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Múltiplas modernidades, múltiplas secularizações e secularização contextual: novas perspectivas sobre o estudo sociológico da religião

Multiple modernities, multiple secularizations, and contextual secularization: new outlooks on the sociological study of religion

Resumo

Este trabalho investiga as origens e os desenvolvimentos das compreensões sociológicas sobre o binômio modernidade-religião. Dada a fragilidade teórica das concepções clássicas sobre os processos da modernização, as ciências sociais produziram o paradigma das múltiplas modernidades. A sua maior sensibilidade ao contexto e capacidade de acomodação do fenômeno religioso despertaram um novo interesse nos estudos sobre a secularização. Desenvolveram-se hipóteses sobre múltiplas secularizações. Contudo, sua sustentação foi inconsequente tanto ao nível teórico como empírico. Assim, propomos uma metodologia que capte com maior flexibilidade e precisão a atual dinâmica desse binômio. Utilizamos categorias analíticas de médio-alcance, procurando equilibrar extensão (dos estudos de caso) e intenção (das propriedades de cada caso), mas enfatizando a última. Apresentamos uma análise contextual da secularização.

Palavras-chave
modernidade; múltiplas modernidades; secularização; múltiplas secularizações; secularização contextual

Abstract

This paper looks at the origins and the developments of the sociological understanding of the binominal modernity-religion. Given the theoretical fragility of classical conceptions on modernization’s processes, the social sciences have produced the paradigm of multiple modernities. Its greater consideration of context and its ability to accommodate the religious phenomenon aroused a new interest in secularization studies. Hypotheses on multiple secularizations have been unveiled. However, its support was inconsequential at both the theoretical and the empirical level. Thus, we propose a methodology that captures with greater flexibility and precision the modern dynamics of the binominal. We use medium-range analytical categories, seeking to balance extension (of case studies) and intention (of each cases’ proprieties), but emphasizing the latter. Hence we propose a contextual analysis of secularization.

Keywords
modernity; multiples modernities; secularization; multiple secularizations; contextual secularization

I. Introdução

A necessidade de resposta acadêmica à modernização, ou seja, à mudança das estruturas pré-modernas e modernas de sociedade e aos seus desafios inerentes, fez emergir a sociologia enquanto disciplina autônoma no campo das ciências humanas.

Desde os inícios da disciplina, uma das preocupações mais prementes é sobre o futuro da religião nas sociedades modernas e sobre o declínio da sua influência social nos indivíduos e nos Estados - considerados como indicadores de passagem de uma sociedade tradicional para uma moderna. Com efeito, desde a primeira metade do século XIX com Henri Saint-Simon e Auguste Comte, passando por Karl Marx e Ferdinand Tönnies, os investigadores que estudam as etapas (distintas) ou os processos (evolutivos) da modernização - como a ciência e o racionalismo, o capitalismo ou a individualização - vêm defendendo uma progressiva perda de plausibilidade da religião, nomeadamente das suas expressões tradicionais, nas sociedades modernas. Estas proposições sociológicas seriam, posteriormente, sistematizadas por Émile Durkheim e Max Weber, em especial com as suas análises estrutural-funcionalista e comparativa e histórica e fenomenológica, respectivamente. Em traços gerais, as suas teorias advogavam, ainda nos finais do século XIX e nos inícios do século XX, que as religiões históricas passariam por um declínio, não sobrevivendo aos fenômenos do mundo moderno.

Esta longa e prestigiada tradição intelectual que enfatiza a oposição entre religião e modernidade viria, no pós II Grande Guerra e, sobretudo, na década de 1960, a formalizar-se em torno do debate da secularização. Com o desenvolvimento, aceitação e influência dos trabalhos de autores como Bryan Wilson, Thomas Luckmann ou Peter Berger, as premissas da secularização - que dizem que os processos sociais, econômicos e políticos, associados ao desenvolvimento das sociedades industriais, estão, implícita ou explicitamente, ligados ao declínio da religião - são integradas na teoria da modernização, tornando-se em um de seus axiomas centrais.

Não obstante sua proliferação e hegemonia nas ciências sociais, os seus pressupostos foram progressiva e mais sistematicamente questionados, em particular, nas últimas décadas do século XX. Ainda na década de 1960, alguns autores começam a alertar para os vieses do conceito, propondo a sua eliminação do discurso científico (Martin 1965MARTIN, David. (1965), “Towards Eliminating the Concept of Secularization”. In: J. Gould (ed.), Penguin survey of the Social Sciences, Harmondsworth: Penguin Books.). Na década de 1970 questionam a tese do declínio da religião (em especial, na esfera privada, subjetiva) e apontam para a proliferação do sagrado, mesmo em condições de intensa modernização (Bell 1977BELL, Daniel. (1977), “The Return of the Sacred?”. British Journal of Sociology, vol. 28, n.º 4: 419-449.). Nas décadas de 1980 e 1990 surgem algumas alternativas mais sistemáticas às teorias da secularização: os modelos da economia religiosa e da individualização. Doravante, alguns dos seus pressupostos principais começam a ser mais sistematicamente afrontados e reformulados. Conceptualiza-se que religião e modernidade são compatíveis e sustenta-se que, mesmo em contextos de modernização avançada, a primeira pode prosperar por conta dos estímulos da última. Esse trabalho de aprofundamento teórico e reformulação analítica continuou desde os anos 1980 até à atualidade (Hadden 1987HADDEN, Jeffrey. (1987), “Towards desacralizing secularization theory”. Social Forces, vol. 65, n.º 3: 587-611.; Casanova 1994CASANOVA, José. (1994), Public Religions in the Modern World. Chicago: University of Chicago Press,.; Pickel 2011PICKEL, Gert. (2011), “Contextual secularization. Theoretical thoughts and empirical implications”. Religion and Society in Central and Eastern Europe, vol. 4, n.º 1: 3-20.), desenvolvendo-se por conta da opinião quase generalizada de que os pressupostos da secularização não eram mais adequados para explicar a situação sociorreligiosa contemporânea. Talvez por isso Voas (2008VOAS, David. (2008), “The Continuing Secular Transition”. In: Detlef Pollack; Daniel Olson (eds.). The role of religion in modern societies. Londres: Routledge, pp. 25-48.) tenha declarado, profeticamente, que já estaremos sepultados quando a verdade sobre a secularização for revelada.

Por consequência desse desajustamento entre teoria e prática deu-se, na última década do século XX, e aprofundou-se, no primeiro decênio do século XXI, uma mudança de paradigma sociológico na maneira de interpretar as sociedades hodiernas. Com a descentralização espaçotemporal da modernidade1 1 A expressão modernidade será, ao longo do texto, para explicitar um estado ou qualidade do que é moderno, enquanto modernização se referirá ao ato ou efeito de tornar (-se) moderno. ocidental e com a crescente aceitação da contingência e variabilidade dos seus processos, surge a teoria das múltiplas modernidades. O seu antagonismo relativamente aos modelos clássicos de transição pré-moderno-moderno e o seu esquema teórico de conciliação entre modernidade e religião trouxeram um novo alento ao debate sobre a secularização e, por consequência, à discussão sobre o lugar do religioso em condições de modernização avançada.

É precisamente sobre esta evolução teórica recente na maneira de idealizar a modernidade e a sua relação com o religioso que o nosso trabalho se foca. À partida, várias inquietações científicas nos surgem: - Que precedentes teórico-empíricos conduziram a esta mudança de paradigma? As suas conceptualizações estarão corretas? Como evoluiu, se é que evoluiu, o paradigma das múltiplas modernidades? Que alternativas ou novos quadros analíticos ajudou a construir? Que passos podem ser dados, atualmente, para aperfeiçoar a nossa compreensão acerca do lugar da religião no mundo moderno?

No sentido de dar resposta as estas interrogações propomos um plano de trabalho baseado em três etapas fundamentais. Na primeira analisamos a teoria clássica da modernização e as críticas e reconceptualizações que sofreu, principalmente, ao longo do século XX, e que favoreceram o surgimento da teoria das múltiplas modernidades. A partir daí aprofundamos esta teoria, analisando as suas principais proposições, mas também as suas fragilidades internas. Na segunda estabelecemos uma relação entre a teoria das múltiplas modernidades e a teoria das múltiplas secularizações, procurando entender como a última, por inspiração da primeira, se aplica mais diretamente à questão religiosa. Por fim, baseando-nos nas leituras e interpretações do paradigma das múltiplas propomos uma nova abordagem teórico-analítica, inspirada na escada de abstração de Giovanni Sartori, que consideramos adequada para captar de forma mais exata as atuais dinâmicas modernização-religião - a secularização contextual. No final desta investigação, de desígnio puramente teórico-analítico, apresentamos, sucintamente, as nossas considerações finais. Aí sugerimos aos cientistas sociais que continuem o exercício de refinamento dos seus instrumentos metodológicos e dos seus quadros analíticos para o estudo da complexa relação modernidade-religião.

II. Da teoria da modernização à teoria das múltiplas modernidades

Uma das definições de modernização mais célebres foi oferecida por Giddens (1991GIDDENS, Anthony. (1991), The Consequences of Modernity. Stanford: Stanford University Press .). Ela refere-se ao advento de modos de organização da vida social que surgiram na Europa, por volta do século XVII e que, daí em diante, se tornaram mais ou menos globais na sua influência. Com esta definição, o autor ajuda-nos a situar a modernização em um período temporal e em um local geográfico, mantendo, porém, as suas principais características “acondicionadas com segurança em uma caixa negra” (ibid.: 1).

As suas especificidades são representadas por um extenso rol de mudanças históricas2 2 A expressão modernidade será, ao longo do texto, para explicitar um estado ou qualidade do que é moderno, enquanto modernização se referirá ao ato ou efeito de tornar (-se) moderno. , típicas da história europeia, iniciadas no século XIII. Durante séculos os intelectuais pós-iluministas ocidentais catalogaram e ligaram estes traços específicos e as suas tendências, criando uma taxonomia da modernidade que se afirmou como um dos principais produtos do pensamento social europeu dos séculos XVIII e XIX. Surge uma visão sistemática de progresso histórico onde é sugerida uma perspectiva unilinear da história (Marx 1867MARX, Karl. (1867), Capital. Vol. 1, 1.ª ed. alemã.: 8-9). A modernização, entendida como uma teoria histórico-filosófica sobre o futuro geral de todos os povos, independentemente das suas circunstâncias idiossincráticas, torna-se, segundo Gilman (2003GILMAN, Nils. (2003), Mandarins of the Future: Modernization Theory in Cold War America (New Studies in American Intellectual and Cultural History). Baltimore: JHU Press.), no marco de análise para todos os cientistas sociais. Ou seja, a separação do conceito de modernidade das suas origens históricas europeias o transformou em uma categoria espaçotemporal neutra e universal de desenvolvimento social, inspirada na história da Europa - o padrão para o futuro da humanidade. Esta ideia torna-se dominante no meio acadêmico na segunda metade do século XX, no pós II Grande Guerra, quando os cientistas sociais procuram entender de maneira mais científica e sistemática as mudanças ocorridas, especialmente, no mundo pós-colonial (Latham 2000LATHAM, Michael E. (2000), Modernization as Ideology: American Social Science and "Nation Building" in the Kennedy Era. Col. The New Cold War History, Chapel Hill e Londres: The University of North Carolina Press.). Tal como os sociólogos do século XVIII e XIX, eles acreditam que os eventos históricos contemporâneos convergem para um modelo unívoco, interdependente e global de desenvolvimento que se opõe às sociedades tradicionais

No entanto, entre os finais de 1960 e os inícios de 1970 a teoria da modernização entra em rápida decadência. Os cientistas sociais começam a aperceber-se das descontinuidades da modernidade (Giddens 1991GIDDENS, Anthony. (1991), The Consequences of Modernity. Stanford: Stanford University Press .: 4 ss) e da indesejabilidade prática - por conta dos problemas do imperialismo e da dominação econômica e cultural do Ocidente - e teórica - pelo dogmatismo científico (Latham 2000LATHAM, Michael E. (2000), Modernization as Ideology: American Social Science and "Nation Building" in the Kennedy Era. Col. The New Cold War History, Chapel Hill e Londres: The University of North Carolina Press.: 5; Christiano 2007CHRISTIANO, Kevin. (2007), “Assessing Modernities: From ‘pre-‘ to ‘post-‘ to ‘ultra-’”. In: J. Beckford;J. Demerath (eds.). The Sage Handbook of the Sociology of Religion. Londres: Sage Publications, pp. 39-46.: 45; Gilman 2003GILMAN, Nils. (2003), Mandarins of the Future: Modernization Theory in Cold War America (New Studies in American Intellectual and Cultural History). Baltimore: JHU Press.: 4) - da modernidade.

Entre os finais de 1980 e os inícios de 2000, os investigadores verificam que a direção da modernidade leva as sociedades além do moderno (fala-se de pós, super ou ultramodernidade) e a teoria da modernização, em vez de abandonada, é reconceptualizada à luz das características das sociedades industriais mais avançadas. Com isso desenvolve-se uma maior neutralidade e prudência científica na análise e interpretação das contradições e consequências dos seus processos. Giddens (1991GIDDENS, Anthony. (1991), The Consequences of Modernity. Stanford: Stanford University Press .), por exemplo, embora alerte para a necessidade de desconstrução do evolucionismo histórico, admite que existem alguns episódios definidos de transição histórica. Começa a haver, portanto, um empenho em equilibrar os padrões comuns da transição tradicional-moderno e as descontinuidades idiossincráticas da modernização de cada região.

De fato, no último decênio do século XX, as ciências sociais experimentaram uma mudança de paradigma no modo de conceptualizar o mundo contemporâneo (Schmidt 2006SCHMIDT, Volker H. (2006), “Multiple Modernities or Varieties of Modernity?”. Current Sociology, vol. 54, n.º 1: 77-97.; Wohlrab-Sahr e Burchardt 2012WOHLRAB-SAHR, Monika; BUCHARDT, Marian. (2012), “Multiples Secularities: Toward a cultural sociology of secular modernities”, Comparative Sociology, vol. 11: 875-909.; Koenig 2015KOENIG, Matthias. (2015), “Between World Society and Multiple Modernities: Comparing Cultural Constructions of Secularity and Institutional Varieties of Secularism”. In: M. Burchardt; M. Wohlrab-Sahr; M. Middell (eds.). Multiple Secularities Beyond the West. Religion and Modernity in the Global Age. Berlim: De Gruyter, pp. 285-304.). Os debates sobre a pós-modernidade ou a modernidade reflexiva mostram, por um lado, uma crescente diversificação da compreensão da modernização; e, por outro lado, uma maior sensibilidade científica sobre as agendas culturais básicas das diferentes sociedades modernas. Parece existir um esforço acadêmico para reconhecer que os processos de evolução, diferenciação ou integração social são contingentes, variáveis e flexíveis. Deste modo, ressurgem os estudos históricos, culturais ou pós-coloniais, evidenciando o hibridismo das práticas e discursos sociais que caracterizam a condição moderna. Essa parece ser uma “tendência inegável” (Eisenstadt 2000EISENSTADT, Shmuel N. (2000), “Multiple modernities”. Daedalus, vol. 129, n.º 1 : 1-29.: 24) dos finais do século XX que provocou um debate sobre múltiplas modernidades e atraiu, desde então, muita atenção nas ciências sociais.

É neste contexto - historicamente marcado pelos processos de globalização, declínio do regime soviético e de consequentes reajustes da modernização e da civilização moderna - que o sociólogo israelense Shmuel N. Eisenstadt vem reivindicar a necessidade de uma reavaliação mais abrangente das perspectivas clássicas da modernidade e da modernização. Nasce, assim, a teoria das múltiplas modernidades. Primeiro, de forma ainda pouco definida, em um trabalho sobre os padrões de modernidade ocidentais (Patterns of modernity, 1987); na sua comparação à civilização japonesa (Japanese civilization: A comparative view, 1996) e à identidade coletiva latino-americana (“The construction of collective identities in Latin America…”, 1998); e em um estudo comparativo, feito em conjunto com Wolfgang Schluchter, sobre os diferentes caminhos para as primeiras modernidades europeias e sobre as suas eventuais reproduções culturais noutras civilizações (“Introduction: Paths to early modernities…”, 1998). Depois, de maneira mais precisa, em um pequeno trabalho de treze páginas publicado nos anais do 29º Congresso da Sociedade Alemã para a Sociologia, intitulado “Multiple modernities in an age of globalization” (1999); a seguir, em um artigo científico nas primeiras trinta páginas da reputada revista Daedalus, sob a epígrafe “Multiple modernities” (2000); ulteriormente, em uma monografia de mais de 250 páginas com o mesmo título (2002); e, por fim, em uma série de outros trabalhos ao longo da primeira década de 2000 - Reflections on multiple modernities (2002), Comparative civilizations and multiple modernities (2003) ou “Multiple modernities and multiple forms of civil society” (2009).

A expressão múltiplas modernidades encerra uma dimensão negativa e outra positiva (Eisenstadt 2000EISENSTADT, Shmuel N. (2000), “Multiple modernities”. Daedalus, vol. 129, n.º 1 : 1-29.; 2003). Por um lado, desenvolve-se por oposição a algumas das teorias clássicas da sociologia e, sobretudo, às teorias da modernização e da convergência das sociedades industriais que postulavam, desde os finais da II Grande Guerra, a disseminação de um determinado programa cultural de modernidade (desenvolvido na Europa) em todas as sociedades. Por outro lado, afirma que o mundo contemporâneo é um espaço de (re)constituição contínua de diferentes programas e padrões culturais da modernidade3 3 Entre as quais encontramos o contato mais direto entre governos e cidadãos individuais (através da educação, nacionalismo ou do voto); a transformação das economias agrícolas em economias industriais; o crescimento dos governos centrais e o aumento da burocracia e da especialização técnica; a urbanização; o surgimento de novos movimentos de protesto social (exemplo: sindicatos) ou políticos (exemplo: socialismo); a exaltação da ciência como fonte de verdade e progresso; a supremacia da razão sobre a fé, como fonte geral de conhecimento; ou o maior valor global colocado no conceito de progresso, tanto pessoal como geral (Gilman 2003: 24-25). . Ou seja, admite a influência de atores regionais específicos (forças políticas ou econômicas, ativistas ou movimentos sociais), e com perspectivas não unívocas, sobre a reconstrução desses programas e padrões de modernidade. Assim sendo, por meio da interação desses atores com setores mais amplos das suas sociedades, concretizar-se-iam expressões únicas de modernidade.

Isso é possível, porque, para a teoria das múltiplas modernidades, modernidade e ocidentalização não são necessariamente sinônimas. Embora reconheça a precedência e referência histórica dos padrões de modernidade ocidentais, esse não é o único modelo autêntico. Os quadros institucionais e culturais exportados pela Europa desenvolveram-se por meio de variações regionais do modelo europeu original, mas também através da implementação de padrões institucionais e ideológicos completamente distintos. Assim, diferentes formas de modernidade se desenvolveram, se aprofundaram e, em última instância, se cristalizaram em sociedades não-ocidentais cujo ponto de referência civilizacional (axial) era diferente - chinês ou indiano -, bem como em civilizações, como as americanas, que se desenvolveram dentro do contexto da expansão civilizacional ocidental, mas que cristalizaram novas civilizações4 4 Deste modo, a perspectiva de Eisenstadt também se opõe às teses do fim da história de Francis Fukuyama e do choque de civilizações de Samuel Huntington. com programas culturais e padrões institucionais de modernidade próprios.

A possibilidade que as diferentes civilizações têm de criar perspectivas ontológicas dos seus próprios padrões culturais e institucionais, de dar respostas distintas aos desafios e às oportunidades da modernidade e de as cristalizarem e desenvolverem mediante os seus interesses e experiências particulares é, segundo Eisenstadt (2003EISENSTADT, Shmuel N. (2003), Comparative Civilizations and Multiple Modernities, vol. 2, Leiden e Boston: Brill.: 28), “o núcleo” das múltiplas modernidades.

Em suma, a teoria das múltiplas modernidades admite que existem traços comuns entre todas as sociedades modernas, distinguíveis dos das pré-modernas, mas que eles têm, em princípio, formas múltiplas e institucionalizações diversas. Estas institucionalizações são, normalmente, coerentes com as civilizações axiais (pré-modernas). Assim, podemos encontrar tanto uma civilização moderna como a contínua transformação das civilizações axiais. Por um lado, admite-se que as civilizações axiais são profundamente transformadas durante o processo de modernização, desenvolvendo características típicas da civilização moderna; por outro lado, concede-se que, no processo de adaptação das tradições axiais aos contextos hodiernos, elas podem forjar formas particulares de modernidade.

Estas concepções das múltiplas modernidades tiveram, como citado previamente, uma forte ressonância na e adesão da academia das ciências sociais. Ao nível factual, Taylor (2007TAYLOR, Charles. (2007), A Secular Age. Cambridge: Harvard University Press.: 21) admite que elas são “cruciais”, porque “cada vez mais vivemos em um mundo de múltiplas modernidades”. Ao nível teórico, Preyer (2013PREYER, Gerhard. (2013), “The Perspective of Multiple Modernities. On Shmuel N. Eisenstadt’s Sociology Theory and Society”. Journal of Political and Moral Theory, vol. 30: 187-225.: 32) assinala que, pela forma como resistematizam a relação entre civilizações axiais e modernidade, correspondem a “uma nova teoria da modernidade”, enquanto Casanova (2008CASANOVA, José. (2008), “Public Religions Revisited”. In: H. Vries (ed.). Religion: Beyond a Concept. Nova Iorque: Fordham University Press, pp. 101-119.: 106) afirma que são “uma conceptualização mais adequada e uma visão mais paradigmática das tendências modernas globais”. Ao nível epistemológico, Wohlrab-Sahr e Burchard (2012: 885) enfatizam os ganhos científicos da “sua insistência na pluralidade de caminhos culturais para a modernidade e nos efeitos das interações [civilizacionais] mútuas”; por seu turno, Berger (2014BERGER, Peter. (2014), The Many Altars of Modernity: Toward a Paradigm for Religion in a Pluralist Age. Boston/Berlim: De Gruyter.: 68) considera-as “uma importante contribuição para a compreensão da nossa modernidade”. Ao nível paradigmático, Schmidt (2006SCHMIDT, Volker H. (2006), “Multiple Modernities or Varieties of Modernity?”. Current Sociology, vol. 54, n.º 1: 77-97.) e Koenig (2015KOENIG, Matthias. (2015), “Between World Society and Multiple Modernities: Comparing Cultural Constructions of Secularity and Institutional Varieties of Secularism”. In: M. Burchardt; M. Wohlrab-Sahr; M. Middell (eds.). Multiple Secularities Beyond the West. Religion and Modernity in the Global Age. Berlim: De Gruyter, pp. 285-304.) asseveram que, pela experiência histórica da descentralização temporal, espacial e social da modernidade ocidental que as ciências sociais viveram em finais do século XX, as múltiplas modernidades se afirmaram como um novo paradigma sociológico para a compreensão do mundo contemporâneo.

Não obstante o aparente consenso gerado em torno da ideia de múltiplas modernidades, várias críticas lhe têm sido apontadas. Destacamos, em particular, cinco:

1. A sua programaticidade. Os críticos dizem que ela não é uma realidade institucional ou um verdadeiro paradigma de análise sociológica, mas um programa cultural; melhor dizendo, corresponde a uma multiplicidade de programas culturais que mantêm os pressupostos da homogeneização cultural do iluminismo ou imperialismo ocidental (Schmidt 2006SCHMIDT, Volker H. (2006), “Multiple Modernities or Varieties of Modernity?”. Current Sociology, vol. 54, n.º 1: 77-97.; Berger 2014BERGER, Peter. (2014), The Many Altars of Modernity: Toward a Paradigm for Religion in a Pluralist Age. Boston/Berlim: De Gruyter.).

2. A sua pretensão relativamente aos fatores culturais. Os críticos afirmam que nela existe um foco excessivo nos fatores culturais e no modo como se considera que eles determinam as diferentes ordens políticas e religiosas, como se a(s) modernidade(s) fosse(m) a mesma coisa que o Estado moderno ou as instituições religiosas (Schmidt 2006SCHMIDT, Volker H. (2006), “Multiple Modernities or Varieties of Modernity?”. Current Sociology, vol. 54, n.º 1: 77-97.).

3. A sua sobressimplicação. Para efeitos de redução da complexidade do objeto de estudo, os críticos asseveram que ela recorre a definições sociais e culturais demasiadamente amplas e reificadas que acabam sobressimplificando-o (Foret e Itçaina 2011FORET, François; ITÇAINA, Xabier. (2011), “Introduction: Western European Modernities and Religion”. In: F. Foret; X. Itçaina (eds.). Politics of Religion in Western Europe Modernities in conflict?. Nova Iorque: Routledge , pp. 3-22.).

4. A sua não-falsificação empírica. A sua teoria original, bem como os estudos que lhe seguiram, nem sempre foi alvo de verificação empírica. As suas concepções mantêm-se muito abstratas e o seu empirismo e a sua relação com os conflitos atuais são bastante vagos (Foret e Itçaina 2011FORET, François; ITÇAINA, Xabier. (2011), “Introduction: Western European Modernities and Religion”. In: F. Foret; X. Itçaina (eds.). Politics of Religion in Western Europe Modernities in conflict?. Nova Iorque: Routledge , pp. 3-22.; Wohlrab-Sahr e Burchard 2012).

5. A sua difícil operacionalidade científica. Por conta da sua dimensão de análise macro, transnacional e transcivilizacional, ela tende a identificar as fundações culturais das identidades coletivas, ao invés de construir tipos ideais que permitam comparações empíricas. Por isso, raramente foi testada em profundidade, levando em consideração os diferentes cenários e práticas intra-área (Foret e Itçaina 2011FORET, François; ITÇAINA, Xabier. (2011), “Introduction: Western European Modernities and Religion”. In: F. Foret; X. Itçaina (eds.). Politics of Religion in Western Europe Modernities in conflict?. Nova Iorque: Routledge , pp. 3-22.; Wohlrab-Sahr e Burchard 2012).

Apesar de estarmos cientes das suas imperfeições, consideramos que a teoria das múltiplas modernidades - pela sua rejeição da narrativa universalista, unilinear e determinista da modernização, pela sua sensibilidade à contingência histórica, pela sua ênfase no pluralismo dos percursos culturais para a modernidade e, essencialmente, pela sua insistência na relevância das tradições e civilizações (religiosas) e na forma como são moldadas não só pelas histórias civilizacionais, mas também pelas interações globais - é um bom ponto de partida para se contestar a hegemonia conceptual da modernização e dos seus conceitos concomitantes, como a secularização, e para estimular novas perspectivas quanto às recentes configurações e tendências do cenário religioso contemporâneo.

III. Da relação entre as múltiplas modernidades e as múltiplas secularizações

Peter Berger (2014BERGER, Peter. (2014), The Many Altars of Modernity: Toward a Paradigm for Religion in a Pluralist Age. Boston/Berlim: De Gruyter.) diz-nos que, à semelhança do que sucedeu há mais de um século atrás com o conceito de Entzauberung der Welt de Weber, Eisenstadt, quando propôs as múltiplas modernidades, não estava particularmente interessado na questão religiosa. Contudo, como vimos, a sua teoria assume que a divergência e multiplicidade dos percursos históricos e a formação das identidades coletivas não só são influenciadas pelo princípio axial (secular) moderno do Ocidente, mas também pelas diferentes culturas (religiosas) da primeira era axial - às quais Eisenstadt acrescenta o cristianismo e o islamismo.

Assim sendo, a teoria das múltiplas modernidades afigura-se como uma importante contribuição não apenas para a compreensão da nossa modernidade, mas sobretudo para a interpretação da relação entre o secular e o religioso nas sociedades hodiernas. Por um lado, vê a religião (quer no sentido pré-moderno ou moderno) como um fenômeno que pode desafiar as modernidades; por outro lado, questiona o seu desenvolvimento em condições modernas, analisando-o dentro do quadro teórico das múltiplas modernidades. Assume-se então que as tradições não se dissolvem simplesmente através dos processos da modernização ou globalização, mas que, “principalmente as tradições religiosas[,] se mantêm como dimensões constitutivas das sociedades modernas” (Spohn 2003SPOHN, Willfried. (2003), “Multiple Modernity, Nationalism and Religion: A global perspective”. Current Sociology , vol. 51, n.º 3/4: 265-286. : 268).

A teoria das múltiplas modernidades não insiste necessariamente na equação clássica da secularização - mais modernidade igual a menos religião. Pelo contrário, diz que a religião “está para ficar, em vez de desaparecer” (Schmidt 2006SCHMIDT, Volker H. (2006), “Multiple Modernities or Varieties of Modernity?”. Current Sociology, vol. 54, n.º 1: 77-97.: 90). A sua negação de uma perspectiva unilinear e evolucionista da história, tipicamente hegeliana, vem incentivando novas abordagens teóricas, amiúde contrárias ao discurso hegemônico do fim da religião, junto de cientistas sociais que, desde os finais da década de 1970, procuram explicações para a nova visibilidade da religião no mundo. Para se moverem além dessas narrativas de progresso histórico, os acadêmicos procuraram acomodar o novo fenômeno dentro dos conceitos de ressurgimento do sagrado (Bell 1977BELL, Daniel. (1977), “The Return of the Sacred?”. British Journal of Sociology, vol. 28, n.º 4: 419-449.), novos movimentos religiosos (AA.VV. 1981AA.VV. (1981), The Social Impact of New Religious Movements. Col. Conference series, Bryan Wilson (ed.), The Rose of Sharon Press, 1981.), desprivatização ou repolitização do religioso (Casanova 1994CASANOVA, José. (1994), Public Religions in the Modern World. Chicago: University of Chicago Press,.), dessecularização (Berger 1999BERGER, Peter. (1999), “The Desecularization of the World, a Global Overview”. In: P. Berger (ed.). The Desecularization of the World: Resurgent Religion and World Politics, Michigan: Grand Rapids, pp. 1-18.) ou pós-secularização (Habermas 2008HABERMAS, Jürgen. (2008), Between Naturalism and Religion: philosophical essays. Trad. Ciaran Cronin, Cambridge: Polity.). Apesar destes esforços teóricos, segundo Schmidt (2006) e Koenig (2015KOENIG, Matthias. (2015), “Between World Society and Multiple Modernities: Comparing Cultural Constructions of Secularity and Institutional Varieties of Secularism”. In: M. Burchardt; M. Wohlrab-Sahr; M. Middell (eds.). Multiple Secularities Beyond the West. Religion and Modernity in the Global Age. Berlim: De Gruyter, pp. 285-304.), a ideia de múltiplas modernidades tornou-se dominante: assumiu-se, em geral, como o seu novo paradigma sociológico para a interpretação das sociedades contemporâneas; e, em particular, como o seu principal modelo de estudo sóciocientífico da relação hodierna entre modernidade e religião. Isso incentivou, de acordo com Vilaça (2013VILAÇA, Helena. (2013), “Novas paisagens religiosas em Portugal: do centro às margens”. Didaskalia, vol. 42, n.º 1-2: 81-114.: 82), “novos olhares sobre as reconfigurações do cenário religioso” e suscitou, segundo Koenig (2015: 286), um “interesse renovado na análise da secularização”.

Não obstante os esforços de identificação dos diferentes caminhos da secularização desenvolvidos desde o princípio - entenda-se, os finais da II Grande Guerra e os inícios da década de 1960 -, eles foram fundamentalmente motivados pelo propósito de sustentar uma teoria geral da secularização (Martin 1978MARTIN, David. (1978), A general theory of secularization, Oxford: Blackwell.). Entre os finais das décadas de 1960 e 1980, à medida que os seus pressupostos vão sendo desenvolvidos, a teoria da secularização começa a ser progressivamente interpretada como um mito moderno, sobretudo de inspiração ocidental que, à semelhança da teoria da modernização, se funda em vieses culturais, sendo inadequada para análises de contextos não ocidentais (Martin 1965; Glasner 1977GLASNER, Peter. (1977), The Sociology of Secularisation. A critique of a concept, Londres: Routledge & Kegan Paul.; Hadden 1987HADDEN, Jeffrey. (1987), “Towards desacralizing secularization theory”. Social Forces, vol. 65, n.º 3: 587-611.).

As primeiras críticas à teoria da secularização aumentaram a sensibilidade dos investigadores sociais para as diferenças culturais e para as generalizações injustificadas. Apesar de logo em 1965 David Martin criticar a linearidade, o determinismo e a universalidade da secularização, as primeiras reflexões sobre a variedade da secularização encontram-se apenas na década de 1990. Destacamos, neste contexto, a associação entre a secularização e o etnocentrismo (ocidental) feita por Lechner (1991LECHNER, Frank. (1991), “The Case against Secularization: A Rebuttal”. Social Forces , vol. 69, n.º 4: 1103-1119.), a crítica de Casanova (1994CASANOVA, José. (1994), Public Religions in the Modern World. Chicago: University of Chicago Press,.) à uniformidade das três sub-teses da secularização - a diferenciação funcional, o declínio da religiosidade subjetiva e a privatização da religião - e as descobertas de Asad (2003ASAD, Talal. (2003), Formations of the Secular: Christianity, Islam, Modernity. Stanford: Stanford University Press.) sobre a genealogia (ocidental) da separação secular-religioso. Ambos os estudos caracterizam a secularização como um desenvolvimento tipicamente ocidental e questionam a sua relevância e adequação a outras regiões e religiões. Outros autores vão mais longe nas suas críticas. Por exemplo, Smith (2003SMITH, Christian. (2003), “Introduction: Rethinking the secularization of American public life”. In: C. Smith (ed.). The Secular Revolution: Power, Interests, and Conflict in the Secularization of American Public Life. Berkeley: University of California Press, pp. 1-96. ) e Gorski e Altinordu (2008GORSKI, Philip; ALTINORDU, Ateş. (2008), “After Secularization?”. The Annual Review of Sociology, vol. 34, n.º 55: 55-85.) descrevem-na como uma revolução ou um projeto político de um movimento secularista que visa fragilizar a influência das crenças e instituições religiosas. Por seu turno, Taylor (2007TAYLOR, Charles. (2007), A Secular Age. Cambridge: Harvard University Press.: 22) diz que ela resulta principalmente de “histórias de subtração”, nas quais a secularização se desenvolve através da emancipação de formas de conhecimento (transcendente) anteriores. Outros autores são mais precisos na delimitação da validade teórica da secularização. Consideram que os seus fenômenos se circunscrevem a uma área geográfica específica, falando de excepcionalismo europeu (Berger 1999BERGER, Peter. (1999), “The Desecularization of the World, a Global Overview”. In: P. Berger (ed.). The Desecularization of the World: Resurgent Religion and World Politics, Michigan: Grand Rapids, pp. 1-18.; Berger, Davie e Fokas 2008BERGER, Peter; DAVIE, Grace.; FOKAS, Effie. (2008), Religious America, Secular Europe? A Theme and Variations. Aldershot: Ashgate.).

Estes desenvolvimentos mostram que os investigadores da secularização se tornaram mais conscientes do peso da contingência histórica e das diferenças duradouras das sociedades contemporâneas. Eles assumem agora que, na medida em que existem múltiplas modernidades, também existem múltiplas secularizações.

Desde as décadas de 1960 e 1970 se vêm avançando, implicitamente, algumas pistas sobre a ideia de múltiplas secularizações5 5 Para Eisenstadt (2003: 28), esta talvez tenha sido a “primeira cristalização de novas civilizações desde as grandes civilizações «axiais» e talvez a última até hoje”. O debate sobre a era axial começou com Alfred Weber e a sua monografia Kulturgeschichte als Kultursoziologie (1935), concretizou-se e desenvolveu-se na obra Vom Ursprung und Ziel der Geschichte (1949) de Karl Jaspers e foi depois retomado e atualizado por Shmuel Eisenstadt, no trabalho The Origins and Diversity of Axial Age Civilizations (1986). Em traços gerais, a era axial, situada entre 800 e 200 a.C., caracteriza-se por uma ruptura, supostamente independente, mas alegadamente simultânea, nas três dimensões de enraizamento - ordem social, cosmos e bem humano - de diferentes civilizações da época - chinesa, indiana e ocidental. A revolução axial não ocorreu de forma súbita, mas através de um processo de lenta transformação e emancipação humana - responsabilidade, progresso tecnológico, ciência e filosofia - e, concomitantemente, de crescimento de novas religiões (monoteísmo, confucionismo ou budismo) - desafiadoras das ideias de mito, politeísmo e da inquestionabilidade da natureza e da fé. . Harvey Cox, no seu The secular city (1965), afirma que a secularização pode ter contornos muito diferentes, dependendo das vicissitudes históricas e políticas de uma determinada região. Martin (1978MARTIN, David. (1978), A general theory of secularization, Oxford: Blackwell.), embora caracterize a secularização como um processo e uma tendência geral de diferenciação, enfatiza a influência de diferentes fatores contextuais no desenvolvimento da religião. A secularização seria então um fenômeno que ocorre em circunstâncias particulares e cuja intensidade, forma e resultados dependem de condições regionais particulares. Se, por um lado, tal como a teoria das múltiplas modernidades, a das múltiplas secularizações admite uma tendência geral no processo de modernização/secularização e a sua estabilidade temporal, por outro lado afirma que este é um processo sinuoso, complexo, variável e contextual. Ele é influído pelos diferentes processos e eventos regionais que despoletaram a modernidade (perceções ideológicas, lutas políticas, mudanças geográficas ou economia de mercado) e pela não existência de contratendências (Bruce 2002BRUCE, Steve. (2002), God is Dead: Secularization in the West. Cornwall: Blackwell Publishing.; Ben-Porat e Feniger 2014BEN-PORAT, Guy; FENIGER, Yariv. (2014), “Unpacking secularization: Structural changes, individual choices and ethnic paths”. Ethnicities, vol. 14, n.º 1: 91-112.).

O detectar de uma tendência comum da secularização, aliado ao reconhecimento das especificidades e contingências históricas de cada país, permitiu, assim, o estabelecimento de uma miríade de padrões de análise da secularização. Neste campo, o autor de referência é David Martin (2005MARTIN, David. (2005), On secularization: Towards a revised general theory. Nova Iorque: Routledge.). Martin mantém que a diferenciação funcional continua a ser uma tendência das sociedades modernas que constrange a influência da religião. Todavia, a força e a viabilidade do religioso dependem do modo como essa diferenciação lhe permite tornar-se em um setor socialmente diferenciado. A variação e a contingência desse processo depende do momento da sua origem (nomeadamente da sua constelação histórico-confessional), do seu processo (do desenvolvimento da relação Estado-igrejas, da evolução da economia de mercado ou do eventual surgimento de revoluções ou guerras civis) e do seu ponto de chegada (que pode ou não estar em aberto, flutuando mediante os interesses em disputa). A multiplicidade da secularização corresponde, portanto, às variações ocorridas nestas três dimensões.

O argumento de Martin (2005MARTIN, David. (2005), On secularization: Towards a revised general theory. Nova Iorque: Routledge.: 11) indica uma influência sociológica “fundamental” weberiana, de cariz subjetivista, onde a direção da história deve ser apreendida em uma perspectiva particular, (neste caso) nacional ou regional. A sua negação de uma narrativa histórica, única, da modernidade, leva-o a definir quatro áreas nucleares de secularização, dispersamente ligadas a distintas culturas religiosas e a diferentes épocas de formação do Estado-nação e, portanto, de consolidação da diferenciação funcional. Essas áreas culturais são, grosso modo, a Europa ocidental (católica romana), central ocidental (protestante), central do leste (bizantina) e do leste (ortodoxa). Ao analisar as culturas religiosas europeias, Martin conclui que não se pode separar a natureza das culturas religiosa, política e intelectual. As constelações religiosa e nacional estão, portanto, interligadas.

Concordamos com Taylor (2005TAYLOR, Charles. (2005), “Foreword”. In: David Martin (aut.). On secularization: Towards a revised general theory . Nova Iorque, Routledge, pp. ix-x.) quando diz que Martin tem dois contributos essenciais para o debate da secularização. A primeira contribuição é de cariz hermenêutico. Ao invés de definir a modernidade no singular e de descrever de forma unívoca e universal as mudanças trazidas pela secularização, Martin enfatiza a pluralidade de trajetórias nacionais e regionais, mostrando como a dinâmica da secularização é muito diferente entre culturas dissemelhantes, como a anglo-protestante e a católica. Ou seja, embora os grandes processos históricos (como a racionalização ou diferenciação) possam ter alguma verdade em si mesmos, Martin (2011) assevera que eles devem ser analisados através das histórias particulares e contingentes de cada cultura ou região e que esse exame nos levará a encontrar processos singulares de secularização.

“A religião age, mas também reage (...). O protestantismo europeu também difere visivelmente do protestantismo dos EUA. (...) [O] pietismo e evangelicalismo do Norte europeu criou grandes sub-culturas confessionais que depois enfraqueceram (...) enquanto nos EUA, essas sub-culturas acompanharam a modernidade e se expandiram com ela. Esse mesmo impulso de pietismo e evangelicalismo, particularmente na sua forma contemporânea do pentecostalismo, se indigenizou posteriormente na América Latina. Aí se criou um padrão católico-evangélico híbrido e plural muito diferente do da Europa Ocidental ou da América do Norte” (Martin 2011MARTIN, David. (2011), The future of Christianity: reflections on violence and democracy, religion and secularization. Farnham: Ashgate .: 27).

A segunda contribuição tem um cariz dialético e sustenta a primeira. Para Taylor, a dialética é um dos aspetos mais valiosos e desafiantes do trabalho de Martin, porque não encara a história como um conjunto de conquistas e percas definitivas, mas como uma construção, com “custos” e “reincidências”, que pode ter ganhos atuais e perdas futuras e vice-versa (Martin 2005: 11). Ao se focar na dialética histórica cristã, sobretudo nos modelos de cristianização católica e protestante, o autor sublinha a constante tensão entre o evangelho cristão e o mundo secular. As incursões cristãs no mundo são forçadas, por conta das várias forças e tradições (políticas e culturais) em jogo, a adaptar-se, correndo o “risco perpétuo” de se tornarem “remakes do evangelho que se amoldam ao mundo” (Taylor 2005: x).

Jay Demerath (2007DEMERATH, Jay. (2007), “Secularization and Sacralization, Deconstructed and Reconstructed”. In: J. Beckford; J. Demerath (eds.). The Sage Handbook of the Sociology of Religion . Londres: Sage Publications , pp. 57-80.) acompanha este esforço de sistematização da tipologia dos cenários da secularização. Ao tratar do tema da secularização da cultura, Demerath consegue distinguir entre os tipos de secularização que emergem, organicamente, dentro do sistema cultural de um determinado contexto social (fonte interna) e os que são importados ou impostos pelo exterior (fonte externa). Mas também entre os cenários direcionados ou não-direcionados da secularização. Ou seja, quando este fenômeno resulta da ação das elites em controle (de cima para baixo) ou quando partem do próprio sistema cultural (de baixo para cima). Isso o conduz a quatro tipos de secularização: o emergente (baseado em fontes internas e com um processo de secularização não-direcionado, modelo clássico da secularização, associado aos desenvolvimentos da religião na Europa ocidental), o coercivo (fonte interna, mas direcionada, associado aos Estados Unidos, França ou Irã), o difuso (fonte externa, mas não-direcionada, associado à América Latina) e o imperialista (fonte externa e direcionada, associado à influência dos Estados Unidos no Japão após a 2ª Grande Guerra).

Outros autores também propuseram a sua análise através da criação de uma tipologia de padrões de secularização (Norris e Inglehart 2004NORRIS, Pippa; INGLEHART, Ronald. (2004), Sacred and Secular: Religion and Politics Worldwide. Cambridge: Cambridge University Press , 2004. ; Casanova 2011CASANOVA, José. (2011). “The secular, secularizations, secularisms”. In: C. Calhoun; M. Juergensmeyer; J. Antwerpen (eds.). Rethinking Secularism. Nova Iorque: Oxford University Press, p. 54-74.). Todavia, as suas propostas foram pouco aprofundadas ao nível teórico e, tal como as de Martin e Demerath, não foram alvo de exame empírico. Sem se comprovar empírica e sistematicamente qual a utilidade das múltiplas secularizações para a compreensão do lugar da religião nas sociedades modernas, expandiu-se o léxico das múltiplas. Começaram-se a afirmar novos conceitos como múltiplos secularismos (Stepan 2011STEPAN, Alfred. (2011), “The multiple secularisms of democratic and non-democratic regimes”. In C. Calhoun; M. Juergensmeyer; J. Antwerpen (eds.). Rethinking Secularism . Nova Iorque: Oxford University Press , p. 114-144. ; Bhargava 2013BHARGAVA, Rajeev. (2013), “Multiple secularism and multiple secular states”. In: A. Berg-Sørensen (ed.). Contesting Secularism: Comparative Perspectives. Nova Iorque: Routledge.) ou múltiplas secularidades (Wohlrab-Sahr e Burchard 2012). Contudo, estas noções são mais estritas do que múltiplas secularizações, porque observam com particular incidência a relação entre política e religião e as distinções culturais e simbólicas entre religião e outras esferas sociais, respectivamente.

Não obstante a parca adesão (explícita) à teoria das múltiplas secularizações e as suas derivações conceptuais (que, entenda-se, não questionam necessariamente a ideia de uma secularização no plural), consideramos válidos e proveitosos os seus pressupostos teóricos. Se, por um lado, reconhecemos que os seus padrões ideais, enquanto abstrações analíticas, têm algumas limitações de alcance, por outro lado consideramo-los necessários para a sustentação de uma investigação baseada em casos históricos concretos e para o estabelecimento de critérios de comparação empírica. Realçamos a vantagem epistemológica do recurso a este quadro analítico e comparativo, nomeadamente por conta da sua maior sensibilidade contextual (por exemplo, quanto ao ponto de partida histórico-religioso) e da sua ponderação sobre as contingências históricas (revoluções ou guerras civis) e do seu peso nas atuais constelações religiosas.

IV. Da secularização contextual e das teorias de alcance médio

O assentimento da academia das ciências sociais aos pressupostos da teoria das múltiplas modernidades ou das múltiplas secularizações evidencia, no nosso entender, três aspectos essenciais. O falhanço das grandes teorias da modernização/secularização, a aceitação generalizada da vitalidade social e política da religião em contextos hodiernos e a adesão a perspectivas sensíveis aos contextos (context-sensitive) e dependentes das trajetórias (path-dependent) na relação modernidade-religião. Em suma, o léxico das múltiplas parece ser aceito como o novo paradigma analítico que trará o debate da secularização para outro nível.

Em traços gerais, como demos a entender, concordamos com esta posição. Por um lado, admitidos a possibilidade de existência de tendências persistentes da secularização (não coincidentes e mais ou menos previsíveis), nomeadamente a diferenciação funcional, a societalização ou a racionalização. A primeira se expressa, sobretudo, pela separação entre política e religião, obrigando a última a competir pelo seu papel (espiritual, assistencial ou educacional) com uma pluralidade de sistemas funcionais modernos, complexos, não redundantes e não hierárquicos. A partir daí, não só as novas esferas sociais (seculares) substituem as funções das instituições religiosas, como ainda, o papel da religião nesses organismos perde rapidamente a sua preeminência e se torna praticamente residual. A societalização se exprime, especialmente, através de quatro elementos. A urbanização e a preponderância da cidade (anônima e distante) sobre a comunidade (dos laços e das solidariedades locais); a industrialização e o consequente desmembramento dos laços sociais e das formas de comunidade sobre as quais a religião exercia anteriormente controle; a proliferação dos meios de comunicação móvel e digital de massas e a mudança do paradigma de comunicação - de comunal e pessoal para universal e impessoal -; e, por fim, a mobilidade geográfica que, pela fragmentação de um eu social permanente vinculado a uma comunidade de crentes específica, dificulta a manutenção dos fiéis e enfraquece as consciências religiosas coletivas enraizadas em uma determinada região. Por fim, a racionalização se expressa pelo espírito do capitalismo ou pela expansão do capital e pelo seu impacto na credibilidade da religião; por um controle técnico e burocrático estatal altamente racional e pela criação e manutenção de legitimações que lhe sejam adequadas; pela educação que passou a formar recursos humanos científicos e tecnológicos, levando à racionalização da sua estrutura psicológica; e pelo crescimento da ciência e da tecnologia, promotoras de uma consciência tecnológica que fomenta um novo saber e um sentimento de controle do mundo. Por outro lado, consideramos que cada país é capaz de forjar a sua própria versão destes processos. Reconhecemos, portanto, a existência de diversos fatores contextuais e de diferentes caminhos para a secularização, mas discordamos da ideia de que eles conduzem, necessariamente, ao declínio da religião. Pelo contrário, a secularização suscita processos como os de diferenciação que, como vimos, obrigam à deslocação e recomposição institucional, social, cultural ou política do religioso e que podem resultar na sua maior ou menor proeminência social, dependendo dos interesses em jogo.

Assim sendo, dada a complexidade dos sistemas sociais, nomeadamente das sociedades avançadas, a especificidade das condições culturais e das circunstâncias históricas de cada país e as eventuais variações nacionais e intranacionais da secularização, consideramos necessário analisar de forma menos abstrata as condições que conduzem à deslocação e recomposição do religioso. Deve-se descodificar mais concreta e profundamente a diversidade destas deslocações e recomposições. Ou seja, é necessário entender quais os efeitos do atual contexto sociocultural e político (resultante do ponto de partida histórico e dos seus desenvolvimentos) sobre a religião, possibilitando, desse modo, o estabelecimento de quadros analíticos mais flexíveis e precisos.

Em certa medida, os cientistas sociais vêm advogando essa posição. De um lado, questionam a atualidade dos pressupostos da secularização (Norris e Inglehart 2004NORRIS, Pippa; INGLEHART, Ronald. (2004), Sacred and Secular: Religion and Politics Worldwide. Cambridge: Cambridge University Press , 2004. ; Pickel 2011PICKEL, Gert. (2011), “Contextual secularization. Theoretical thoughts and empirical implications”. Religion and Society in Central and Eastern Europe, vol. 4, n.º 1: 3-20.) e a frutuosidade do debate (Casanova 2007CASANOVA, José. (2007), “Reconsiderar la Secularización: Una perspectiva comparada mundial”. Revista Académica de Relaciones Internacionales, n.º 7.); de outro lado, afirmam a necessidade de mudança no rumo das pesquisas sobre este fenômeno (Halikiopoulou 2011HALIKIOPOULOU, Daphne. (2011), Patterns of Secularization: Church, State and Nation in Greece and the Republic of Ireland. Farnham: Ashgate.) e procuram categorias de análise mais complexas, sofisticadas e reflexivas (Casanova 2012CASANOVA, José. (2012), Genealogías de la secularización. Barcelona: Anthropos y Universidad Nacional Autónoma de México, 2012.). Isto culminou, segundo Woodhead (2009WOODHEAD, Linda. (2009), “Old, new, and emerging paradigms in the sociological study of religion”. Nordic Journal of Religion and Society, vol. 22, n.º 2: 103-121.), na emergência de um novo paradigma da secularização, a secularização contextual6 6 Em 1915, Max Weber inicia uma reflexão sobre ética econômica e religiões mundiais (Die Wirtschaftsethik der Weltreligionen. Konfuzianismus und Puritanismus, Schriften 1915-1920) e nela já se consegue encontrar a ideia de secularização em múltiplas formas. Em particular, quando a narrativa weberiana descreve a secularização como um fenômeno multidimensional que depende dos diferentes espaços em que ocorre. , que vem sendo defendido por autores como Casanova (2007CASANOVA, José. (2007), “Reconsiderar la Secularización: Una perspectiva comparada mundial”. Revista Académica de Relaciones Internacionales, n.º 7.) e Ben-Porat e Feniger (2013BEN-PORAT, Guy; FENIGER, Yariv. (2014), “Unpacking secularization: Structural changes, individual choices and ethnic paths”. Ethnicities, vol. 14, n.º 1: 91-112.), mas, sobretudo, por Gert Pickel (2011PICKEL, Gert. (2011), “Contextual secularization. Theoretical thoughts and empirical implications”. Religion and Society in Central and Eastern Europe, vol. 4, n.º 1: 3-20.).

Com efeito, Pickel, no seu trabalho sobre a secularização contextual, onde procura entender os motivos que justificam a vitalidade religiosa de determinados países, regiões ou indivíduos, reitera a sua confiança na teoria da secularização, mas questiona a sua relação com a modernidade e a sua alegada universalidade, unilinearidade e sincronicidade. Para evitar tais preconceitos da teoria da secularização, Pickel diz que é necessário contextualizar:

“A teoria da secularização é um bom ponto de partida para estruturar as reflexões sobre a relação entre religião e sociedades. Todavia, é necessário contextualizar. (…) Esta ideia encerra o fato de que o processo de secularização não é universal, pelo contrário, depende do contexto, sendo assim amiúde não linear. A secularização e a revitalização da religião são maioritariamente produtos da circunstância. (…) O contexto tem [aqui] uma relevância especialmente grande. (…) [U]m conjunto de diferentes fatores pode ter efeitos parcialmente relacionados ou não relacionados sobre a relevância social da religião. Basicamente coexistem preditores diferentes. Em conjunto, determinam a vitalidade religiosa ao nível macro. Neles se incluem o contexto político, os legados históricos culturais, os processos de identidade ou a interação entre religiosidade e nacionalidade” (Pickel 2011PICKEL, Gert. (2011), “Contextual secularization. Theoretical thoughts and empirical implications”. Religion and Society in Central and Eastern Europe, vol. 4, n.º 1: 3-20.: 3-4, 14).

De acordo com este sociólogo alemão, a narrativa da secularização deve manter-se como uma abordagem explanatória central para a compreensão do lugar da religião nas sociedades modernas. Contudo, deve ser complementada (e não substituída) por perspectivas alternativas (sensíveis ao contexto) que reconheçam que os desenvolvimentos históricos, influidores dos contextos culturais, ambientes políticos e dos processos de construção da identidade, conduzem a uma secularização dependente da trajetória que pode incluir, inclusive, usando uma expressão de Martin, reincidências.

Contrariamente a Martin ou Demerath, Pickel não determina diferentes áreas culturais nem sistematiza uma tipologia de cenários da secularização. Como ele próprio admite, a atual missão dos cientistas sociais é ainda “descodificar a diversidade desses processos” (Pickel 2011PICKEL, Gert. (2011), “Contextual secularization. Theoretical thoughts and empirical implications”. Religion and Society in Central and Eastern Europe, vol. 4, n.º 1: 3-20.: 15). Com efeito, apesar de usar inúmeros estudos de caso para as suas análises empíricas (Pickel 2017PICKEL, Gert. (2017), “Secularization - an empirically consolidated narrative in the face of an increasing influence of religion on politics”, Política & Sociedade , vol. 36, nº 16: 259-294.), o autor não arrisca propriamente uma tipologia de secularização contextual ou path-dependent, como mais recentemente começou a descrever. Não obstante, de forma mais ou menos implícita, Pickel (2017PICKEL, Gert. (2017), “Secularization - an empirically consolidated narrative in the face of an increasing influence of religion on politics”, Política & Sociedade , vol. 36, nº 16: 259-294.: 269) vem fazendo uma distinção entre países de maioria católica (Irlanda ou Espanha), protestante (Suécia ou Holanda) ou países com uma experiência socialista passada (Estônia ou Hungria). Complementarmente determina alguns preditores de nível macro, como o contexto político, os legados histórico-culturais ou a interação entre religiosidade e nacionalidade, para entender os seus efeitos na relevância social da religião.

Independentemente dos resultados diferentes entre estas distintas áreas culturais, religiosas ou políticas, a modernização socioeconômica continua, em todos eles, a correlacionar-se negativamente com a importância social da religião (exemplificada pela filiação, crença em Deus, participação ou religiosidade subjetiva). Todavia, essa tendência, por estar dependente do contexto e de processos históricos específicos, ocorre gradualmente e não simultaneamente em diferentes dimensões (e.g., modernização socioeconômica, educação ou diferenciação funcional). Por conta desses diferentes timings e pontos de partida da secularização e por consequência da diversidade de expressões que pode assumir, Pickel (2017PICKEL, Gert. (2017), “Secularization - an empirically consolidated narrative in the face of an increasing influence of religion on politics”, Política & Sociedade , vol. 36, nº 16: 259-294.: 279) assevera que as atuais análises da secularização “têm de se reconectar fortemente a casos concretos e às suas condições sociais, culturais e políticas subjacentes”.

Com efeito, consideramos que a contextualização da secularização é uma perspectiva capaz de captar com maior precisão a relação hodierna entre modernidade e religião. Similarmente às teorias das múltiplas modernidades ou secularizações, ela nega o efeito homogeneizador das teorias clássicas da modernização e da secularização, mas reconhece a possibilidade de tendências convergentes nesse sentido; complementarmente a essas teorias, ela vai além das questões culturais e políticas, estudando de forma mais aprofundada e menos rígida os aspetos da modernidade, citados por Pickel, que influenciam a religião.

A secularização, mais do que uma condição hodierna, é acima de tudo um “processo histórico-global moderno” (Casanova 2011CASANOVA, José. (2011). “The secular, secularizations, secularisms”. In: C. Calhoun; M. Juergensmeyer; J. Antwerpen (eds.). Rethinking Secularism. Nova Iorque: Oxford University Press, p. 54-74.: 54) não estanque e não linear, cujo desenvolvimento tem um efeito contínuo (positivo ou negativo) na religião. Ela varia, portanto, no timing, na duração e na forma, variando consoante o impacto público das diferentes interações políticas, econômicas ou sociais e das eventuais revoluções e contrarrevoluções. A procura por leis gerais, mais ou menos abrangentes (como a teoria das múltiplas secularizações), pode ser analiticamente contraproducente no caso da secularização. No entanto, à semelhança do que vimos em Giddens (1991GIDDENS, Anthony. (1991), The Consequences of Modernity. Stanford: Stanford University Press .), nem tudo é caos, ou seja, não nos parece razoável admitir que existe um número infinito de secularizações puramente idiossincráticas. Pelo contrário, como declarado anteriormente, reconhecemos a possibilidade de existência de tendências persistentes da secularização. O desafio está, portanto, no equilíbrio entre o abstrato (teórico) e o concreto (empírico).

Estamos cientes de que, tal como as teorias universalistas, uma abordagem puramente contextualista tem os seus inconvenientes. Em especial, o fato de não oferecer per se o mínimo de base comum para a resolução da questão da secularização, tornando-se demasiadamente volátil e inconclusiva, e o fato de, com o fenômeno da globalização e os seus permanentes intercâmbios culturais, o contexto ser atualmente menos relevante do que foi, por exemplo, antes do fim da Guerra Fria. Não obstante as críticas que lhe podem ser apontadas, consideramos que existem ganhos epistemológicos na confrontação do geral com o particular. Para tornar inteligíveis as construções teóricas e testar a sua adequação científica, é necessário considerá-las no contexto de casos e exemplos específicos. Mas, mantendo sempre um movimento de correção mútua entre teoria (abstrata) e prática (concreta).

Em face desta necessidade metodológica, da questionabilidade dos pressupostos mais abrangentes e universais da secularização e da possibilidade de variação dos seus resultados, afigura-se útil analisar a secularização através de proposições teóricas de alcance médio - tal como já proposto por Pickel (2011PICKEL, Gert. (2011), “Contextual secularization. Theoretical thoughts and empirical implications”. Religion and Society in Central and Eastern Europe, vol. 4, n.º 1: 3-20.) ou Halikiopoulou (2011HALIKIOPOULOU, Daphne. (2011), Patterns of Secularization: Church, State and Nation in Greece and the Republic of Ireland. Farnham: Ashgate.).

Uma forma informativa de fazê-lo é através da escada de abstração de Sartori (1970SARTORI, Giovanni. (1970), “Concept Misformation in Comparative Politics”. American Political Science Review, vol. 64: 1033-1153.). Esta ferramenta metodológica é útil, porque divide as conceptualizações teóricas em três níveis - alto, médio e baixo - nos quais existe uma correlação entre o seu grau de abstração e o número de casos que podem cobrir. No topo da escada encontramos as categorias com níveis de abstração mais elevado e que permitem a formulação de teorias universais, facilitando comparações entre contextos heterogêneos. Os eventos e fenômenos que se procuram definir são expandidos ao máximo (máxima extensão), enquanto se reduzem ao mínimo (mínima intenção) as propriedades e os atributos que os definem. Este é precisamente o tipo de conceptualização que levou os teóricos das múltiplas modernidades ou secularizações a criticar versões clássicas dessas teorias. Por seu turno, na base da escada situam-se as categorias com nível de abstração mais baixo, que permitem apenas análises caso a caso. Por conta da concretização plena dos seus conceitos, ou seja, devido ao recurso a um número elevado de propriedades e atributos distintivos (máxima intenção), a sua aplicação é muito reduzida (mínima extensão)7 7 Este conceito possui, à semelhança do que sucede com as múltiplas secularizações, uma derivação conceptual: o secularismo contextual (Bhargava, 2011). .

Peter Mair (2008MAIR, Peter. (2008), “Concepts and concept formation”. In: D. Porta; M. Keating (eds.). Approaches and Methodologies in Social Sciences: A pluralist perspective. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 177-197.), ao analisar a escada da abstração sartoriana, afirma que quando saímos dos extremos e trabalhamos nas camadas intermediárias encontramos as conceptualizações mais interessantes - tanto no sentido teórico como empírico. No topo da escada, onde o conceito possui apenas uma definição mínima e onde a extensão é maximizada, existe apenas a intenção de delimitar o campo de análise social em termos teóricos. Assim, quanto mais gerais ou abstratos os conceitos, menos informativos se tornam. Na base da escada, onde a intenção se encontra no seu máximo e a extensão é relativamente limitada, a discussão e a análise revelam-se amiúde descritivas e ateóricas, porque restringem bastante a representação do fenômeno estudado8 8 Existe, então, um trade-off entre o número de casos a ser pesquisados e o número de propriedades ou atributos pertencentes a cada caso. A fórmula é relativamente simples: maior amplitude de casos, menos propriedades; menor amplitude de casos, mais propriedades. . Por contraste, no nível médio da escada, onde os conceitos têm uma extensão e intensão médias e podem viajar ao longo de uma variedade de casos relativamente extensa, a conceptualização teórica encontra-se com frequência na sua esfera mais importante e desafiante. É justamente dentro deste nível de abstração que as teorias das múltiplas secularizações e da secularização contextual procuram trabalhar. No entanto, fazem-no, no nosso entender, com diferentes pretensões de alcance teórico. Para sistematizarmos estes argumentos, vejamos a tabela 1.

Tabela 1
Modelo da escada de abstração de Sartori aplicado à conceptualização da secularização

Consideramos que é nas duas áreas intermediárias (cinzentas) da escada que se encontram, provavelmente, as construções teóricas mais sagazes da atual relação entre modernidade e religião. As categorias de nível médio, pelo seu esforço de equilíbrio entre extensão (dos casos práticos) e intenção (das suas propriedades e atributos), permitem-nos o confronto, que consideramos necessário, entre o abstrato e o concreto, deixando-nos proceder a um processo de correção mútua entre o teórico e o empírico. A diferença entre as duas áreas cinzentas da escada reside na pretensão de descoberta de certas regularidades/padrões de secularização e na flexibilidade das suas concepções teóricas.

De um lado, a teoria das múltiplas secularizações estabelece padrões que são condensados em modelos de secularização mais ou menos consistentes (oito no caso de Martin e quatro no de Demerath). A compilação (global) dos diferentes percursos da secularização em um número limitado e predeterminado de padrões a aproxima das teorias universais encontradas no topo da escada. Apesar de a sua teoria reconhecer variações na secularização e de procurar representá-las em quadros analíticos distintos, a sua predefinição em tipos ideais tem mais dificuldades em acomodar desenvolvimentos, mutações ou reveses dentro de cada tipo ideal. A teoria das múltiplas secularizações está mais preocupada com a amplitude dos casos que a sua conceptualização pode compreender (maior extensão) do que, propriamente, com as variações de propriedades e atributos que podem ocorrer (menor intenção). Isso permite-lhe, principalmente através de conceptualizações como as de Demerath (2007), estabelecer comparações entre contextos mais ou menos heterogêneos.

De outro lado, como vimos, a teoria da secularização contextual reconhece a existência e a regularidade de certos preditores comuns da secularização, mas não envereda por generalizações típicas das categorias do topo da escada (menor ênfase na extensão). Ao evitar, igualmente, o contextualismo ou reducionismo das conceptualizações da base da escada, apresenta uma maior sensibilidade aos contextos e percursos históricos, políticos e culturais de cada país (maior ênfase na intenção). Isso permite-lhe observar com maior exatidão e acomodar mais facilmente as (des)continuidades do processo histórico-global de secularização. Além disso, a sua insistência em comparações intra-área, entre contextos relativamente homogêneos, é benéfica para a constância do objeto de estudo secularização, especialmente quando considerada a complexidade e a potencial volatilidade da relação modernidade-religião.

Em suma, por comparação à teoria das múltiplas secularizações, a secularização contextual afigura-se mais flexível e precisa, acomodando mais facilmente as mudanças no processo de secularização e reproduzindo mais eficaz e fidedignamente os seus reais contornos hodiernos.

Um esboço da forma como a secularização contextual, enquanto quadro analítico, pode operar já foi oferecido por nós, aquando da discussão sobre a secularização na ultramodernidade católica europeia (Moniz 2016MONIZ, Jorge Botelho. (2016), “A secularização na ultramodernidade católica europeia: uma proposta de análise contextual e multidimensional do fenômeno da secularização”, Em Tese, vol. 13, nº 1: 188-219.). Apesar de este trabalho não ser o fórum para o aprofundamento dos pressupostos empíricos aí discutidos, enfatizamos que esse foi um primeiro passo para o estabelecimento de critérios concretos e objetivos da secularização contextual. Aí procurámos conjugar os ensinamentos das teorias das múltiplas modernidades e das múltiplas secularizações. Primeiramente, selecionámos casos cujo ponto de referência axial fosse idêntico (cristão) e cujas transformações, ocorridas durante o processo de modernização, tivessem desenvolvido um cenário sociorreligioso relativamente homogêneo entre si. Em segundo lugar, distinguimos os casos cujos processos de secularização hodiernos tivessem tido consequências históricas, culturais, políticas e jurídicas relativamente análogas. Lembramos que, tal como diz Pickel (2011PICKEL, Gert. (2011), “Contextual secularization. Theoretical thoughts and empirical implications”. Religion and Society in Central and Eastern Europe, vol. 4, n.º 1: 3-20.: 16), a “maioria dos pressupostos da secularização se encontra no nível macro”. Por isso, é pertinente considerar as dimensões político-histórica e jurídica e o modo como se articulam. Na primeira privilegiámos a escolha de países onde os Estados tivessem longas tradições contratuais com as instituições religiosas, nomeadamente a católica; onde as igrejas e comunidades religiosas, após as transições democráticas, tivessem tido capacidade de (re)conquistar um espaço vital e incontornável na sociedade; e onde o advento da democracia, da liberdade religiosa e da separação não tivessem impedido a cooperação com o religioso (Moniz 2016MONIZ, Jorge Botelho. (2016), “A secularização na ultramodernidade católica europeia: uma proposta de análise contextual e multidimensional do fenômeno da secularização”, Em Tese, vol. 13, nº 1: 188-219.: 197-202). Na segunda escolhemos os casos onde o Estado conferisse as mesmas garantias e obrigações às igrejas e comunidades religiosas. Assim sendo, optámos por países que empregassem os princípios das twin tolerations e do principled distance. O primeiro advoga um estádio de separação, existindo porém uma relação amigável ou positiva entre o político e o religioso; o segundo permite, legalmente, ao Estado aplicar um tratamento diferenciado às várias igrejas e comunidades religiosas. Esta tipologia é baseada na separação com lei especial, hierarquização de religiões e liberdade religiosa (Moniz 2016MONIZ, Jorge Botelho. (2016), “A secularização na ultramodernidade católica europeia: uma proposta de análise contextual e multidimensional do fenômeno da secularização”, Em Tese, vol. 13, nº 1: 188-219.: 202-207).

Com isso, foi-nos possível elencar e comparar um conjunto de países cujas similitudes se afiguravam, a princípio, pouco evidentes: Áustria, Eslováquia, Espanha, Itália, Polônia e Portugal. Por um lado, tal como sugere a teoria das múltiplas modernidades, o fato de serem apenas países europeus atesta o fato de as tradições culturais ou, mais amplamente, civilizacionais terem ainda um forte impacto no percurso da secularização e na sua relação com os processos da modernização. Por outro lado, tal como indica a teoria das múltiplas secularizações, mesmo no contexto europeu, pode-se encontrar uma pluralidade de caminhos da secularização. No entanto, diferentemente da padronização das múltiplas secularizações, a secularização contextual vai além da geometria geográfica proposta por Martin. Ao não restringir a sua análise às quatro áreas nucleares de secularização europeia, ela evidencia, assim, um maior desprendimento relativamente aos preconceitos de teorias de alcance elevado (global) como a secularização, bem como uma maior sensibilidade ao contexto e à dependência de cada trajetória histórica, cultural, política ou social. No nosso entender, estas características da secularização contextual complementam algumas das imperfeições teóricas das múltiplas secularizações e contribuem para a iluminação da atual relação entre modernidade e religião.

V. Considerações finais

A análise da evolução da teoria clássica da modernização, a sua multiplicidade e a sua adoção pelos teóricos da secularização permitiu-nos concluir que, dentro deste campo de estudo, existiram quatro mudanças fundamentais sobre a percepção da religião no mundo hodierno.

Em primeiro lugar, houve um afastamento relativamente às perspectivas unilineares da história. Ou seja, a modernidade deixou de ser entendida como um processo histórico-filosófico progressivo que afeta, necessariamente, de forma negativa a religião. Em segundo lugar, surgiu um questionamento das ideias deterministas e universalistas da modernidade. Isto é, o enquadramento espaçotemporal dos processos que a fomentam e a sua contraposição a outros períodos e contextos regionais mostraram a limitação da sua aplicação geográfica e a fragilidade dos pressupostos sobre a sua suposta inevitabilidade. Em terceiro lugar, como consequência dos dois últimos pontos, desenvolveu-se uma postura científica aparentemente mais neutra e prudente relativamente aos percursos, contradições e consequências da modernização na religião. Atualmente há um esforço para equilibrar os padrões comuns da modernização e as suas descontinuidades idiossincráticas em cada região. Assim, por um lado, continuam-se a detectar algumas regularidades nos processos de transição tradicional-moderno; enquanto, por outro lado, há um distanciamento das concepções unilineares, deterministas e universalistas da modernidade, bem como um reconhecimento da flexibilidade do processo de modernização e das suas consequências múltiplas e heterogêneas na religião. Enfim, como corolário de tudo isto, concluímos que entre os investigadores sociais existe uma ampla aceitação da ideia de que, em condições modernas, os fenômenos religiosos resistem política e socialmente, podendo inclusive ganhar relevância nesses campos.

Estas novas perspectivas científicas sobre os processos da modernização (sujeitos à contingência histórica) e sobre as suas consequências no fenômeno religioso (uma característica particular e duradoura das sociedades hodiernas) ajudaram na adesão às e na afirmação das abordagens sensíveis aos contextos e dependentes das trajetórias, típicas do novo paradigma das múltiplas. Como afirmamos ao longo do texto, no geral, concordamos com estas perspectivas. Contudo, face à complexidade dos sistemas sociais modernos, achamos necessária a adoção de categorias analíticas mais complexas, sofisticadas e reflexivas como a secularização contextual.

Com efeito, a ideia de secularização contextual, pelo seu equilíbrio entre extensão e intenção das propriedades lógicas da secularização, mas, principalmente, pela sua ênfase na última, parece-nos melhor equipada para compreender as consequências dos atuais processos da modernização sobre a religião. Por comparação à teoria das múltiplas secularizações, consideramo-la mais vantajosa, essencialmente, por causa da sua maior flexibilidade e precisão analítica. No entanto, será necessário aprimorar de forma sistemática estes pressupostos teórico-analíticos, de modo a aprofundar o conhecimento científico sobre a secularização. Esse aperfeiçoamento e sistematização teóricos devem ser, ulteriormente, acompanhados por estudos empíricos, como aquele referido sobre a secularização na ultramodernidade católica europeia, que permitam a falsificação e aperfeiçoamento dos seus quadros analíticos.

Existe, pois, um longo percurso a percorrer. Todavia, dados os desenvolvimentos científicos recentes - como as teorias das múltiplas modernidades e das múltiplas secularizações - e o seu contributo para o refinamento dos pressupostos teórico-analíticos que estudam a relação modernidade-religião - como a secularização contextual -, consideramos que atualmente os cientistas sociais estão mais conscientes das ferramentas metodológicas à sua disposição e possuem melhores quadros analíticos para acreditar que, contrariamente a David Voas, é possível revelar a verdade da secularização antes que estejamos sepultados.

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Notas

  • 1
    A expressão modernidade será, ao longo do texto, para explicitar um estado ou qualidade do que é moderno, enquanto modernização se referirá ao ato ou efeito de tornar (-se) moderno.
  • 2
    A expressão modernidade será, ao longo do texto, para explicitar um estado ou qualidade do que é moderno, enquanto modernização se referirá ao ato ou efeito de tornar (-se) moderno.
  • 3
    Entre as quais encontramos o contato mais direto entre governos e cidadãos individuais (através da educação, nacionalismo ou do voto); a transformação das economias agrícolas em economias industriais; o crescimento dos governos centrais e o aumento da burocracia e da especialização técnica; a urbanização; o surgimento de novos movimentos de protesto social (exemplo: sindicatos) ou políticos (exemplo: socialismo); a exaltação da ciência como fonte de verdade e progresso; a supremacia da razão sobre a fé, como fonte geral de conhecimento; ou o maior valor global colocado no conceito de progresso, tanto pessoal como geral (Gilman 2003: 24-25).
  • 4
    Deste modo, a perspectiva de Eisenstadt também se opõe às teses do fim da história de Francis Fukuyama e do choque de civilizações de Samuel Huntington.
  • 5
    Para Eisenstadt (2003: 28), esta talvez tenha sido a “primeira cristalização de novas civilizações desde as grandes civilizações «axiais» e talvez a última até hoje”. O debate sobre a era axial começou com Alfred Weber e a sua monografia Kulturgeschichte als Kultursoziologie (1935), concretizou-se e desenvolveu-se na obra Vom Ursprung und Ziel der Geschichte (1949) de Karl Jaspers e foi depois retomado e atualizado por Shmuel Eisenstadt, no trabalho The Origins and Diversity of Axial Age Civilizations (1986). Em traços gerais, a era axial, situada entre 800 e 200 a.C., caracteriza-se por uma ruptura, supostamente independente, mas alegadamente simultânea, nas três dimensões de enraizamento - ordem social, cosmos e bem humano - de diferentes civilizações da época - chinesa, indiana e ocidental. A revolução axial não ocorreu de forma súbita, mas através de um processo de lenta transformação e emancipação humana - responsabilidade, progresso tecnológico, ciência e filosofia - e, concomitantemente, de crescimento de novas religiões (monoteísmo, confucionismo ou budismo) - desafiadoras das ideias de mito, politeísmo e da inquestionabilidade da natureza e da fé.
  • 6
    Em 1915, Max Weber inicia uma reflexão sobre ética econômica e religiões mundiais (Die Wirtschaftsethik der Weltreligionen. Konfuzianismus und Puritanismus, Schriften 1915-1920) e nela já se consegue encontrar a ideia de secularização em múltiplas formas. Em particular, quando a narrativa weberiana descreve a secularização como um fenômeno multidimensional que depende dos diferentes espaços em que ocorre.
  • 7
    Este conceito possui, à semelhança do que sucede com as múltiplas secularizações, uma derivação conceptual: o secularismo contextual (Bhargava, 2011).
  • 8
    Existe, então, um trade-off entre o número de casos a ser pesquisados e o número de propriedades ou atributos pertencentes a cada caso. A fórmula é relativamente simples: maior amplitude de casos, menos propriedades; menor amplitude de casos, mais propriedades.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2017
  • Aceito
    27 Fev 2018
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