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Antimoniato de meglumina

RELATÓRIO TÉCNICO

Antimoniato de meglumina

No ano de 2000,o Ministério da Saúde, por meio de processo licitatório, adquiriu o antimoniato de N-metil glucamina, cujo nome comercial é o antimoniato de meglumina do laboratório Eurofarma (produto registrado como similar1 1 , 2 . Produto similar é todo produto registrado no Ministério da Saúde a partir de um produto com as mesmas características e princípio ativo já registrado, que por sua vez é denominado inovador. Endereço para correspondência: CENEPI/FUNASA. SAS, Quadra 4, Bloco N, Sala 707, 70058-902 Brasília, DF, Brasil. Tel: 55 61 314-6332 Recebido para publicação em 20/02/01. na Agência Nacional de Vigilância Sanitária/Ministério da Saúde) para o tratamento dos pacientes portadores de leishmanioses. Esse medicamento foi distribuído diretamente do produtor para as Secretarias Estaduais de Saúde e Coordenações Regionais da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), a partir de 30 de abril próximo passado.

O antimoniato de N-metil glucamina é o fármaco de primeira escolha para o tratamento das leishmanioses. Este fármaco é um produto que requer administração cautelosa, sob acompanhamento clínico e laboratorial, por ser cardiotóxico, hepatotóxico e nefrotóxico.

A partir de outubro de 2000 a Fundação Nacional de Saúde/FUNASA, por meio do Centro Nacional de Epidemiologia, recebeu notificações de eventos adversos de severidade grave (abscessos estéreis, intensas dores musculares e nas articulações reações alérgicas) em pacientes que encontravam-se fazendo uso do referido medicamento. Essas notificações iniciaram-se nos Estados do Piauí, Paraná e Mato Grosso, estendendo posteriormente a outras unidades federadas.

O Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI), em 10 de outubro de 2000 convocou o Comitê Técnico Assessor em Diagnóstico e Tratamento das Leishmanioses, que reúne os principais especialistas brasileiros, para analisar esses relatos, tendo o mesmo recomendado a suspensão da utilização dos lotes desse medicamento relacionados com os eventos notificados. O CENEPI/FUNASA, nessa ocasião, informou esse fato ao Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e enviou ofícios aos Secretários Estaduais e Coordenadores Regionais da FUNASA suspendendo a utilização dos lotes 05/00A, 05/00B, 10/00A, 10/00B, 16/00, 17/00A E 23/00B.

O CENEPI/FUNASA iniciou uma investigação epidemiológica mais detalhada das reações adversas notificadas nos Estados do Piauí e Paraná. No Piauí, a investigação abrangeu 99 pacientes de Teresina, correspondendo a 70% do total dos submetidos ao tratamento com esse medicamento. Nesse estudo, foi encontrada uma taxa de ocorrência de enduração ou abscessos extensos no local da aplicação do medicamento de 38,4% e 8% dos pacientes, respectivamente, apesar desses tipos de reação adversa não serem esperados de ocorrer nessas proporções. Dentre os lotes usados, o 05/00A, o 05/00B e o 10/00B apresentaram elevadas taxas de ataque para enduração ou abscessos de 43,5%, 22,2% e 33,3%, respectivamente. Para o lote 17/00A, a taxa de ataque foi de 5,5% e os três pacientes que fizeram uso do lote 09/00 B não apresentaram reações.

Realizou-se também um estudo epidemiológico que comparou os pacientes que utilizaram esses lotes com um grupo de pacientes que utilizou outros lotes do mesmo medicamento, encontrando-se associação estatística com o desenvolvimento de enduração e/ou abscessos, verificando-se Riscos Relativos de 2,6 ( IC de 1,7 a 3,8), 2,5 (IC de 1,6 a 3,7) e 2,3 ( IC de 1, 5 a 3,6), respectivamente, para os lotes 05/00 A, 05/00B 10/00B. A análise desse estudo não encontrou associação entre os eventos e a dose aplicada, o sexo e a idade dos pacientes. Os estudos no Estado do Paraná encontram-se em fase de análise dos resultados.

O CENEPI/FUNASA providenciou o encaminhamento de amostras desses e de outros lotes relacionados com a ocorrência dos eventos adversos para a realização de análises laboratoriais. Como o referido medicamento não possui informação científica publicada nas farmacopéias brasileira e internacional, que estabeleçam parâmetros para o controle de qualidade, utilizou-se a comparação com o medicamento registrado no Ministério da Saúde como inovador2 1 , 2 . Produto similar é todo produto registrado no Ministério da Saúde a partir de um produto com as mesmas características e princípio ativo já registrado, que por sua vez é denominado inovador. Endereço para correspondência: CENEPI/FUNASA. SAS, Quadra 4, Bloco N, Sala 707, 70058-902 Brasília, DF, Brasil. Tel: 55 61 314-6332 Recebido para publicação em 20/02/01. (Glucantime-Aventis).

Foram encaminhadas ao Instituto Oswaldo Cruz/FIOCRUZ amostras de quatro lotes relacionados com eventos adversos nos Estados do Piauí, Rio de Janeiro e Paraná, o 23/00B, o 10/00B, o 05/00B, o 17/00 A, do produto da Eurofarma e do lote 266 do laboratório Aventis, para a realização de microscopia eletrônica. O resultado desta microscopia, pelas técnicas de varredura e transmissão, detectou a presença de estruturas fibrosas em todos os lotes do antimoniato de meglumina da Eurofarma analisados. No lote analisado do medicamento inovador do laboratório Aventis, não foram detectadas estruturas fibrosas. O Instituto Oswaldo Cruz sugeriu que fosse realizada a pesquisa de metais para esclarecer esse achado.

Por não existirem referências de Limite Máximo Esperado (LME) de metais pesados para este medicamento, pesquisou-se na farmacopéia brasileira (3a edição) os LME para outros medicamentos injetáveis. Os valores encontrados como LME para esses medicamentos tiveram uma variação de 10 a 25mg/l.

O CENEPI encaminhou amostras dos lotes 05/00B, 10/00B, 17/00A e 23/00B do medicamento produzido pela Eurofarma e do lote 266 do produto da Aventis ao Laboratório de Análises Químicas Industriais e Ambientais da Universidade Federal de Santa Maria para análise de metais pesados. O laboratório foi escolhido por ser o responsável pelos estudos que estão estabelecendo os parâmetros de referência para esse medicamento. Os resultados detectaram, em todos os lotes produzidos pela Eurofarma, a presença de arsênio, com valores variando de 44,45 mg/l a 84,60mg/l e de chumbo, variando de 24,29mg/l a 52,31mg/l. No lote do produto da Aventis, os valores encontrados foram de 0,26mg/l para o arsênio e menor que 0,20mg/l para o chumbo.

Apresentamos a seguir o quadro comparativo dos quantitativos de arsênio, chumbo e o somatório de todos os metais pesados detectados nos lotes 23/00B, 10/00 A (Eurofarma) e 266 (Aventis), com os respectivos valores de referência, considerando-se como exemplo um paciente de 60kg.

Nos dados acima verifica-se que o antimoniato de meglumina da Eurofarma apresenta uma quantidade de arsênio que varia de 36 a 65 vezes maior que o valor de referência para adminitração por via oral. No lote 266 produzido pela Aventis os valores encontrados, 0,00005mg/kg/dia, estão abaixo da referência. Com relação ao chumbo, os lotes 23/00B e 10/00A apresentam resultados de 1,4 e 1,7 vezes maior que o valor de referência, por via oral, respectivamente.

Quanto ao somatório dos resultados dos metais pesados, os lotes da Eurofarma apresentaram 4,4 e 5,5 vezes mais metais que o maior valor de referência. No lote 266 da Aventis o valor encontrado foi 10 vezes menor que o maior valor de referência.

Os valores de referência estabelecidos para o arsênio e o chumbo estão relacionados com a administração por via oral. Como o antimoniato de meglumina é uma droga injetável, torna-se ainda mais importante que os valores observados encontrem-se abaixo dos valores de referência, sob pena da presença dessas substâncias poderem trazer riscos à saúde dos pacientes portadores de leishmaniose visceral e tegumentar americana tratados com essa medicação.

A partir da notificação dos eventos adversos, a Coordenação de Acompanhamento Tecnológico Farmacêutico do Ministério da Saúde, encaminhou amostras dos lotes 05/00B, 10/00B e 17/00A do produto da Eurofarma, para realização de análise físico-química. Os resultados dos exames reprovaram os lotes 10/00A, 10/00B, por apresentarem pH abaixo do valor de referência. Os outros dois lotes foram aprovados nesse exame.

O Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS)/Fiocruz também vem realizando análises similares no referido medicamento, com resultados que evidenciam níveis elevados de arsênio e chumbo.

Em conclusão, o antimoniato de meglumina da Eurofarma contém níveis elevados de arsênio e chumbo, quando comparados aos valores de referência para a administração por via oral e ao medicamento inovador. Estes metais, em altas dosagens podem causar efeitos graves no organismo humano tais como diminuição de leucócitos e hemácias no sangue, efeitos aditivos nos tecidos respiratórios e sistema nervoso central, alterações severas no ritmo cardíaco, aumentar o risco para o câncer, entre outros.

Com base nas evidências científicas já estabelecidas pelo estudo epidemiológico e pelas análises realizadas, recomendamos:

. Suspensão do uso de todos os lotes do antimoniato de meglumina da Eurofarma que se encontra disponível na rede de saúde, como medida preventiva da ocorrência de reações adversas graves e da exposição a altos níveis de arsênio e chumbo, exceto em casos de calazar que impliquem risco de vida para os pacientes. Nesses casos, o monitoramento de possíveis reações adversas deve ser intensificado.

A FUNASA vem adotando as seguintes condutas, conjuntamente aos demais órgãos do Ministério da Saúde:

. realização de exames minuciosos em todos os lotes do referido medicamento, com os devidos procedimentos fiscais, por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

. Aquisição imediata de substituto do referido medicamento para evitar a descontinuidade no tratamento dos pacientes de leishmanioses.

Brasília, 2 de fevereiro de 2001

Jarbas Barbosa da Silva Junior

Diretor do CENEPI

  • 1
    ,
    2
    . Produto similar é todo produto registrado no Ministério da Saúde a partir de um produto com as mesmas características e princípio ativo já registrado, que por sua vez é denominado
    inovador.
    Endereço para correspondência: CENEPI/FUNASA. SAS, Quadra 4, Bloco N, Sala 707, 70058-902 Brasília, DF, Brasil.
    Tel: 55 61 314-6332
    Recebido para publicação em 20/02/01.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Abr 2001
    • Data do Fascículo
      Fev 2001
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