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Profissionalização política: testando um índice multidimensional para o caso dos deputados federais brasileiros

Measuring political professionalization: testing a multidimensional index for Brazilian parliamentarians

RESUMO

Introdução:

Na literatura de Ciência Política não há um critério bem estabelecido para se medir o grau de profissionalização dos políticos. Este artigo revisa um índice proposto para avaliar a profissionalização dos membros do Parlamento do Reino Unido adaptando-o ao caso dos deputados federais brasileiros eleitos em 2014.

Materiais e métodos:

O índice original de profissionalização é composto por quatro dimensões: 1) grau de comprometimento com a carreira; 2) tipo de background profissional antes de ingressar na atividade parlamentar; 3) idade de entrada no Legislativo (uma proxy para experiência de vida); e 4) ambição política. Após a aplicação do índice aos parlamentares brasileiros que serviram na 55ª legislatura, foram feitos testes de comparação de médias para verificar se os legisladores com status político alto possuíam um grau de profissionalização maior do que os demais. Foi utilizado para separar o grupo de status alto a classificação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) que anualmente publica a lista dos 100 Cabeças do Congresso Nacional.

Resultados:

Há uma diferença estatisticamente significativa a favor dos deputados de maior destaque. Os parlamentares premiados pelo DIAP são mais profissionais do que os não premiados em três das quatro dimensões analisadas (comprometimento com a carreira, experiência de vida e ambição política).

Discussão:

Com as devidas adaptações, o índice de profissionalização mostrou-se consistente e capaz de capturar a distância entre os parlamentares premiados e não premiados pelo DIAP. O uso de um modelo multidimensional é fundamental, pois, mais do que definir quem é ou não político profissional, ele permite medir o quão profissional um determinado político é.

Palavras-chave
carreira política; profissionalização política; deputados federais; DIAP; estatística descritiva

ABSTRACT

Introduction:

The Political Science literature lacks a universally accepted criterion for evaluating the degree of professionalization among politicians. This article builds upon an index originally designed to assess the level of professionalization within the United Kingdom Parliament and subsequently refines and customizes it to suit the context of Brazilian federal deputies elected in the year 2014.

Materials and methods:

The original professionalization index consists of four key dimensions: 1) level of commitment to a political career; 2) type of professional background prior to a parliamentary career; 3) age at which individuals entered Parliament (a proxy for life experience); and 4) political ambition. After applying this index to Brazilian parliamentarians who served in the 55th legislature, we conducted comparative tests to ascertain whether parliamentarians with higher political status exhibited a higher level of political professionalization when contrasted with their peers. To identify the high-status group, we relied on the classification by the Inter-Union Department of Parliamentary Assistance (DIAP), an organization that publishes an annual list of the top 100 Heads of the National Congress.

Findings:

Our study revealed statistically significant differences in favor of the most eminent parliamentarians. DIAP-awarded parliamentarians exhibited higher levels of professionalization than their counterparts in three out of the four dimensions analyzed (commitment to a political career, life experience, and political ambition).

Discussion:

With some necessary refinements, the professionalization index has proven to be consistent and effective in gauging the disparities between DIAP-awarded parliamentarians and their counterparts. The utilization of a multidimensional model is essential insofar as it not only enables us to define who qualifies as a professional politician, but also measure the extent of professionalization of a given politician.

Keywords
political career; political professionalization; federal deputies; DIAP; descriptive statistics

I. Introdução1 1 Agradeço ao financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), através de bolsa de doutorado, aos editores da Revista de Sociologia e Política e às contribuições dos pareceristas anônimos para o aprimoramento desta pesquisa.

No século XX, a atividade política passou por várias mudanças, com destaque para a exigência de dedicação total à vida política. Isso fez com que a elite política se tornasse mais seleta, pois os parlamentares, uma vez recrutados, tendem a se profissionalizar e permanecer no poder (Alcántara, 2012Alcántara, M. (2012) El oficio de político. Tradução: Renata Oliveira Rufino. Madrid: Editorial Tecnos.; Cotta & Best, 2000Best, H. & Cotta, M. (2000) Parliamentary representatives in Europe 1848-2000. Legislative recruitment and careers in eleven European countries. Oxford: Oxford University Press.).

Apesar do desenvolvimento de pesquisas relacionadas a temas como profissionalização, carreiras e elites políticas nos últimos 50 anos ter sido muito importante, ainda não há consenso entre os autores sobre suas definições e aplicações. Ora a literatura registra esses termos como sinônimos, ora não (Weber, 1946Weber, M. (1946) [1919] Politics as a vocation. In: H. Garth & C. Mills (eds) Essays in Sociology. New York: Macmillan, pp. 26-45.; Eliassen & Pedersen, 1978Eliassen, K.A. & Pedersen, M.N. (1978) Professionalization of legislatures: long-term change in political recruitment in Denmark and Norway. Comparative Studies in Society and History, 20(2), pp. 286-318. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/178050>. Acesso em: 31 de mai. 2022.
http://www.jstor.org/stable/178050...
; Best & Cotta, 2000Best, H. & Cotta, M. (2000) Parliamentary representatives in Europe 1848-2000. Legislative recruitment and careers in eleven European countries. Oxford: Oxford University Press.; Borchert, 2003Borchert, J. (2003) Professional politicians: towards a comparative perspective. In: J. Borchert & J. Zeiss (orgs) The political class in advanced democracies: a comparative perspective. Oxford: Oxford University Press, pp. 1-25.; Allen et al., 2020Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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; King, 1981King, A. (1981) The rise of the career politician in Britain - and its consequences. British Journal of Political Science, 11(3), pp. 249-285.; Allen & Cairney, 2015Allen, P. & Cairney, P. (2015) What do we mean when we talk about the ‘Political Class'? Political Studies Review, 15(1), pp. 18-27. DOI
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).

O enfoque utilizado na presente pesquisa está voltado para a profissionalização do indivíduo como político. Embora alguns autores considerem suficiente a aplicação de abordagens unidimensionais para conceituar ou mensurar profissionalização política, utilizamos uma perspectiva multidimensional por considerar que o uso de uma única dimensão captura apenas um subtipo de político profissional (King, 1981King, A. (1981) The rise of the career politician in Britain - and its consequences. British Journal of Political Science, 11(3), pp. 249-285.; Squire, 1992Squire, P. (1992) Legislative professionalization and membership diversity in state legislatures. Legislative Studies Quarterly, 17(1), pp. 69-79. DOI
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; Perissinotto & Bolognesi, 2010Perissinotto, R. & Bolognesi, B. (2010) Electoral success and political institutionalization in the Federal Deputy Elections in Brazil (1998, 2022, and 2006). Brazilian Political Science Review, 4(1), pp. 10-32.; Allen et al., 2020Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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).

Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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, por exemplo, elaboraram um índice com o intuito de mensurar o carreirismo de parlamentares britânicos a partir de quatro dimensões: 1) o comprometimento com a política, 2) o background profissional, 3) a experiência de vida e 4) a ambição política dos agentes. Eles argumentam que existem subtipos e níveis diferentes de políticos de carreira, pois ainda que um parlamentar não possua indicadores fortes em alguma das dimensões, essa ausência pode ser suprida pela presença de indicadores em outras. A fim de testar a validade de seu índice, eles compararam o grau de carreirismo de dois grupos de parlamentares, ministers e backbenchers2 2 Para Allen et al. (2020, p. 14), ministers são aqueles “que ocuparam cargos ministeriais, incluindo ministros juniores que tinham pouca perspectiva de avanço e políticos de carreira indiferentes que atuaram em governos anteriores a 1970”, enquanto os backbenchers eram os demais membros do parlamento, que possuíam menor status na House of Commons. , e confirmaram que aqueles que ocupam cargos mais relevantes no parlamento do Reino Unido são mais profissionais quando comparados àqueles que ocupam o extremo oposto na hierarquia de cargos.

Neste trabalho, o termo "político de carreira" usado por Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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é substituído por "político profissional". A aplicação do modelo de profissionalização política aos deputados federais brasileiros gera dois problemas - um metodológico e outro empírico - ambos passíveis da aplicação do índice.

O problema de se assumir modelos de análise política pensados para e aplicados em outros países no contexto da América Latina esbarra em alguns impedimentos conhecidos: o sistema de incentivos aos legisladores, o tipo de circulação parlamentar na Câmara dos Deputados brasileira etc. (Di Martino, 2010Di Martino, M. (2010) A profissionalização do Legislativo: um modelo de análise comparada para o caso brasileiro. Tuiuti: Ciência e Cultura, 4(44), pp. 11-30.). Portanto, pela impossibilidade de usar exatamente as mesmas métricas nos dois contextos, foram mantidas as dimensões do índice original e foram feitas algumas alterações em alguns dos indicadores mensurados. Essas especificidades serão mais bem discutidas na seção “Materiais e métodos” do paper.

Empiricamente, esta pesquisa analisa 170 deputados federais brasileiros eleitos em 2014 e que foram divididos, para fins analíticos, em dois grupos (1 e 2). O primeiro é composto por 86 parlamentares reconhecidos pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar3 3 O DIAP premia anualmente os deputados federais e senadores que consideram mais influentes no Congresso Nacional, a partir de critérios decisionais (Dahl, 1961), posicionais (Mills, 1956) e reputacionais (Hunter, 1953). (DIAP) como os “Cabeças” do Congresso Nacional entre os anos 2015 e 2018. Já o segundo grupo é composto por uma amostra aleatória de 84 deputados não premiados pelo DIAP no mesmo período, estratificada por região, gênero e ideologia a fim de manter uma paridade com o grupo 1.

Dito isso, a questão fundamental aqui é: “em que medida uma possível distinção política entre os parlamentares federais brasileiros está relacionada aos seus graus e tipos de profissionalização política?”. Distinção política é um indicador de status dentro da Câmara dos Deputados indicada pelo recebimento ou não do prêmio dos “Cabeças” do Congresso do DIAP. A hipótese de trabalho é a de que os “Cabeças” do Congresso (grupo 1) são mais profissionais do que os não “Cabeças” (grupo 2). O objetivo geral da pesquisa é testar a validade do índice de Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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para profissionalização política no Brasil e compreender as semelhanças e diferenças na profissionalização dos dois grupos de parlamentares estudados.

Na seção 2, apresentamos o estado da arte da discussão sobre profissionalização dos políticos e as formas disponíveis para mensurá-la. Na seção 3 são apresentados os indicadores selecionados para a reprodução do índice original, as adaptações que foram necessárias para conseguir aplicá-lo aos políticos do Brasil, as etapas que compõem a operacionalização desse índice e os testes estatísticos utilizados para validá-lo. Na seção 4, mostra-se que há uma diferença estatisticamente significativa a favor dos “Cabeças” do Congresso Nacional. Os parlamentares premiados pelo DIAP são mais profissionais do que os não premiados em três das quatro dimensões analisadas (comprometimento com a carreira, experiência de vida e ambição política). Na seção 5 são discutidos os resultados encontrados. Nas conclusões é feito um balanço desse exercício analítico e, dadas as devidas adaptações, depreende-se que esse índice é uma boa medida para mensurar a profissionalização política no Brasil, ainda que requeira alguns aprimoramentos.

II. O estado da arte sobre a discussão da profissionalização do político

A profissionalização do político considera as trajetórias pessoais desses indivíduos como uma característica relevante de análise. Houve um tempo em que os legisladores eram recrutados pelo reconhecimento de suas atividades externas à política, por seus títulos honoríficos. Desde então, diversas mudanças ocorreram e marcaram um processo de especialização do político, com uma atuação orientada ao serviço parlamentar e com dedicação em tempo integral às suas atividades (Eliassen & Pedersen, 1978Eliassen, K.A. & Pedersen, M.N. (1978) Professionalization of legislatures: long-term change in political recruitment in Denmark and Norway. Comparative Studies in Society and History, 20(2), pp. 286-318. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/178050>. Acesso em: 31 de mai. 2022.
http://www.jstor.org/stable/178050...
; Searing, 1987Searing, D. (1987) New roles for postwar British politics: ideologues, generalists, specialists, and the progress of professionalization in parliament. Comparative Politics, 19(4), pp. 431-452. DOI
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).

A literatura recorre a habilidades individuais, padrões de carreira, ambição do político etc. para definir a profissionalização parlamentar. Ao investigar o Parlamento britânico, King (1981) analisa pessoas que fazem da política um estilo de vida. O político de carreira, segundo ele, é um indivíduo profundamente comprometido com a política. Portanto, uma das formas de identificá-lo é através da intensidade de trabalho dedicada à atividade de representação.

O background ocupacional é outro aspecto que é analisado para se compreender a profissionalização dos parlamentares. A profissão de quem busca um cargo eletivo é um fator relevante para o recrutamento político. Cairney (2007)Cairney, P. (2007) The professionalisation of MPs: refining the “politics facilitating” explanation. Parliamentary Affairs, 60(2), pp. 212-233. DOI
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argumenta que existem “profissões que facilitam o acesso à política”, mas que elas podem variar de acordo com o país, o partido político e o nível das assembleias legislativas. Tendo por base os parlamentares britânicos, ele distingue essas profissões entre aquelas que são propícias à atividade política (brokerage occupations), como professores, advogados etc.; e aquelas que são diretamente ligadas à política e que podem servir como trampolim para a ocupação de cargos na política institucional (instrumental occupations), como jornalismo político, relações públicas etc.

Ao olhar para o recrutamento partidário a partir do background profissional no contexto britânico, Cairney (2007)Cairney, P. (2007) The professionalisation of MPs: refining the “politics facilitating” explanation. Parliamentary Affairs, 60(2), pp. 212-233. DOI
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identifica diferentes padrões no partido Conservador e no partido Trabalhista. O mesmo pode ser observado no Brasil. Buscando compreender esse recrutamento, Perissinotto & Bolognesi (2010) comparam os candidatos eleitos e não eleitos para a Câmara dos Deputados e seus resultados coincidem com os demonstrados por Cairney (2007)Cairney, P. (2007) The professionalisation of MPs: refining the “politics facilitating” explanation. Parliamentary Affairs, 60(2), pp. 212-233. DOI
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, mostrando que as profissões que podem aumentar as chances de sucesso eleitoral para candidatos de direita (empresários e profissionais da indústria), não são as mesmas daqueles que se candidatam por partidos de esquerda (metalúrgicos e bancários).

Analisando o percurso dos parlamentares britânicos após serem eleitos, Allen (2013)Allen, P. (2013) Linking pre-parliamentary political experience and the career trajectories of the 1997 General Election cohort. Parliamentary Affairs, 66(4), pp. 685-707. DOI
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os classificou entre aqueles que possuem uma trajetória tradicional - que iniciam uma carreira nas câmaras municipais até se lançarem na política nacional - e os que possuem uma trajetória não tradicional - os que já trabalhavam com profissões ligadas à política nacional antes de se tornarem um membro do parlamento (MP).

Políticos que traçam uma rota tradicional até a entrada no Parlamento costumam ocupar posições menos importantes na hierarquia de cargos do Reino Unido (Mellors, 1978Mellors, C. (1978) The British MP: a socio-economic study of the House of Commons. Dartmouth: Dartmouth Publishing Co.; Allen, 2013Allen, P. (2013) Linking pre-parliamentary political experience and the career trajectories of the 1997 General Election cohort. Parliamentary Affairs, 66(4), pp. 685-707. DOI
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). Aqueles que alcançam as posições mais importantes, de modo geral, não possuem experiência prévia em governos locais. A pesquisa revelou também que os parlamentares com uma trajetória não tradicional têm mais possibilidades de se eleger ainda jovens (Allen, 2013Allen, P. (2013) Linking pre-parliamentary political experience and the career trajectories of the 1997 General Election cohort. Parliamentary Affairs, 66(4), pp. 685-707. DOI
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).

Apesar disso, o perfil dos parlamentares não é homogêneo nem imutável. O'Grady (2018)O'Grady, T. (2018) Careerists versus coalminers: welfare reforms and the substantive representation of social groups in the British Labour Party. Comparative Political Studies, 52(4), pp. 1-35. DOI
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identifica que os parlamentares do Partido Trabalhista Britânico se dividem entre aqueles que vêm da classe trabalhadora e os carreiristas. Carreiristas vêm da classe média e de profissões políticas ou relacionadas à política. Eles estão focados em desenvolver a sua própria trajetória política.

Agentes políticos não buscam apenas entrar em algum cargo eletivo. Uma vez eleitos, eles desejam se manter no poder e progredir na carreira. No Brasil, uma das formas de driblar os riscos impostos pelo jogo político e sobreviver politicamente é através da possibilidade de se candidatar para diferentes níveis de governo tanto ao fim quanto em meio de mandato (Schlesinger, 1966Schlesinger, J.A. (1966) Ambition and politics: political careers in the United States. Chicago: Rand McNally.; Borchert, 2011Borchert, J. (2011) Individual ambition and institutional opportunity: a conceptual approach to political careers in multi-level systems. Regional & Federal Studies, 21(2), pp. 117-140. DOI
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; Santos & Pegurier, 2011Santos, F. & Pegurier, F. (2011) Political careers in Brazil: long-term trends and cross-sectional variation. Regional and Federal Studies, 21(2), pp. 165-183. DOI
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).

Ao analisar carreiras políticas no Brasil, Santos & Pegurier (2011) apontaram para a importância do cargo de deputado federal na estrutura de oportunidades da política nacional. Apesar de não ser uma tarefa fácil construir uma longa carreira na Câmara dos Deputados, ao investigar os seus membros é possível chegar a algumas conclusões. Eles identificaram que os deputados federais estreantes que já possuíam experiência no legislativo estadual são maioria entre os que assumiam um papel de liderança na Câmara. Ainda, os que alcançaram esses papeis de destaque possuíam mais chances de alcançar sucesso eleitoral em um movimento de ambição progressiva.

Quando se fala das chances de sucesso eleitoral dos candidatos brasileiros ao cargo de deputado federal, Perissinotto & Bolognesi (2010) identificam que ser um político profissional é a variável mais determinante para aumentar as chances de sucesso nas três legislaturas analisadas (1998, 2002 e 2006). Os autores manusearam variáveis demográficas (gênero, educação e idade), societais (background ocupação) e políticas (ser ou não profissional, onde ser um político profissional significa já ter tido alguma experiência política anterior).

Riddell (1966) considera que os políticos britânicos são pessoas obsessivas com a política. O resultado disto é que, uma vez que eles perdem suas cadeiras no Parlamento, sua taxa de retorno ao Congresso é alta. Ao olhar para a experiência de vida desses parlamentares, Riddell identificou que suas vicências prévias eram limitadas a atividades que pudessem impulsioná-los a alcançar um cargo na Câmara dos Comuns.

Possuir pouca experiência de vida além daquela tida na atividade política indica, em geral, que os parlamentares não tiveram tempo suficiente para investir em outras ocupações e de alcançar reconhecimento profissional em outras áreas. Portanto, é através da política que eles terão a possibilidade de se destacar, se estabelecer financeiramente e alcançar bom status social. Isso faz com que eles atribuam importância ao ofício, os levando a priorizar a carreira política e a profissionalização (O'Grady, 2018O'Grady, T. (2018) Careerists versus coalminers: welfare reforms and the substantive representation of social groups in the British Labour Party. Comparative Political Studies, 52(4), pp. 1-35. DOI
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; Jun, 2003Jun, U. (2003) Great Britain: from the prevalence of the amateur to the professional politician. In: J. Borchert & J. Zeiss (orgs) The political class in advanced democracies. Oxford: Oxford University Press, pp. 164-186.).

Considerando que a profissionalização é um conceito teórica e empiricamente heterogêneo, em que a agregação de variáveis a uma única dimensão seria bastante limitante e incapaz de capturar apenas um subtipo possível do político profissional, há quem discorde de estratégias que envolvem a abordagem baseadas em índices ou análises unidimensionais (Bowen & Greene, 2014Bowen, D. & Greene, Z. (2014) Should we measure professionalism with an index? A Note on theory and practice in State Legislative professionalism research. State Politics & Policy Quarterly, 14(3), pp. 277-296. DOI
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; Allen et al., 2020Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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).

Embora o objetivo não tenha sido conceituar ou mensurar políticos em si, Henn (2017)Henn, S.J. (2017) The further rise of the career politician. British Politics, 13(4), pp. 524-553. DOI
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utilizou três dimensões (o comprometimento com a política, as ocupações pré-parlamentares e integrar ou não gabinetes ministeriais) para compreender o crescimento de políticos de carreira na Grã-Bretanha. Seus resultados mostram que houve um aumento no número de profissões relacionadas à política entre eles e a maior parte desse crescimento se deu entre os próprios membros dos gabinetes (Henn, 2017Henn, S.J. (2017) The further rise of the career politician. British Politics, 13(4), pp. 524-553. DOI
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).

Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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extraíram da literatura dimensões que ora foram aplicadas isoladamente, ora combinadas, mas que consideram fundamentais para identificar um político de carreira. Através do uso de variáveis que representam o comprometimento com a atividade política, o background profissional, a experiência de vida e a ambição política, os autores elaboraram um índice que classifica o grau de profissionalização dos parlamentares britânicos. Eles defendem que a melhor maneira de compreender um político de carreira é através de um modelo multidimensional, de modo que “a ausência de algumas características pode ser compensada pela presença de outras” (Allen et al., 2020Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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, p. 199). Eles mostraram, através da aplicação desse índice, que os membros do parlamento britânico conhecidos como backbenchers possuem, em média, níveis de carreirismo mais baixos do que os ministers.

Dadas as diversas possibilidades de se analisar a profissionalização política, a opção aqui foi utilizar o índice multidimensional de Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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, mas com as adaptações descritas na seção 3.

III. Materiais e métodos

O universo analisado é composto por 170 deputados federais brasileiros eleitos em 2014. Parte deles (n=86) são os parlamentares classificados pelo DIAP como “Cabeças” do Congresso entre os anos de 2015 e 2018. Os demais (n=84) foram selecionados através de uma amostra aleatória, estratificada por região, gênero e ideologia dos deputados federais que não foram premiados pelo DIAP no mesmo período.

Inicialmente, o índice de profissionalização política elaborado por Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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foi aplicado individualmente a todos os parlamentares do universo. A fim de validar o índice conforme os autores o fizeram ao dividir o objeto de sua pesquisa em dois grupos - ministers e backbenchers -, comparamos o nível de profissionalização dos políticos pertencentes aos dois grupos, os premiados e os não premiados pelo DIAP. O primeiro deles (grupo de tratamento) é composto pelos parlamentares que receberam de 1 a 4 prêmios entre 2015 e 2018. O segundo grupo (controle) representa o grupo de não premiados no mesmo período.

Diferente da pesquisa de Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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, os recursos disponíveis para este trabalho não incluem o acesso direto aos deputados federais brasileiros. Portanto, alguns indicadores precisaram ser adequados.

O Quadro 1 apresenta a adaptação do modelo, os indicadores utilizados, a maneira pela qual os indicadores foram mensurados e a direção esperada para que a variável indique um político cada vez mais profissional.

Quadro 1
Modelo para mensurar o grau de profissionalismo político adaptado de Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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III.1 Comprometimento político com a carreira

Na dimensão responsável por mensurar o comprometimento, o indicador referente ao número de anos foi calculado considerando o número de mandatos eletivos em que foram eleitos para a Câmara dos Deputados, multiplicado por quatro (que é o tempo de um mandato em anos). Não foram excluídos da análise os períodos em que os parlamentares se ausentaram do mandato por quaisquer motivos (licenças, nomeações ministeriais etc.). No caso dos suplentes os consideramos a partir do ano em que assumiram o mandato.

Para identificar quão intensa é a rotina de trabalho, foram consideradas apenas as atividades internas ao Legislativo. Foi atribuído mais intensidade àqueles que compõem a Mesa Diretora4 4 A Mesa Diretora é composta pelos cargos de presidente, 1° e 2° vice-presidentes; 1°, 2°, 3° e 4° secretários. No entanto, foi atribuído critério de importância ou distinção entre eles. e que ocupam a presidência e relatoria de Comissões (Permanente, Especial, Parlamentar de Inquérito e Externa). Foi atribuído um critério de importância a fim de transformar a variável em escalar. Os que assumiram ou não algum desses cargos ao longo de sua trajetória política receberam a pontuação apresentada na Tabela 1 e multiplicada pelo número de vezes em que assumiu determinado cargo.

Tabela 1
Pontuação da intensidade de trabalho

III.2 Background profissional

A dimensão que mensura o background profissional apresentou os seguintes indicadores: a) ocupação prévia ao ingresso em cargos eletivos, que substituiu “carreira pré-parlamentar” presente no modelo original; e b) número de anos que cada um deles passou fora da vida política5 5 Entende-se por vida política a presença em cargos eletivos municipais, estaduais ou federais. desde os seus 18 anos de idade6 6 Foi considerada a idade de 18 anos por se tratar da idade mínima necessária para ingressar em cargos políticos eletivos, como é o caso do cargo de vereador. , ao invés de considerar os anos na carreira pré-parlamentar.

No que tange à ocupação prévia desses indivíduos, suas profissões foram agrupadas e classificadas conforme o modelo de Codato, Costa & Massimo (2014). Em seguida, atribuímos valores a essas categorias, que variam entre 0,33 e 1 para a realização da análise. Portanto, tais ocupações podem possuir disposição política alta (1), média (0,66) ou baixa (0,33). Vale ressaltar que as ocupações prévias foram coletadas diretamente do portal da Câmara dos Deputados e, em muitos casos, os parlamentares possuíam mais de uma profissão declarada.

Quanto ao segundo indicador da dimensão, “anos fora da política”, identificamos a idade de entrada em seu primeiro cargo eletivo e subtraímos 18 anos. Dessa forma, pode-se identificar quantos anos cada um dos deputados passou fora da política desde o momento em que poderia, formalmente, assumir o cargo eletivo até a sua primeira eleição. No entanto, consideramos que passar muitos anos fora de cargos políticos eletivos tanto pode ser positivo quanto negativo para a profissionalização dos parlamentares. A depender da profissão pré-parlamentar ocupada, apesar de entrar tarde na política, o parlamentar pode adquirir, ao longo da vida, habilidades importantes à atividade legislativa. Portanto, apenas as profissões categorizadas como de “alta predisposição” para a política tiveram suas pontuações (ou número de anos fora do parlamento) contabilizadas. As demais foram zeradas.

III.3 Experiência de vida

A experiência de vida de cada um deles, mensurada pela idade de entrada na Câmara dos Deputados, foi mantida conforme o modelo original. Quanto mais jovem foi eleito para o cargo deputado federal, mais profissional.

III.4 Ambição política

A última dimensão é a da ambição política. Diferentemente da técnica de entrevistas utilizada por Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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, nesta pesquisa foram avaliadas as escolhas de carreira e o sucesso eleitoral de cada parlamentar. Portanto, os indicadores são: a) escolhas de carreira, ou seja, a presença ou ausência de tentativas de assumir novos cargos políticos eletivos durante o mandato; e b) sucesso eleitoral (eleito ou não eleito para o cargo pretendido).

De acordo com Borchert (2009)Borchert, J. (2009) Ambition and opportunity in federal systems: the political sociology of political career patterns in Brazil, Germany, and the United States. In: APSA 2009 Toronto Meeting Paper. Toronto. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1450640>. Acesso em: 23 de fev. 2023.
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
, o sistema político brasileiro possui um padrão integrado de carreira. Na prática, significa não haver uma hierarquia bem definida de postos políticos eletivos ou uma única direção para seguir para ascender na carreira política. Nesta análise, organizamos os cargos eletivos existentes em ordem crescente de importância, poder e recursos. São eles, do menor para o maior: 1) vereador de cidade que não é capital de estado; 2) vereador de cidade que é capital de estado; 3) vice-prefeito de não capital de estado; 4) vice-prefeito de capital; 5) deputado estadual; 6) prefeito de não capital de estado; 7) vice-governador; 8) deputado federal; 9) prefeito de capital; 10) senador; 11) governador; 13) vice-presidente; e 13) presidente da República.

A análise dos indicadores de ambição política foi feita para os quatro pleitos subsequentes à entrada dos parlamentares na legislatura eleita em 2014. Ou seja, as tentativas desses parlamentares foram avaliadas nas eleições municipais de 2016 e 2020 e nas gerais de 2018 e 2022. No caso das escolhas de carreira, atribuímos pontuações de acordo com o cargo eletivo almejado pelos deputados federais, independentemente se conseguiram ou não serem eleitos.

Os valores variam entre -1 e 1, tendo a busca pela reeleição para o mesmo cargo o valor zero (ambição estática) e a opção por não concorrer o valor de -1 (ambição discreta). Aqueles que tentaram uma posição abaixo da de deputados federais (ambição regressiva ou discreta) receberam uma pontuação negativa. Os que tiveram ambição progressiva receberam pontuações positivas limitadas a 1. A Tabela 2 apresenta as pontuações atribuídas.

Tabela 2
Pontuação das escolhas de carreira

O último indicador nos informa se a escolha de carreira desses indivíduos resultou em eleição ou não. Para mensurar o sucesso eleitoral, foram considerados três aspectos: a) o tipo de poder do cargo escolhido, se legislativo (0,5 ponto) ou executivo (1 ponto); b) o âmbito do poder escolhido, se municipal (0,5 ponto), estadual (1 ponto) ou federal (1,5 ponto); e c) o cargo em si. A cada um desses foi atribuída uma pontuação e, ao fim, elas foram somadas para definir a pontuação final.

Diferentes pontuações foram atribuídas porque o sucesso eleitoral para o cargo de vereador não deve ser pontuado da mesma forma que o sucesso eleitoral para o cargo de governador, por exemplo. Já nos casos em que os candidatos não foram eleitos, sua pontuação foi zero. A Tabela 3 detalha a pontuação atribuída.

Tabela 3
Pontuações atribuídas ao sucesso eleitoral

Após a transformação de todas as variáveis, a construção do índice foi realizada. Os dados passaram por um processo de padronização (Standardize) sem que houvesse distinção de peso entre os indicadores e as dimensões analisadas, ou seja, todos possuem o mesmo impacto no índice final. Este processo permite que a variável fique centrada em zero, pois mede o desvio padrão de cada deputado federal e o quanto ele vai se desviar da média. O objetivo é criar uma escala que varie em torno de zero.

A princípio houve a padronização da soma dos indicadores por dimensão de análise; em seguida, foi feita a soma das dimensões padronizadas, que tem por resultado o índice de profissionalização política. Iniciou-se pela padronização da soma das variáveis de cada dimensão. A fórmula a seguir foi aplicada em níveis, seguindo a expressão matemática abaixo. Utilizando o exemplo da primeira dimensão, a fórmula7 7 X representa o que se quer descobrir, [i] indica que o cálculo é para o indivíduo, portanto X[i] é o índice de comprometimento de cada parlamentar. X[i] anos significa a duração em anos na Câmara dos Deputados do indivíduo que está sendo analisado. X¯ anos representa a média da duração em anos na Câmara dos Deputados. σ anos significa o desvio padrão da duração em anos na Câmara dos Deputados. Isto vale para os demais exemplos, mudando apenas a variável e dimensão que está sendo analisada, ou seja, mudando apenas o valor de X. foi aplicada individualmente para cada um dos 170 deputados analisados nesta pesquisa.

X [ i ]  comprometimento  =  Padronização  ( X [ i ]   anos     X ¯   anos σ   anos +   X [ i ]   intensidade     X ¯   intensidade σ   intensidade )

O índice de comprometimento de cada indivíduo é igual à padronização da soma entre a duração em anos de presença do parlamentar na Câmara dos Deputados subtraído da duração em anos média do grupo e dividido pelo desvio padrão desta mesma variável; e a intensidade de trabalho de cada parlamentar menos a intensidade média de trabalho do grupo analisado dividido pelo desvio padrão da intensidade de trabalho. Após isso, o mesmo processo foi aplicado para as demais dimensões.

Após a padronização das variáveis brutas, foi realizada uma nova padronização: a soma padronizada dos quatro índices gerados anteriormente. A composição geral do índice está representada abaixo.

X [ i ]  profissionalização política  =  Padronização  ( X [ i ]   comprometimento   + X [ i ]   background profissional   + X [ i ]   experiência de vida   + X [ i ]   ambição política )

O resultado obtido pela fórmula acima é o índice que indica o grau de profissionalização política de cada parlamentar. Após esta etapa, com o auxílio do software SPSS Statistics 26 IBM®, aplicou-se o teste Kolmogorov-Smirnov para testar se há normalidade nos dados. Visto que a distribuição é normal, foi feito o teste T de Student que nos permitiu comparar médias de grupos e identificar se existem diferenças estatisticamente significativas entre elas (p < 0,05).

Após comparar os resultados finais dos grupos de controle e tratamento, foi conduzida uma análise mais aprofundada ao dividir esses resultados em dimensões de análise. Para as dimensões em que o teste Kolmogorov-Smirnov revelou uma distribuição não normal, o teste foi repetido. Em seguida, o teste de Mann-Whitney foi aplicado para comparar os grupos, pois os dados não seguiam uma distribuição normal e não estavam relacionados.

IV. A aplicação do índice de profissionalização política adaptado

Os resultados obtidos na aplicação do índice aos parlamentares premiados e não premiados pelo DIAP (alto status versus baixo status político) podem ser observados na Tabela 4.

Há uma variação entre -2,558 8 Embora o índice apresente valores negativos, é importante reforçar que não se trata de uma “profissionalização política negativa”. Os valores abaixo de zero têm apenas valor estatístico, visto que o modelo de índice aplicado apresenta uma escala que varia em torno de zero, e significam que o político é menos profissional do que os que apresentam valores mais altos que os seus. (menos profissional) e 2,52 (mais profissional). Os parlamentares distribuídos entre o menos profissional e o primeiro quartil (1Q) possuem valores de até -0,73. A mediana indica o ponto central de um conjunto. Neste caso, ela corresponde ao valor central do índice, que é 0,09. Isto significa que os deputados federais que estão dispostos entre o primeiro quartil e a mediana assumem valores entre -0,73 e 0,09. A partir da mediana, todos os indivíduos que se encontram até o terceiro quartil (3Q) assumem um valor máximo no índice de 0,67.

Tabela 4
Estatísticas descritivas do índice geral de profissionalização política

Após a obtenção dos resultados do índice, o teste T de Student comparou as médias do índice de profissionalização dos deputados federais premiados e não premiados. Assumiu-se como hipótese nula (h0) que ambos os grupos possuíam a mesma média no índice de profissionalização. A hipótese alternativa (h1) assume que as médias do índice dos grupos diferem entre si.

Enquanto os parlamentares não premiados apresentam uma média de -0,28, o grupo composto pelos “Cabeças” do Congresso possui uma profissionalização média de 0,28. Além da visível diferença numérica entre os grupos, o teste retornou um p-valor < 0,05. Isto nos leva a assumir a hipótese alternativa (h1), que considera que há uma diferença estatisticamente significativa quanto ao índice de profissionalização dos dois grupos analisados (Tabela 5).

Tabela 5
Comparação das estatísticas dos grupos e resultados do teste T de Student

Ao aprofundar a análise comparando a profissionalização dos grupos a partir de cada uma das dimensões que compõem o índice, utilizou-se o teste Mann-Whitney para comparar as tendências centrais dos dois grupos. Assim como foi realizada uma comparação entre os “Cabeças” e os não “Cabeças” do Congresso no índice geral, também se testou a hipótese nula (h0) e a hipótese alternativa (h1) em cada uma das dimensões que compõem o modelo. A Tabela 6 apresenta mais detalhes desses cálculos.

Tabela 6
Comparação entre a profissionalização de não premiados e premiados pelo DIAP por cada dimensão de análise

A hipótese nula (h0) foi rejeitada nas quatro dimensões analisadas. Isto significa que há diferença estatística entre os grupos. No caso da ambição política, o teste Mann-Whitney indicou p-valor igual a 0,051. Quando o comprometimento dos deputados foi exclusivamente analisado, percebeu-se que os representantes de ambos os grupos possuíam como ponto de partida o valor de -1,11. No entanto, o valor máximo alcançado é de parlamentares do grupo dos premiados que atinge 4,25 em comparação aos 2,06 do grupo de tratamento (não premiados). Uma outra forma de observar a diferença do comprometimento desses grupos é olhar para as tendências centrais. Os “Cabeças” do Congresso se destacam pela média (0,4) e mediana (0,24) mais altas do que demais.

Enquanto isso, apesar de o teste Mann-Whitney indicar que há diferença estatística no background profissional dos dois grupos, ao compará-los foi possível observar que os parlamentares não premiados são mais profissionais do que os “Cabeças” nesta dimensão. Ambos apresentam o mesmo valor mínimo (-2,94), porém os não “Cabeças” se destacam nas demais medidas aplicadas.

Ao comparar a experiência de vida dos grupos, mantivemos a hipótese alternativa (h1) que afirma que há diferença estatística entre os premiados e não premiados pelo DIAP. Apesar de registrar que a pontuação mínima (-1,37) alcançada na escala de profissionalização é do grupo dos “Cabeças” do Congresso e a máxima é dos não premiados (3,57), a diferença nesses casos se dá por poucos centésimos. No entanto, quando observadas as medidas de tendência central, a diferença entre eles é mais perceptível. Enquanto a média e mediana dos premiados são 0,17 e -0,1, respectivamente, a dos não premiados são -0,17 e -0,44, respectivamente.

Por fim, no tocante à ambição política dos “Cabeças” e não “Cabeças” do Congresso, ao comparar as medidas centrais dos grupos, nota-se que os premiados pelo DIAP apresentam média e mediana (0,27) mais altas do que a do outro grupo. A distância entre a média da ambição dos “Cabeças” do Congresso para a dos não “Cabeças” varia de 0,12 a -0,12, respectivamente. Enquanto a variação da mediana dos premiados e dos não premiados pelo DIAP está entre 0,27 e -0,30, respectivamente.

Em suma, pôde-se observar que o modelo adotado por esta pesquisa para mensurar a profissionalização política de deputados federais brasileiros é consistente. Ao dividir os parlamentares em dois grupos, onde o grupo de tratamento é um grupo politicamente distinto - reconhecido pelo DIAP como “Cabeça” do Congresso - e o grupo de controle não. Verificou-se, ao fim, que os “Cabeças” dos Congresso são mais profissionais do que os não “Cabeças”.

V. Discussão

A aplicação do índice multidimensional original para mensurar carreiras políticas no Parlamento britânico resultou em um modelo consistente, capaz de capturar a distância entre os parlamentares que ocuparam algum cargo ministerial (índice médio do grupo: 0,74) e aqueles que não ocuparam (-0,145). Seus resultados demonstram que o grupo dos ministers também é superior em carreirismo político quando comparados ao grupo dos backbenchers em todas as dimensões analisadas - comprometimento, background ocupacional, experiência de vida e ambição política (Allen et al., 2020Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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, p. 14).

Feitas as devidas adaptações que foram necessárias para que esse modelo pudesse ser reproduzido e aplicado aos deputados federais brasileiros, e considerando que esta pesquisa trata carreira política como proxy de profissionalização política, é possível afirmar que os parlamentares que possuem uma distinção política (índice médio do grupo: 0,28) são mais profissionais do que o grupo de não premiados pelo DIAP (-0,28).

Mesmo não se tratando de um paralelo entre a profissionalização de parlamentares brasileiros e britânicos, se compararmos a distância entre a média do índice dos parlamentares mais e menos profissionais nos Parlamentos britânico e brasileiro, nota-se que o caminho a ser percorrido pelos não premiados pelo DIAP até a profissionalização média dos “Cabeças” do Congresso (0,56) é menor do que o que os backbenchers precisam para alcançar o nível de profissionalização dos ministers (0,88).

Além disso, apesar de verificarmos que o grupo dos “Cabeças” do Congresso é mais profissional do que o dos não “Cabeças”, a superioridade dos premiados pelo DIAP não é unânime quando se compara o índice de profissionalização por dimensão de análise. Destaca-se uma dimensão que não confirma estatisticamente a superioridade dos “Cabeças” do Congresso: o background profissional.

Na dimensão do background profissional, os não premiados pelo DIAP são mais profissionais que os premiados. é importante ressaltar que as dimensões do background profissional e da experiência de vida no modelo original possuem indicadores que podem se sobrepor. Para explicar como Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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operacionalizam estas dimensões, toma-se como exemplo um parlamentar hipotético que passou 30 anos de sua vida em uma profissão politicamente consciente9 9 Baseados em Jun (2003), Allen et al. (2020) identificam que as profissões podem ser: a) profissões políticas, aquelas que possuem um link direto com o mundo da política; profissões politicamente conscientes, que não estão diretamente relacionadas à política, mas que proporcionam alguma expertise que pode ser útil para políticos de carreira; e profissões não políticas, aquelas que não estão nem próximas do mundo político. . Logo, ele ingressou em cargos políticos na chamada “meia-idade”. Para Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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, ao mesmo tempo em que na dimensão de background profissional este parlamentar é mais carreirista por ocupar por muitos anos uma profissão politicamente consciente, na dimensão da experiência de vida seu índice será puxado para baixo por ele não ter entrado ainda jovem na política.

Os autores argumentam que essa sobreposição de variáveis é inevitável devido à falta de consenso sobre o conceito de carreira política tanto na academia quanto no discurso político. No entanto, há dois pontos problemáticos aqui. O primeiro é que, ao fazer isso, os autores podem estar anulando total ou parcialmente uma das duas dimensões que possuem indicadores sobrepostos. Isto se dá porque as dimensões possuem pesos iguais no índice final. Portanto, enquanto uma eleva a pontuação do parlamentar no índice de carreirismo, a outra está sendo derrubada em outra dimensão, o que pode não ser favorável para o produto, visto que a composição final do índice é representada pela soma do índice de cada uma das quatro dimensões10 10 X[i] profissionalização política = Padronização (X[i] comprometimento + X[i] background profissional + X[i] experiência de vida + X[i] ambição política). . O segundo ponto se refere ao fato de que ao abordarem em sua revisão de literatura a existência dessa confusão conceitual, embora eles apresentem pontos de vista conflitantes no que diz respeito à literatura acadêmica, eles não detalham como mensuraram ou a quem se referem quando falam da falta de consenso no discurso político.

Apesar das críticas citadas, a fim de testar se o mesmo processo aconteceria com os deputados do Brasil, a sobreposição de variáveis proposta por Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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foi mantida na reprodução do índice de profissionalização política aplicado nesta pesquisa. A conclusão sobre este ponto é que esta medida pode ter sido problemática para o caso brasileiro, já que resultou em uma maior profissionalização dos não premiados na dimensão do background profissional. Além disso, alguns obstáculos para trabalhar com a dimensão do background profissional apareceram.

O primeiro obstáculo derivou das profissões declaradas pelos parlamentares, tal como registradas no site da Câmara dos Deputados. Esta não é uma fonte tão precisa quanto a que Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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tiveram acesso. Enquanto eles puderam perguntar diretamente qual foi a profissão predominante durante a vida dos parlamentares britânicos, aqui lidou-se com uma fonte de dados em que 46,5% dos deputados federais declararam duas ou mais profissões, muitas delas bem diferentes entre si. Isso impediu saber qual das profissões declaradas por cada parlamentar foi a ocupação dominante na carreira. Foram assim consideradas todas as ocupações para fazer a classificação.

O segundo obstáculo está na estratégia adotada para classificar as profissões. Apesar de os autores terem listado as profissões dos membros do Parlamento britânico e as dividido em “profissões políticas”, “politicamente conscientes” e “não políticas” (Allen et al., 2020Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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), não se pode garantir que os critérios utilizados para definir pelo menos as duas últimas funcionaria para o Brasil. Além disso, haveria o risco de não se conseguir categorizar todas as profissões dos deputados federais brasileiros caso alguma delas não estivesse presente na lista divulgada no modelo original.

Por isso, optou-se por utilizar um modelo de classificação já elaborado (Codato et al., 2014Codato, A., Costa, L. & Massimo, L. (2014) Classificando ocupações prévias à entrada na política: uma discussão metodológica e um teste empírico. Opinião Pública, 20(3), pp. 346-362.). Por outro lado, essa classificação é um índice sobre a origem social do parlamentar, que mensura profissões de origem que estão mais ou menos predispostas a facilitar uma carreira política. Não se trata de um índice que mede profissionalização política através da ocupação.

Ao fim da classificação, verificou-se que 81% dos deputados federais possuíam uma profissão altamente predisposta para a política. Isto mostra que, pelo menos no indicador de ocupação, o grupo é muito homogêneo. Aparentemente, o que diferencia os grupos é o segundo indicador desta dimensão: os anos que passaram fora da política. No entanto, esta medida privilegia os que possuem alta predisposição política, a maioria dos deputados.

Tendo em vista as considerações levantadas, torna-se necessário repensar o uso da dimensão do background profissional para mensurar profissionalização política no Brasil. A homogeneidade do grupo, no que diz respeito ao primeiro indicador desta dimensão - ocupação -, poderia indicar que uma profissão de origem social com alta predisposição política é essencial para acessar a Câmara dos Deputados, visto que tanto “Cabeças” do Congresso quanto não “Cabeças” se encaixam nesta classificação.

No entanto, a fonte dos dados impossibilita que se faça esta afirmação. Considerando que apenas 53,5% dos parlamentares analisados registram uma única profissão, é possível que um deputado tenha sido classificado com alta predisposição política, mesmo não tendo atuado por muito tempo na profissão que o alçou a essa posição neste quesito. Em outras palavras, mesmo que essa não tenha sido sua carreira pré-parlamentar predominante.

O modelo original utiliza como indicador os anos que cada parlamentar passou na carreira pré-parlamentar predominante durante sua vida. Visto que essas informações foram coletadas diretamente com os membros do Parlamento britânico, é possível não só classificar corretamente a ocupação, como também indicar se quanto mais tempo atuando nessa profissão mais expertise será levada para a atuação parlamentar. A ausência dessa precisão nas fontes do Parlamento brasileiro implica em questionar o segundo indicador do índice reproduzido nesta pesquisa.

Por falta de precisão sobre a carreira pré-parlamentar predominante e o tempo que cada um passou nela, utilizou-se os anos que os parlamentares passaram fora da política. O entendimento foi de que, se o parlamentar está classificado em uma ocupação de alta predisposição política, quanto mais tempo ele passa fora da política, mais profissional ele será. Porém, os resultados fazem questionar essa aplicação. Visto que não há como garantir que o deputado federal passou todos esses anos atuando em uma ocupação com alta predisposição política, a ponto de adquirir expertise para levar para a Câmara Baixa, talvez essa análise precise ser revista.

O indicador de anos fora da política não necessariamente precisa ser descartado, podendo talvez ser mensurado de uma forma diferente. Por exemplo: quanto menos tempo fora da política, mais profissional é o parlamentar. Este não se confundiria com o indicador de experiência de vida - idade de entrada na Câmara dos Deputados -, pois o tempo fora da política também abrange a eleição a outros cargos que não o de deputado federal. No entanto, talvez pudesse migrar da dimensão do background profissional para a experiência de vida.

Apesar das críticas à sobreposição de variáveis no modelo original e à adaptação da dimensão do background profissional nesta pesquisa, considera-se que, além de consistente para mensurar carreira política, o índice é eficiente para mensurar profissionalização política no Brasil. Ainda que a diferença estatística que comprova maior grau de profissionalização por parte dos “Cabeças” do Congresso por dimensão de análise tenha sido confirmada apenas parcialmente, o índice geral de profissionalização confirmou que aqueles que possuem distinção política são mais profissionais do que os demais parlamentares.

O uso dos “Cabeças” do Congresso como proxy de distinção política também se mostrou eficiente. Apesar dos questionamentos que podem ser levantados à falta de transparência na operacionalização dos métodos posicional, decisional e reputacional para a seleção anual dos 100 “Cabeças” do Congresso (se há uma hierarquia entre os métodos, se são complementares ou alternativos entre si etc.), trata-se de uma boa medida para diferenciar os deputados federais mais ou menos profissionais (Gabriel et al., 2022Gabriel, G, Portela, P, Beff, P. & Sainz, N. (2022) Desafios metodológicos para a elaboração de um banco de dados em estudos de elites políticas: o caso dos “Cabeças” do Congresso. Conversas & Controvérsias, 9(1), e42128. DOI
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).

Mas pode-se perguntar: os “Cabeças” do Congresso são selecionados pelo DIAP por serem mais políticos profissionais que os demais ou são mais políticos profissionais do que os demais por serem reconhecidos como “Cabeças” do Congresso? A fim de responder à questão, foi preciso comparar os critérios de seleção e as categorias utilizadas pelo DIAP com os indicadores e os resultados encontrados por esta pesquisa.

Na dimensão do comprometimento com a atividade política, pode-se verificar que seus dois indicadores estão diretamente ligados aos métodos posicional e decisional. Primeiramente, ao mensurar a intensidade de trabalho, verificou-se as posições que cada um deles ocupou na Câmara dos Deputados. A presença na Mesa Diretora é o critério mais forte desta variável e, mesmo que não haja fartura de detalhes, também se trata de um critério aplicado pelo DIAP na premiação.

Na mesma dimensão, quando a duração em anos na Câmara dos Deputados é referida na dimensão da experiência de vida, que mensura a idade de entrada na política, é possível verificar mais proximidade com o método decisional e com as categorias utilizadas pelo DIAP para selecionar os premiados. Eles podem ser classificados como: debatedores, articuladores/organizadores, formuladores, formadores de opinião e/ou negociadores. Conforme pode ser observado no relatório do DIAP (2020)DIAP (2020) Os “Cabeças” do Congresso Nacional: uma pesquisa sobre os 100 parlamentares mais influentes. Disponível em: <https://www.diap.org.br/index.php/publicacoes/send/9-os-cabecas-do-congresso-nacional/967-os-cabecas-do-congresso-nacional-ano-2020 Acesso em: 23 de fev. 2023.
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, para que se encaixem nessas categorias, os parlamentares devem ser influentes frente aos demais, ter habilidades legislativas, possuir excelente trânsito na Câmara etc.

O desenvolvimento dessas e de outras expertises avaliadas pelo DIAP se dá com o tempo. Portanto, quanto mais jovens ingressarem e quanto mais anos de experiência possuírem enquanto deputados federais, mais profissionais serão e mais chances terão de serem reconhecidos como líderes do Congresso. Considerando que, quando comparados os grupos por dimensão de análise, os “Cabeças” do Congresso são mais profissionais que os não “Cabeças” no comprometimento com a política e na experiência de vida, é possível concluir que os “Cabeças” são premiados pelo DIAP por serem mais profissionais.

Portanto, também é possível constatar que o índice que mensura profissionalização política funciona quando tomamos o termômetro do DIAP como proxy de distinção política.

O uso de um modelo multidimensional se prova importante por não se tratar de definir quem é ou não um político profissional, mas de medir quão profissional é o político. Com isto, não se torna necessário que o parlamentar possua fortes atributos em todas as dimensões analisadas, pois a ausência de algumas características (variáveis) pode ser suprida pela presença de outras. Um exemplo disso é a força das dimensões do comprometimento com a atividade política, da experiência de vida e da ambição política no grau de profissionalização dos “Cabeças” do Congresso, visto que, embora os “Cabeças” não sejam mais profissionais do que os não “Cabeças” na dimensão background profissional, ainda assim eles são mais profissionais do que os não premiados no índice geral.

VI. Conclusões

A pesquisa investiga alguns problemas metodológicos e empíricos que envolvem o tema da profissionalização política no Brasil. Utilizou-se o índice elaborado por Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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aplicado aos parlamentares britânicos. Embora inicialmente aplicado em um ambiente parlamentarista e majoritário, foram realizadas adaptações que visavam a reprodução do índice na Câmara dos Deputados do Brasil.

Foram comparados o grau de profissionalização de dois grupos de deputados federais brasileiros eleitos em 2014, em que apenas um dos grupos era politicamente distinto. Nos termos desta pesquisa, isso significa ser considerado pelo DIAP um “Cabeça” do Congresso. O principal limite observado está na natureza dos dados, mais especificamente referente aos dados da dimensão de background profissional. Por não ter sido possível identificar a ocupação predominante de cada parlamentar antes de se elegerem e quanto tempo de vida cada um dedicou a essa profissão prévia à entrada na política, os resultados obtidos nesta dimensão podem não ter sido tão precisos quanto o esperado.

Ainda assim, é possível concluir que, com as devidas adaptações, a reprodução do índice elaborado por Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
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funciona e que possuir uma distinção na política é um indicativo de alta profissionalização, já que os “Cabeças” do Congresso se mostraram mais profissionais do que os não premiados pelo DIAP.

Os resultados mostram a importância de mensurar a profissionalização com modelos que permitam fazer análises com múltiplas dimensões, já que a construção das carreiras dos políticos profissionais é heterogênea.

é essencial que os estudos sobre profissionalização política avancem. O próximo passo desta pesquisa consiste em aprimorar o índice aqui apresentado, buscando resolver os problemas metodológicos encontrados e propondo um novo índice, com indicadores mais precisos, que permitam capturar o grau de profissionalismo político dos parlamentares brasileiros. A partir disso, pode-se, por exemplo, compreender o impacto da profissionalização desses atores na qualidade da representação política no Brasil.

  • 1
    Agradeço ao financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), através de bolsa de doutorado, aos editores da Revista de Sociologia e Política e às contribuições dos pareceristas anônimos para o aprimoramento desta pesquisa.
  • 2
    Para Allen et al. (2020, p. 14), ministers são aqueles “que ocuparam cargos ministeriais, incluindo ministros juniores que tinham pouca perspectiva de avanço e políticos de carreira indiferentes que atuaram em governos anteriores a 1970”, enquanto os backbenchers eram os demais membros do parlamento, que possuíam menor status na House of Commons.
  • 3
    O DIAP premia anualmente os deputados federais e senadores que consideram mais influentes no Congresso Nacional, a partir de critérios decisionais (Dahl, 1961Dahl, R. (1961) Who governs? Democracy and power in an American City. New Haven: Yale University Press.), posicionais (Mills, 1956Mills, W. (1956) The power elite. New York: Oxford University Press.) e reputacionais (Hunter, 1953Hunter, F. (1953) Community power structure: a study of decision makers. Chapel Hill: University of North Carolina Press.).
  • 4
    A Mesa Diretora é composta pelos cargos de presidente, 1° e 2° vice-presidentes; 1°, 2°, 3° e 4° secretários. No entanto, foi atribuído critério de importância ou distinção entre eles.
  • 5
    Entende-se por vida política a presença em cargos eletivos municipais, estaduais ou federais.
  • 6
    Foi considerada a idade de 18 anos por se tratar da idade mínima necessária para ingressar em cargos políticos eletivos, como é o caso do cargo de vereador.
  • 7
    X representa o que se quer descobrir, [i] indica que o cálculo é para o indivíduo, portanto X[i] é o índice de comprometimento de cada parlamentar. X[i] anos significa a duração em anos na Câmara dos Deputados do indivíduo que está sendo analisado. X¯ anos representa a média da duração em anos na Câmara dos Deputados. σ anos significa o desvio padrão da duração em anos na Câmara dos Deputados. Isto vale para os demais exemplos, mudando apenas a variável e dimensão que está sendo analisada, ou seja, mudando apenas o valor de X.
  • 8
    Embora o índice apresente valores negativos, é importante reforçar que não se trata de uma “profissionalização política negativa”. Os valores abaixo de zero têm apenas valor estatístico, visto que o modelo de índice aplicado apresenta uma escala que varia em torno de zero, e significam que o político é menos profissional do que os que apresentam valores mais altos que os seus.
  • 9
    Baseados em Jun (2003), Allen et al. (2020)Allen, N.N., Magni, G., Searing, D. & Warncke, P. (2020) What is a career politician? Theories, concepts, and measures. European Political Science Review, 12(2), pp. 1-19. DOI
    DOI...
    identificam que as profissões podem ser: a) profissões políticas, aquelas que possuem um link direto com o mundo da política; profissões politicamente conscientes, que não estão diretamente relacionadas à política, mas que proporcionam alguma expertise que pode ser útil para políticos de carreira; e profissões não políticas, aquelas que não estão nem próximas do mundo político.
  • 10
    X[i] profissionalização política = Padronização (X[i] comprometimento + X[i] background profissional + X[i] experiência de vida + X[i] ambição política).

Referências

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Outras fontes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2023
  • Revisado
    02 Ago 2023
  • Aceito
    06 Set 2023
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