1970PIAGET, Jean. (1970), Science of Education and the Psychology of the Child. New York: Orion.), via essas atribuições de alma ou de um princípio vital, anima, de intencionalidade à res extensa ou simplesmente ao mundo material das coisas, como expressões de uma metafísica pré-científica, própria das sociedades chamadas, à época, de “primitivas”, ou do comportamento infantil, das crianças.

De modo distinto a essa interpretação por muito tempo canônica, diversos autores da antropologia contemporânea argumentaram que o animismo, na verdade, é uma outra ontologia na qual, como afirma Descola (2005DESCOLA, Philippe. (2005), Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard.:184), “vige a imputação pelos humanos aos não humanos de uma interioridade idêntica à sua”. Sem reduzir o animismo a uma espécie de erro metafísico, seja como “crença em espíritos” de “sociedades primitivas” que deveria ser superada pelo mais avançado método das ciências modernas (Tylor), seja como uma fase padrão do desenvolvimento da infância na qual era assumido que toda experiência deveria ser entendida como resultado da deliberação de alguém (Piaget), foi possível entender melhor a relação entre homem e animal (ou não humanos, de modo geral) sem cair nas armadilhas de uma ontologia “moderna” (Latour) ou “naturalista” (Descola). Armadilhas essas que deixavam sem respostas certas questões que eu me colocava a partir dos crentes da Adep com os quais eu convivia cotidianamente. Afinal, como entender o fato de os crentes estabelecerem relações sociais com determinadas entidades espirituais, como os anjos do senhor e o espírito santo? Como explicitar essa espécie de contínuo diálogo cósmico entre entidades espirituais e os humanos na forma de vida crente? Como dar conta dessa concepção metafísica na qual Deus e o homem coabitam um mesmo plano cósmico? Como entender o fato de o crente poder, enfim, orar o motor de um carro?

Philippe Descola e Eduardo Viveiros de Castro7 7 Embora o conceito de perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro tenha pontos em comum com aquele de animismo de Descola, não se pode dizer que sejam semelhantes, muito menos congêneres. Sobre as diferenças entre ambos, ver o texto que Bruno Latour (2009) fez sobre o debate ocorrido entre os dois no Collège de France. , ao insistirem na ideia de que o que é próprio à ontologia animista ou ao perspectivismo ameríndio, como prefere o último, a atribuição de uma interioridade humana idêntica à sua aos seres não humanos, sobretudo aos animais, introduz dois deslocamentos que auxiliam a melhor compreender a cosmologia cristã-pentecostal. Primeiro, os autores escapam da concepção vigente no senso comum (acadêmico) de que a relação entre homem e outros seres ou entidades não humanas não passa de um jogo de projeção de propriedades dos primeiros sobre os últimos. Naturalmente, penso que o mesmo deslocamento produzido na conceituação sobre o animismo e as relações entre homem e animal não só pode como deve ser aplicada à cosmologia cristã-pentecostal para se pensar a relação entre homem e Deus. Só assim creio ser possível ter um entendimento mais próximo da forma de vida dos crentes da Adep no que concerne à relação, sobre a qual falamos acima, entre homem e Deus. Em segundo lugar, ao mostrarem, se não a inconsistência, ao menos a particularidade histórica da oposição ocidental entre natureza e cultura, na qual se mescla uma concepção universalista de natureza aliada a uma concepção plural de cultura, Viveiros de Castro e Descola ajudam a abrir a possibilidade de se repensar a noção de sobrenatureza ou de sobrenatural em outros termos.

Como então, a partir disso, é possível compreender a oração dos pastores da Adep direcionada a um táxi? O teólogo pentecostal James K. A. Smith argumenta que “a visão de mundo Pentecostal não precisa (e não deve) implicar um sobrenaturalismo ‘naïve’”, ainda que, por outro lado, a “espiritualidade pentecostal seja definida pelas surpresas ontológicas e miraculosas que o naturalismo [ou a ontologia naturalista de que fala Philippe Descola] quer denegar (ou melhor, recusa-se a reconhecer)” (Smith 2010:87). Em lugar de um sobrenaturalismo intervencionista - que pressupõe um mundo desencantado, moderno e naturalista como ontologia de base -, Smith defende que os pentecostais “são mais bem descritos a partir de um ‘naturalismo espiritualizado’ [en-Spirited naturalism]” (Smith 2010:97, tradução nossa).

Na esteira de Smith e dos membros da Adep, podemos afirmar que a cosmologia cristã-pentecostal, lida sob o deslocamento proposto pela discussão sobre animismo, pode ser vista não como uma projeção de alma ou espírito em um mundo feito de matéria morta, mas sim como uma outra ontologia. Nesta última, não há uma natureza universal “aqui embaixo”, reduzida a suas relações mecânicas e imanentes, e uma sobrenatureza “lá em cima”, com um Deus que, de tempos em tempos e segundo o Seu próprio arbítrio, no mundo intervém. Segundo a cosmologia cristã-pentecostal, assim como Deus e o homem não são separados, mas mantêm um vínculo interior expresso pela presença virtual do espírito, não há um (mundo) natural que seria oposto ao (mundo) sobrenatural; ao contrário, existe um único espírito - no caso, o espírito santo - que é “imanente [não só ao homem, como também] ao mundo, como o princípio dinâmico do próprio mundo” (Smith 2010:97). Nesse mundo, tudo, absolutamente tudo o que existe é virtualmente saturado de espírito, de graça, de intencionalidade, ainda que a intensidade dessa presença possa, em alguns casos, tender a zero. É nesse sentido, afirma Smith, que “podemos dizer que a ontologia impregnada na prática Pentecostal é um materialismo sobrenatural ou um sobrenaturalismo material” (2010:99, tradução nossa).

Voltando ao exemplo da oração de carro, é importante compreender que, segundo a cosmologia cristã-pentecostal que aqui esboço, o espírito não está fora do mundo, não é uma entidade transcendente, mas é a ele imanente - para falar como Weber, ele é intra ou mesmo inframundano. Isto explica por que sociólogos como Ricardo Mariano (2005MARIANO, Ricardo. (2005), Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 2ª ed.:101) afirmam que há uma “banalização de fenômenos sobrenaturais nas igrejas pentecostais”. Meu ponto aqui é afirmar que não se trata, evidentemente, de uma banalização, mas da existência de uma outra ontologia. Por isso, a oração, nesse caso do táxi, não é um instrumento intercessório que clama pela ação de uma transcendência, mas um dispositivo de intensificação da própria presença do espírito que, para inverter o famoso título do livro de Bruno Latour (1994LATOUR, Bruno. (1994), Jamais Fomos Modernos. Ensaio de Antropologia Simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34 . ), “sempre esteve lá” (has always been there).

Conclusão

Como vimos na primeira parte deste artigo, para os pentecostais da Adep, o espírito de Deus - ou simplesmente espírito santo - não é algo que se acrescenta a posteriori à humanidade, mas lhe é constitutivo. Ainda que irredutível ao homem, Deus não lhe é essencialmente diferente; a relação de filiação interna faz com que a humanidade e a divindade sejam partes constituintes da pessoa ou do self crente. Todo homem-crente é in potentia Deus-e-homem, fator que no pentecostalismo não é redutível nem aos pastores nem a Jesus. Por isso, quando olhamos para os avanços da discussão sobre animismo na antropologia, as entidades espirituais com as quais o crente, na cosmologia cristã-pentecostal, estabelece relações sociais não podem ser vistas como fruto de um mero jogo de projeção imaginária de seres, nem esses seres podem ser redutíveis a meras idealizações quiméricas projetadas de propriedades humanas.

Por outro lado, convém agora, para concluir, perguntar em que medida a cosmologia cristã-pentecostal que aqui apresento pode contribuir para a discussão acerca do animismo, mais precisamente em sua versão do perspectivista.

Gostaria de rapidamente voltar a uma nota de rodapé de um texto que Viveiros de Castro escreveu para um conjunto de conferências dadas na Universidade de Cambridge. Nele, o antropólogo brasileiro expõe, de modo bastante detalhado, o histórico e os desdobramentos do seu conceito de perspectivismo. Na página 102, na nota de rodapé 13, ele afirma:

Essa seria a nossa versão do “perspectivismo”, notadamente a instância crítica concernente ao antropomorfismo (aqui de modo crucial e errôneo confundido com antropocentrismo) como uma forma de projeção. Há dois milênios esse argumento foi defendido por Xenofantes, que, de modo memorável, disse (embora o que ele queria dizer esteja aberto a debate) que se cavalos, bois ou leões tivessem mãos, eles desenhariam os deuses como similares aos cavalos, bois ou leões - um ponto que reaparece com muitas roupagens na tradição ocidental, de Aristóteles a Spinoza, de Hume a Feuerbach, Marx, Durkheim, etc. De modo característico, nosso problema com o antropomorfismo relaciona-se à projeção da humanidade na divindade, não na animalidade. (Viveiros de Castro 2012VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2012), “Cosmological perspectivism in Amazonia and elsewhere”. Masterclass Series 1. Manchester: HAU Network of Ethnographic Theor.:102).

Ora, em que medida o que o antropólogo brasileiro chama de “a nossa versão do ‘perspectivismo’” pode ser lida a partir da cosmologia cristã-pentecostal que aqui apresentei? O que o material empírico exposto teria a dizer ao desafio proposto por Viveiros de Castro? Conforme vimos, a cosmologia cristã-pentecostal foca não tanto na projeção da humanidade na divindade (como Viveiros de Castro afirma ser o problema clássico da tradição ocidental), mas na questão da “projeção”8 8 Utilizo a palavra projeção para ficar mais clara a contraposição do que propõe Eduardo Viveiros de Castro. Pois o vocabulário em torno da ideia de “projeção” parece insuficiente. Isso porque a noção de “projeção” supõe uma representação de mundo que, de modo geral, está descolada do próprio mundo. Por exemplo, quando Marx e Feuerbach dizem que o homem projeta propriedades humanas em Deus, eles pressupõem uma ontologia modernista para analisar a religião. Ora, se pensamos que os crentes possuem uma outra ontologia, logo não há projeção, mas expressão ou indissociabilidade relativa entre Deus e o homem. da divindade no humano. Levando a sério a ideia, proposta por Smith, de que os crentes vivem em um “espiritualismo materialista” (2010SMITH, James. (2010), Thinking in Tongues: Pentecostal Contributions to Christian Philosophy. Grand Rapids: William B. Eerdmans . :97), pode-se dizer que, para eles, é a divindade que se projeta no humano, e não o humano que projeta a sua condição na divindade. Afinal, como na doutrina dos pequenos deuses, o homem parte de Deus, e não o contrário.

Se olharmos para o mito de origem exposto na primeira parte do presente artigo, vemos que, para Maia e os crentes da Adep, a condição primeira e comum a todas as entidades humanas não é a humanidade (o mito de origem ameríndio) ou a animalidade (mito de origem darwinista e ocidental), mas sim a divindade (mito de origem cristão-pentecostal). No estado original (e antes do pecado original), o homem era como um Deus, logo, indiscernível Dele, já que Deus e o homem viviam em um estado de comunhão plena. Como, no paraíso, o homem havia sido feito efetivamente à sua “imagem e semelhança”, nada o diferenciava substantivamente de Deus. Portanto, quando um crente da Adep afirma que “todos os homens são dotados do espírito de Deus”, ele remete a esse elo que, embora tenha sido no pecado original rompido, se mantém virtualmente presente e pode ser reconquistado por meio das ações dos homens capazes de nutrir o espírito santo que lhes habita.

Mas o que, inversamente, a cosmologia crente teria a dizer se comparada à releitura do animismo de Descola (2005DESCOLA, Philippe. (2005), Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard.) e do perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro (1996)? Ora, do ponto de vista da cosmologia cristã-pentecostal, o problema seria que Viveiros de Castro e Descola vinculam a noção de “espírito” à de “humanidade”, já que, para os ameríndios, ser dotado de espírito quer dizer ser dotado de “interioridade” e, portanto, poder potencialmente ocupar o ponto de vista (e a posição pronominal) do “humano”. Trata-se, repetindo a definição de Descola, de uma “atribuição de uma interioridade humana aos não humanos” (2005:184). No caso pentecostal, contudo, ser dotado de espírito não é poder ocupar a posição pronominal do “humano”, mas é potencialmente ocupar o ponto de vista de Deus. Levando a sério a filiação e a relação interior entre Deus e o homem, tal como se é colocada e explicitada pelo mito de origem cristão-pentecostal, ser dotado de espírito é poder (potencialmente) assumir a posição pronominal (“eu”) da própria divindade (ainda que, para eles, como vimos, isso nunca ocorra integralmente em vida, mas só se realize plenamente depois da morte, na salvação eterna). É a divindade e não a humanidade que é definida pela posse de um espírito ou alma. O que significa dizer que o homem ser dotado de espírito incute sobre ele um potencial divino - o qual, como apontei na segunda parte deste artigo, só pode ser realizado de forma relativa, parcial e provisória.

Queria, então, encerrar com o seguinte ponto: como para os ameríndios a questão fundamental (ou o “master-code” [Viveiros de Castro 2012:108]) é entre homem e animal, o perspectivismo de Viveiros de Castro acaba colocando em segundo plano a relação entre homem e divindade. E o ponto que a cosmologia cristã-pentecostal nos leva a destacar concerne justamente a essa outra ênfase, qual seja, não tanto a da atribuição de predicados humanos (espíritos) aos animais, mas a da atribuição de predicados divinos aos humanos. A questão fundamental deixa de ser (ou, ao menos, não mais apenas) a da imputação dos humanos aos não humanos de uma interioridade idêntica à sua (como no animismo), mas a da imputação de Deus aos humanos de uma interioridade (no caso, o espírito) idêntica à sua. Pois, no caso dos crentes da Adep, a diferença entre a interioridade dos homens e a de Deus é somente de grau e não de natureza, já que, para falar numa linguagem espinosista (Reinhardt 2015REINHARDT, Bruno. (2015), “A Christian plane of immanence? Contrapuntal reflections on Deleuze and Pentecostal spirituality”. Hau: Journal of Ethnographic Theory, vol. 5, nº 1: 405-436.), são parte de uma mesma substância. Por isso, a discrepância entre o ponto de vista do homem e aquele de Deus varia permanentemente em função do que o homem faz, de como se comporta (se ora, se lê a bíblia, se jejua, se trabalha de forma honesta, se busca intimidade com Deus, etc., ou se consome bebida alcoólica, se fuma, se usa droga, se pratica crimes, se mata, se rouba, se faz sexo fora do casamento, se anda por lugares como “bocas de fumo”, “biroscas”, etc.). Se o homem “alimenta”, “nutre” ou “cultiva” o espírito, o mundo tenderá a se revelar a ele tal como se revela ao próprio Deus (e mesmo segundo a Sua vontade). Em contrapartida, se o homem alimenta a carne (e assim cultiva o diabo que lhe habita, já que esse advém do pecado original), o mundo tenderá a se mostrar tal como ele se mostra para este último. Penso, aliás, que essa seria a versão crente para a ideia, muito explorada por Viveiros de Castro a propósito do perspectivismo, de que o espírito é um só e o corpo é o que diferencia os seres e o mundo.

Segundo a cosmologia cristã-pentecostal que eu me permiti esboçar neste artigo à luz das reflexões expostas, é no universo pragmático da ação que se definem a posição e a relação que o self ou a pessoa crente ocupará no cosmos; e é, no final das contas, essa dimensão posicional e relacional que determina a sua condição de sujeito (mais próximo ou distante de Deus). É importante destacar que determinar uma condição de sujeito, que varia em função da intensidade da presença do espírito santo no organismo do crente, implica não tanto um posicionamento objetivo capaz de engendrar uma visão de mundo, mas uma posição relacional a partir da qual uma variância de mundo revela a posição do sujeito (e, nesse caso, quem ele é). O elemento fundamental a ser ratificado é o fato de que, de modo distinto ao perspectivismo, as posições em torno das quais o sujeito pode variar no espaço de relações cósmicas da cosmologia cristã-pentecostal não são dadas pelo “master-code” humanidade e animalidade, mas sim divindade e humanidade. A variância apresenta-se, portanto, em torno da posição em uma escala cujos extremos se dão, de um lado, em Deus e, de outro, no diabo9 9 Enfatizei, neste artigo, exclusivamente a relação de filiação entre homem e Deus, deixando de falar mais diretamente do diabo, outra entidade que, nessa mesma cosmologia, ocupa uma posição central. Isso ficará para um outro trabalho. - que, neste caso, significa baixa intensidade da presença do espírito santo.

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  • Entrevistas com Maia, 20 de outubro de 2013, 22 de setembro e 24 de dezembro de 2014.
  • 1
    O nome Península, referente ao ministério da Assembleia de Deus em que se deu meu trabalho de campo na favela Cidade de Deus, é fictício.
  • 2
    O resultado desta etnografia está presente em minha tese de doutorado (Corrêa 2015CORRÊA, Diogo. (2015), Anjos de Fuzil: uma etnografia das relações entre Igreja e tráfico na Cidade de Deus. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Sociologia, IESP/UERJ.).
  • 3
    Importante se faz ressaltar que, no presente texto, deixaremos de lado, por razões de espaço, as questões cosmológicas relativas ao diabo e aos demônios.
  • 4
    Transcrição da palestra que está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=L6uKQcKBniIDEUS dos Deuses, Pastor Marco Feliciano. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=L6uKQcKBniI . Acesso em: 27/12/2019.
    https://www.youtube.com/watch?v=L6uKQcKB...
    . Acesso em: 27/12/2019.
  • 5
    As passagens se referem a trechos de broadcasts transcritos no blog Let us Reason. Disponível em: http://www.letusreason.org/pent11.htmLET US REASON. “The Little God/Men”. Let us Reason. Disponível em: Disponível em: http://www.letusreason.org/pent11.htm . Acesso em: 17/10/2019.
    http://www.letusreason.org/pent11.htm...
    . Acesso em: 17/10/2019.
  • 6
    Trecho do sermão “The Resurrection of Lazarus”, de 1950. Disponível em: https://churchages.net/en/sermon/branham/50-0813A-resurrection-of-Lazarus. Acesso em: 27/12/2019.
  • 7
    Embora o conceito de perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro tenha pontos em comum com aquele de animismo de Descola, não se pode dizer que sejam semelhantes, muito menos congêneres. Sobre as diferenças entre ambos, ver o texto que Bruno Latour (2009LATOUR, Bruno. (2009), “Perspectivism: Type or Bomb?”. Anthropology Today, vol. 25, nº 2: 21-22.) fez sobre o debate ocorrido entre os dois no Collège de France.
  • 8
    Utilizo a palavra projeção para ficar mais clara a contraposição do que propõe Eduardo Viveiros de Castro. Pois o vocabulário em torno da ideia de “projeção” parece insuficiente. Isso porque a noção de “projeção” supõe uma representação de mundo que, de modo geral, está descolada do próprio mundo. Por exemplo, quando Marx e Feuerbach dizem que o homem projeta propriedades humanas em Deus, eles pressupõem uma ontologia modernista para analisar a religião. Ora, se pensamos que os crentes possuem uma outra ontologia, logo não há projeção, mas expressão ou indissociabilidade relativa entre Deus e o homem.
  • 9
    Enfatizei, neste artigo, exclusivamente a relação de filiação entre homem e Deus, deixando de falar mais diretamente do diabo, outra entidade que, nessa mesma cosmologia, ocupa uma posição central. Isso ficará para um outro trabalho.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2019
  • Aceito
    17 Jul 2020
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