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Mudança ou continuidade na política de combate à pobreza de Cardoso a Lula: uma revisão de escopo

Change or continuity in Cardoso and Lula's anti-poverty policy: a scoping review

RESUMO

Introdução:

Mapeamos e classificamos a produção intelectual sobre a política de combate à pobreza dos governos de Fernando Henrique Cardoso (1994-1997 e 1998-2002) e de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010) para responder à seguinte pergunta: houve continuidade ou mudança nessa política entre esses governos?

Materiais e métodos:

Adotamos o método da revisão de escopo, um tipo de revisão de literatura útil para sínteses amplas sobre um tópico de pesquisa novo ou pouco estudado ou com evidências heterogêneas e contraditórias. Partindo de um protocolo de revisão com critérios de seletividade previamente definidos, selecionamos, utilizando o software Rayyan, um conjunto de 42 estudos relevantes sobre o tópico de interesse. Eles foram buscados nas bases Scopus, Web of Science, Scielo, Periódicos CAPES, Semantic Scholar, Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, Mendeley, Google Acadêmico e ResearchGate. Além disso, reunimos bibliografias listadas em referências de planos de ensino sobre o tema e incorporamos referências a esse corpus a partir das indicações de três especialistas. Os estudos foram revisados com o auxílio de uma grade de leitura padronizada que permitiu extrair informações voltadas para a pergunta de pesquisa.

Resultados:

Identificamos três tipos de posicionamentos na literatura sobre a política de combate à pobreza entre os governos Cardoso e Lula: houve continuidade (21 trabalhos); houve uma mudança limitada (14 trabalhos); houve mudança substantiva (7 trabalhos). Tais posições dependem de fatores diversos, como o foco de análise do pesquisador, seu quadro teórico-conceitual e sua avaliação normativa dos governos em questão.

Discussão:

Estudos focados nas mudanças na institucionalidade da política de transferência de renda tendem a interpretá-las como reflexos de um compromisso substantivo e inédito de Lula com a redução da pobreza. Estudos preocupados com a lógica subjacente às escolhas governamentais tendem a enxergar a continuidade de uma racionalidade “neoliberal” como base fundamental dos dois governos. Já trabalhos focados nas estratégias concretas de ambos costumam identificar melhorias importantes no modelo estabelecido, combinadas à manutenção de velhos padrões limitantes com os quais o governo Lula não teria rompido efetivamente. Esta revisão fornece um panorama da produção especializada, sem a preocupação de avaliar sistematicamente a sua qualidade. Maior refinamento pode ser obtido mediante uma revisão sistemática com exigências adicionais quanto à qualidade dos estudos.

Palavras-chave
governo Lula; governo Cardoso; política pública; política de combate a pobreza; revisão de escopo

ABSTRACT

Introduction:

We mapped and classified the intellectual production on the anti-poverty policy of the governments of Fernando Henrique Cardoso (1994-1997 and 1998-2002) and Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 and 2007-2010) to answer the following question: Was there continuity or change in this policy between these governments?

Materials and methods:

We adopted the scoping review method, a type of literature review useful for broad syntheses on a new or little-studied research topic and with heterogeneous or contradictory evidence. Starting from a review protocol with previously defined selectivity criteria, we selected, using the Rayyan software, a set of 42 relevant studies on the topic of interest. They were searched in Scopus, Web of Science, Scielo, CAPES Periodicals, Semantic Scholar, CAPES Catalog of Theses and Dissertations, Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations, Mendeley, Google Scholar and ResearchGate. In addition, we gathered bibliographies listed in references of teaching plans on the subject and incorporated references to this corpus from the indications of three specialists. The studies were reviewed with the aid of a standardized reading grid that allowed extracting information focused on the research question.

Results:

We identified three types of positions in the literature on the anti-poverty policy between the Cardoso and Lula governments: there was continuity (21 papers); there was limited change (14 papers); there was a substantive change (7 works). Such positions depend on several factors, such as the focus of the researcher's analysis, his theoretical-conceptual framework, and his normative assessment of the governments in question.

Discussion:

Studies focused on changes in the institutionality of the income transfer policy tend to interpret them as reflections of a substantive and unprecedented commitment by Lula with the reduction of poverty. Studies concerned with the underlying logic of government choices tend to see the continuity of a “neoliberal” rationality as the fundamental basis of the two governments. As for works focused on the concrete strategies of both, they tend to identify important improvements in the established model, combined with the maintenance of old limiting patterns with which the Lula government would not have effectively broken. This review provides an overview of specialized production, without the concern of systematically assessing its quality. Further refinement can be obtained through a systematic review with additional requirements regarding the quality of the studies.

Keywords
Lula government; Cardoso government; public policy; anti-poverty policy; scope review

I. Introdução1 1 Agradecemos aos comentários e sugestões dos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política.

Mais uma vez Luiz Inácio Lula da Silva ascende à presidência da República com a missão de retirar milhões de brasileiros da condição de pobreza. Embora as circunstâncias de 2023 difiram das de 20 anos atrás, o desafio que se repete é o de que o governo federal opere uma mudança em relação ao seu antecessor, abordando mais incisivamente o problema.

Durante o período eleitoral, Lula afirmou que, se eleito novamente, faria mais do que nas suas administrações anteriores (Lula: meu governo fará mais…, 2022). Para avaliar tal pretensão, cabe perguntar o quanto seu governo avançou na política de combate à pobreza no período em que esteve à frente da presidência da República (2003-2006 e 2007-2010). Indaga-se, portanto, até que ponto sua política se distinguiu da de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1994-1997 e 1998-2002).

Ao longo dessas duas décadas, constituiu-se abundante produção intelectual discutindo as continuidades e descontinuidades entre a política de combate à pobreza de Lula e a de FHC. Uma primeira aproximação desse repositório sugere que o assunto é mais controverso e multifacetado do que possa parecer. Entre os especialistas, as conclusões vão da mudança mais significativa, acercando-se da ruptura, à mais fraca, beirando a continuidade.

Interpretações apressadas de mudanças em políticas públicas requerem cautela. Concebendo que o afastamento temporal confere mais acurácia à compreensão dos fatos passados, buscamos, aqui, fazê-lo doze anos após o fim dos primeiros governos Lula e no início de um novo, à luz do conhecimento acumulado sobre o tema. Nosso objetivo é mapear e organizar a farta produção acadêmica por meio de uma revisão abrangente dos estudos publicados entre 2003 e 2020.

A pergunta que se coloca à literatura especializada é simples: “Houve continuidade ou mudança na política de combate à pobreza entre os governos Cardoso e Lula?”. As respostas encontradas, contudo, apresentam complexidade. Da profusão de trabalhos desenvolvidos sob uma variedade de perspectivas teóricas, metodológicas e de focos analíticos diversos emergem respostas que apontam que tais governos foram “iguais” ou “diferentes” em variados sentidos: seja da orientação ideológica de seus projetos políticos, seja em relação aos instrumentos e mecanismos de política pública. Essa paisagem intelectual controversa torna desafiadora a tarefa de organizar o conhecimento sobre o tema.

Diante disso, adotamos o método da revisão de escopo. Esse tipo de revisão de literatura vem sendo crescentemente utilizado para sínteses amplas sobre um tópico ou área de pesquisa (Daudt et al., 2013Daudt, H.M., van Mossel, C. & Scott, S.J. (2013) Enhancing the scoping study methodology: a large, inter-professional team's experience with Arksey and O'Malley's framework. BMC Med Res Methodol, 13(1), pp. 1-9. DOI
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), inclusive na Ciência Política, e é especialmente proveitoso na revisão de conjuntos de estudos complexos e heterogêneos (Peters et al., 2015). O método permite delinear pesquisas e seus limites conceituais, bem como a identificar lacunas e recomendar pesquisas futuras (Peters et al., 2015Peters, M.D.J., Godfrey, C.M., Khalil, H., McInerney, P., Parker, D. & Soares, C.B. (2015) Guidance for conducting systematic scoping reviews. International Journal of Evidence-Based Healthcare, 13(3), pp. 141-146. DOI
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; Daudt et al., 2013Daudt, H.M., van Mossel, C. & Scott, S.J. (2013) Enhancing the scoping study methodology: a large, inter-professional team's experience with Arksey and O'Malley's framework. BMC Med Res Methodol, 13(1), pp. 1-9. DOI
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).

Quanto à estrutura do artigo, afora esta introdução e a conclusão, na seção II caracterizamos o método e descrevemos os procedimentos utilizados. Nas seções III e IV expomos os achados de forma geral e discutimos os três posicionamentos encontrados em resposta à pergunta aqui colocada - continuidade; mudança limitada; e mudança substantiva - destacando as nuances, natureza e conteúdos a eles dados pela literatura.

II. Fontes, materiais e métodos

II.1. Revisões de literatura (mais) sistematizadas e a Ciência Política

Revisões de literatura buscam compreender como um determinado tópico de estudo está organizado. Elas avaliam criticamente publicações científicas, definem e esclarecem problemas, sumarizam estudos precedentes, informam sobre uma área de investigação e identificam lacunas e inconsistências, sugerindo desdobramentos para a produção científica (Walsh, 2006Walsh, J. (2006) A guide to writing literature reviews in political science and public administration. Charlote: UNC Charlotte. Disponível em: <https://politicalscience.charlotte.edu/sites/politicalscience.charlotte.edu/files/media/docs/litreviews.pdf>. Acesso em 14.mai.2021.
https://politicalscience.charlotte.edu/s...
; Hohendorff, 2014Hohendorff, J.V. (2014) Como escrever um artigo de revisão de literatura. In: S.H. Koller; M.C.P.P. Couto & J.V. Hohendorff (orgs) Métodos de pesquisa: manual de produção científica. Porto Alegre: Penso, pp. 53-67.; Snyder, 2019Snyder, H. (2019) Literature review as a research methodology: an overview and guidelines. Journal of Business Research, 104, pp. 333-339. DOI
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; Paul & Criado, 2020Paul, J. & Criado, A.R. (2020) The art of writing literature review: what do we know and what do we need to know? International Business Review, 29(4), p. 101717. DOI
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).

Existem diversas formas de balanços bibliográficos. Grant e Booth detectaram quatorze, sendo o tipo mais tradicional a revisão narrativa, que pode cobrir uma ampla gama de assuntos em vários níveis de completude e abrangência (Grant & Booth, 2009Grant, M.J. & Booth, A. (2009) A typology of reviews: an analysis of 14 review types and associated methodologies. Health Information & Libraries Journal, 26(2), pp. 91-108. DOI
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). Elas não utilizam critérios rigorosos, sistemáticos e avançados para buscar e analisar a literatura e, logo, não precisam esgotar as fontes de informação. A seleção dos estudos e sua interpretação crítica estão sujeitas ao conhecimento prévio dos autores. Trata-se de pesquisas amplas, muitas vezes conduzidas a partir de um ponto de vista teórico ou contextual (Snyder, 2019Snyder, H. (2019) Literature review as a research methodology: an overview and guidelines. Journal of Business Research, 104, pp. 333-339. DOI
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; Rother, 2007Rother, E.T. (2007) Revisão sistemática x revisão narrativa. Acta paul. enferm., 20. DOI
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).

Revisões sistemáticas, por sua vez, buscam respostas a questões de pesquisa claramente formuladas, com estratégias de busca, critérios de inclusão e exclusão de documentos e análise criteriosa da qualidade da literatura selecionada (Costa & Zoltowski, 2014Costa, A.A & Zoltowski, A.P.C. (2014) Como escrever um artigo de revisão sistemática. In: S.H. Koller, M.C.P.P. Couto & J.V. Hohendorff (orgs) Métodos de pesquisa: manual de produção científica. Porto Alegre: Penso, pp. 55-70.; Petticrew & Roberts, 2006Petticrew, M., Roberts, H. (2006) Systematic reviews in the social sciences: a practical guide. Oxford: Blackwell Publishing.; Petticrew, 2001Petticrew, M. (2001) Systematic reviews from astronomy to zoology: myths and misconceptions. BMJ, 322(7278), pp. 98-101. DOI
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; Paul & Criado, 2020Paul, J. & Criado, A.R. (2020) The art of writing literature review: what do we know and what do we need to know? International Business Review, 29(4), p. 101717. DOI
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). Em regra, destinada ao mapeamento de elementos empíricos, ela utiliza métodos explícitos para recuperar, selecionar e avaliar resultados de estudos relevantes que mostram o acúmulo de conhecimento científico sobre um dado tópico (Daigneault et al., 2014Daigneault, P.-M., Jacob, S. & Ouimet, M. (2014) Using systematic review methods within a Ph.D. dissertation in political science: challenges and lessons learned from practice. International Journal of Social Research Methodology, 17(3), pp. 267-283. DOI
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).

A revisão de escopo também mobiliza estratégias estritas, entretanto, não pretende responder a uma questão de pesquisa tão específica como a revisão sistemática. Embora escrutine os materiais encontrados, sua diferença fundamental está na natureza da questão endereçada à bibliografia. Sua pergunta é mais ampla e visa "fornecer uma visão geral da base de evidências existente” (Peters et al., 2015Peters, M.D.J., Godfrey, C.M., Khalil, H., McInerney, P., Parker, D. & Soares, C.B. (2015) Guidance for conducting systematic scoping reviews. International Journal of Evidence-Based Healthcare, 13(3), pp. 141-146. DOI
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, p. 142, tradução nossa). Disso decorre que também será maior o volume de referências analisadas (Codato et al., 2021Codato, A., Lorencetti, M. & Prata, B. (2021) Elites políticas e representação: uma investigação da literatura contemporânea sobre políticos profissionais. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, (95). DOI
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. p. 2), não havendo necessariamente a preocupação em realizar uma “avaliação formal da qualidade metodológica dos estudos incluídos” (Peters et al., 2015Peters, M.D.J., Godfrey, C.M., Khalil, H., McInerney, P., Parker, D. & Soares, C.B. (2015) Guidance for conducting systematic scoping reviews. International Journal of Evidence-Based Healthcare, 13(3), pp. 141-146. DOI
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, p. 142, tradução nossa). Seu recorte pode se basear em parâmetros de tempo e abrangência temática (Grant & Booth, 2009Grant, M.J. & Booth, A. (2009) A typology of reviews: an analysis of 14 review types and associated methodologies. Health Information & Libraries Journal, 26(2), pp. 91-108. DOI
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), desde que apresentados os critérios e as decisões que orientaram a pesquisa (Daigneault et al., 2014Daigneault, P.-M., Jacob, S. & Ouimet, M. (2014) Using systematic review methods within a Ph.D. dissertation in political science: challenges and lessons learned from practice. International Journal of Social Research Methodology, 17(3), pp. 267-283. DOI
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).

O valor da revisão de escopo vai além da síntese dos achados, podendo definir um campo de estudos ao questionar sobre o que sabemos e como sabemos sobre um tópico. Ela mapeia conceitos de uma determinada área, identifica a extensão, alcance e natureza das pesquisas, elenca e divulga esses dados, identifica lacunas e possibilita novas investigações (Cordeiro & Soares, 2019Cordeiro, L. & Soares, C.B. (2019) Revisão de escopo: potencialidades para a síntese de metodologias utilizadas em pesquisa primária qualitativa. BIS, Bol. Inst. Saúde (Impr.), 20(2), pp. 37-43.). Portanto, pode se configurar como “um exercício preliminar à revisão sistemática” (Cordeiro & Soares, 2019Cordeiro, L. & Soares, C.B. (2019) Revisão de escopo: potencialidades para a síntese de metodologias utilizadas em pesquisa primária qualitativa. BIS, Bol. Inst. Saúde (Impr.), 20(2), pp. 37-43., p. 38).

Revisões com métodos (mais) sistemáticos não selecionam estudos por “conveniência”, em que se priorizam trabalhos mais facilmente acessíveis ou alinhados a preferências subjetivas dos pesquisadores (Snyder, 2019Snyder, H. (2019) Literature review as a research methodology: an overview and guidelines. Journal of Business Research, 104, pp. 333-339. DOI
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; Petticrew & Roberts, 2006Petticrew, M., Roberts, H. (2006) Systematic reviews in the social sciences: a practical guide. Oxford: Blackwell Publishing.; Figueiredo Filho et al., 2014Figueiredo Filho, D.B., Paranhos, R., Silva, J.A. da, Rocha, E.C. da & Alves, D.P. (2014) O que é, para que serve e como se faz uma meta-análise? Teoria e Pesquisa, 23(2), pp. 205-228. DOI
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; Grant & Booth, 2009Grant, M.J. & Booth, A. (2009) A typology of reviews: an analysis of 14 review types and associated methodologies. Health Information & Libraries Journal, 26(2), pp. 91-108. DOI
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). Em tais modalidades são aplicados critérios de cientificidade, permitindo sua auditabilidade e replicabilidade, já que seus parâmetros são explícitos e transparentes (Codato et al., 2021Codato, A., Lorencetti, M. & Prata, B. (2021) Elites políticas e representação: uma investigação da literatura contemporânea sobre políticos profissionais. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, (95). DOI
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).

No intuito de demonstrar as vantagens das revisões com métodos sistemáticos, Silva et al. (2021)Silva, R., Sangalli, A., Sainz, N. & Gabriel, G. (2021) Comparando métodos de seleção de referências para revisões de literatura: o caso do presidencialismo de coalizão brasileiro. In: R.C. Sampaio, A. Codato, A.J. Clemente, R.R. Horochovisky, A. Sangalli, R. Silva, N. Sainz & G. Gabriel (orgs). Ciência política: o campo em discussão. Curitiba: Massimo Editorial. compararam bibliografias de três revisões narrativas acerca do presidencialismo de coalizão no Brasil, de Batista (2016)Batista, M. (2016) O poder no Executivo: explicações no presidencialismo, parlamentarismo e presidencialismo de coalizão. Revista de Sociologia e Política, 24(57), pp. 127-155. DOI
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, Lameirão et al. (2020)Lameirão, C., Paiva, D. & Carvalho, G. (2020) O debate recente nos 30 anos do presidencialismo de coalizão: novas abordagens, dimensões de análise e algumas notas sobre a dominância do Executivo. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 3(93), pp. 1-24. DOI
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e Couto et al. (2021)Couto, L., Soares, A. & Livramento, B. (2021) Presidencialismo de coalizão: conceito e aplicação. Revista Brasileira de Ciência Política, (34), e241841. DOI
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, verificando o nível de concordância entre suas listas de referências bibliográficas. A partir da aplicação dos coeficientes de Kappa de Cohen (Cohen, 1960Cohen, J. (1960) A coefficient of agreement for nominal scales. Educational and Psychological Measurement, 20(1), pp. 37-46. DOI
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) e Kappa de Fleiss (Fleiss & Cohen, 1973Fleiss, J.L. & Cohen, J. (1973) The equivalence of weighted Kappa and the Intraclass correlation coefficient as measures of reliability. Educational and Psychological Measurement, 33(3), pp: 613-619. DOI
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; Fleiss et al., 2003Fleiss, J.L., Levin, B. & Paik, M.C. (2003). Statistical methods for rates and proportions, 3ª Edição. Nova York: John Wiley & Sons.), encontraram baixa concordância entre elas, inferindo que a ausência de um protocolo de pesquisa e de parâmetros preestabelecidos as tornam abertas a subjetividades (Hunger & Paxton, 2022Hunger, S. & Paxton, F. (2022) What's in a buzzword? A systematic review of the state of populism research in political science. Political Science Research and Methods, 10(3), pp. 617-633. DOI
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).

É equivocado crer que revisões com métodos sistemáticos são abordagens recentes nas humanidades. Nos anos 1980 já existiam guias para a pesquisa social (Cooper, 1982Cooper, H.M. (1982) Scientific guidelines for conducting integrative research reviews. Review of Educational Research, 52(2), pp. 291-302. DOI
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; Glass et al., 1981Glass G.V., McGaw B. & Smith M.L. (1981) Meta-analysis in social research. Beverly Hills: Sage.) e há cerca de duas décadas existem manuais voltados para cientistas sociais, em especial, para os que atuam na avaliação de políticas públicas (Petticrew, 2001Petticrew, M. (2001) Systematic reviews from astronomy to zoology: myths and misconceptions. BMJ, 322(7278), pp. 98-101. DOI
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; Petticrew & Roberts, 2006Petticrew, M., Roberts, H. (2006) Systematic reviews in the social sciences: a practical guide. Oxford: Blackwell Publishing.). Sobretudo na ciência política, o método da revisão sistemática deveria receber mais atenção (Dacombe, 2018Dacombe, R. (2018) Systematic reviews in political science: what can the approach contribute to political research? Political Studies Review, 16(2), pp. 148-157. DOI
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; Daigneault et al., 2014Daigneault, P.-M., Jacob, S. & Ouimet, M. (2014) Using systematic review methods within a Ph.D. dissertation in political science: challenges and lessons learned from practice. International Journal of Social Research Methodology, 17(3), pp. 267-283. DOI
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). Caracterizada pelo rigor científico, elas possibilitam a generalização de resultados, permitindo afirmações com grande grau de certeza sobre o acúmulo de conhecimento existente, bem como suas fragilidades e carências (Dacombe, 2018Dacombe, R. (2018) Systematic reviews in political science: what can the approach contribute to political research? Political Studies Review, 16(2), pp. 148-157. DOI
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).

Internacionalmente, sua adoção na ciência política tem alcançado resultados promissores, tais como: que o tamanho populacional de uma cidade se correlaciona com o nível de participação política (McDonnell, 2020McDonnell, J. (2020) Municipality size, political efficacy and political participation: a systematic review. Local Government Studies, 46(3), pp. 331-350. DOI
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); que programas educacionais voltados para jovens com vistas ao desenvolvimento de virtudes cívicas têm pouco efeito na participação política (Manning & Edwards, 2014Manning, N. & Edwards, K. (2014) Does civic education for young people increase political participation? A systematic review. Educational Review, 66(1), pp. 22-45. DOI
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); que mídias sociais contribuem para o aumento da polarização (Kubin & von Sikorski, 2021Kubin, E. & von Sikorski, C. (2021) The role of (social) media in political polarization: a systematic review. Annals of the International Communication Association, 45(3), pp. 188-206. DOI
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); que estudos de formulação de políticas públicas nutricionais (Cullerton et al., 2016Cullerton, K., Donnet, T., Lee, A. & Gallegos, D. (2016) Using political science to progress public health nutrition: a systematic review. Public Health Nutrition, 19(11), pp. 2070-2078. DOI
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), de consumo de dietas sustentáveis (Green et al., 2022Green, C., Carey, G. & Joyce, A. (2022) Application of theories of the policy process in research on consumption of sustainable diets: A systematic review. BMC Public Health, 22(1), 1335. DOI
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) e de prevenção à obesidade (Clarke et al., 2016Clarke, B., Swinburn, B. & Sacks, G. (2016) The application of theories of the policy process to obesity prevention: a systematic review and meta-synthesis. BMC Public Health, 16(1), 1084. DOI
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) pouco mobilizam teorias originárias da análise de políticas públicas e da ciência política; quais os limites relacionados às iniciativas de dados abertos governamentais (Attard et al., 2015Attard, J., Orlandi, F., Scerri, S. & Auer, S. (2015) A systematic review of open government data initiatives. Government Information Quarterly, 32(4), pp. 399-418. DOI
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); que empreendedores de políticas públicas desempenham papel fundamental em países em desenvolvimento (Bakir & Gunduz, 2020Bakir, C. & Gunduz, K.A. (2020) The importance of policy entrepreneurs in developing countries: a systematic review and future research agenda. Public Administration and Development, 40(1), pp. 11-34. DOI
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); sobre as facilidades e barreiras encontradas no uso de evidências em políticas públicas (Oliver et al., 2014Oliver, K., Innvar, S., Lorenc, T., Woodman, J. & Thomas, J. (2014) A systematic review of barriers to and facilitators of the use of evidence by policymakers. BMC Health Services Research, 14, 2. DOI
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); quais os desafios que burocratas do nível de rua encontram em instituições estatais fracas (Peeters & Campos, 2022Peeters, R. & Campos, S.A. (2022) Street-level bureaucracy in weak state institutions: a systematic review of the literature. International Review of Administrative Sciences, 0(0). DOI
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); sobre como, quando e onde mudanças institucionais ocorrem (Bakir & Gunduz, 2017Bakir, C. & Gunduz, K.A. (2017) When, why and how institutional change takes place: a systematic review and a future research agenda on the importance of policy entrepreneurship in macroeconomic bureaucracies. Policy and Society, 36(4), pp. 479-503. DOI
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); e quais os usos e sentidos dados ao conceito de populismo na ciência política (Hunger & Paxton, 2022Hunger, S. & Paxton, F. (2022) What's in a buzzword? A systematic review of the state of populism research in political science. Political Science Research and Methods, 10(3), pp. 617-633. DOI
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).

Nacionalmente, esse mesmo movimento tem ocorrido com publicações de teses, dissertações e artigos. Por exemplo: quais as evidências relacionadas a políticas de segurança pública na prevenção à violência (Kopittke, 2019Kopittke, A.L. (2019) Segurança pública baseada em evidências: a revolução das evidências na prevenção à violência no Brasil e no mundo. Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.); o estado da arte do tema da conservação da biodiversidade (Sandroni & Carneiro, 2016); sobre as melhores iniciativas relacionadas à governança das cidades inteligentes (Perini, 2021Perini, M.R.C. (2021) Critérios e indicadores de governança em Smart Cities: uma revisão sistemática da literatura. Dissertação de Mestrado. São Borja: Universidade Federal do Pampa.); o estado da arte das smart cities nas ciências sociais (Clemente et al., 2021Clemente, A.J., Perini, M.R.C., Santos, D.A.C. dos, Martinez, I.N., Rosa, C.S. da & Gavron, T.M. (2021) Smart cities: uma revisão de escopo no campo das ciências sociais (2015-2020). BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, (96). DOI
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); o que tem funcionado na implementação do programa Equipes Volantes do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) (Rosa, 2022Rosa, C.S. (2022) Desafios e possibilidades das equipes volantes em territórios rurais no Sistema Único de Assistência Social: uma revisão de escopo. Dissertação de Mestrado. São Borja: Universidade Federal do Pampa.); sobre o conceito de institucionalização partidária (Cruz, 2019Cruz, K.M. (2019) O conceito de institucionalização partidária: análise sistemática da literatura. Dissertação de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná.); o que leva alguns países a eleger mais mulheres que outros (Bittencourt, 2021Bittencourt, M.A. (2021) Por que alguns países elegem mais mulheres e outros menos? Uma revisão de escopo da literatura internacional sobre o efeito dos sistemas eleitorais na representação feminina nos parlamentos nacionais. Dissertação de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná.); sobre os perfis ministeriais em sistemas presidencialistas latino-americanos (Silva, 2022Silva, R. (2022) Revisão sistemática dos estudos sobre perfis ministeriais em sistemas presidencialistas latino-americanos. Dissertação de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná.); sobre como decisões municipais durante calamidades interferem em eleições locais (Perich, 2022Perich, R.A. (2022) Como decisões de governantes municipais durante calamidades interferem em eleições locais: revisão sistemática. Dissertação de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná.); o estado da arte da capacidade institucional (Martins, 2021Martins, D.G. (2021). O estado da arte da capacidade institucional: uma revisão sistemática da literatura em língua portuguesa. Cadernos EBAPE.BR, 19(1), pp. 165-189. DOI
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); usos de modelos de análise de políticas públicas no Brasil (Batista et al., 2021Batista, M., Domingos, A. & Vieira, B. (2021) Políticas públicas: modelos clássicos e 40 anos de produção no Brasil. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, (94). DOI
DOI...
); sobre a relação entre elites políticas e representação (Codato et al., 2021Codato, A., Lorencetti, M. & Prata, B. (2021) Elites políticas e representação: uma investigação da literatura contemporânea sobre políticos profissionais. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, (95). DOI
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); o impacto do uso do WhatsApp em eleições (Schaefer et al., 2019Schaefer, B.M., Barbosa, T.A.L., Epitácio, S.S.F. & Resende, R.C. (2019) Qual o impacto do WhatsApp em eleições? Uma revisão sistemática (2010-2019). Revista Debates, 13(3), pp. 58-88. DOI
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); sobre como o dinheiro influencia as eleições em municípios brasileiros (Sampaio & Figueiredo Filho, 2019Sampaio, D., & Figueiredo Filho, D.B. (2019) Como o dinheiro influencia as eleições municipais no Brasil: Uma revisão sistemática. BIB, (88), pp. 1-25. DOI
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); e a respeito da governança pública marinha (Alves et al., 2022Alves, E.E.C, Figueiredo Filho, D.B, Santos, H.F, Amaral, A.M.F. & Freitas, J. (2022) Como fazer uma revisão sistemática da literatura? Um guia prático em governança marinha. In: I.F. Fernandes (org) Desafios metodológicos das políticas públicas baseadas em evidências. Boa Vista: Editora IOLE, pp. 67-117.).

II.2. O protocolo da Revisão de Escopo

Tendo em vista a questão de pesquisa posta - houve continuidade ou mudança na política de combate à pobreza entre os governos Cardoso e Lula? -, cumprimos estas etapas: planejamento; busca e identificação de trabalhos; remoção de registros duplicados; seleção; leitura padronizada e extração de informações dos estudos incluídos; e síntese dos resultados (Higgins & Green, 2008Higgins, J.P. & Green, S. (orgs) (2008) Cochrane handbook for systematic reviews of interventions. Chichester: John Wiley & Sons. DOI
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; Petticrew & Roberts, 2006Petticrew, M., Roberts, H. (2006) Systematic reviews in the social sciences: a practical guide. Oxford: Blackwell Publishing.).

Para a busca e identificação, definimos as fontes de pesquisa, critérios de busca e idiomas. Elegemos como fontes os seguintes repositórios bibliográficos: Scopus, Web of Science, Scielo, Periódicos CAPES, Semantic Scholar, Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, Mendeley, Google Acadêmico e ResearchGate. A fim de evitar vieses oriundos das bases de dados (Petticrew & Roberts, 2006Petticrew, M., Roberts, H. (2006) Systematic reviews in the social sciences: a practical guide. Oxford: Blackwell Publishing.), reunimos bibliografias listadas em referências de planos de ensino relativos ao tema e indicações de três especialistas.

Para operar as buscas, consideramos literatura branca e cinza2 2 Na biblioteconomia, a literatura “branca” se refere a publicações convencionais amplamente difundidas, como livros, enciclopédias e periódicos científicos. A literatura "cinza" inclui publicações de difusão limitada, como teses, dissertações e relatórios (Botelho & Oliveira, 2017). , que atendesse aos seguintes critérios:

  1. Abordasse a política de combate à pobreza em ambos os governos;

  2. Tivesse sido publicada a partir de 2003 (primeiro ano do governo Lula);

  3. Tivesse sido produzida por autores das ciências sociais e sociais aplicadas;

  4. Textos em português, inglês, espanhol e francês - idiomas em que as autoras possuem proficiência.

Nos bancos de dados, os critérios b e c foram, na maioria das vezes, assegurados por filtros automatizados. Já o primeiro foi atendido por meio de strings - expressões de busca que combinam palavras-chave, operadores booleanos e de truncamento - no intuito de requisitar a bibliografia desejada aos algoritmos das bases de dados3 3 As strings foram procuradas nos campos de busca denominadas “tópico”, referindo-se a títulos, resumos e palavras-chave. Na impossibilidade dessa opção, foi buscado no texto integral. . Optamos por construí-las em inglês (devido à maioria da produção qualificada se encontrar nesse idioma) e português (pela ampla produção de autores brasileiros ocupados do tópico). Após testes e ajustes, chegamos às strings apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1
Strings de busca

As buscas retornaram 809 registros: 684 provenientes dos bancos de dados e 125 das outras fontes4 4 Para o registro detalhado de buscas para todas as bases bibliográficas, acesse o formulário: <https://drive.google.com/file/d/1jTUXJENHys_4LXcLgH7up2nDsWHPOw_j/view?usp=sharing>. (Juliano et al., 2022Juliano, M.C., Clemente, A.J. & Madeira, L.M. (2022) Registro das buscas nos bancos de dados. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1jTUXJENHys_4LXcLgH7up2nDsWHPOw_j/view?usp=sharing>. Acesso em: 8 de abr. 2023.
https://drive.google.com/file/d/1jTUXJEN...
). Para selecioná-los, utilizamos o Rayyan (Ouzzani et al., 2016Ouzzani, M., Hammady, H., Fedorowicz, Z. & Elmagarmid, A. (2016) Rayyan-a web and mobile app for systematic reviews. Systematic Reviews, 5(1), pp. 1-10. DOI
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), software de revisão sistemática operado via browser. Uma vez nele inseridos os metadados5 5 Em algumas bases foi possível obter os metadados no formato importável pelo Rayyan. Em outras, antes de exportá-los, recorremos à inserção manual no software de gerenciamento de referências Zotero. , removemos os registros duplicados identificados automaticamente. Duplicados não detectados pelo software foram excluídos manualmente.

Os 629 registros restantes foram selecionados em duas etapas, cada qual com critérios próprios consolidados com base em uma leitura “teste” de uma amostra dos textos6 6 A amostra abrangeu 10% do total de registros. . A primeira consistiu em uma pré-seleção a partir dos títulos, resumos e palavras-chave. Tendo sido constatados dois temas amplos que perpassam a literatura sobre políticas de combate à pobreza no Brasil - a política social, de modo abrangente, e a de desenvolvimento econômico - consideramos relevantes aqueles trabalhos envolvendo as três temáticas, definindo-os como motivos de inclusão. Estabelecemos como critérios de exclusão estudos que fugiam a esses temas e os não pertinentes quanto ao objeto, tipo de documento, área do conhecimento e desenho de pesquisa (Quadro 2).

Quadro 2
Critérios de seletividade

Da leitura dos títulos, resumos, palavras-chave e, quando preciso, partes dos textos, excluímos os que não obedeciam aos critérios de seletividade, do que restaram 135 registros.

Mantivemos somente estudos contendo algum posicionamento dos autores quanto à continuidade/mudança na política de combate à pobreza, social ou de desenvolvimento, entre os dois governos (estes dois últimos temas, somente se tocassem, especificamente, no combate à pobreza). Da leitura-teste, verificaram-se três tipos de posicionamentos entre os autores, mais e menos explícitos, que justificariam a permanência dos trabalhos na revisão:

  1. Que defendiam ou enfatizavam algum tipo de continuidade;

  2. Que defendiam ou enfatizavam algum tipo de mudança;

  3. Posições que destacavam ambos os aspectos.

Trabalhos que, embora dentro do tema, não apresentavam algum desses três posicionamentos, não comparando os mandatos de Lula e Cardoso, foram excluídos. Dessa etapa, sobraram 61 trabalhos, lidos integralmente sob a lente de um formulário padronizado de extração de informações (Quadro 3).

Quadro 3
Formulário de extração de informações

Apesar de não aplicarmos um formulário formal de avaliação de qualidade por não se tratar de uma revisão sistemática e sim uma revisão de escopo (Grant & Booth, 2009Grant, M.J. & Booth, A. (2009) A typology of reviews: an analysis of 14 review types and associated methodologies. Health Information & Libraries Journal, 26(2), pp. 91-108. DOI
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; Peters, 2015), adotamos como critério auxiliar de seleção sua confiabilidade, determinada pela existência de uma metodologia clara e pela fundamentação dos argumentos. Estudos que atendiam minimamente a esses quesitos permaneceram. Como o fim primordial era mapear amplamente a literatura, sem a preocupação de julgar rigorosamente sua validade interna, avaliamos que textos metodologicamente não tão consistentes deveriam ser mantidos, compondo a própria caracterização desse campo de debate. Após esse refinamento, chegamos a 42 estudos.

III. Resultados

III.1. Características gerais da literatura

O fluxograma (Figura 1) adaptado da Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) (Moher et al., 2009Moher D., Liberati A., Tetzlaff J., Altman D.G. & The PRISMA Group (2009) Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. PLoS Med, 6(7), pp. 1-6. DOI
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) mostra a sequência de etapas de busca e seleção realizadas, bem como a quantidade de estudos remanescentes em cada uma.

Figura 1
Etapas da Revisão de Escopo

Em seus aspectos gerais, os trabalhos provieram de autores que se repetiram pouco (praticamente um trabalho por autor). No que se refere à área de conhecimento, economistas e cientistas políticos prevaleceram, ainda que se tenham encontrado autores do serviço social, sociologia, administração pública e história. Metade dos trabalhos (50%) consistiu em artigos de periódicos, seguidos de teses e dissertações (26%) e de livros e capítulos de livros (14%). O restante são papers de eventos (10%).

A maioria dos estudos se concentrou entre os anos de 2013 e 2016, com um pico em 2014 (Gráfico 1), quando já encerrados os primeiros governos de Lula. No entanto, há trabalhos publicados no decorrer das suas administrações, incluindo uma publicação ainda no início do seu primeiro mandato. Ao final do interstício, aumentam os trabalhos que incluem nas análises as gestões de Dilma Rousseff (PT) (2011-2014 e 2015-2016).

Gráfico 1
Volume de trabalhos ao longo do tempo (2004-2020)

III.2. A divisão da literatura segundo suas respostas

Uma das formas de organizar os resultados de uma revisão de escopo é distinguindo respostas a uma determinada pergunta de pesquisa (Walsh, 2006Walsh, J. (2006) A guide to writing literature reviews in political science and public administration. Charlote: UNC Charlotte. Disponível em: <https://politicalscience.charlotte.edu/sites/politicalscience.charlotte.edu/files/media/docs/litreviews.pdf>. Acesso em 14.mai.2021.
https://politicalscience.charlotte.edu/s...
). Identificamos três tipos de respostas à indagação que guiou a revisão. São posicionamentos mais ou menos distintos, que podem ser situados em um continuum entre os polos “continuidade” e “ruptura”:

  1. Continuidade;

  2. Mudança limitada;

  3. Mudança substantiva.

O critério empregado para agrupar a literatura nessas categorias foi a ênfase presente nos argumentos centrais dos autores. Assim, foram encontrados 21 trabalhos sustentando predominantemente a continuidade, 14 defendendo a mudança limitada e 7 a mudança substantiva. O Gráfico 2 mostra como essas posições se distribuíram no curso do tempo.

Gráfico 2
Distribuição dos posicionamentos dos autores no tempo (2004-2020)

Nota-se que a continuidade foi a posição preponderante, com maior expressão em 2016. Entre os primeiros nove trabalhos produzidos sobre o assunto (2004-2010), ainda no decorrer dos governos Lula, a continuidade era praticamente consensual. As controvérsias começaram a se intensificar a partir dos anos seguintes, já findo seu mandato presidencial, quando não apenas aumentou a produção sobre o tema, como se diversificaram os posicionamentos, que passaram a incluir mais trabalhos defendendo a mudança, em diferentes graus - principalmente em 2011 e 2012. A inflexão sugere que, não obstante a variedade de posições advindas com o aumento da produção, tomar o período passado em perspectiva abriu espaço para que se identificassem mais nuanças sobre o fenômeno.

A segunda posição predominante entre os autores, observada de 2011 a 2019, é de que teria havido uma mudança limitada. Por último, aparece a mudança substantiva, também observada mais nesse intervalo. Portanto, entre os defensores da mudança sobressai uma posição mais amena, que destaca continuidades em relação ao período precedente

No Quadro 4, apresentamos a classificação dos trabalhos segundo as três categorias. Na seção seguinte, discutimos cada uma delas começando pelos extremos do continuum, deixando por último a posição intermediária, que demonstra certa conciliação entre os dois primeiros.

Quadro 4
Trabalhos selecionados organizados pelo posicionamento

IV. Discussão

IV.1. Continuidade

Trabalhos que enfatizam a continuidade entre os dois governos compõem a maior parte da literatura selecionada (21). A continuidade é identificada principalmente na estrutura lógica da estratégia de combate à pobreza adotada. As contribuições partem de perspectivas heterogêneas e se desdobram em três agendas de pesquisa.

Uma primeira, que encerra uma porção considerável dessa categoria, associa as escolhas de Lula ao neoliberalismo, assumindo uma postura crítica frente ao seu governo, no sentido da manutenção ou mesmo do aprofundamento das estratégias geradoras de pobreza do período Cardoso.

De modo geral, esses autores defendem que a política de Lula é, em essência, idêntica à de FHC. A aceitação do neoliberalismo teria preservado a prioridade à focalização, produtora de resultados superficiais e compensatórios; e o descuido de políticas universais, como a saúde, a educação e o saneamento, essas sim, potencialmente mais efetivas em produzir impactos estruturais sobre a pobreza e a desigualdade (Grisotti & Gelinski, 2010Grisotti, M. & Gelinski, C.R.O.G. (2010) Visões parciais da pobreza e políticas sociais recentes no Brasil. Rev. Katálysis, 13, pp. 210-219. DOI
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; Costa, 2009Costa, N. do R. (2009) Social protection in Brazil: universalism and targeting in the FHC and Lula administrations. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3), pp. 693-706. DOI
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; Câmara Neto & Vernengo, 2006Câmara Neto, A.F. & Vernengo, M. (2006) Lula's social policies: new wine in old bottles? Working Paper Series, 7, pp. 1-27. DOI
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; Druck & Filgueiras, 2007Druck, G. & Filgueiras, L. (2007) Política social focalizada e ajuste fiscal: as duas faces do governo Lula. Rev. Katálysis, 10, pp. 24-34. DOI
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; Filgueiras & Gonçalves, 2007Filgueiras, L.A.M. & Gonçalves, R. (2007) A economia política do governo Lula. Rio de Janeiro: Contraponto.; Paiva & Mattei, 2009Paiva, B.A. de & Mattei, L. (2009) Notas sobre as políticas sociais no Brasil: a primeira década do século XXI. Revista Textos & Contextos, 8(2), pp. 175-194.; Mascarenhas, 2019Mascarenhas, R.M. (2019) A estratégia hegemônica de enfrentamento da pobreza no Brasil redemocratizado. Textos & Contextos (Porto Alegre), 18(2), e34304. DOI
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; Mustafa, 2015Mustafa, P.S. (2015) A crise do capital, o desastre social e a orientação teórico-metodológica das políticas sociais. Temporalis, 15(29), pp. 89-107. DOI
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). Há argumentos de que o fim primordial das políticas focalizadas seria substituir as universais, sobrando recursos para cumprir os compromissos com a dívida pública e com a elevação de superávits primários (Filgueiras & Gonçalves, 2007Filgueiras, L.A.M. & Gonçalves, R. (2007) A economia política do governo Lula. Rio de Janeiro: Contraponto.; Paiva & Mattei, 2009Paiva, B.A. de & Mattei, L. (2009) Notas sobre as políticas sociais no Brasil: a primeira década do século XXI. Revista Textos & Contextos, 8(2), pp. 175-194.; Costa, 2009Costa, N. do R. (2009) Social protection in Brazil: universalism and targeting in the FHC and Lula administrations. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3), pp. 693-706. DOI
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).

Afirma-se que a expansão do Bolsa Família ocorreu às expensas da redução dos investimentos nas políticas universais (Almeida, 2004Almeida, M.H.T. de (2004) A política social no governo Lula. Novos Estudos - CEBRAP, 70, pp. 7-17.; Costa, 2009Costa, N. do R. (2009) Social protection in Brazil: universalism and targeting in the FHC and Lula administrations. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3), pp. 693-706. DOI
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; Druck & Filgueiras, 2007Druck, G. & Filgueiras, L. (2007) Política social focalizada e ajuste fiscal: as duas faces do governo Lula. Rev. Katálysis, 10, pp. 24-34. DOI
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; Filgueiras & Gonçalves, 2007Filgueiras, L.A.M. & Gonçalves, R. (2007) A economia política do governo Lula. Rio de Janeiro: Contraponto.; Paiva & Mattei, 2009Paiva, B.A. de & Mattei, L. (2009) Notas sobre as políticas sociais no Brasil: a primeira década do século XXI. Revista Textos & Contextos, 8(2), pp. 175-194.), revelando não apenas o acolhimento do neoliberalismo, mas uma escolha do governo de não enfrentar a ordem econômica estabelecida (Druck & Filgueiras, 2007Druck, G. & Filgueiras, L. (2007) Política social focalizada e ajuste fiscal: as duas faces do governo Lula. Rev. Katálysis, 10, pp. 24-34. DOI
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). Costa (2009)Costa, N. do R. (2009) Social protection in Brazil: universalism and targeting in the FHC and Lula administrations. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3), pp. 693-706. DOI
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, por exemplo, alega que dado o equilíbrio alcançado nas contas públicas, nenhum dos dois governos esteve sob limitações fiscais tão severas a ponto de impedir a implementação dos compromissos universalistas firmados na Constituição de 1988 (CF/88). Isso reforçaria a dita opção deliberada de Lula por continuar um modelo limitado de proteção social (Almeida, 2004Almeida, M.H.T. de (2004) A política social no governo Lula. Novos Estudos - CEBRAP, 70, pp. 7-17.), desvinculado da “ideia-força do direito social” (Paiva & Mattei, 2009Paiva, B.A. de & Mattei, L. (2009) Notas sobre as políticas sociais no Brasil: a primeira década do século XXI. Revista Textos & Contextos, 8(2), pp. 175-194., p. 188).

Outra crítica é à intensificação de políticas de inclusão via mercado, como a valorização do salário mínimo e a própria política de transferência de renda (Loureiro, 2020Loureiro, P.M. (2020) Social structure and distributive policies under the PT governments: a poverty-reducing variety of neoliberalism. Latin American Perspectives, 47(2), pp. 65-83. DOI
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; Pacheco, 2013Pacheco, J. da S. (2013) Direitos e políticas sociais: da garantia à regulação punitiva da pobreza. Tese de Doutorado. Brasília: Universidade de Brasília.; Maciel, 2013Maciel, D. (2013) As metamorfoses do neoliberalismo no Brasil Contemporâneo: governos do PT e hegemonia neoliberal. In: XXVII Simpósio Nacional de História - Conhecimento histórico e diálogo social. Natal.). Elas conceberiam a pobreza como um problema dos indivíduos e suas famílias, ignorando suas causas estruturais e a responsabilidade do Estado (Grisotti & Gelinski, 2010Grisotti, M. & Gelinski, C.R.O.G. (2010) Visões parciais da pobreza e políticas sociais recentes no Brasil. Rev. Katálysis, 13, pp. 210-219. DOI
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; Paiva & Mattei, 2009Paiva, B.A. de & Mattei, L. (2009) Notas sobre as políticas sociais no Brasil: a primeira década do século XXI. Revista Textos & Contextos, 8(2), pp. 175-194.; Pacheco, 2013Pacheco, J. da S. (2013) Direitos e políticas sociais: da garantia à regulação punitiva da pobreza. Tese de Doutorado. Brasília: Universidade de Brasília.; Mustafa, 2015Mustafa, P.S. (2015) A crise do capital, o desastre social e a orientação teórico-metodológica das políticas sociais. Temporalis, 15(29), pp. 89-107. DOI
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). Aliadas a subsídios para prestação privada de serviços e à inclusão creditícia, essas políticas se destinariam a ampliar o mercado consumidor, sustentando “o ciclo de reprodução do capital” (Maciel, 2013Maciel, D. (2013) As metamorfoses do neoliberalismo no Brasil Contemporâneo: governos do PT e hegemonia neoliberal. In: XXVII Simpósio Nacional de História - Conhecimento histórico e diálogo social. Natal., p. 14), bem como facilitariam a transferência de renda para o capital financeiro (Druck & Filgueiras, 2007Druck, G. & Filgueiras, L. (2007) Política social focalizada e ajuste fiscal: as duas faces do governo Lula. Rev. Katálysis, 10, pp. 24-34. DOI
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; Filgueiras & Gonçalves, 2007Filgueiras, L.A.M. & Gonçalves, R. (2007) A economia política do governo Lula. Rio de Janeiro: Contraponto.; Mascarenhas, 2019Mascarenhas, R.M. (2019) A estratégia hegemônica de enfrentamento da pobreza no Brasil redemocratizado. Textos & Contextos (Porto Alegre), 18(2), e34304. DOI
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; Mustafa, 2015Mustafa, P.S. (2015) A crise do capital, o desastre social e a orientação teórico-metodológica das políticas sociais. Temporalis, 15(29), pp. 89-107. DOI
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). Nesse sentido, declara-se que “os índices de concentração de renda pouco se alteraram, havendo, inclusive, aumento da renda dos extratos mais ricos da população.” (Maciel, 2013Maciel, D. (2013) As metamorfoses do neoliberalismo no Brasil Contemporâneo: governos do PT e hegemonia neoliberal. In: XXVII Simpósio Nacional de História - Conhecimento histórico e diálogo social. Natal., p. 13).

O governo Lula, então, teria aprofundado o neoliberalismo na política social “levando-o às suas últimas consequências” (Druck & Filgueiras, 2007Druck, G. & Filgueiras, L. (2007) Política social focalizada e ajuste fiscal: as duas faces do governo Lula. Rev. Katálysis, 10, pp. 24-34. DOI
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, p. 30). O argumento central é o de que as políticas buscaram produzir algum alívio aos danos do capital, em vez de impor limites a ele (Paiva & Mattei, 2009Paiva, B.A. de & Mattei, L. (2009) Notas sobre as políticas sociais no Brasil: a primeira década do século XXI. Revista Textos & Contextos, 8(2), pp. 175-194.) ou mesmo transformar as estruturas que criaram e mantêm a pobreza (Mustafa, 2015Mustafa, P.S. (2015) A crise do capital, o desastre social e a orientação teórico-metodológica das políticas sociais. Temporalis, 15(29), pp. 89-107. DOI
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). Desse ponto de vista, a inclusão operada dentro do governo Lula seria no máximo um “neoliberalismo reciclado” (Maciel, 2013Maciel, D. (2013) As metamorfoses do neoliberalismo no Brasil Contemporâneo: governos do PT e hegemonia neoliberal. In: XXVII Simpósio Nacional de História - Conhecimento histórico e diálogo social. Natal.) ou uma “variante de neoliberalismo redutora da pobreza” (Loureiro, 2020Loureiro, P.M. (2020) Social structure and distributive policies under the PT governments: a poverty-reducing variety of neoliberalism. Latin American Perspectives, 47(2), pp. 65-83. DOI
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, p. 65).

Outra parcela dessa literatura pró-continuidade é mais ponderada quanto à associação de ambos os governos ao neoliberalismo e vê neles um contínuo processo de expansão da inclusão social com variações. Com diferentes matizes, tanto Lula quanto FHC teriam buscado realizar as expectativas constitucionais, dando ao combate à pobreza um papel importante na agenda governamental, ao mesmo tempo em que as articularam com ações pró-mercado. Lula seria mais um presidente a avançar na política social, tendo como referência a CF/88 e as políticas iniciadas por Cardoso (Hunter, 2014Hunter, W. (2014) Making citizens: Brazilian social policy from Getúlio to Lula. Journal of Politics in Latin America, 6(3), pp. 15-37. DOI
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).

Sallum Jr. & Goulart (2016)Sallum Jr., B., Goulart, J.O. (2016) O Estado brasileiro contemporâneo: liberalização econômica, política e sociedade nos governos FHC e Lula.Sociologia e Política, 24(60), pp. 115-135. DOI
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sublinham que nenhum dos presidentes aplicou o neoliberalismo estrito, mas o fizeram seletivamente, aderindo ao mesmo

ideário liberal moderado e pouco ortodoxo, sem consistência doutrinária […] [que] valoriza a sociedade mercantil, o capitalismo, mas não exclui, e até admite, a intervenção do Estado, seja para reduzir as diferenças materiais e culturais muito grandes do país, seja para promover a expansão da riqueza e a capacidade de competitividade internacional do país (Sallum Jr. & Goulart, 2016Sallum Jr., B., Goulart, J.O. (2016) O Estado brasileiro contemporâneo: liberalização econômica, política e sociedade nos governos FHC e Lula.Sociologia e Política, 24(60), pp. 115-135. DOI
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, p. 131).

Para os últimos, políticas mais nitidamente neoliberais se destacaram em momentos de ambos os governos, sobretudo quando a questão da estabilidade monetária foi crítica. Entretanto, pressões por inclusão social sempre integraram o ideário desenvolvimentista brasileiro, o qual foi, nesses governos, ajustado aos padrões liberais dominantes. Assim, ter-se-ia produzido uma espécie de “liberal-desenvolvimentismo”, particularmente presente no segundo governo de Lula. Também Leubolt (2016) vê em Lula a mesma orientação “neoliberal inclusiva” de Cardoso. Mesmo que se notem diferenças, por exemplo, na interrupção das privatizações e na recusa à filantropia da “comunidade solidária”, Lula teria seguido o rastro do seu antecessor em seu esforço de reduzir a pobreza e continuar as transferências de renda.

A terceira agenda de pesquisa ocupa-se em explicar os mecanismos indutores das escolhas governamentais recorrentes, mais especificamente o que teria levado ao abandono do Programa Fome Zero em função da já conhecida transferência condicionada de renda, consolidada no Bolsa Família (Tomazini, 2016Tomazini, C.G. (2016) L'État et ses pauvres: la naissance et la montée en puissance des politiques de transferts conditionnels au Brésil et au Mexique. Tese de Doutorado. Campinas. Universidade Estadual de Campinas.; 2013; 2010; Sousa, 2015Sousa, R. (2015) A continuidade das políticas públicas de combate à pobreza no Brasil: uma análise pós-redemocratização. In: C. Santana & W. Iglecias (orgs) Estado, burocracia e controle democrático. São Paulo: Alameda, pp. 237-256.; 2016; Rezende, 2016Rezende, C.S. (2016) Regime de políticas públicas no Brasil: o processo decisório para a adoção do Programa Bolsa Família. Dissertação de Mestrado. Goiânia: Universidade Federal de Goiás.; Bither-Terry, 2013Bither-Terry, R. (2013) Zero hunger: the politics of anti-hunger policy in Brazil. Tese de Doutorado. Chapel Hill: University of North Carolina.).

Uma das explicações para a continuação do mesmo modelo estaria no legado institucional anterior, dadas as facilidades de implementação e a aceitação de um instrumento já conhecido, simples e funcional, em comparação ao complexo Fome Zero (Bither-Terry, 2013Bither-Terry, R. (2013) Zero hunger: the politics of anti-hunger policy in Brazil. Tese de Doutorado. Chapel Hill: University of North Carolina.). Outros argumentos se baseiam em referenciais que tomam as ideias como variáveis explicativas relevantes (Tomazini, 2016Tomazini, C.G. (2016) L'État et ses pauvres: la naissance et la montée en puissance des politiques de transferts conditionnels au Brésil et au Mexique. Tese de Doutorado. Campinas. Universidade Estadual de Campinas.; 2010Tomazini, C.G. (2010) As coalizões de causa em torno das políticas de transferências condicionadas: olhar cruzado Brasil-México. Carta Internacional, 5(2), pp. 37-55.; Rezende, 2016Rezende, C.S. (2016) Regime de políticas públicas no Brasil: o processo decisório para a adoção do Programa Bolsa Família. Dissertação de Mestrado. Goiânia: Universidade Federal de Goiás.; Sousa, 2016Sousa, R.M.G. (2016) Formulação da agenda de políticas públicas de combate à pobreza no governo brasileiro. Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.), atribuindo a ausência de ruptura, em alguma medida, às ideias dos policy makers e à sua maior inclinação a um ou outro tipo de política.

Dentre esses últimos, uma justificação situa-se na difusão internacional do modelo de programas de transferência de renda, em específico os condicionados, por seu maior alinhamento ao paradigma neoliberal (Rezende, 2016Rezende, C.S. (2016) Regime de políticas públicas no Brasil: o processo decisório para a adoção do Programa Bolsa Família. Dissertação de Mestrado. Goiânia: Universidade Federal de Goiás.). Internamente, isso é atribuído à persistência e dominância da “coalizão do capital humano” dentro do governo e ao enfraquecimento da “coalizão da segurança alimentar”, que sustentava o Fome Zero. Crenças orientadas ao investimento em saúde e educação de gerações futuras teriam prevalecido sobre as que concebiam a fome e a insegurança alimentar como pontos nevrálgicos da pobreza (Tomazini, 2016Tomazini, C.G. (2016) L'État et ses pauvres: la naissance et la montée en puissance des politiques de transferts conditionnels au Brésil et au Mexique. Tese de Doutorado. Campinas. Universidade Estadual de Campinas.; 2010Tomazini, C.G. (2010) As coalizões de causa em torno das políticas de transferências condicionadas: olhar cruzado Brasil-México. Carta Internacional, 5(2), pp. 37-55.).

Na linha de um “incrementalismo pontual”, o aumento do orçamento da área social e a ampliação do PBF teriam ocorrido sem alterar o “DNA” da política de combate à pobreza. Apesar de mudanças graduais desde o governo Sarney, persistiriam a definição da pobreza enquanto ausência de renda ou de alimentos, as políticas focalizadas condicionadas e a distribuição de alimentos ou recursos financeiros (Sousa, 2016Sousa, R.M.G. (2016) Formulação da agenda de políticas públicas de combate à pobreza no governo brasileiro. Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul., p. 168 e 173).

Em suma, dentre os partidários da continuidade, o primeiro bloco de autores denota uma crítica baseada na expectativa frustrada de ruptura com os padrões anteriores, rumo a uma proteção social mais universalista, pautada em direitos e voltada à redução das desigualdades de renda. Mudanças nas condições de vida dos pobres são reconhecidas, mas relativizadas face a essas expectativas. Já o segundo grupo ameniza o viés crítico, conferindo, a ambos os governos, avanços medianos conjugando desenvolvimento e inclusão social. E o último bloco apresenta uma posição menos valorativa que os anteriores e atribui menos relevância ao modelo de desenvolvimento como condição explicativa das escolhas governamentais. Seus autores se atêm fundamentalmente aos mecanismos que levaram à estabilidade, sejam eles oriundos de atores ou de instituições.

IV.2. Mudança substantiva

Os trabalhos que concluem pela mudança substantiva constituem a menor parcela da literatura (7). Manifestando uma visão predominantemente otimista em relação ao governo Lula, eles abordam uma série de aperfeiçoamentos ligados ao desenho institucional e à gestão do Bolsa Família, anunciando o Programa como lócus de inovações de diversas ordens. Ressalte-se que apesar de se referirem a aspectos institucionais, as melhorias não são concebidas como meras formalidades, mas como indicativos do real compromisso do então novo governo com a inclusão social.

É comum nesses estudos o entendimento de que

a partir de 2003 os Programas de Transferência de Renda no Brasil parecem atingir um novo patamar no seu conteúdo e forma de gestão quando se inicia o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ocorreram mudanças quantitativas, mas, sobretudo, qualitativas direcionadas para construção de uma Política Pública de Transferência de Renda, de abrangência nacional. (Silva, 2015Silva, M.O. (2015) Os programas de transferência de renda na política social brasileira: seu desenvolvimento, possibilidades e limites. Revista Pol. Públ., 8(2), pp. 113-134.)

Nesse sentido, ganham destaque a criação do Programa Bolsa Família e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

Afirma-se que embora a estratégia de Lula tenha sido construída a partir das políticas pré-existentes, a “integração dos programas de transferência de renda representa um momento de mudança de paradigma” (Monteiro, 2011Monteiro, I.R. (2011). Integração de políticas sociais: um estudo de caso sobre o Bolsa Família. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas., p. 61). Com a unificação instituída pelo PBF, teria havido “significativa reformulação em termos de desenho institucional”, envolvendo melhorias nas suas regras e forma de operação (Coêlho, 2013Coêlho, D.B. (2013) Agenda social nos governos FHC e Lula: competição política e difusão do modelo renda mínima. In: G. Hochman & C.A.P. de Faria (orgs) Federalismo e políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, pp. 179-210., p. 204). Exemplos seriam: a unificação do cartão para saque dos benefícios; a revisão da renda per capita definidora do público-alvo visando a alcançar a totalidade da população pobre (Coêlho, 2013Coêlho, D.B. (2013) Agenda social nos governos FHC e Lula: competição política e difusão do modelo renda mínima. In: G. Hochman & C.A.P. de Faria (orgs) Federalismo e políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, pp. 179-210.); e a alteração nas regras de permanência no Programa, que passaram a assegurar o benefício mesmo em caso de aumento temporário da renda (o que antes causava desligamento imediato) (Jaccoud, 2019Jaccoud, L. (2019) Trabalho, pobreza e desigualdade: a garantia de renda no sistema brasileiro de proteção. In: M. Arretche, E. Marques & C.A.P. de Faria (orgs) As políticas da política: desigualdades de inclusão nos Governos do PSDB e PT. São Paulo: Unesp, pp. 165-190.). Esse último item demonstraria o inédito reconhecimento da volatilidade da renda, já que o governo Lula não estaria apenas buscando mitigar o problema no momento presente, mas prevenir a incursão na pobreza no futuro próximo (Jaccoud, 2019Jaccoud, L. (2019) Trabalho, pobreza e desigualdade: a garantia de renda no sistema brasileiro de proteção. In: M. Arretche, E. Marques & C.A.P. de Faria (orgs) As políticas da política: desigualdades de inclusão nos Governos do PSDB e PT. São Paulo: Unesp, pp. 165-190.).

Do ponto de vista da garantia de renda, sustenta-se que o PBF representou um avanço considerável, mesmo sendo admitidas algumas limitações, como o baixo valor dos benefícios e a ausência da condição de direito (Coêlho, 2013Coêlho, D.B. (2013) Agenda social nos governos FHC e Lula: competição política e difusão do modelo renda mínima. In: G. Hochman & C.A.P. de Faria (orgs) Federalismo e políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, pp. 179-210., Jaccoud, 2019Jaccoud, L. (2019) Trabalho, pobreza e desigualdade: a garantia de renda no sistema brasileiro de proteção. In: M. Arretche, E. Marques & C.A.P. de Faria (orgs) As políticas da política: desigualdades de inclusão nos Governos do PSDB e PT. São Paulo: Unesp, pp. 165-190., Silva, 2015Silva, M.O. (2015) Os programas de transferência de renda na política social brasileira: seu desenvolvimento, possibilidades e limites. Revista Pol. Públ., 8(2), pp. 113-134.). Jaccoud (2019)Jaccoud, L. (2019) Trabalho, pobreza e desigualdade: a garantia de renda no sistema brasileiro de proteção. In: M. Arretche, E. Marques & C.A.P. de Faria (orgs) As políticas da política: desigualdades de inclusão nos Governos do PSDB e PT. São Paulo: Unesp, pp. 165-190., por exemplo, enfatiza que apesar de o benefício não ser legalmente assegurado, a cobertura do público-alvo foi praticamente universalizada, incluindo um segmento da população até então debilmente atendido - os trabalhadores pobres urbanos. Assim, os governos do PT teriam rompido com o foco na “pobreza imerecida”, na medida em que o critério para a intervenção estatal passou a ser a pobreza em si, independentemente da incapacidade para o trabalho.

Ainda no sentido de uma tentativa de universalização de uma renda mínima, alguns autores assinalam a instituição da Lei da Renda Básica de Cidadania7 7 Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. . A proposta encabeçada desde os anos 1990 pelo senador Eduardo Suplicy foi sancionada apenas no governo Lula, ainda que não tenha sido efetivamente implementada (Silva, 2015Silva, M.O. (2015) Os programas de transferência de renda na política social brasileira: seu desenvolvimento, possibilidades e limites. Revista Pol. Públ., 8(2), pp. 113-134.; Coêlho, 2013Coêlho, D.B. (2013) Agenda social nos governos FHC e Lula: competição política e difusão do modelo renda mínima. In: G. Hochman & C.A.P. de Faria (orgs) Federalismo e políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, pp. 179-210.).

Outra distinção entre os governos Lula e Cardoso, para além dos efeitos imediatos sobre a renda, seria a integração do PBF com outras políticas universais, observando o impacto intergeracional sobre a pobreza (Lício, 2014Lício, E.C. (2014) Contribuições do Programa Bolsa Família para a gestão das políticas sociais. Revista do Serviço Público, 64(3), pp. 309-326. DOI
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; Silva, 2015Silva, M.O. (2015) Os programas de transferência de renda na política social brasileira: seu desenvolvimento, possibilidades e limites. Revista Pol. Públ., 8(2), pp. 113-134.). Sobre isso, LícioLício, E.C. (2014) Contribuições do Programa Bolsa Família para a gestão das políticas sociais. Revista do Serviço Público, 64(3), pp. 309-326. DOI
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(2014, p. 315-316) escreveu: “a abordagem desse problema hoje é algo muito diferente do que uma década atrás, e, em grande parte, isso se deve ao Programa Bolsa Família”. Para ela, a ênfase do programa na articulação com serviços de saúde, educação e assistência social mostraria as transferências não como fins em si, mas como meios de garantir o acesso das famílias a esses serviços, visando o futuro.

Nessa mesma toada, se realça a exitosa integração do PBF com a política de assistência social, que teria sofrido reformulações profundas a partir do governo Lula. Destaca-se a criação do SUAS e a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (Mendosa, 2012Mendosa, D. (2012) Gênese da política de assistência social do governo Lula. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo. DOI
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; Vaitsman et al., 2009Vaitsman, J., Andrade, G.R.B. de & Farias, L.O. (2009) Social protection in Brazil: what has changed in social assistance after the 1988 Constitution. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3), pp. 731-741.). A associação do PBF a um sistema universalizado e público de assistência social, teria “alarg[ado] substantivamente o escopo da proteção social”, e viabilizado superar a oposição entre universalismo e focalização (Vaitsman et al., 2009Vaitsman, J., Andrade, G.R.B. de & Farias, L.O. (2009) Social protection in Brazil: what has changed in social assistance after the 1988 Constitution. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3), pp. 731-741., p. 731). O ganho dessa articulação estaria na superação do viés assistencialista e filantrópico característico do período Cardoso - seja pelas ações pontuais e com recursos limitados, seja pela oferta de serviços por organizações da sociedade civil.

Ainda são apontados ganhos advindos da criação do MDS. A unificação dos programas preexistentes aliada à instituição de um órgão único teria simplificado e racionalizado a gestão, endereçando a problemática convivência de programas concorrentes e sobrepostos, acomodados em diferentes ministérios. A coordenação centralizada viria a refrear fatores como a dispersão do comando e o desperdício de recursos, bem como tornar mais precisa a focalização, evitando tratamentos distintos entre indivíduos (Coêlho, 2013Coêlho, D.B. (2013) Agenda social nos governos FHC e Lula: competição política e difusão do modelo renda mínima. In: G. Hochman & C.A.P. de Faria (orgs) Federalismo e políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, pp. 179-210.; Vaitsman et al., 2009Vaitsman, J., Andrade, G.R.B. de & Farias, L.O. (2009) Social protection in Brazil: what has changed in social assistance after the 1988 Constitution. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3), pp. 731-741.). Ademais, o incremento de recursos orçamentários para a área teria sido considerável (Silva, 2015Silva, M.O. (2015) Os programas de transferência de renda na política social brasileira: seu desenvolvimento, possibilidades e limites. Revista Pol. Públ., 8(2), pp. 113-134.).

Também no que toca à gestão, LícioLício, E.C. (2014) Contribuições do Programa Bolsa Família para a gestão das políticas sociais. Revista do Serviço Público, 64(3), pp. 309-326. DOI
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(2014, p. 310) destaca três “aspectos inovadores” vindos com o PBF: os sistemas de informação geridos nacionalmente e mantidos pelos governos subnacionais, permitindo melhor acompanhamento das famílias e maior autonomia para os gestores municipais; a implementação de um modelo de gestão por resultados, condicionando apoio financeiro a bons resultados nas gestões locais (o Índice de Gestão Descentralizada); e a criação do Fórum Intersetorial e Intergovernamental de Condicionalidades do PBF, composto por representantes dos três entes federados nas áreas de saúde, educação e assistência social. Esses aperfeiçoamentos seriam responsáveis pela melhoria na focalização e na diminuição da desigualdade, pelo fortalecimento do federalismo cooperativo, pelo reconhecimento nacional e internacional do Programa e por sua legitimação perante à sociedade e os governos subnacionais.

Enfim, para essa parte da literatura, as melhorias institucionais introduzidas com o PBF, elevaram o combate à pobreza a outro nível, revelando uma forma nova de enfrentar o problema. Distintamente do período Cardoso, em que as políticas de renda teriam se desenvolvido sob um viés residualista, avesso ao universalismo e à ampliação do gasto, no governo Lula elas teriam intercorrido ao abrigo de uma coalizão política favorável à “intervenção redistributiva do Estado” (Jaccoud, 2019Jaccoud, L. (2019) Trabalho, pobreza e desigualdade: a garantia de renda no sistema brasileiro de proteção. In: M. Arretche, E. Marques & C.A.P. de Faria (orgs) As políticas da política: desigualdades de inclusão nos Governos do PSDB e PT. São Paulo: Unesp, pp. 165-190., p. 181). Para Monteiro (2011)Monteiro, I.R. (2011). Integração de políticas sociais: um estudo de caso sobre o Bolsa Família. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas., desde as primeiras iniciativas simbólicas, o presidente Lula mostrou seu compromisso com o enfrentamento à fome e à pobreza, de um modo que não estava posto tão centralmente pelo governo anterior.

IV.3. Mudança limitada

Os trabalhos que constatam uma mudança limitada conformam a segunda maior parcela da literatura (14). Essa categoria se centra nas estratégias concretas dos governos e seus autores admitem a permanência de aspectos duros nas políticas de Lula, convivendo com mudanças em questões menos elementares. Embora não enfatizem a continuidade como os do primeiro grupo, esse segmento não acredita que as mudanças ocorridas indicam alterações substantivas, como advogam os do segundo. Fatores alheios aos objetivos do governo Lula, impelindo-o à preservação das estratégias herdadas, frequentemente estão na origem dos motivos pelos quais as mudanças não teriam sido mais profundas.

Diferentemente dos partidários críticos da continuidade, os impactos nas condições de vida da população pobre - como a redução da pobreza, da desigualdade e o aumento na renda - não são vistos como superficiais. Considera-se que esses ganhos foram mais vigorosos e significativos sob os governos do PT, ainda que limitados. Indicativos dessa limitação seriam a permanência da concentração de riqueza no setor financeiro e a lentidão na redução das desigualdades (Kerstenetzky, 2019Kerstenetzky, C.L. (2019). Redistribuição no Brasil no século XXI. In: M. Arretche, E. Marques, C. & A.P. Faria (orgs) As políticas da política: desigualdades e inclusão nos governos do PSDB e do PT. São Paulo: Editora Unesp, pp. 49-73.; Arretche et al., 2019Arretche, M., Marques, E. & Faria, C.A.P. de (2019) As políticas da política: desigualdades e inclusão nos governos PSDB e do PT. São Paulo: Editora Unesp.; Condé & Fonseca, 2015Condé, E.S. & Fonseca, F. (2015) A macrodinâmica social brasileira: mudanças, continuidades e desafios. Dados, 58(1), pp. 151-186. DOI
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; Costa; 2015Costa, L.M.B. (2015) Governo Lula: retorno ao desenvolvimentismo? Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.; Léda, 2017Léda, I.L. (2017) Governo Lula (2003-2010): elementos de continuidade e de ruptura com o neoliberalismo. Dissertação de Mestrado. Guarulhos: Universidade Federal de São Paulo.).

Afirma-se que o governo Lula preservou a estratégia da transferência monetária introduzida por FHC, apoiando-se em instituições e políticas já criadas para fazer modificações incrementais8 8 Predomina aqui a noção de incrementalismo de Baumgartner e Jones (Fenwick, 2017; Barbosa; 2013) e de layering de Mahoney e Thelen (Arretche et al., 2019). . Expandiu-se o número de beneficiários, aprimorou-se o desenho e ampliou-se o escopo dessa política, bem como se avançou em matéria de estruturação institucional, gestão e implementação (Arretche et al., 2019Arretche, M., Marques, E. & Faria, C.A.P. de (2019) As políticas da política: desigualdades e inclusão nos governos PSDB e do PT. São Paulo: Editora Unesp.; Fenwick, 2017Fenwick, T.B. (2017) Presidents and policy-making: has Brazil's CCT-led anti-poverty agenda gone far enough? Policy Studies, 38(3), pp. 216-230. DOI
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; Barbosa; 2013Barbosa, A.C. de M.A. (2013) O processo decisório da agenda social nos governos Cardoso e Lula: uma análise dos determinantes da política de transferência de renda. Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília.). Isso mostraria que a principal estratégia dos governos do PT consistiu “em emendamentos, revisões e adições a políticas já existentes, sob a forma de novas camadas de legislação e formatação de distintos arranjos institucionais” (Arretche et al., 2019Arretche, M., Marques, E. & Faria, C.A.P. de (2019) As políticas da política: desigualdades e inclusão nos governos PSDB e do PT. São Paulo: Editora Unesp., p. 465).

Também são exploradas mudanças em termos de enquadramento, mas que não sinalizam alterações na substância da política. Enquanto os Programas de Transferências Condicionadas (PTCs) de Cardoso promoviam sua agenda na educação e eram enquadrados como compensatórios, em Lula foram apresentados mais nitidamente com o objetivo de aliviar a pobreza. Investiu-se na retórica do Bolsa Família como um programa simples, fácil de usar, administrar e em constante melhoria, bem como no fortalecimento da imagem do governo federal (associado à figura do presidente) como principal provedor de políticas para os pobres (Fenwick, 2017Fenwick, T.B. (2017) Presidents and policy-making: has Brazil's CCT-led anti-poverty agenda gone far enough? Policy Studies, 38(3), pp. 216-230. DOI
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). A ideia de cidadania foi resgatada em slogans como o “Brasil para Todos”, em uma aproximação com a noção socialdemocrata de direitos sociais (Leubolt, 2014Leubolt, B. (2014) Social policies and redistribution in Brazil. Global Labour University. Working Paper, n. 26 [online] Geneva: International Labour Organization (ILO). Disponível em: <https://www.econstor.eu/bitstream/10419/110664/1/786304944.pdf>. Acesso em: 04 de abr. 2023.
https://www.econstor.eu/bitstream/10419/...
).

Uma parte considerável dessa literatura analisa a política de combate à pobreza na sua relação com a estratégia de desenvolvimento nos governos Lula (Diniz et al., 2012Diniz, E., Boschi, R. & Gaitán, F. (2012). Elites estratégicas y cambio institucional: la construcción del proyecto post-neoliberal en Argentina y Brasil. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, 6(2), pp. 14-53. DOI
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; Ricz, 2014Ricz, J. (2014) Developmental state in Brazil: past, present and future. Federalism.it, 20. pp. 1-20.; Condé & Fonseca, 2015Condé, E.S. & Fonseca, F. (2015) A macrodinâmica social brasileira: mudanças, continuidades e desafios. Dados, 58(1), pp. 151-186. DOI
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; Fagnani, 2011Fagnani, E. (2011) A política social do Governo Lula (2003-2010): perspectiva histórica. SER Social, 13(28), pp. 41-80. DOI
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; 2017; Feil, 2014Feil, F. de F. (2014) Comparação das políticas macroeconômicas e de transferências de renda e do papel do Estado dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.; Costa, 2015Costa, L.M.B. (2015) Governo Lula: retorno ao desenvolvimentismo? Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.; Boito Junior, 2012Boito Junior, A. (2012) As bases políticas do neodesenvolvimentismo. In: 9º Fórum Econômico da FGV. São Paulo. Disponível em: http://hdl.handle.net/10438/16866 Acesso em: 07 de abr. 2023.
http://hdl.handle.net/10438/16866...
; Léda, 2017Léda, I.L. (2017) Governo Lula (2003-2010): elementos de continuidade e de ruptura com o neoliberalismo. Dissertação de Mestrado. Guarulhos: Universidade Federal de São Paulo.; Leubolt, 2014Leubolt, B. (2014) Social policies and redistribution in Brazil. Global Labour University. Working Paper, n. 26 [online] Geneva: International Labour Organization (ILO). Disponível em: <https://www.econstor.eu/bitstream/10419/110664/1/786304944.pdf>. Acesso em: 04 de abr. 2023.
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). O consenso mantido acerca do controle da inflação e do endividamento público teria sustentado a manutenção do tripé macroeconômico ortodoxo de FHC: elevada taxa de juros, austeridade fiscal e câmbio flutuante (Diniz et al., 2012Diniz, E., Boschi, R. & Gaitán, F. (2012). Elites estratégicas y cambio institucional: la construcción del proyecto post-neoliberal en Argentina y Brasil. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, 6(2), pp. 14-53. DOI
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). A prioridade à obtenção de superávits primários para pagamento de juros e amortizações financeiras teriam continuado a restringir o gasto social (Fagnani, 2011Fagnani, E. (2011) A política social do Governo Lula (2003-2010): perspectiva histórica. SER Social, 13(28), pp. 41-80. DOI
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, Condé & Fonseca, 2015Condé, E.S. & Fonseca, F. (2015) A macrodinâmica social brasileira: mudanças, continuidades e desafios. Dados, 58(1), pp. 151-186. DOI
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). No ministério da Fazenda, defensores de ideias neoliberais (colaboradores de instituições internacionais e do governo anterior) primaram pela focalização do gasto, priorizando esse tipo de política, em oposição às universais (Fagnani, 2011Fagnani, E. (2011) A política social do Governo Lula (2003-2010): perspectiva histórica. SER Social, 13(28), pp. 41-80. DOI
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; 2017).

A distinção fundamental entre as administrações dos dois presidentes, mais evidente a partir da segunda gestão Lula, far-se-ia ver na melhor articulação entre os objetivos sociais e econômicos, combinando valorização da estabilidade monetária e disciplina fiscal com inclusão social. A política social se tornou prioritária, colocando-se no centro da estratégia de desenvolvimento, por meio da inclusão das massas ao consumo, com políticas focalizadas de redução da pobreza de caráter mais amplo que anteriormente. Além da consolidação e ampliação do PBF, teriam destaque a valorização real do salário mínimo e o fortalecimento do crédito, especialmente para a população marginalizada do sistema bancário. O vigor do mercado de trabalho, a democratização do crédito e o aumento da renda, seja pelo salário mínimo, seja pelas transferências diretas, teriam impulsionado o mercado interno, criando um círculo virtuoso (Diniz et al., 2012Diniz, E., Boschi, R. & Gaitán, F. (2012). Elites estratégicas y cambio institucional: la construcción del proyecto post-neoliberal en Argentina y Brasil. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, 6(2), pp. 14-53. DOI
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; Ricz, 2014Ricz, J. (2014) Developmental state in Brazil: past, present and future. Federalism.it, 20. pp. 1-20.; Condé & Fonseca, 2015Condé, E.S. & Fonseca, F. (2015) A macrodinâmica social brasileira: mudanças, continuidades e desafios. Dados, 58(1), pp. 151-186. DOI
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; Fagnani, 2011Fagnani, E. (2011) A política social do Governo Lula (2003-2010): perspectiva histórica. SER Social, 13(28), pp. 41-80. DOI
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, 2017; Feil, 2014Feil, F. de F. (2014) Comparação das políticas macroeconômicas e de transferências de renda e do papel do Estado dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.; Costa, 2015Costa, L.M.B. (2015) Governo Lula: retorno ao desenvolvimentismo? Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.; Boito Junior, 2012Boito Junior, A. (2012) As bases políticas do neodesenvolvimentismo. In: 9º Fórum Econômico da FGV. São Paulo. Disponível em: http://hdl.handle.net/10438/16866 Acesso em: 07 de abr. 2023.
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).

Diferente dos defensores críticos da continuidade, para a quase totalidade desses autores, a maior atenção de Lula aos problemas sociais afasta seu governo do neoliberalismo (ou do próprio “liberalismo inclusivo”), mas, sem romper com ele, aproxima-o de uma espécie renovada de desenvolvimentismo, em que o papel do Estado é reorientado à inclusão social. O diferencial estaria na direção da intervenção do governo que, voltada à redução do “déficit social”, teria ressignificado elementos das políticas anteriores, conseguindo produzir resultados diferentes sobre a pobreza (Condé & Fonseca, 2015Condé, E.S. & Fonseca, F. (2015) A macrodinâmica social brasileira: mudanças, continuidades e desafios. Dados, 58(1), pp. 151-186. DOI
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; Costa, 2015Costa, L.M.B. (2015) Governo Lula: retorno ao desenvolvimentismo? Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.; Feil, 2014Feil, F. de F. (2014) Comparação das políticas macroeconômicas e de transferências de renda e do papel do Estado dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.). Para Costa, o desenvolvimentismo de Lula foi recriado para “dar conta das promessas não cumpridas no século XX, […] e […] deixa inúmeras outras por cumprir” (2015, p. 5).

Quanto às “promessas não cumpridas”, é frequente o argumento de que as mudanças esbarraram em questões importantes não enfrentadas. Kerstenetzky (2019), por exemplo, concebe que o governo Lula mostrou alguma aproximação dos ideais constitucionais universalistas ao prezar pela valorização do salário mínimo e pela formalização do trabalho. Seriam políticas mais abrangentes e protegidas pela lógica de direitos, diferentemente da política de transferência de renda, focalizada e não garantida constitucionalmente. Ao mesmo tempo, o subfinanciamento na saúde e na educação mostraria “certa cegueira quanto ao potencial desenvolvimentista dos serviços” (Kerstenetzky, 2019Kerstenetzky, C.L. (2019). Redistribuição no Brasil no século XXI. In: M. Arretche, E. Marques, C. & A.P. Faria (orgs) As políticas da política: desigualdades e inclusão nos governos do PSDB e do PT. São Paulo: Editora Unesp, pp. 49-73., p. 64), frustrando a expectativa de um compromisso real com a socialdemocracia. Costa (2015)Costa, L.M.B. (2015) Governo Lula: retorno ao desenvolvimentismo? Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. aponta como limites a insuficiência e baixa qualidade desses serviços se comparados com a oferta de educação e saúde de outras economias em desenvolvimento.

Outro aspecto a atestar os limites das administrações do PT seria o não enfrentamento ao entrave constitucional da regressividade do sistema tributário (Kerstenetzky, 2019Kerstenetzky, C.L. (2019). Redistribuição no Brasil no século XXI. In: M. Arretche, E. Marques, C. & A.P. Faria (orgs) As políticas da política: desigualdades e inclusão nos governos do PSDB e do PT. São Paulo: Editora Unesp, pp. 49-73.; Arretche et al., 2019Arretche, M., Marques, E. & Faria, C.A.P. de (2019) As políticas da política: desigualdades e inclusão nos governos PSDB e do PT. São Paulo: Editora Unesp.; Condé & Fonseca, 2015Condé, E.S. & Fonseca, F. (2015) A macrodinâmica social brasileira: mudanças, continuidades e desafios. Dados, 58(1), pp. 151-186. DOI
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; Fagnani, 2011Fagnani, E. (2011) A política social do Governo Lula (2003-2010): perspectiva histórica. SER Social, 13(28), pp. 41-80. DOI
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; Costa, 2015Costa, L.M.B. (2015) Governo Lula: retorno ao desenvolvimentismo? Tese de Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.). O financiamento de uma estrutura universal de oportunidades (Kerstenetzky, 2019Kerstenetzky, C.L. (2019). Redistribuição no Brasil no século XXI. In: M. Arretche, E. Marques, C. & A.P. Faria (orgs) As políticas da política: desigualdades e inclusão nos governos do PSDB e do PT. São Paulo: Editora Unesp, pp. 49-73.) e a redução da desigualdade demandaria movimento na direção de uma arrecadação progressiva. Mas ao contrário, preservou-se o disposto na CF/88 e a legislação tributária aprovada no período FHC.

Algumas explicações para a ausência de modificações mais consistentes aparecem nesses trabalhos. Embora alguma inovação fosse esperada - dadas as diferenças programáticas entre PT e PSDB e os ataques do PT “da oposição” às políticas de Cardoso - o consenso em torno do modelo do Bolsa Escola teria gerado fortes incentivos políticos para que não se alterasse substancialmente a agenda nessa área (Barbosa, 2013Barbosa, A.C. de M.A. (2013) O processo decisório da agenda social nos governos Cardoso e Lula: uma análise dos determinantes da política de transferência de renda. Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília.). Por conseguinte, o governo teria aderido a uma estável “continuidade com mudança” (Fenwick, 2017Fenwick, T.B. (2017) Presidents and policy-making: has Brazil's CCT-led anti-poverty agenda gone far enough? Policy Studies, 38(3), pp. 216-230. DOI
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, p. 217, tradução nossa) (Arretche et al., 2019Arretche, M., Marques, E. & Faria, C.A.P. de (2019) As políticas da política: desigualdades e inclusão nos governos PSDB e do PT. São Paulo: Editora Unesp.; Fenwick, 2017Fenwick, T.B. (2017) Presidents and policy-making: has Brazil's CCT-led anti-poverty agenda gone far enough? Policy Studies, 38(3), pp. 216-230. DOI
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; Barbosa; 2013Barbosa, A.C. de M.A. (2013) O processo decisório da agenda social nos governos Cardoso e Lula: uma análise dos determinantes da política de transferência de renda. Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília.).

Já a continuidade da política econômica austera, que contrariou expectativas da tradicional base de apoio do PT, é consensualmente atribuída ao receio dos agentes econômicos frente à iminente ascensão de Lula em um contexto de crise externa e baixo crescimento. Se a necessidade de restabelecer a confiança dos mercados levou à Carta ao Povo Brasileiro (Silva, 2002) no ano eleitoral, no início do governo, teria condicionado a política econômica, com a preservação da ortodoxia (Condé & Fonseca, 2015Condé, E.S. & Fonseca, F. (2015) A macrodinâmica social brasileira: mudanças, continuidades e desafios. Dados, 58(1), pp. 151-186. DOI
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; Ricz, 2014Ricz, J. (2014) Developmental state in Brazil: past, present and future. Federalism.it, 20. pp. 1-20.; Fenwick, 2017Fenwick, T.B. (2017) Presidents and policy-making: has Brazil's CCT-led anti-poverty agenda gone far enough? Policy Studies, 38(3), pp. 216-230. DOI
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; Fagnani, 2011Fagnani, E. (2011) A política social do Governo Lula (2003-2010): perspectiva histórica. SER Social, 13(28), pp. 41-80. DOI
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; 2017). A estreita fiscalização das ações do presidente pela mídia e pela oposição seriam outras razões pelas quais ele não teria operado mudanças radicais (Fenwick, 2017Fenwick, T.B. (2017) Presidents and policy-making: has Brazil's CCT-led anti-poverty agenda gone far enough? Policy Studies, 38(3), pp. 216-230. DOI
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).

No segundo mandato, em um contexto econômico internacional favorável e diante dos efeitos positivos das políticas de seu primeiro governo, Lula estaria em uma posição mais confortável para se concentrar no desenvolvimento social. O abrandamento da hegemonia neoliberal após a crise financeira internacional de 2008 teria produzido um ambiente mais aberto à atuação estatal. A retomada do crescimento reaqueceu o mercado de trabalho, melhorado as contas públicas e a arrecadação, viabilizando a expansão do gasto (Fagnani, 2011Fagnani, E. (2011) A política social do Governo Lula (2003-2010): perspectiva histórica. SER Social, 13(28), pp. 41-80. DOI
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; Ricz, 2014Ricz, J. (2014) Developmental state in Brazil: past, present and future. Federalism.it, 20. pp. 1-20.)9 9 Fagnani (2011) argumenta que o crescimento médio do PIB entre 2006 e 2008 ficou em cerca de 5% ao ano, contra 2,5% do período 1990-2005 (ainda que, diante da crise global, tenha recuado para -0,2%, em 2009). E a dívida pública teria diminuído de 60% (2002) para 40% (2010). Tal desempenho teria viabilizado ampliar o gasto social. . Assim, mantendo as sólidas políticas macroeconômicas herdadas de Cardoso, o governo teria conseguido priorizar a redução da pobreza e a expansão do mercado interno.

Nesse período, “caminhou-se para a consolidação de uma estratégia social ancorada tanto na defesa e consolidação das políticas universais como no avanço das ações voltadas para o combate da pobreza extrema” (Fagnani, 2011Fagnani, E. (2011) A política social do Governo Lula (2003-2010): perspectiva histórica. SER Social, 13(28), pp. 41-80. DOI
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, p. 61). Reduzidas as tensões entre focalização e universalização, elas teriam passado a ser vistas como complementares, com o Bolsa Família e outras ações focalizadas caminhando junto com a consolidação dos universais SUAS e Sistema Único de Segurança Alimentar e Nutricional (SUSAN) (Fagnani, 2011Fagnani, E. (2011) A política social do Governo Lula (2003-2010): perspectiva histórica. SER Social, 13(28), pp. 41-80. DOI
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; 2017; Ricz, 2014Ricz, J. (2014) Developmental state in Brazil: past, present and future. Federalism.it, 20. pp. 1-20.; Leubolt, 2014Leubolt, B. (2014) Social policies and redistribution in Brazil. Global Labour University. Working Paper, n. 26 [online] Geneva: International Labour Organization (ILO). Disponível em: <https://www.econstor.eu/bitstream/10419/110664/1/786304944.pdf>. Acesso em: 04 de abr. 2023.
https://www.econstor.eu/bitstream/10419/...
).

Arretche et al. (2019) explicam que muito das expectativas frustradas pelos governos Lula decorrem do não entendimento de que transformações estruturais não dependem apenas de orientações programáticas, mas dos legados recebidos e da interação estratégica entre atores políticos. Além disso, os governos do PT teriam aceitado as regras do jogo e operado dentro delas, em vez de alterá-las. Lula não teria tentado, por exemplo, eliminar arenas de veto ou suprimir a voz da oposição. E no que tange ao PBF, os conflitos ficaram restritos ao âmbito intrapartidário e intergovernamental.

Distintamente dos dois primeiros grupos de posicionamentos, os trabalhos que defendem uma mudança limitada se situam no meio-termo entre continuidade e mudança. Valorizam os avanços, mas não os consideram rupturas paradigmáticas. Melhorias no desenho institucional e na gestão, a expansão da cobertura da agora unificada política de transferência de renda, a atenção às políticas salarial e creditícia e a melhor articulação entre objetivos sociais e econômicos corresponderiam a incrementos visíveis e importantes face ao que se tinha antes. Por outro lado, seriam mudanças pouco profundas, por não terem modificado o âmago da estratégia baseada na focalização, com o consumo como alvo. Este núcleo teria permanecido preservado, sobretudo pela negligência aos serviços sociais básicos e pela inalteração das fontes de financiamento da política social. Assim, modificações teriam existido, mas ficado “a meio do caminho”, não alcançando o ideal socialdemocrata constitucional.

O Quadro 5 resume as características dos três grandes grupos de posicionamentos.

Quadro 5
Resumo dos posicionamentos encontrados na literatura

V. Conclusão

Iniciamos este artigo sustentando que a interpretação do quão inovadora foi a política de combate à pobreza dos governos Lula poderia se beneficiar do conhecimento acumulado sobre a questão da continuidade/mudança entre o seu governo e o de FHC. A partir do método da revisão de escopo mapeamos essa literatura, o que permitiu compor um repositório exaustivo de estudos relevantes para a compreensão do tópico, bem como organizar as distintas famílias de argumentos.

A resposta à nossa pergunta é nuançada. Dependendo do foco de análise do pesquisador, do seu aparato teórico e conceitual e da avaliação subjetiva dos governos Cardoso e Lula, chegam-se a distintas compreensões do ocorrido. Apesar das controvérsias, essa literatura provê elementos que permitem compreender o fenômeno em sua multidimensionalidade.

Concluímos que ao tornar o Bolsa Família seu carro-chefe, o governo Lula não se opôs à lógica estabelecida por FHC, optando por dar continuidade a uma estratégia de enfrentamento à pobreza não incompatível com a lógica neoliberal: focalização do investimento social e incentivo ao desenvolvimento de capital humano. Além do legado institucional herdado, havia consideráveis incentivos políticos para a manutenção do modelo, como o amplo consenso nacional e internacional em torno da política, o escrutínio da mídia e da oposição e os compromissos fiscais assumidos com os agentes econômicos.

Apesar da aceitação de um instrumento que fora nacionalizado no bojo das políticas de ajuste implementadas por Cardoso, durante o governo Lula, o Estado assumiu mais enfaticamente a responsabilidade pelo problema, o que se refletiu em reformulações importantes na institucionalidade do PTC. Expandiram-se a cobertura e o escopo da proteção, o que trouxe resultados não desprezíveis sobre a pobreza e a desigualdade e veio ao encontro das expectativas depositadas nas urnas. Mesmo ajudando a consolidar o modelo então vigente, essa escolha ocorreu sob a batuta do Estado, diferentemente do período anterior em que a política social reservava protagonismo à sociedade civil e as transferências de renda alcançavam uma porção reduzida da população pobre, comparativamente ao Bolsa Família. Ao mesmo tempo em que esse aspecto desencoraja qualificar o governo Lula como alguma variante de neoliberalismo, o fato de o combate à pobreza ter sido trazido para o centro da agenda governamental, combinando as transferências monetárias com as demais políticas de estímulo ao mercado interno, enseja atribuir a ele uma característica desenvolvimentista, qualquer que seja a terminologia preferida.

Os ganhos no poder de consumo dos cidadãos, proporcionados pelo incremento das rendas individuais, entretanto, não andaram pari passu com a priorização de investimentos em serviços desmercantilizados de acesso universal, padrão socialdemocrata de proteção social, que inspirou a CF/88. Apesar da retórica do acesso a direitos e da articulação da transferência de renda com as políticas de saúde, educação e assistência social, a oferta permaneceu quantitativa e qualitativamente aquém do necessário à cidadania social. Considerando-se as justificativas arroladas, uma parte da explicação estaria na questão tributária não enfrentada. Outra, na simples negligência àquela opção, já que o governo Lula, sobretudo a partir do seu segundo mandato, não teria experimentado limitações que inibissem a expansão do gasto.

Embora se esbocem explicações, fica em aberto o quanto esse governo poderia ter ousado mais para transformar o padrão instituído, não o fazendo por constrangimentos externos alheios às suas ambições programáticas e o quanto teria apenas considerado o modelo pré-existente “bom o suficiente”, nos termos de Fenwick (2017). Teria o governo Lula almejado mais e esbarrado no limite do possível ou teria sido viável ir além, rompendo com padrões distributivos pré-estabelecidos mediante perdas razoáveis de apoio político? Essa questão aponta para novos desdobramentos de pesquisa.

Outra derivação se refere às teorias da policy change, que de modo abrangente carecem de formas apuradas ou mesmo viáveis de se detectar a medida da mudança. Como determinar se ela foi substantiva ou superficial, grande ou pequena? O arbítrio deste juízo fica, em grande medida, para a régua do próprio analista. E mesmo quando a literatura tem parâmetros de diferenciação, poucos pesquisadores mobilizam critérios objetivos em suas análises.

Distintamente das revisões sistemáticas, não submetemos os estudos analisados a uma avaliação formal de qualidade, que excluísse aqueles baseados em argumentos mais fragilmente ancorados em evidências. O debate apresentado é bastante baseado nas narrativas dos estudos que, com exceções, não escondem certo grau de ativismo em favor de um ou outro governo, levantando reflexões importantes sobre a acurácia da produção do conhecimento em ciências sociais e sociais aplicadas. A despeito do presente mapeamento, a compreensão desse tópico ainda carece de refinamento, podendo ser seguida de uma revisão sistemática, com exigências adicionais quanto à qualidade dos estudos.

O atual contexto revela o aumento recente de pobres no país. Hoje são mais de 30 milhões de pessoas na pobreza (Rede PENSSAN, 2022Rede PENSSAN (2022) II Inquérito nacional sobre insegurança alimentar no contexto da pandemia da COVID-19 no Brasil. São Paulo: Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar. Disponível em: <https://olheparaafome.com.br>. Acesso em: 8 de abr. 2023.
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), o que enseja a relevância das políticas estudadas aqui. A análise cuidadosa desse passado recente, com seus avanços e limites, demonstra a necessidade de prospectar alternativas mais generosas de proteção social. É preciso robustecer a estrutura institucional e a racionalização da gestão, incrementar os recursos orçamentários, ampliar a cobertura do público-alvo, aprimorar as regras de operação e a articulação com as políticas de assistência social, saúde e educação.

  • 1
    Agradecemos aos comentários e sugestões dos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política.
  • 2
    Na biblioteconomia, a literatura “branca” se refere a publicações convencionais amplamente difundidas, como livros, enciclopédias e periódicos científicos. A literatura "cinza" inclui publicações de difusão limitada, como teses, dissertações e relatórios (Botelho & Oliveira, 2017Botelho, R.G. & de Oliveira, C. da C. (2017) Literaturas branca e cinzenta: uma revisão conceitual, Ciência da Informação, 44(3), p. 501-513. DOI
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    ).
  • 3
    As strings foram procuradas nos campos de busca denominadas “tópico”, referindo-se a títulos, resumos e palavras-chave. Na impossibilidade dessa opção, foi buscado no texto integral.
  • 4
    Para o registro detalhado de buscas para todas as bases bibliográficas, acesse o formulário: <https://drive.google.com/file/d/1jTUXJENHys_4LXcLgH7up2nDsWHPOw_j/view?usp=sharing>.
  • 5
    Em algumas bases foi possível obter os metadados no formato importável pelo Rayyan. Em outras, antes de exportá-los, recorremos à inserção manual no software de gerenciamento de referências Zotero.
  • 6
    A amostra abrangeu 10% do total de registros.
  • 7
    Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004.
  • 8
    Predomina aqui a noção de incrementalismo de Baumgartner e Jones (Fenwick, 2017; Barbosa; 2013Barbosa, A.C. de M.A. (2013) O processo decisório da agenda social nos governos Cardoso e Lula: uma análise dos determinantes da política de transferência de renda. Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília.) e de layering de Mahoney e Thelen (Arretche et al., 2019Arretche, M., Marques, E. & Faria, C.A.P. de (2019) As políticas da política: desigualdades e inclusão nos governos PSDB e do PT. São Paulo: Editora Unesp.).
  • 9
    Fagnani (2011)Fagnani, E. (2011) A política social do Governo Lula (2003-2010): perspectiva histórica. SER Social, 13(28), pp. 41-80. DOI
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    argumenta que o crescimento médio do PIB entre 2006 e 2008 ficou em cerca de 5% ao ano, contra 2,5% do período 1990-2005 (ainda que, diante da crise global, tenha recuado para -0,2%, em 2009). E a dívida pública teria diminuído de 60% (2002) para 40% (2010). Tal desempenho teria viabilizado ampliar o gasto social.

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Jornais e Notícias

Outras fontes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2022
  • Revisado
    06 Out 2022
  • Aceito
    27 Jan 2023
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