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Acompanhamento do desenvolvimento da linguagem de lactentes de risco para surdez

Follow-up of language development in infants with risk factors for hearing loss

Resumos

OBJETIVO: Comparar o desenvolvimento da linguagem, de acordo com o gênero, idade gestacional e peso ao nascimento, aos quatro, oito e 12 meses, de lactentes que permaneceram em UTI Neonatal e que apresentaram um ou mais indicadores de risco para perda auditiva de aparecimento tardio. MÉTODOS: Estudo longitudinal de lactentes nascidos entre agosto de 2007 e julho de 2008 que, na UTI, apresentaram resultado normal no Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico, e que necessitaram de monitoramento audiológico e de linguagem, por apresentarem indicadores de risco para perda auditiva. Os lactentes foram avaliados no 4º, 8º e 12° meses de vida por meio da Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem. RESULTADOS: Compareceram a todas as avaliações 87 lactentes e 60 (69%) apresentaram como indicador de risco a permanência na UTI associada à hipertensão pulmonar. Na Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem, nove lactentes apresentaram alterações aos quatro meses e 11 lactentes aos oito meses de idade. Aos 12 meses, 18 (20,6%) lactentes apresentaram alteração e desses, cinco tiveram atraso nos meses anteriores. Os dados estatísticos demonstraram que resultados alterados aos quatro e oito meses podem predizer dificuldades nas respostas dos lactentes aos 12 meses. Houve o aparecimento de desvios transitórios no desenvolvimento da linguagem oral, normalizados na maioria dos casos. CONCLUSÃO: Deve-se realizar a avaliação de linguagem no primeiro ano de vida a fim de monitorar possíveis atrasos em lactentes com indicador de risco para surdez.

Desenvolvimento da linguagem; Lactente; Perda auditiva; Estudos longitudinais; Fatores de risco


PURPOSE: To compare language development, according to gender, gestational age and birth weight, at four, eight and 12 months of life, of infants who remained in the Neonate Intensive Care Unit, who presented at least one risk factor for hearing loss with delayed onset. METHODS: Longitudinal study of infants born between August 2007 and July 2008, who, in the Intensive Care Unit (ICU), showed normal results in the Automated Auditory Brainstem Evoked Potential test, and required audiological and language monitoring for presenting risk factors for hearing loss. The infants were assessed at four, eight and 12 months, using the Early Language Milestone Scale. RESULTS: Eighty-seven infants were evaluated, and 60 (69%) of them presented, as a risk factor, the permanence at the ICU associated with pulmonary hypertension. In the Early Language Milestone Scale, nine infants showed alterations at four months, and 11 at eight months of age. At 12 months, 18 (20.6%) infants showed alterations, and five of these had showed delays in the previous evaluations. Statistical analyses demonstrated that altered results at four and eight months can predict difficulties in the infant's responses at 12 months. The infants showed transitory alterations in oral language development, which were overcome in most cases. CONCLUSION: The first language evaluation of children with risk factors for hearing loss should be carried during the first year of life, allowing early detection of language development issues.

Language development; Infant; Hearing loss; Longitudinal studies; Risk factors


ARTIGO ORIGINAL

Acompanhamento do desenvolvimento da linguagem de lactentes de risco para surdez

Follow-up of language development in infants with risk factors for hearing loss

Denise Maria Zaratini FernandesI; Maria Cecília Marconi Pinheiro LimaII; Vanda Maria Gimenes GonçalvesIII; Maria de Fátima de Campos FrançozoIV

ICentro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação "Prof. Dr. Gabriel Oliveira Silva Porto", Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil

IICurso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil

IIIFaculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil

IVDepartamento de Neurologia e Centro de Investigação em Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Cecília Marconi Pinheiro Lima R. Tessália Vieira de Camargo 126, Barão Geraldo Campinas (SP), Brasil CEP: 13084-971 E-mail: ceclima@fcm.unicamp.br

RESUMO

OBJETIVO: Comparar o desenvolvimento da linguagem, de acordo com o gênero, idade gestacional e peso ao nascimento, aos quatro, oito e 12 meses, de lactentes que permaneceram em UTI Neonatal e que apresentaram um ou mais indicadores de risco para perda auditiva de aparecimento tardio.

MÉTODOS: Estudo longitudinal de lactentes nascidos entre agosto de 2007 e julho de 2008 que, na UTI, apresentaram resultado normal no Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico, e que necessitaram de monitoramento audiológico e de linguagem, por apresentarem indicadores de risco para perda auditiva. Os lactentes foram avaliados no 4º, 8º e 12° meses de vida por meio da Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem.

RESULTADOS: Compareceram a todas as avaliações 87 lactentes e 60 (69%) apresentaram como indicador de risco a permanência na UTI associada à hipertensão pulmonar. Na Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem, nove lactentes apresentaram alterações aos quatro meses e 11 lactentes aos oito meses de idade. Aos 12 meses, 18 (20,6%) lactentes apresentaram alteração e desses, cinco tiveram atraso nos meses anteriores. Os dados estatísticos demonstraram que resultados alterados aos quatro e oito meses podem predizer dificuldades nas respostas dos lactentes aos 12 meses. Houve o aparecimento de desvios transitórios no desenvolvimento da linguagem oral, normalizados na maioria dos casos.

CONCLUSÃO: Deve-se realizar a avaliação de linguagem no primeiro ano de vida a fim de monitorar possíveis atrasos em lactentes com indicador de risco para surdez.

Descritores: Desenvolvimento da linguagem; Lactente; Perda auditiva; Estudos longitudinais; Fatores de risco

ABSTRACT

PURPOSE: To compare language development, according to gender, gestational age and birth weight, at four, eight and 12 months of life, of infants who remained in the Neonate Intensive Care Unit, who presented at least one risk factor for hearing loss with delayed onset.

METHODS: Longitudinal study of infants born between August 2007 and July 2008, who, in the Intensive Care Unit (ICU), showed normal results in the Automated Auditory Brainstem Evoked Potential test, and required audiological and language monitoring for presenting risk factors for hearing loss. The infants were assessed at four, eight and 12 months, using the Early Language Milestone Scale.

RESULTS: Eighty-seven infants were evaluated, and 60 (69%) of them presented, as a risk factor, the permanence at the ICU associated with pulmonary hypertension. In the Early Language Milestone Scale, nine infants showed alterations at four months, and 11 at eight months of age. At 12 months, 18 (20.6%) infants showed alterations, and five of these had showed delays in the previous evaluations. Statistical analyses demonstrated that altered results at four and eight months can predict difficulties in the infant's responses at 12 months. The infants showed transitory alterations in oral language development, which were overcome in most cases.

CONCLUSION: The first language evaluation of children with risk factors for hearing loss should be carried during the first year of life, allowing early detection of language development issues.

Keywords: Language development; Infant; Hearing loss; Longitudinal studies; Risk factors

INTRODUÇÃO

A língua oral é o principal meio de comunicação entre os seres humanos, e a audição participa efetivamente nos processos de aprendizagem de conceitos básicos, até a aquisição da leitura e da escrita. O desenvolvimento normal da linguagem oral em crianças é um processo interativo que requer, além de outros fatores, audição intacta e exposição à fala(1).

A perda auditiva prejudica a aquisição e o desenvolvimento normal da linguagem oral, uma vez que ao privar a criança do contato com os sons da fala, a impede de desenvolver experiências pré-linguísticas iniciais(2).

O efeito da perda auditiva no desenvolvimento das habilidades de fala e linguagem é tanto variado quanto complexo. Embora as crianças com perda auditiva representem uma população heterogênea, quanto mais severa for a perda auditiva e quanto mais precoce for seu início, maiores serão os efeitos sobre o processo de desenvolvimento(3). Além disso, distúrbios de processamento auditivo também podem interferir no desenvolvimento normal da linguagem.

A Triagem Auditiva Neonatal Universal (TANU)(4), consiste em detectar a deficiência auditiva precocemente em lactentes, com o objetivo de maximizar a competência linguística e comunicativa, bem como o desenvolvimento de linguagem, da cognição e do aspecto sócio-emocional de crianças com perda auditiva.

O Comitê Misto de Audição Infantil(4) propõe que todos os neonatos que passaram na triagem auditiva neonatal devem ser acompanhados, e que, a cada visita médica pediátrica, sejam avaliados por instrumentos validados, para que sejam identificadas possíveis alterações no desenvolvimento; estas avaliações devem ocorrer aos nove, 18 e entre 24 e 30 meses, ou a qualquer momento, se houver preocupação dos pais ou profissionais quanto ao desenvolvimento da audição e da linguagem da criança. Atrasos no desenvolvimento da linguagem podem dar indícios de alterações globais, pelo fato de a linguagem ocupar um papel importante no desenvolvimento nos primeiros anos de vida(5,6). Devem ser utilizados testes audiológicos e protocolos padronizados de avaliação do comportamento auditivo, visual e do desenvolvimento da comunicação.

Estudos populacionais apontam diferentes valores em relação ao acometimento da deficiência auditiva neurossensorial. Nos países desenvolvidos, encontrou-se um caso de deficiência auditiva em cada 1000 recém-nascidos(7); pesquisa nacional detectou 2,4 em 1000 neonatos(8) e pesquisa internacional realizada em país em desenvolvimento encontrou de um a três em mil neonatos(9). Este número aumenta drasticamente no caso de crianças que permanecem em unidades de terapia intensiva neonatal, cuja prevalência foi de 10,2%(10). Encontrou-se também 16% de alterações auditivas em lactentes de muito baixo peso ao nascer(11) ou de 10,2% de lactentes de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), com suspeita de desordem do processamento auditivo(12).

Considerando que o diagnóstico e a intervenção precoces têm impacto no prognóstico das crianças com deficiência auditiva ou alterações no processamento da informação(4,7); que os indicadores de risco são responsáveis por alterações tanto na acuidade auditiva como no desenvolvimento de forma global e que uma avaliação padronizada(13) durante os primeiros meses de vida poderá prover importante informação na identificação de alterações do desenvolvimento, levantou-se a hipótese de que é possível detectar sinais iniciais de alterações da linguagem em crianças com indicadores de risco para deficiência auditiva de aparecimento tardio.

Para testar essa hipótese foi utilizada a Escala de Aquisições Iniciais de Linguagem (Escala ELM)(5), um instrumento específico para avaliação da aquisição e desenvolvimento de linguagem e da função auditiva e visual. A Escala ELM caracteriza-se como um teste de triagem, aplicável desde o nascimento até os trinta e seis meses de idade(1,13).

A contribuição deste estudo refere-se ao uso de um instrumento padronizado de aquisição de fala e linguagem de lactentes (Escala ELM)(5), que valoriza não só a área expressiva e receptiva da fala, mas também as funções auditiva e visual.

O objetivo do presente estudo foi comparar o desenvolvimento da linguagem de acordo com o gênero, idade gestacional e peso ao nascimento, de lactentes aos quatro, oito e 12 meses, que permaneceram em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e que apresentaram um ou mais indicadores de risco para perda auditiva de aparecimento tardio.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo longitudinal, prospectivo, de lactentes avaliados aos quatro, oito e 12 meses. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), (Protocolo nº 138/2003). Os pais e/ou responsáveis dos lactentes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Compareceram para avaliação na instituição, 124 lactentes provenientes da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM - UNICAMP) e do Hospital Estadual Sumaré/São Paulo. Para a pesquisa, foram selecionados 87 lactentes de acordo com os seguintes critérios de inclusão: lactentes nascidos entre agosto de 2007 e julho de 2008, que permaneceram internados por pelo menos 48 horas, que apresentaram resultado normal no Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico ao nascimento, realizado quando o neonato se encontrava em condições clínicas estáveis, que apresentaram um ou mais indicadores de risco para perda auditiva de aparecimento tardio(4) e que compareceram às três avaliações agendadas no quarto, oitavo, e 12º meses, encaminhados ao Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação "Prof. Dr. Gabriel Porto" (CEPRE) /UNICAMP

Foram excluídos do estudo os lactentes que compareceram a duas ou menos avaliações, que não assinaram o TCLE ou que apresentaram alterações auditivas nesse período (pois esses eram imediatamente encaminhados para avaliação otorrinolaringológica e audiológica completa).

Para caracterização da amostra, foram considerados os seguintes indicadores de risco para alterações auditivas: suspeita dos familiares em relação ao atraso no desenvolvimento da linguagem, fala e audição; história familiar de perda auditiva permanente na infância; permanência em UTIN maior ou igual a cinco dias ou com as implicações: hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido associadas à ventilação mecânica e condições que exijam o uso de oxigenação por membrana extra corpórea, exposição a ototóxicos e hiperbilirrubinemia em um nível sérico que exija transfusão sanguínea; infecções congênitas, como citomegalovírus, herpes, toxoplasmose ou rubéola; anomalias craniofaciais, incluindo as anormalidades morfológicas do pavilhão auricular e do meato acústico externo; estigma ou outros achados associados a uma síndrome conhecida que inclua perda auditiva neurossensorial ou perda auditiva condutiva; síndromes associadas à perda auditiva; doenças neurodegenerativas; infecções pós-natais associadas à perda auditiva neurossensorial e traumatismo craniano.

As variáveis estudadas aos quatro, oito, e 12 meses foram: gênero, idade gestacional(14,15), peso ao nascimento comparado com o desempenho dos lactentes observado durante a aplicação da Escala ELM nessas idades. Com relação à idade gestacional, foi considerada a idade corrigida dos lactentes, ou seja, subtraiu-se da idade pós-natal, o número de semanas que faltavam para completar 40 semanas(16).

Após a alta hospitalar, a mãe era convidada a retornar para avaliação do lactente no quarto mês de vida, contando uma semana antes ou após a data de aniversário.

Para a avaliação da linguagem utilizou-se a Escala ELM(5), dividida em três partes representando as funções: expressiva, receptiva e visual. A função expressiva é composta pelos itens: gorjeio (E1), vocalização recíproca (E2), riso social (E3), produção de bolhas (E4), produção de balbucio monossilábico (E5), produção de mamã/papá (E6), produção da primeira palavra (E7), produção de quatro a seis palavras (E8).

A função receptiva da Escala ELM é composta pelos itens: alerta a voz (R1), orientação lateral à voz (R2), reconhecimento de sons (R3), localização do sino à direita e à esquerda na lateral (R4), localização do sino para cima e para baixo indiretamente (R5), inibe-se à palavra não (R6), localização do sino para cima indiretamente e para baixo diretamente (R7), entendimento de ordem verbal de um comando (R8), apontar para mais de uma parte do corpo (R9).

A função visual compõe-se de: sorriso (V1), reconhecimento dos pais (V2), reconhecimento de objetos (V3), resposta para expressões faciais (V4), fazer seguimento visual na horizontal e vertical (V5), piscar para objetos se aproximando do campo visual (V6), imitar jogos gestuais (V7), seguir ordem com gesto (V8), iniciar jogos gestuais (V9), apontar para objetos desejados (V10).

Considerou-se como resposta normal, conforme definido na Escala, aos quatro meses de idade, o lactente apresentar os itens E1 a E3 na função expressiva, R1 a R3 na função receptiva e V1 a V6 na função visual. Aos oito meses, considerou-se normal, na função expressiva, o lactente apresentar de E1 a E5; na função receptiva de R1 a R5 e na visual de V1 a V7. Aos 12 meses, as respostas dos lactentes foram consideradas normais quando, na função expressiva, o lactente apresentava itens de E1 a E7, na função receptiva de R1 a R6 e na visual de V1 a V8. Considerou-se atraso quando o lactente apresentava respostas nas funções expressiva, receptiva e visual, com valores abaixo do esperado para sua faixa etária, em uma ou mais funções.

Todas as avaliações foram realizadas por duas fonoaudiólogas, com o lactente sentado no colo da mãe. Na função expressiva e em algumas provas das funções receptiva e visual, os itens eram perguntados diretamente à mãe do lactente e, a seguir, anotados na Escala. Para algumas provas da função receptiva, relacionadas com respostas aos sons, uma fonoaudióloga tocava um instrumento (sino) localizado a 20 cm da orelha direita e/ou esquerda lateralmente ou na diagonal e outro profissional usava a técnica de distração, utilizando uma bola vermelha amarrada a um cordão. Para a prova em que se verificava o acompanhamento visual dos lactentes a um objeto nas direções horizontal e vertical, era utilizada uma bola colorida. Os materiais utilizados, sino, bola vermelha e bola colorida, compunham o kit da Escala ELM. As avaliações foram realizadas em uma sala com revestimento acústico, na instituição.

As avaliações foram complementadas com testes audiológicos (avaliação instrumental e audiometria de reforço visual) e com medidas de imitância acústica para verificar as condições de orelha média.

Para análise estatística foi utilizado o software SAS System. Para comparações de variáveis categóricas, realizou-se o teste Qui-quadrado. Para comparar as proporções de lactentes com resultado normal ou alterado na Escala ELM aos quatro, oito e 12 meses, utilizou-se o teste de McNemar. Para comparar gênero dos neonatos, idade gestacional e peso ao nascimento com resultados da Escala ELM, utilizou-se o teste Exato de Fisher. Considerou-se o nível de significância de 0,05 e intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS

Dos 124 neonatos avaliados, 87 preencheram os critérios de inclusão, pois compareceram e foram avaliados no 4º, 8º e 12º meses.

O indicador de risco comum a todos os lactentes foi a permanência na UTIN por mais de cinco dias; 42 lactentes tiveram um segundo indicador de risco e 45 lactentes tiveram três ou mais indicadores de risco. A frequência de aparecimento de cada indicador foi: 60 (69%) apresentaram hipertensão pulmonar persistente, oito (9,2%) anóxia neonatal, nove (10,3%) história familiar de perda auditiva neurossensorial permanente na infância, quatro (4,6%) hiperbilirrubinemia ao nível de severidade que requereu transfusão sanguínea, três (3,5%) infecção pós-natal, dois (2,3%) infecção intra-uterina e um (1,1%) anomalia crânio-facial.

Os dados de idade gestacional e peso ao nascimento, distribuídos segundo o gênero, encontram-se na Tabela 1, não sendo revelada associação entre os grupos de lactentes a termo e pré-termo e entre lactentes nascidos com peso adequado ou pequeno para idade gestacional se comparados com gênero masculino e feminino. A média da idade gestacional foi de 31 semanas, variando entre 28 e 34 semanas e a média de peso foi de 1352,22 g.

Na Tabela 2, encontram-se os resultados definidos como normal ou alterado, em cada item da Escala ELM (expressiva, receptiva e visual), dos lactentes avaliados aos quatro, oito e 12 meses. Observa-se que a mesma criança pode ter apresentado resultado alterado em mais de uma função na idade avaliada.

Na Tabela 3, encontra-se o número de lactentes com resultado normal ou alterado na Escala ELM, aos quatro, oito e 12 meses. Ao realizar-se análise estatística do número de crianças com resultado normal e alterado na Escala, observou-se que houve diferença entre as proporções de crianças comparando-se as avaliações aos quatro e oito meses, aos quatro e 12 meses e aos oito e 12 meses, ou seja, as alterações apresentadas aos quatro meses podem estar associadas às alterações aos oito meses e o mesmo pode ser dito em relação à associação entre quatro e 12 meses e entre oito e 12 meses (p<0,0001).

Apresentaram atraso no desenvolvimento da linguagem aos 12 meses, 18 lactentes e desses, 13 (72,2%) eram recém nascidos pré-termo e cinco (27,8%), a termo. Em relação ao gênero, 11 (61,1%) crianças eram do gênero masculino e sete (38,9%) do feminino.

Dos 18 lactentes alterados no 12º mês, cinco (27,7%) haviam apresentado atrasos nas avaliações aos quatro e/ou oito meses de idade (lactentes MEF, LAB, ILALS, VGS e PHFS). No Quadro 1, estão distribuídos os lactentes que apresentaram atraso aos 12 meses na Escala ELM, de acordo com a idade gestacional e peso ao nascimento, gênero, indicadores de risco e resultados normal e alterado na Escala.


Na Tabela 4, encontram-se o número de lactentes que apresentaram atraso na Escala ELM, nas três avaliações realizadas aos quatro, oito e 12 meses, distribuídos de acordo com o gênero masculino e feminino. Os dados estatísticos revelaram que não houve diferença entre as proporções de lactentes, ou seja, não houve associação entre os lactentes separados por gênero e resultados na Escala ELM, nas comparações entre quatro e oito meses de idade; entre quatro e 12 meses e entre oito e 12 meses.

Na Tabela 5, encontra-se a distribuição dos lactentes de acordo com a idade gestacional ou peso ao nascimento, idade nas avaliações e alterações na Escala ELM. Os dados estatísticos revelaram que não houve diferença, ou seja, não houve associação entre as proporções de crianças distribuídas por idade gestacional e peso ao nascimento em relação à idade gestacional e alteração na Escala ELM aos quatro e oito meses, oito e 12 meses e quatro e 12 meses de idade (p=1,000).

DISCUSSÃO

Das 87 crianças avaliadas, 60 apresentaram hipertensão pulmonar persistente ao nascimento. Essa associação de fatores é bastante presente na literatura. Os lactentes com circulação fetal persistente (CFP) também conhecida como hipertensão pulmonar persistente, apresentam hipoxemia progressiva (apesar do suporte ventilatório) e insuficiência cardíaca. Essa anormalidade cardíaca, antigamente conhecida como ducto arterioso patente, é relativamente comum em neonatos(2). Foi referido que os bebês com CFP estão sujeitos a risco potencial de problemas neurológicos a longo prazo, devido à sua história de hipoxemia grave(17).

Lactentes que receberam ventilação mecânica devido a CFP, por 20 dias ou mais e que foram encaminhados para avaliação audiológica, apresentaram maior risco de perda auditiva sensorioneural comparados a outros bebês que permaneceram na UTIN(18). Aos seis meses, as crianças com maiores alterações relacionavam-se às que tiveram como indicador de risco desconforto respiratório, retinopatia da prematuridade e apnéia(19).

Nesta pesquisa, 18 lactentes apresentaram resultados alterados na Escala ELM aos 12 meses. Destes, cinco tiveram atraso em duas ou mais área da Escala, ou função expressiva e receptiva ou função expressiva e visual. Dentre os 18 lactentes, 11 tiveram hipertensão pulmonar. Alterações no desenvolvimento neuromotor também foram observadas em estudo realizado com lactentes nascidos de muito baixo peso e que tiveram como indicador de risco o uso de ventilação mecânica(20), em que se evidenciou que insuficiência respiratória com uso de ventilação mecânica e hemorragias cerebrais estão associadas à pior evolução neurológica. Em pesquisa realizada em Belo Horizonte(21), com crianças nascidas com toxoplasmose congênita, observou-se que das quatro diagnosticadas com deficiência auditiva, a criança com perda profunda era a que tinha permanecido por 30 dias em ventilação mecânica, e que tinha também outros dois indicadores de risco: a prematuridade e o baixo peso ao nascer. Outro estudo que utilizou a Escala ELM, comparando duas populações de crianças, concluiu que as crianças prematuras e de baixo peso apresentaram maiores prejuízos nas áreas receptiva, expressiva e visual, se comparadas com crianças a termo e com peso adequado para a idade gestacional, aos 12 e 24 meses de idade cronológica(6).

Com relação aos resultados da aplicação da Escala ELM nos lactentes aos quatro meses de idade, verificou-se que a função mais alterada foi a função receptiva, nos itens que dependiam da resposta do lactente aos sons. Nesta idade, uma grande preocupação na avaliação de lactentes volta-se para a presença ou não de alterações sensoriais, não apenas na acuidade, mas na funcionalidade dos sentidos. Nessa pesquisa, essas alterações na função receptiva foram atribuídas a uma dificuldade transitória dos lactentes de atenção ao som e de procura da fonte sonora nessa idade, pois essas alterações se normalizaram nos meses posteriores.

Aos oito meses, as alterações mais presentes foram detectadas na função visual, habilidade que se normalizou aos 12 meses em todos os lactentes, com exceção do lactente LAB (Quadro 1). Este último apresentou dificuldade na imitação de jogos gestuais, que é a habilidade de imitar brincadeiras seguidas de gestos, tais como dar tchau, bater palminha, jogar beijo. Sendo assim, talvez a dificuldade maior deste lactente se concentre em habilidades que dependam de imitar atos motores durante a interação social com outras pessoas.

Para que ocorra a aquisição e o desenvolvimento da linguagem oral são necessárias: integridade do sistema auditivo e seu adequado funcionamento, a maturação do sistema nervoso central, o desenvolvimento cognitivo e a integridade dos órgãos fonoarticulatórios responsáveis pela produção da fala(5). Além disso, considera-se, por parte da criança, um interesse subjetivo pela linguagem, sua inserção em um meio no qual a linguagem faça parte de rotinas significativas e a presença de uma língua auto-referenciada(5,22).

Dentre os 18 casos de atraso aos 12 meses de idade, 16 (89%) estavam relacionados à função expressiva, com os lactentes demonstrando dificuldade na produção do balbucio polissilábico e das primeiras palavras. Ao comparar as respostas entre quatro e oito meses, oito e 12 e meses e quatro e 12 meses, os dados estatísticos mostraram que a alteração aos quatro ou oito meses pode interferir nas respostas dos lactentes aos oito e 12 meses, pois cada avaliação observada parece ter sua correspondência na avaliação seguinte. Nesta idade, espera-se que as crianças produzam palavras isoladas com compreensão do que lhes é dito(5).

Resultados semelhantes foram observados em um grupo de crianças avaliadas aos 12 e 24 meses de idade(23), em que consideraram as alterações de linguagem como desvios transitórios, levando os pesquisadores a concluir sobre a importância e a necessidade de orientar a família para a intervenção adequada, pois de outra forma, as alterações poderiam se tornar persistentes. No estudo, nos encontros com as famílias, em especial a mãe, havia sempre trocas de informações e experiências entre os pais e os pesquisadores, interações que poderiam ter interferido positivamente na relação entre a criança e os familiares, favorecendo o desenvolvimento das crianças(23).

Observou-se que não houve associação entre gênero, idade gestacional e peso ao nascimento e resultados alterados na Escala ELM. Entretanto, autores alertam para a associação entre prematuridade e desenvolvimento da linguagem(24-26). Foi referido que, ao avaliar as crianças até dois anos de idade, a idade gestacional não foi suficiente para prejudicar o desenvolvimento da linguagem, entretanto não descartaram riscos futuros nesta população. A Escala ELM nos alerta para possíveis alterações nos lactentes, principalmente na área expressiva da Escala, indicando que aos primeiros sinais de atraso de lactentes, estes devem ser acompanhados até pelo menos trinta meses de idade, como proposto pelo JCIH(4). Em outro estudo observou-se que o maior atraso no desenvolvimento cognitivo foi em prematuros extremos e com peso menor de 750 g(27).

Deve-se ter cautela ao avaliar as questões da prematuridade e do baixo peso, pois os estudos mostram grandes diferenças na evolução dos recém-nascidos e dos riscos envolvidos. É fundamental considerar, além dos fatores idade gestacional e peso, os cuidados que o neonato recebeu no berçário, as intercorrências no período neonatal e também as condições sociais das famílias e a estimulação precoce(28). Deve ser levado em consideração, quanto ao tipo e magnitude das alterações encontradas em neonatos com idade gestacional menor do que 25 semanas e de muito baixo peso (abaixo de 750 g), a intensidade e a duração de eventos adversos e também as variações genéticas(28).

No trabalho acima descrito, as crianças que apresentaram alterações quanto à função expressiva da Escala, relacionadas ao desenvolvimento da linguagem oral, foram orientados a ingressar em programas de intervenção fonoaudiológica o mais precocemente possível, visando minimizar riscos quanto a atrasos no desenvolvimento de linguagem e cognitivo, contribuindo para uma melhor qualidade de vida dessas crianças.

CONCLUSÃO

Observou-se que não houve associação entre gênero, idade gestacional e peso ao nascimento e resultados alterados na Escala ELM. Entretanto, houve associação quanto aos atrasos que apareceram na própria Escala ao longo das avaliações, indicando que aos primeiros sinais de alteração, os lactentes devem ser acompanhados e os pais orientados quanto ao desenvolvimento da linguagem. Nos casos de atrasos persistentes, as crianças devem ser referenciadas a serviços de diagnóstico.

Alguns desvios transitórios que apareceram no decorrer das avaliações, ou seja, atrasos em uma ou mais funções da Escala ELM que apareceram apenas uma vez, se normalizaram, provavelmente em função de orientações das fonoaudiólogas aos pais, para que estimulassem a linguagem de seus filhos, e assim viessem a intervir em seu desenvolvimento de forma positiva e incentivadora.

Os dados nos levam a considerar que os lactentes com risco para perda auditiva devem ser avaliados pelo menos uma vez no primeiro ano de vida. A indicação de uma primeira avaliação aos nove meses, conforme indicação da literatura, nos parece ser adequado para identificar indícios de possível atraso no desenvolvimento da linguagem.

Recebido em: 27/2/2010

Aceito em: 29/7/2010

Trabalho realizado no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Professor Doutor "Gabriel Porto", Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil, com bolsa concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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  • Endereço para correspondência:
    Maria Cecília Marconi Pinheiro Lima
    R. Tessália Vieira de Camargo 126, Barão Geraldo
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      27 Fev 2010
    • Aceito
      29 Jul 2010
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