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Queixas e preocupações otológicas e as dificuldades de comunicação de indivíduos idosos

Otological complaints and concerns and communication difficulties of aged individuals

Resumos

OBJETIVO: Investigar as queixas e as preocupações otológicas de indivíduos idosos, bem como as dificuldades de comunicação enfrentadas por esta população. MÉTODOS: Foram avaliados 50 idosos (61 a 90 anos de idade), sendo 8 homens e 42 mulheres, que apresentavam configuração audiométrica descendente simétrica. Os pacientes foram submetidos a uma entrevista e testes auditivos. Neste artigo, foram apresentados e discutidos os dados da entrevista e a correlação das queixas otológicas com os graus de perda auditiva. RESULTADOS: A queixa de perda auditiva esteve presente em 70% da amostra e revelou associação com a preocupação quanto à própria perda, com o queixa de dificuldade de comunicação e com a quantidade de situações nas quais a dificuldade é percebida, sendo a presença do ruído de fundo o aspecto mais citado. A queixa de zumbido (52%) apresentou associação com a preocupação envolvendo o próprio zumbido, enquanto que a tontura (38%), além de semelhante correlação, revelou associação com a dificuldade de comunicação. Ocorreu uma associação estatisticamente significante do grau da perda nas freqüências baixas e médias com a queixa de perda auditiva e de zumbido, enquanto que nas freqüências altas, além destas correlações, também ocorreu associação estatisticamente significante da perda auditiva com a queixa de dificuldade de comunicação. CONCLUSÕES: Dentre as queixas otológicas, a queixa de perda auditiva foi predominante entre os idosos. A idade e o gênero não influenciaram as queixas e as preocupações otológicas. O grau de perda auditiva influenciou as queixas otológicas de perda auditiva, de zumbido e a dificuldade de comunicação.

Presbiacusia; Percepção auditiva; Testes de discriminação da fala; Idoso; Envelhecimento


PURPOSE: To investigate the otological complaints and concerns of aged individuals, as well as the communication difficulties they face. METHODS: Fifty elderly subjects (eight men and 42 women) with ages ranging from 61 to 90 years were evaluated. All of them carried out an anamnesis and hearing tests, and presented symmetrical descending audiometric configuration. In this study, anamnesis data and the correlations between otological complaints and the degrees of hearing loss were presented and discussed. RESULTS: Hearing loss complaint was present in 70% of the sample and was associated to the concern about one's own hearing loss, with complaints of communication difficulties and also with the number situations in which the difficulty is observed (presence of background noise was the most cited aspect). Tinnitus complaint (52%) presented an association with concern involving this same aspect, whereas dizziness (38%), besides similar correlation, revealed an association with communication difficulty. There was a significant statistical association among degree of hearing loss in both low and middle frequencies and complaints of hearing loss and dizziness. In high frequencies, these correlations also occurred, along with a significant statistical association between degree of the hearing loss and complaint of communication difficulty. CONCLUSIONS: Of the otological complaints, hearing loss complaint was predominant among the elderly subjects of this study. Age and gender had no influence on the otological complaints and concerns. Degree of hearing loss influenced otological complaints of hearing loss, dizziness and communication difficulty.

Presbycusis; Auditory perception; Speech discrimination tests; Aged; Aging


ARTIGO ORIGINAL

Queixas e preocupações otológicas e as dificuldades de comunicação de indivíduos idosos

Otological complaints and concerns and communication difficulties of aged individuals

Lucila Leal CalaisI; Alda Christina Lopes de Carvalho BorgesII; Giovana dos Santos BaraldiIII; Laís Castro de AlmeidaIV

IPós-graduanda em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

IIDoutora, Professora colaboradora do curso de Pós-Graduação do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil

IIIMestre, Fonoaudióloga do Hospital CEMAs – São Paulo (SP), Brasil

IVMestre, Fonoaudióloga do Laboratório Delboni Auriemo Medicina Diagnóstica – São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Lucila Leal Calais Av. Quinze de Novembro, 216/23, Centro Piracicaba – SP, CEP 13400-370 E-mail: calais@ig.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Investigar as queixas e as preocupações otológicas de indivíduos idosos, bem como as dificuldades de comunicação enfrentadas por esta população.

MÉTODOS: Foram avaliados 50 idosos (61 a 90 anos de idade), sendo 8 homens e 42 mulheres, que apresentavam configuração audiométrica descendente simétrica. Os pacientes foram submetidos a uma entrevista e testes auditivos. Neste artigo, foram apresentados e discutidos os dados da entrevista e a correlação das queixas otológicas com os graus de perda auditiva.

RESULTADOS: A queixa de perda auditiva esteve presente em 70% da amostra e revelou associação com a preocupação quanto à própria perda, com o queixa de dificuldade de comunicação e com a quantidade de situações nas quais a dificuldade é percebida, sendo a presença do ruído de fundo o aspecto mais citado. A queixa de zumbido (52%) apresentou associação com a preocupação envolvendo o próprio zumbido, enquanto que a tontura (38%), além de semelhante correlação, revelou associação com a dificuldade de comunicação. Ocorreu uma associação estatisticamente significante do grau da perda nas freqüências baixas e médias com a queixa de perda auditiva e de zumbido, enquanto que nas freqüências altas, além destas correlações, também ocorreu associação estatisticamente significante da perda auditiva com a queixa de dificuldade de comunicação.

CONCLUSÕES: Dentre as queixas otológicas, a queixa de perda auditiva foi predominante entre os idosos. A idade e o gênero não influenciaram as queixas e as preocupações otológicas. O grau de perda auditiva influenciou as queixas otológicas de perda auditiva, de zumbido e a dificuldade de comunicação.

Descritores: Presbiacusia; Percepção auditiva; Testes de discriminação da fala; Idoso; Envelhecimento

ABSTRACT

PURPOSE: To investigate the otological complaints and concerns of aged individuals, as well as the communication difficulties they face.

METHODS: Fifty elderly subjects (eight men and 42 women) with ages ranging from 61 to 90 years were evaluated. All of them carried out an anamnesis and hearing tests, and presented symmetrical descending audiometric configuration. In this study, anamnesis data and the correlations between otological complaints and the degrees of hearing loss were presented and discussed.

RESULTS: Hearing loss complaint was present in 70% of the sample and was associated to the concern about one's own hearing loss, with complaints of communication difficulties and also with the number situations in which the difficulty is observed (presence of background noise was the most cited aspect). Tinnitus complaint (52%) presented an association with concern involving this same aspect, whereas dizziness (38%), besides similar correlation, revealed an association with communication difficulty. There was a significant statistical association among degree of hearing loss in both low and middle frequencies and complaints of hearing loss and dizziness. In high frequencies, these correlations also occurred, along with a significant statistical association between degree of the hearing loss and complaint of communication difficulty.

CONCLUSIONS: Of the otological complaints, hearing loss complaint was predominant among the elderly subjects of this study. Age and gender had no influence on the otological complaints and concerns. Degree of hearing loss influenced otological complaints of hearing loss, dizziness and communication difficulty.

Keywords: Presbycusis; Auditory perception; Speech discrimination tests; Aged; Aging

INTRODUÇÃO

A comunicação é fundamental na vida do ser humano. Comunicar é partilhar com alguém um conteúdo de informações, pensamentos, idéias e desejos por meio de códigos comuns, sendo a linguagem falada a mais utilizada universalmente. Para a aquisição e a manutenção do uso da linguagem falada, faz-se necessário, entre outros aspectos, a preservação da audição(1).

Com o envelhecimento, à medida que este acarreta a deterioração da função auditiva, o indivíduo experimenta uma redução da qualidade de vida. Quanto há a associação de outros problemas, como a falta de destreza manual e a acuidade visual, as dificuldades enfrentadas podem ser ainda maiores(2-4).

Uma queixa comum desses indivíduos idosos diz respeito à dificuldade da compreensão da linguagem falada, principalmente em situações de comunicação desfavoráveis, como em ambientes ruidosos ou velocidade de fala aumentada. Além disso, esta dificuldade parece ser maior do que a esperada quando considerado o grau da perda auditiva(5-6). Essa discrepância pode estar relacionada a outros fatores sócio-culturais e emocionais, levando alguns idosos a supervalorizarem e outros a negarem a deficiência(6-7).

Diante do envolvimento desses fatores nas queixas apresentadas por indivíduos idosos, faz-se necessária uma investigação minuciosa na entrevista, uma vez que as informações obtidas influenciarão diretamente as condutas a serem tomadas tanto no processo de diagnóstico como no de reabilitação.

De maneira geral, os estudos realizados com indivíduos idosos fornecem poucas informações relacionadas às entrevistas que antecedem as avaliações empregadas, enfatizando apenas os testes auditivos.

Alguns estudos(8-9) têm revelado reduzida queixa de perda auditiva ou de dificuldade auditiva por parte dos idosos, apesar da maioria apresentar algum grau de perda auditiva. No entanto, há um trabalho(10) no qual se verificou consenso quanto à deterioração da audição na população idosa.

Com relação à dificuldade de compreender a fala, o índice de queixas é maior(8,11-12), principalmente diante de situações com estresse ambiental, como a presença de ruído de fundo(10-11,13-14). Porém, alguns estudos observaram sujeitos idosos que negaram incômodo com a perda auditiva e ausência de interferência ou impacto mínimo na realização de atividades diárias(10,13,15).

Na literatura(15) também há o relato de que a perda auditiva é negligenciada em muitos casos, uma vez que as pessoas a aceitam como parte natural do envelhecimento.

Outro aspecto relevante está relacionado ao gênero, com as mulheres apresentando maior percepção da desvantagem auditiva e manifestaram maior preocupação quanto à deterioração da audição(10,12).

Além das queixas relacionadas à perda auditiva e dificuldade de comunicação, as queixas de zumbido e tontura têm sido mencionadas por poucos estudos e de forma pouco detalhada(8,10).

Diante do exposto, esse estudo teve como objetivo investigar as queixas e as preocupações otológicas de indivíduos idosos, bem como as dificuldades de comunicação enfrentadas por esta população.

MÉTODOS

Este trabalho foi encaminhado à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Protocolo nº 0617/04).

Os participantes foram esclarecidos sobre o objetivo deste estudo e convidados a participarem do mesmo, o qual foi iniciado após a concordância e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Respeitaram-se todos os princípios éticos que versam a Resolução nº. 196/96 sobre ética em pesquisa com seres humanos(16).

Foram avaliados 50 pacientes no Ambulatório da Disciplina de Distúrbios da Audição do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), no período de setembro de 2004 a agosto de 2005. Além dos pacientes da rotina ambulatorial, voluntários de grupos de terceira idade de duas igrejas católicas também fizeram parte da pesquisa.

Quanto à amostra, participaram deste estudo indivíduos do gênero masculino e feminino, sendo 8 homens (16%) e 42 mulheres (84%), com idade mínima de 61 e máxima de 90 anos (média de 73,34).

Como critérios de inclusão foram estabelecidos os seguintes itens:

- idade mínima de 60 anos, considerados idosos conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde para países em desenvolvimento;

- apresentar audiometria de configuração descendente e simétrica;

- curva timpanométrica tipo A (classificação segundo Jerger)(17).

Foram excluídos do estudo os pacientes com quadros de alteração neurológica, com realização prévia de cirurgia otológica, expostos a ruído ocupacional, com ingestão de medicação ototóxica e/ou histórico de traumatismo craniano.

Os pacientes que preencheram os critérios acima citados foram submetidos à anamnese (Anexo 1 Anexo 1 ) e testes auditivos.

Neste estudo, serão apresentados e discutidos os dados obtidos na anamnese acima referida, bem como a correlação das queixas otológicas com os graus de perda auditiva.

Quanto às audiometrias, foi utilizada uma classificação baseada na média dos limiares tonais das freqüências baixas e médias (500 Hz, 1 kHz e 2 kHz) e das freqüências altas (3 kHz e 4 kHz) para perdas descendentes(18), conforme o Quadro 1.


Quanto à análise estatística, foram utilizados os testes Anova, Igualdade de Duas Proporções, Qui-quadrado e Teste de Correlação.

O nível de significância adotado foi de 0,05 (5%) e todos os intervalos de confiança construídos foram construídos com 95% de confiança estatística.

RESULTADOS

Quanto à caracterização da amostra, houve predomínio do gênero feminino (84%) com relação ao masculino (16%), sendo esta diferença estatisticamente significante (p<0,001). A idade média dos sujeitos foi de 73,34 anos, com idade mínima de 61 anos e máxima de 90 anos (DP=7,07).

Do total da amostra, a preocupação quanto à perda auditiva foi referida por 42% dos sujeitos, sendo relatada por 50% dos homens e 40,5% das mulheres. As preocupações quanto ao zumbido e à tontura foram relatadas respectivamente por 10% da amostra, sendo exclusivas das mulheres, perfazendo um total de cinco pessoas (11,9%). As diferenças entre homens e mulheres acima mencionadas não foram estatisticamente significantes. Com relação à média de idade para as preocupações, os valores para as respostas negativa e positiva foram respectivamente: 72,72 e 74,19 anos para a perda auditiva; 73,60 e 72,60 anos para a tontura e 73,82 e 69 anos para o zumbido. Estas diferenças não foram significantes.

Quanto à perda auditiva, 70% dos indivíduos a mencionaram. Entre os queixosos, 75% eram homens e 69% eram mulheres, sendo não significante esta diferença. Considerando a idade, a presença da queixa apresentou média de 74,03 anos e a ausência de 71,73, sendo o p-valor de 0,298.

Ainda considerando a queixa de perda auditiva, na Tabela 1 pode-se visualizar a relação desta queixa com as preocupações perda auditiva, tontura e zumbido.

Nas Tabelas 2 e 3 são mostrados os resultados da relação da queixa de perda auditiva com a queixa de dificuldade de comunicação e com o número de situações de dificuldade.

A seguir, na Figura 1 pode ser observada a porcentagem de respostas quanto às situações de dificuldade de comunicação, sendo a presença do ruído no ambiente a mais referida pelos participantes.


Com relação à queixa de zumbido apresentada por 52% dos idosos, não foi observada diferença estatisticamente significante entre homens (50%) e mulheres (52,4%). O mesmo ocorreu com relação à idade, sendo a média de 73,15 anos para os que relataram a queixa e 73,54 para os que a negaram. Também não ocorreu associação do zumbido com a dificuldade de comunicação e com o número de situações nas quais as dificuldades são vivenciadas. Foi verificada associação desta queixa somente com a preocupação quanto ao próprio zumbido (p-valor=0,024) e não com as demais preocupações (perda auditiva e tontura).

Quando analisada a queixa de tontura (38%), não ocorreu diferença significante entre os gêneros masculino (25%) e feminino (40,5%), bem como a idade dos sujeitos, com a média de 73,79 anos para os que referiram a queixa e 73,03 para aqueles que a negaram. Quanto às preocupações, a tontura também apresentou associação estatisticamente significante quando considerado o mesmo aspecto (p-valor=0,041) e a ausência de associação com o número de situações de dificuldade de comunicação. No entanto, verificou-se associação estatisticamente significante com o relato de dificuldade de comunicação (Tabela 4).

Finalizando a apresentação dos resultados, são correlacionados os graus de perda auditiva com as queixas de perda auditiva, zumbido e tontura. Primeiramente considerando as freqüências baixas e médias (Tabela 5) e na seqüência considerando as freqüências altas (Tabela 6).

DISCUSSÃO

Neste trabalho, foi observado um número maior de mulheres, além da maior concentração de indivíduos na sétima década de vida. Estes dados estão de acordo com outros estudos da literatura(7-8,13-14,19), os quais relataram predominância do gênero feminino e maior concentração de sujeitos entre 70 e 79 anos nas amostras.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE(20), há mais mulheres do que homens na população brasileira e, consequentemente, um número maior de idosas (55,4%). Este fato pode ser explicado pela diferença de expectativa de vida entre os gêneros, com as mulheres apresentando maior expectativa.

No caso do presente estudo, o número maior de mulheres também pode ter sido influenciado pelo perfil da maioria dos participantes desta pesquisa que freqüentavam grupos de terceira idade, sendo normalmente constituído por mulheres.

Atualmente, há uma maior atenção à percepção do indivíduo no que diz respeito a sua saúde auditiva e as implicações desta no seu dia-a-dia. No presente estudo, foi realizado um levantamento quanto à maior preocupação existente, independente de ter ou não a queixa, sendo apresentadas como alternativas a perda auditiva, a tontura e o zumbido. Não foi observada diferença entre homens e mulheres, bem como interferência da idade. Isto revelou que a preocupação se mostrou mais relacionada a questões individuais. Vale ressaltar que alguns sujeitos negaram qualquer preocupação, enquanto outros relataram que se preocupavam igualmente com mais de uma das alternativas.

Na literatura, verifica-se que existem poucas informações quanto à preocupação dos sujeitos, sendo relatada a queixa auditiva ou a percepção da desvantagem auditiva(12). Diferentemente da pesquisa apresentada, um estudo(10) observou uma manifestação maior de mulheres preocupadas com a deterioração auditiva, apesar da metade delas apresentarem os melhores limiares auditivos.

Com relação às queixas apresentadas pela amostra relacionada a este estudo, a queixa de perda auditiva esteve presente em grande parte da amostra e não ocorreu diferença estatisticamente significante entre os gêneros e nem com relação à idade. No entanto, mostrou associação com a preocupação quanto à própria perda auditiva (Tabela 1), com a dificuldade de comunicação (Tabela 2) e também com o número de situações de dificuldades referidas (Tabela 3), revelando que as pessoas tendem a se preocupar tanto com aquilo que as incomoda quanto com o funcionamento adequado do órgão auditivo para o processo comunicativo.

Diferentemente, algumas pesquisas(8-9) relataram menores índices de queixa de perda auditiva por parte da população idosa, os quais têm sido justificados por diversas razões: a maior incidência da perda nas freqüências altas e maior preservação das baixas; aceitação da perda como parte do envelhecimento e a adaptação às novas condições de instalação lenta(9,15,21-22).

Os maiores índices do presente estudo podem ser justificados, num primeiro momento, pelas diferenças com exames audiométricos das pesquisas citadas, os quais apresentavam limiares tonais mais preservados. Outro aspecto a ser considerado seria o maior acesso à informação pelos idosos participantes desta pesquisa, uma vez que a maior parte da amostra foi constituída por freqüentadores de grupos de 3ª idade (religioso ou não).

A dificuldade de comunicação foi referida por grande parte da amostra, sendo a situação de conversação em ambiente ruidoso o aspecto mais citado (Figura 1). Na rotina clínica esta dificuldade é freqüentemente relatada e em diversos estudos o ruído de fundo tem sido apontado como principal fator negativo de interferência na compreensão da fala por indivíduos idosos(1,5-7,10-11,13-14,23-25). Outros estudos(4,22) acrescentam que em locais sem stress ambiental, a comunicação torna-se mais fácil devido ao grande número de pistas acústicas disponíveis, justificando assim as poucas queixas referidas em ambiente silencioso.

Com relação à queixa de zumbido, não foi observada diferença entre os gêneros e verificou-se ausência de influência da idade. Observou-se somente associação da queixa de zumbido com a preocupação quanto ao mesmo aspecto, fato bastante justificável, uma vez que é mais provável que o indivíduo se preocupe com uma queixa real do que algo que não o incomoda. A ausência de associação desta queixa com a dificuldade de comunicação e com o número de dificuldades mostra que a presença do zumbido, na amostra estudada, não foi suficiente para interferir no processo comunicativo.

Os dados sobre a queixa de tontura revelaram que não houve relação desta queixa com o gênero e a idade, bem como com o número de situações de dificuldade de comunicação. Ocorreu, porém, associação desta queixa com a preocupação quanto à tontura e com a queixa de dificuldade de comunicação (Tabela 4). Este fato pode ser explicado ao se considerar que, diante da condição alterada da saúde, no caso a tontura, o indivíduo teria maior dificuldade em compreender a fala, já que sua atenção está voltada ao seu estado físico debilitado e não para informações auditivas fornecidas pelo interlocutor. Além disso, é relatado na literatura que o paciente com tontura habitualmente relata dificuldade de concentração mental, perda de memória e fadiga, entre outros aspectos, o que seria suficiente para o comprometimento do processo comunicativo(26).

Quanto aos demais estudos encontrados na literatura, não há informações quanto às queixas de zumbido e tontura relacionadas aos aspectos pesquisados neste estudo, o que impossibilitou outras comparações(8,10).

A correlação do grau de perda auditiva nas freqüências baixas e médias com as queixas otológicas e com a dificuldade de comunicação resultou em uma associação estatisticamente significante do grau da perda com a queixa de perda auditiva e de zumbido (Tabela 5), enquanto que nas freqüências altas, além destas, também ocorreu correlação com a dificuldade de comunicação (Tabela 6).

No que se refere à perda auditiva, observou-se um grande número de queixosos à medida que o grau da perda aumenta (Tabelas 5 e 6). Entretanto, é possível observar um número de queixosos com limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade, demonstrando que a queixa de perda auditiva não pode ser justificada exclusivamente pelos limiares tonais, fato também relatado na literatura(5-6). Neste caso, pode-se inferir a influência de fatores sócio-culturais, emocionais e o próprio envelhecimento que ocorre em todo o sistema auditivo, como já observado em estudos(1,6-7).

Com relação ao zumbido, de maneira geral, observou-se a correlação da presença da queixa na audição normal e da ausência da queixa diante dos graus de perda auditiva leve, moderado e moderadamente severo (Tabelas 5 e 6). Uma possível explicação para este fato seriam as diversas causas que podem estar associadas ao zumbido como o efeito de drogas ototóxicas, as alterações metabólicas e/ou circulatórias, o estresse, a depressão e a ansiedade, entre outras(27-28). Outro aspecto importante é a maior prevalência de zumbido em idosos(29), que ocorreria devido à sensibilidade dos sistemas auditivo e vestibular a alterações presentes em outras partes do corpo humano e a deterioração destes sistemas com o envelhecimento. Além disso, no presente estudo, todos os pacientes apresentavam, no mínimo, perda auditiva nas freqüências de 6 e 8 kHz.

Quanto à queixa de dificuldade de comunicação e sua correlação com o grau da perda auditiva, ocorreu relação estatisticamente significante com as freqüências altas (Tabela 6) e não com as médias e baixas (Tabela 5). Isto mostra que as freqüências altas estão mais fortemente relacionadas ao desempenho comunicativo do que as médias e baixas freqüências. Na rotina clínica é bastante freqüente a queixa do idoso de que escutar bem, mas não compreende os sons que escuta. Na literatura(30), a importância dos sons mais agudos para a inteligibilidade de fala já foi enfatizada.

O estudo apresentado pareceu revelar dados importantes quanto às informações fornecidas pelos idosos, trazendo um alerta quanto à relevância de investigar as necessidades individuais relativas à audição, à comunicação e suas inter-relações, à medida que elas influenciam a qualidade de vida da população idosa, que tende a aumentar com o passar dos anos.

CONCLUSÕES

Dentre as queixas otológicas, a queixa de perda auditiva foi predominante. A idade e o gênero não influenciaram as queixas e as preocupações otológicas. O grau de perda auditiva influenciou as queixas otológicas de perda auditiva, de zumbido e a dificuldade de comunicação.

Bibliografia

Adaptado por: Profa. Dra. Alda Christina Lopes de Carvalho Borges e Profa. Dra. Daniela Gil / UNIFESP

Recebido em: 11/6/2007; Aceito em: 8/2/2008

Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil, com apoio financeiro do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Este trabalho é parte da dissertação de Mestrado intitulada "Efeitos do envelhecimento da função auditiva em testes audiológicos", que foi apresentada no 21° Encontro Internacional de Audiologia.

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Anexo 1

  • Endereço para correspondência:
    Lucila Leal Calais
    Av. Quinze de Novembro, 216/23, Centro
    Piracicaba – SP, CEP 13400-370
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      08 Fev 2008
    • Recebido
      11 Jun 2007
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