Acessibilidade / Reportar erro

Acordos internacionais e controle parlamentar no Brasil

Les accords internationaux et le controle parlementaire au Bresil

International agreements and parliamentary control in Brazil

Resumos

O artigo analisa a atuação dos deputados federais no exercício de suas funções tanto de "controle legislativo" quanto de "controle político" na deliberação dos atos internacionais. A literatura tende a indicar que no Brasil há déficit em matéria de controle legislativo e, no campo das Relações Internacionais, o diagnóstico não é muito diferente. A reconstituição do trâmite legislativo dos projetos de decreto legislativo (PDL) permitiu-nos identificar o padrão de interação entre os poderes, com a constatação de que o Executivo domina a deliberação dos acordos internacionais. Para além do fato do Legislativo ter somente a prerrogativa de apresentar ressalvas aos decretos legislativos, o Executivo tem como controlar o tempo para deliberação dos atos internacionais nas comissões permanentes e a indicação dos relatores na maioria dos casos. Em resumo, mais até do que na política doméstica, os preceitos da Constituição Federal e os mecanismos de controle da agenda à disposição do poder Executivo restringem significativamente o campo de atuação do poder Legislativo na deliberação dos acordos internacionais, principalmente no que diz respeito ao "controle legislativo". A eficácia de mecanismos de controle do tipo "político", como os pedidos de informação, ficam circunscritos a possíveis constrangimentos de ordem eleitoral.

atos internacionais; processo legislativo; poder Executivo; poder Legislativo; controles parlamentares


L'article analyse l'actuation des députés fédéraux dans l'exercice de leurs fonctions de "contrôle législatif " et aussi de "contrôle politique", dans la délibération des actes internationaux. La littérature tend à indiquer qu'au Brésil, il y a un déficit en matière de contrôle législatif et, dans le domaine des Relations Internationales, le diagnostique n'est pas très différent. La reconstitution des procédures législatives des projets de décret législatif (PDL), nous a permis d'identifier le standard d'interaction entre les pouvoirs, avec la constatation que l'Exécutif domine la délibération des accords internationaux. En plus du fait que le Législatif a seulement la prérogative de présenter des exceptions aux décrets législatifs, l'Exécutif a une façon de contrôler le temps pour la délibération des actes internationaux dans les commissions permanentes et l'indication des rapporteurs dans la majorité des cas. En résumé, plus encore que dans la politique intérieure, les préceptes de la Constitution Fédérale et les mécanismes de contrôle de l'agenda à disposition du pouvoir Exécutif, limitent de manière significative le domaine de performance du pouvoir Législatif dans la délibération des accords internationaux, principalement par rapport au "contrôle législatif". L'efficace de mécanismes de contrôle du type "politique", comme les demandes d'information, restent circonscrits aux possibles contraintes d'ordre électorale.

actes internationaux; processus législatif; pouvoir Exécutif; pouvoir Législatif; contrôles parlementaires


This article analyzes how federal representatives have exercised their functions in both "legislative" and "political" control in deliberation around international acts. The literature in the field seems to indicate that in Brazil, legal control is faulty, and that within the field of International Relations, much the same could be said. A reconstitution of legislative procedures regarding legislative bills (PDL) has enabled us to identify patterns of interaction of powers, showing that the Executive prevails in deliberations on international agreements. Beyond the fact that the Legislature has only the prerogative of presenting objections to these bills, the Executive must control the time that deliberation on international acts is able to take within permanent commissions and, in most cases, the nomination of relaters. In short, even more than within domestic politics, the precepts of the Federal Constitution and the control mechanisms for the agenda that is available to Executive power place significant restrictions on operating fields in deliberations on international agreements, primarily with regard to "legislative control". The efficacy of control mechanisms of the "political" type, such as requests for information, remain circumscribed by the potential constraints of the electoral order.

international acts; legislative processes; Executive power; Legislative power; parliamentary control


DOSSIÊ "RELAÇÕES INTERNACIONAIS: NOVOS CENÁRIOS E AGENDAS

Acordos internacionais e controle parlamentar no Brasil

International agreements and parliamentary control in Brazil

Les accords internationaux et le controle parlementaire au Bresil

Simone Diniz; Cláudio Ribeiro

RESUMO

O artigo analisa a atuação dos deputados federais no exercício de suas funções tanto de "controle legislativo" quanto de "controle político" na deliberação dos atos internacionais. A literatura tende a indicar que no Brasil há déficit em matéria de controle legislativo e, no campo das Relações Internacionais, o diagnóstico não é muito diferente. A reconstituição do trâmite legislativo dos projetos de decreto legislativo (PDL) permitiu-nos identificar o padrão de interação entre os poderes, com a constatação de que o Executivo domina a deliberação dos acordos internacionais. Para além do fato do Legislativo ter somente a prerrogativa de apresentar ressalvas aos decretos legislativos, o Executivo tem como controlar o tempo para deliberação dos atos internacionais nas comissões permanentes e a indicação dos relatores na maioria dos casos. Em resumo, mais até do que na política doméstica, os preceitos da Constituição Federal e os mecanismos de controle da agenda à disposição do poder Executivo restringem significativamente o campo de atuação do poder Legislativo na deliberação dos acordos internacionais, principalmente no que diz respeito ao "controle legislativo". A eficácia de mecanismos de controle do tipo "político", como os pedidos de informação, ficam circunscritos a possíveis constrangimentos de ordem eleitoral.

Palavras-chave: atos internacionais; processo legislativo; poder Executivo; poder Legislativo; controles parlamentares.

ABSTRACT

This article analyzes how federal representatives have exercised their functions in both "legislative" and "political" control in deliberation around international acts. The literature in the field seems to indicate that in Brazil, legal control is faulty, and that within the field of International Relations, much the same could be said. A reconstitution of legislative procedures regarding legislative bills (PDL) has enabled us to identify patterns of interaction of powers, showing that the Executive prevails in deliberations on international agreements. Beyond the fact that the Legislature has only the prerogative of presenting objections to these bills, the Executive must control the time that deliberation on international acts is able to take within permanent commissions and, in most cases, the nomination of relaters. In short, even more than within domestic politics, the precepts of the Federal Constitution and the control mechanisms for the agenda that is available to Executive power place significant restrictions on operating fields in deliberations on international agreements, primarily with regard to "legislative control". The efficacy of control mechanisms of the "political" type, such as requests for information, remain circumscribed by the potential constraints of the electoral order.

Keywords: international acts; legislative processes; Executive power; Legislative power; parliamentary control.

RESUME

L'article analyse l'actuation des députés fédéraux dans l'exercice de leurs fonctions de "contrôle législatif " et aussi de "contrôle politique", dans la délibération des actes internationaux. La littérature tend à indiquer qu'au Brésil, il y a un déficit en matière de contrôle législatif et, dans le domaine des Relations Internationales, le diagnostique n'est pas très différent. La reconstitution des procédures législatives des projets de décret législatif (PDL), nous a permis d'identifier le standard d'interaction entre les pouvoirs, avec la constatation que l'Exécutif domine la délibération des accords internationaux. En plus du fait que le Législatif a seulement la prérogative de présenter des exceptions aux décrets législatifs, l'Exécutif a une façon de contrôler le temps pour la délibération des actes internationaux dans les commissions permanentes et l'indication des rapporteurs dans la majorité des cas. En résumé, plus encore que dans la politique intérieure, les préceptes de la Constitution Fédérale et les mécanismes de contrôle de l'agenda à disposition du pouvoir Exécutif, limitent de manière significative le domaine de performance du pouvoir Législatif dans la délibération des accords internationaux, principalement par rapport au "contrôle législatif". L'efficace de mécanismes de contrôle du type "politique", comme les demandes d'information, restent circonscrits aux possibles contraintes d'ordre électorale.

Mots-cles: actes internationaux; processus législatif; pouvoir Exécutif; pouvoir Législatif; contrôles parlementaires.

I. INTRODUÇÃO

Qual a capacidade do poder Legislativo controlar os atos do poder Executivo? Partindo deste questionamento, nosso objetivo é analisar a atuação dos deputados federais, no exercício de suas funções de controle sobre a ação da Presidência da República nas questões de política externa brasileira.

Situamos o debate no contexto da teoria da delegação, em que se assume que: 1) delegar poderes a outrem é um traço característico das sociedades democráticas e 2) que toda relação de delegação implica em algum tipo de risco para aquele que delega, isto porque nem sempre a "relação contratual" consegue estabelecer todas as contingências futuras que podem advir da relação entre as partes. Pode ocorrer que o contratado (o agente) busque tirar vantagem da relação contratual. Haveria, portanto, um risco embutido, que poderia se manifestar por meio de práticas que prejudiquem o mandante seja pela omissão de informação (seleção adversa) seja pela adoção de conduta inapropriada (risco moral).

Kiewiet e McCubbins (1991) identificam quatro procedimentos que podem prevenir, solucionar ou atenuar as conseqüências negativas da delegação: 1) o contrato; 2) os mecanismos de seleção (que procuram reduzir a falta de informação do principal sobre as capacidades do agente); 3) os mecanismos de monitoramento (tratam do acompanhamento das atividades do agente); e 4) os freios institucionais (que podem se manifestar no processo de tomada de decisão - capacidade de bloqueio, por exemplo - ou por meio de outros agentes com autoridade para denunciar ou punir ação indevida).

A literatura costuma identificar diferentes tipos de mecanismos de controle. Strom (2000) refere-se a controles ex ante e ex post (antes ou depois de se consumar a relação contratual). Quando aplicado às relações entre os poderes Executivo e Legislativo, o controle ex ante pode ser instaurado, por exemplo, mediante a promulgação de leis altamente detalhadas nas quais ficam impressas as primazias do poder Legislativo, deixando pouco espaço à discricionalidade do Executivo. O controle ex post, por sua vez, altera as ações do poder Executivo. Para o exercício do controle ex post recorre-se a instrumentos como pedidos de informação, requerimentos para convocação de ministros, realização de audiências públicas, enfim, mecanismos típicos de monitoramento.

Llanos e Mustapic (2005, p. 20) argumentam que para a avaliação do funcionamento dos mecanismos de controle, em um contexto que destoa do caso clássico estadunidense (em especial, em contextos multipartidários), faz-se necessário identificar, primeiramente, quem controla a agenda de trabalhos nas casas congressuais, não em termos de separação de poderes - Legislativo e Executivo, mas sim entre governo e oposição. Em relação a este aspecto, as autoras alertam que não se deve descuidar dos motivos que podem levar os parlamentares ao exercício da atividade de controle. Para os parlamentares da base de sustentação do governo pode não haver incentivos para que se empenhem nessa atividade. É possível supor que governos de coalizão enfrentam essa situação. Sendo assim, a utilização do modelo madisoniano pouco contribui para a compreensão da dinâmica das relações entre os poderes Executivo e Legislativo. Faz-se necessário dar tratamento analítico diferenciado entre os partidos da base governista e os que compõem a oposição.

Isso não significa que a oposição só existe nas fileiras fora do governo. Podem existir dois tipos de oposição: uma interna, composta por membros da base governista, e outra, externa, que aglutina os partidos da oposição. O desafio é entender o que leva os membros da base governista a agir como oposição.

Inúmeras análises atribuem ao sistema partidário brasileiro o fator explicativo para o comportamento indisciplinado ou oposicionista dos parlamentares. O tema é bastante discutido na literatura e não é nosso objetivo retomar esse debate1 1 Ver Santos (1997); Figueiredo e Limongi (1999); Melo (2000); Amorim Neto e Santos (2001) entre outros. . Pontuamos apenas que ações oposicionistas advindas da própria base governista podem fazer parte de um cálculo estratégico, em que o autor da ação supõe que terá algum ganho, sem, no entanto, causar maiores prejuízos ao governo. Retomaremos esse ponto adiante.

II. DEMOCRACIA E POLÍTICA EXTERNA

Lima (2000), em um artigo insigne sobre a relação entre instituições democráticas e política externa, identifica na literatura das Relações Internacionais dois argumentos centrais relativos às dificuldades de se compatibilizar democracia e política externa. Um relaciona-se à especificidade da política externa, outro, às deficiências institucionais das democracias.

O primeiro caso, de acordo com Lima, decorre do fato de prevalecer na teoria realista das Relações Internacionais a concepção de que a política internacional está acima da doméstica, porque voltada para a defesa dos interesses nacionais e por tratar de questões afetas à segurança e à sobrevivência do Estado. Não haveria diferenças entre interesse nacional e interesse estatal, da mesma forma que governo e Estado também se confundem. Este último, visto como ator unitário, tem como premissa a autonomia do decisor, o que implica em capacidade de reconhecer e implementar os interesses da nação como um todo, mesmo contra as preferências de atores domésticos poderosos. Não há divisões internas e a política externa é coerente e congruente com o interesse nacional (Grieco apud LIMA, 2000, p. 270). Para os autores realistas, a "boa política externa é aquela que está de acordo com os verdadeiros interesses nacionais, cujo conteúdo só é conhecido pelos 'verdadeiros estadistas' intérpretes da vontade nacional, e cuja viabilidade pode ser impedida pela democracia" (LIMA, 2000, p. 274).

Os paradigmas realistas foram contestados em um primeiro momento por Allison (1971), que questionou a artificialidade da separação interno-externo e, consequentemente, a especificidade das Relações Internacionais vis-à-vis a análise da política externa. Posteriormente, Putnam (1988) enfatizou a dimensão causal da política doméstica na formação da política internacional e a necessidade de se integrar teoricamente os níveis de negociação internacional e de ratificação doméstica. Segundo Lima (2000, p. 276), o modelo de Putnam pressupõe um problema de cooperação entre Estados e uma ordem interna poliárquica, uma vez que o sucesso da negociação internacional depende das expectativas de cada um dos parceiros com respeito aos resultados do processo de ratificação interna do outro.

Sobre as deficiências da democracia para a condução da política externa, os argumentos presentes na teoria realista enfatizam que certas características institucionais das democracias representativas podem impedir ou inviabilizar o estabelecimento de relações internacionais estáveis ou de cooperação internacional. A dinâmica democrática poderia afetar negativamente a capacidade do Estado em garantir compromissos internacionais com credibilidade (idem, p. 277).

A tese realista sobre a "ineficácia" democrática fundamenta-se, de acordo com Lima, nos seguintes pressupostos sobre as instituições democráticas: 1) elas não seriam eficientes, de uma perspectiva temporal, já que voltadas para a gratificação imediata dos eleitores: "As democracias são imediatistas, revanchistas e voláteis na condução dos assuntos externos" (Kennan apud LIMA, 2000, p. 278). A política externa deve estar fora da arena pública, porque estão em jogo os interesses de longo prazo do país; 2) o governante democrático viveria constantemente sob o dilema de, por ser eleito, precisar do apoio popular para continuar no poder. Por outro lado, governa para a nação e, portanto, tem que se preocupar com a realização de objetivos coletivos, relacionados ao bem-estar da comunidade. Assim, o seu problema consiste em conciliar objetivos individuais de sobrevivência político-eleitoral com os interesses coletivos da população (LIMA, 2000, p. 280); 3) o regime democrático é o "mundo das paixões", havendo forte intromissão de opiniões particulares na política externa, e a opinião pública não é um bom guia para a política externa, porque reflete interesses particularistas de determinadas minorias com acesso aos círculos de poder; 4) as decisões na democracia não são céleres.

O artigo de Lima, para além de pontuar as principais premissas da teoria realista, que tende a ter uma visão cética em relação às instituições democráticas e política externa, examina as conseqüências das mudanças políticas e econômicas impulsionadas a partir da década de 1990 para a formação da política exterior brasileira. A autora argumenta que "as duas principais teses opondo democracia e política externa, a da especificidade da política externa e a das deficiências institucionais da democracia, só se sustentam quando se aceita o argumento cético na sua totalidade, isto é, da impossibilidade de se assumir compromissos internacionais com credibilidade nas democracias. Em primeiro lugar, não é necessariamente verdadeiro que a política externa guarde especificidade com respeito a outras políticas públicas, em particular quando tem implicações distributivas domésticas. Em segundo lugar, os problemas gerados pela operação das instituições democráticas, em particular o foco no curto prazo e a preferência por benefícios particularizados e setorializados à custa dos interesses coletivos, não apenas não diferenciam a política externa das demais políticas públicas, como existem mecanismos institucionais que podem minimizar esses mesmos riscos, amenizando o oportunismo dos políticos e tornando-os mais responsáveis perante a coletividade nacional (idem, p. 283).

Para Lima, a existência de uma burocracia estável e a delegação da autoridade de decidir poderia não assegurar tanto a continuidade e credibilidade dos compromissos internacionais assumidos quanto a obtenção de políticas voltadas aos interesses da coletividade e não àqueles meramente eleitorais (idem, p. 282).

A autora enfrenta ainda o desafio de explicar porque prevaleceu no campo das Relações Internacionais a visão do Estado como ator unitário e porque nos dias atuais se faz necessário uma maior participação das instituições democráticas na política externa. Quanto ao primeiro aspecto, o argumento é de que o Estado como ator unitário, que alimenta a visão realista, foi pensado a partir de uma análise de ameaça sistêmica, daí a importância atribuída à questão da segurança. Quando a intensidade da ameaça externa atingiu níveis extremos, o poder das autoridades governamentais foi fortalecido em detrimento das instituições democráticas.

Em relação à politização da política externa, o argumento é de que a "internacionalização da economia e de diversos fenômenos sociais fomenta a superação da fronteira interno/externo e, conseqüentemente, a internacionalização da agenda doméstica, com a incorporação à esfera da decisão legislativa de questões de política externa, questões que previamente estavam restritas ao Executivo". A influência da política doméstica na formação da política externa depende da existência de impactos distributivos internos que ocorrem quando os resultados da ação externa deixam de ser simétricos para os diversos segmentos sociais (idem, p. 289).

Em outros termos, algumas questões tratadas no âmbito externo passaram a ter impactos de ordem distributiva, gerando ganhos e perdas diferenciados, o que alimenta a politização da política externa e traz em seu bojo a necessidade de se operar controles típicos de uma ordem democrática.

III. O LEGISLATIVO BRASILEIRO COMO ÓRGÃO DE CONTROLE

A literatura tende a indicar que no Brasil há déficit em matéria de controle legislativo (O'DONNELL, 1991; 1998a; 1998b; FIGUEIREDO, 2001; AMES, 2003). No campo das Relações Internacionais, o diagnóstico não é muito diferente. De forma geral, predomina a tendência a se afirmar que a atuação do poder Legislativo é de apatia e/ou indiferença. Comumente, apresenta-se como explicação para o desinteresse: o insulamento e o grau de excelência do Itamarati; a complexidade dos temas internacionais, que exigiria um grau de especialização que os parlamentares não têm; a suposição de que os membros do Legislativo só se interessam por questões que possam resultar em ganhos eleitorais, o que não seria o caso da política externa; e o fato da própria Constituição brasileira atribuir ao poder Legislativo prerrogativas que se restringem à deliberação ex post.

A interpretação recorrente é de que os parlamentares brasileiros teriam um papel secundário (por delegação ou abdicação) tanto na produção da política externa quanto na sua capacidade de fiscalizar e controlar os atos do poder Executivo. Para Lima e Santos, 2001, "o processo decisório da política exterior se caracteriza pela abdicação de autoridade do Congresso para o Executivo. Três efeitos importantes podem ser esperados como policy outcomes: a) uma política distante do ponto ideal do legislador mediano; b) instabilidade das decisões ditadas pelo jogo de pressões intraburocráticas; e c) favorecimento a grupos e setores específicos sem qualquer forma de controle horizontal ou vertical" (LIMA & SANTOS, 2001, p. 132).

A prevalência dessa visão não quer dizer que inexista a preocupação com uma postura congressual pró-ativa. Alguns estudos têm destacado que "face a um conjunto de transformações domésticas e internacionais, a ausência de mecanismos de check and balance no processo de tomada de decisão, negociação e implementação de políticas na área internacional é desvantajosa para o país" (OLIVEIRA, 2003, p. 4). De modo semelhante, Lima (2000, p. 296) argumenta que a globalização contribui para fomentar o componente causal doméstico na formação da política exterior, o que torna artificial a separação entre política doméstica e política externa. Em um contexto de regime democrático, um eventual conflito distributivo da política externa deve ser resolvido por meio de mecanismos institucionais típicos de uma poliarquia. Decorre, assim, a necessidade de um corpo de representantes mais assertivos no que diz respeito à política externa.

Conforme mencionado anteriormente, nosso objetivo é avaliar a atuação do poder Legislativo na prerrogativa de exercer tanto o "controle legislativo" quanto o "controle político" na deliberação dos atos internacionais encaminhados pela Presidência da República para deliberação do Congresso Nacional.

Adotamos a definição de Sartori para as expressões "controle legislativo" e "controle político". O primeiro refere-se "à capacidade que as legislaturas têm de apresentar, modificar, protelar e rejeitar projetos de lei" (para adequar ao nosso objeto de análise, apenas substituiríamos os termos "projetos de leis" por "proposições legislativas"). O segundo é equivalente ao "controle parlamentar" e diz respeito ao acompanhamento, pelo poder Legislativo, das decisões adotadas pelo Executivo (Sartori apud LLANOS & MUSTAPIC, 2005, p. 10).

Para a análise do primeiro tipo de controle utilizamos o trâmite legislativo dos Projetos de Decretos Legislativos (PDLs), proposição que, se aprovada, autoriza o poder Executivo a ratificar um ato internacional. Trata-se de um mecanismo de controle que se relaciona com as regras do processo decisório, com a dinâmica deliberativa nas casas congressuais e especialmente com a prerrogativa de apresentação de emendas ou ressalvas por parte dos parlamentares.

A avaliação do "controle político" será operacionalizada a partir dos pedidos de informação formulados pelos deputados federais, interpelando autoridades sobre ações relacionadas às questões externas. É um instrumento que não incide sobre o processo decisório, mas sim sobre ações já executadas ou em andamento. Quais atores políticos farão maior uso desse instrumento depende das regras que outorgam direitos à minoria. Se tais normas fazem poucas exigências - por exemplo, não exigem quórum qualificado para aprovação ou mesmo deliberação por maioria simples em plenário -, a oposição se encontra em melhores condições de exercer o controle (LLANOS & MUSTAPIC, 2005).

Os pedidos de informação, de acordo com Fuchs e Nolte (2005, p. 64), são sinais enviados em direção ao governo para controlá-lo e informá-lo sobre certas áreas de políticas, mas também em direção ao eleitorado sobre o trabalho do parlamentar e as posições da oposição. O valor agregado de uma interpelação limita-se ao prejuízo que o escândalo pode provocar e a conseqüente pressão que pode ser imposta ao poder Executivo. Sendo assim, tenderia a ser um recurso cujo uso seria maximizado prioritariamente pelos partidos da oposição.

Na análise do "controle legislativo", partimos do pressuposto de que a forma centralizada de funcionamento do processo decisório no Brasil e dos recursos institucionais nas mãos dos líderes governistas, conforme já destacado pela literatura (FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999), têm influência decisiva na deliberação dos atos internacionais negociados pelo Presidente da República e encaminhados para deliberação do Congresso.

Levando-se em consideração que o governo dispõe de recursos institucionais para controlar o processo decisório, seja via indicação de relatores das matérias, seja apresentando pedidos de urgência, o que limita o tempo para deliberação do projeto e em certas circunstâncias leva a deliberação para o Plenário em detrimento das comissões, é plausível supor que o controle legislativo será menor quando somente ou predominantemente relatores da base governista exercem a função de relator, ou nos casos em que a base governista apresenta pedidos de urgência.

Em relação ao controle político, tendo em vista que as regras não impõem restrições severas para a apresentação de requerimentos de informação, assumimos que se trata de um instrumento utilizado de forma predominante pelos membros dos partidos de oposição.

Nosso argumento é que não se trata de desinteresse dos parlamentares nos assuntos de política externa (pelo menos naqueles expressos nos acordos internacionais), mas sim que as regras institucionais definidas pela Constituição de 1988 e pelas normas regimentais deixam uma margem extremamente limitada para a atuação dos congressistas para o exercício do "controle legislativo". Por outro lado, apesar das restrições normativas, os dados coletados revelam que o poder Legislativo busca salvaguardar suas prerrogativas na deliberação dos atos internacionais, apresentando ressalvas aos projetos de decretos legislativos (doravante, PDLs).

Além dos limites impostos pelas normas constitucional e regimental, também constatamos que a forma como o processo decisório está organizado no Congresso brasileiro e o poder de agenda presidencial cerceiam a participação dos parlamentares na deliberação dos PDLs, especialmente daqueles que não compõem a base de sustentação do governo. Os parlamentares da oposição têm menor espaço para atuação. Pertencer à base governista parece ser uma condição importante para exercer a função de relator dos PDLs, especialmente no caso da Comissão de Relações Exteriores, primeira instância decisória encarregada de apreciar o ato internacional. No entanto, o controle do poder Executivo sobre a indicação das relatorias não é total. Quando a relatoria cai em mãos dos parlamentares da oposição recorre-se à solicitação de urgência com o objetivo de levar a deliberação ao Plenário. Se consideramos a atividade de relatoria e os pedidos de urgência como mecanismos de controle do poder Executivo sobre a atividade dos parlamentares, vemos que mais de 80% dos acordos internacionais foram deliberados sob interferência do Executivo, o que de certa forma limita a capacidade dos representantes eleitos de exercerem o chamado "controle legislativo".

Feitas essas considerações, organizamos o texto da seguinte forma. Na próxima seção, tratamos do "controle legislativo", por meio do acompanhamento dos Projetos de Decretos Legislativos (PDLs) na Câmara dos Deputados. Em seguida, apresentamos e examinamos os dados compilados referentes aos pedidos de informação. Por último, retomamos os principais achados deste estudo.

IV. A DELIBERAÇÃO DOS ATOS INTERNACIONAIS VIA PDL

De acordo com a Constituição de 1988, o Presidente da República tem a prerrogativa privativa de celebrar tratados, convenções e atos internacionais sujeitos a referendo do Congresso (art. n. 84, inciso VIII) e confere ao poder Legislativo a competência exclusiva de resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (art. 49, inciso I).

Na deliberação dos atos internacionais, a ação do Legislativo é ex post: os parlamentares manifestam-se sobre determinado ato internacional após negociação prévia estabelecida pelo Executivo com agentes externos, por meio dos Projetos de Decretos Legislativos (PDLs), expressando a anuência ou a discordância com os termos e com o conteúdo que compõem o ato internacional. A possibilidade de emenda ou de aprovação parcial está restrita àquela proposição. Caso o poder Legislativo delibere pela rejeição do ato internacional, não há edição de decreto legislativo (MAZZUOLI, 2001).

Uma primeira forma de avaliação da atuação dos parlamentares no exercício das prerrogativas de "controle legislativo" é quantificar os PDL que sofreram ressalvas e/ou objeções.

Entre 6 de outubro de 1988 e 31 de dezembro de 2006, o Congresso Nacional aprovou 725 projetos de decreto legislativo referentes a acordos internacionais. Considerando a tramitação em todas as instâncias deliberativas da Câmara dos Deputados, registramos 47 pareceres apresentando aprovação parcial. É pouco diante da quantidade de mensagens enviadas para deliberação, no entanto, a análise dos pareceres emitidos revelou que: 1) os parlamentares buscaram salvaguardar suas prerrogativas estabelecidas pela Constituição, com a inclusão de artigo ressaltando que quaisquer atos revisando acordos aprovados ou ajustes complementares requerem a aprovação do Congresso Nacional; 2) no caso dos atos relativos a questões nucleares, em consonância com a Constituição, os parlamentares passaram a incluir ao texto dos PDLs, cláusula reafirmando que qualquer atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso; 3) dentre os PDLs que sofreram ressalvas, para além das garantias anteriormente mencionadas, encontramos alguns casos que expressam claramente a posição dos parlamentares em assegurar os interesses do país.

O Ato Internacional, assim como qualquer outra proposição legislativa, é um instrumento por meio do qual a política pública materializa-se. Sendo assim, é passível de obstrução por setores oposicionistas, por meio da apresentação de ressalvas (ainda que limitadas, conforme ressaltado nos parágrafos acima) ou da rejeição do ato internacional. Tal como ocorre com outras proposições, é de se esperar que o poder Executivo tente controlar o processo legislativo, com o objetivo de assegurar a aprovação de suas preferências de políticas.

O controle do processo decisório pode ocorrer por meio de recursos institucionais como, por exemplo, os mecanismos de controle da agenda ou de recursos partidários, que podem se manifestar por meio do controle na composição das comissões permanentes, na escolha de seus presidentes e na indicação dos relatores das matérias que interessam ao governo.

A literatura que analisa as relações entre os poderes no Brasil destaca os significativos poderes de agenda da Presidência da República, o que tem acarretado uma predominância desse poder na produção legislativa. No caso das comissões permanentes, também há indicações de que o Executivo exerce alguma influência na sua composição e na indicação dos relatores (FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999; PEREIRA & MUELLER, 2000; 2003).

Na próxima seção, nosso objetivo é verificar se os mecanismos de poder de agenda, já detectados pela literatura na produção de leis ordinárias, também incidem nas questões relacionadas a acordos internacionais. Para tanto, se faz necessário apresentarmos alguns aspectos do trâmite legislativo desse tipo de proposição.

V. O TRÂMITE LEGISLATIVO DOS ATOS INTERNACIONAIS

O processo de formulação de um PDL inicia-se com o envio, à Câmara dos Deputados, de uma mensagem presidencial, solicitando a apreciação do ato internacional. Nessa Casa, a mensagem é encaminhada pela Mesa Diretora à Comissão de Relações Exteriores (CRE), com especificações quanto ao regime de tramitação, a saber: ordinário, de prioridade ou urgência2 2 De acordo com Maia e César (2004, p. 378), em 1996, foi criada a Comissão do Mercosul. O papel dessa comissão não é o de apreciação formal dos tratados internacionais, como ocorre com as demais comissões. Ela exerce um trabalho de acompanhamento da evolução do Mercosul, servindo como ponto de referência e informação. .

Em regime de tramitação ordinária, a proposição deverá ser analisada na CRE no prazo máximo de quarenta sessões; o regime de prioridade estabelece o prazo de dez sessões e o de urgência, por sua vez, o de cinco sessões (art. 52 do Regimento Interno da Câmara).

Caso a matéria em análise seja considerada relevante e de inadiável interesse nacional, poderá ser incluída automaticamente na "ordem do dia" para discussão e votação imediata, mediante requerimento da maioria absoluta da composição da Câmara ou de líderes que representem esse número, aprovado por maioria (art. 155 do Regimento Interno da Câmara). Trata-se do chamado "pedido de urgência", recurso institucional que agiliza a deliberação de uma proposição legislativa.

A Comissão de Relações Exteriores (CRE) é a primeira instância deliberativa do ato internacional e um aspecto a ser mencionado no que diz respeito à deliberação na CRE é o fato de a grande maioria dos atos internacionais ser apreciada em regime de tramitação ordinária (ver Quadro 1).


Do ponto de vista que aqui nos interessa - a capacidade de controle legislativo -, isto significa que os parlamentares membros da CRE dispuseram de um maior tempo para apreciação dos atos internacionais. A ocorrência de pedidos de urgência, que acarretam a inclusão imediata na "ordem do dia", aspecto que, conforme já destacado pela literatura, limita a atuação dos parlamentares na deliberação (FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999), incidiu em apenas 39 casos

A apresentação de ressalvas aos PDLs, que já não é expressiva em termos quantitativos no cômputo geral, é ainda menor no âmbito da CRE: apenas seis atos internacionais foram objeto de ponderações apresentadas pelos deputados. O quadro abaixo apresenta os dados referentes ao regime de tramitação e à quantidade de proposições que receberam ressalvas.

A determinação para que a maioria dos Atos Internacionais tramitasse em regime ordinário pode significar que o governo sabia que não enfrentaria problemas no âmbito da CRE ou que tais proposições poderiam tramitar ao tempo da Câmara, pois não se tratava de matéria prioritária para o governo. As razões para a apresentação de poucas ressalvas podem ser de duas naturezas: 1) o poder Legislativo não teria nada a acrescentar ao texto do Ato Internacional (por desinteresse, concordância ou desinformação); 2) os Atos Internacionais sofrem pouca interferência do Legislativo, porque o Executivo lança mão dos mecanismos de controle da agenda para assegurar a prevalência de suas preferências. Não temos como testar as duas primeiras possibilidades elencadas acima. A terceira pode ser submetida à avaliação, a partir da verificação da vinculação partidária daqueles que exerceram a função de relatores.

Os dados indicam que no âmbito da CRE 58% dos relatores pertenciam à base de sustentação do governo, sendo 17% deles do mesmo partido do Presidente da República. Tem-se, portanto, que o controle do poder Executivo na indicação dos relatores não é total (42% dos relatores não pertenciam à base governista). Isso quer dizer que de um total de 715 Atos Internacionais, no âmbito da CRE, o relator indicado pertencia à base governista em 416 casos. Em 299 outros casos, os relatores não eram da base governista. No entanto, nesses casos, o Ato Internacional tramitou em regime especial em 113 ocasiões, o que significa que o Executivo exerceu algum tipo de controle sobre o processo legislativo em 529 acordos (73,9%) dos casos examinados.

Há diferenças significativas quanto ao trâmite dos PDLs na esfera da CRE e das demais comissões permanentes. Constatamos que nessas instâncias ocorreu a grande maioria das ressalvas apresentadas e a tendência é de que os PDLs sejam apreciados em regime especial (ver Quadro 3).


No que se refere aos relatores serem ou não da base governista, prevalece a tendência encontrada anteriormente: a maioria dos relatores é membro da coalizão governista e em todas as comissões encarregadas de apreciar os PDLs o governo conseguiu manter em torno de 50% a indicação dos relatores. Nas situações em que não foi possível manter um relator da coalizão, utilizou-se o recurso da urgência. Se considerarmos como controle do poder Executivo sobre o processo legislativo a quantidade de PDLs relatados por parlamentares da coalizão e o montante de PDLs que tramitaram em regime especial quando os relatores pertenciam aos partidos de oposição, temos o seguinte resultado: na comissão 1, houve controle de 462 PDLs, de um total de 565 (81,7%); na comissão 2, controle de 298, de um total de 358 (83%); na comissão 3, 73 PDLs, de 86 no total (84,8%).

Quadro 4


Se trabalharmos em uma matriz de separação rígida entre os poderes, nossa conclusão deveria indicar que o "controle legislativo", nos termos definidos por Sartori, é praticamente inexistente nos casos aqui analisados. No entanto, se levarmos em consideração que o sistema político brasileiro opera sob a égide de um "presidencialismo de coalizão" (ABRANCHES, 1988; LIMONGI, 2007; SANTOS, 2007), os dados acima mencionados (apresentação de poucas ressalvas aos PDLs, relatores pertencentes à base governista e regime de tramitação especial quando os relatores não são da coalizão) podem ser vistos como decorrentes de uma articulação eficiente entre governo e partidos que compõem a base governista. Ou seja: a pouca capacidade dos parlamentares para o exercício do controle legislativo está diretamente relacionada ao formato organizacional do nosso processo decisório.

VI. O PODER DE SOLICITAR INFORMAÇÃO

No Brasil, o controle parlamentar pode se expressar por meio da convocação de ministros, da realização de audiências públicas e dos pedidos de informação (art. 50 da Constituição Federal).

O pedido de informação é feito por escrito e apresentado ao plenário da Casa que lhe deu origem, onde é lido e submetido à votação, sendo necessária maioria simples para sua aprovação. Se aprovado, é encaminhado à Mesa para elaboração de um parecer. Caso o pedido receba parecer favorável, é então enviado ao ministro específico. A recusa ou não-atendimento do pedido no prazo de 30 dias, bem como a prestação de informação falsa, resulta em crime de responsabilidade (LEMOS, 2005, p. 90).

Trata-se de um instrumento de difícil avaliação dos seus desdobramentos. Talvez a eficácia maior seja a sinalização para o poder Executivo de que o Legislativo está atento a suas ações e disposto a tirar proveito de eventuais deslizes. No entanto, alguns aspectos quanto ao uso desse instrumento merecem ser mencionados. O primeiro deles refere-se à tendência crescente do seu uso. O governo Lula ocupa a primeira posição, tendo recebido durante o primeiro mandato 99 solicitações de informação. O segundo e o primeiro mandatos do Presidente Fernando Henrique vêm posteriormente, seguidos pelos governos Collor, Itamar e Sarney (ver Quadro 5).

Um segundo aspecto destacado é a tendência já observada por Lemos (2005, p. 93) de maior incidência dos pedidos justamente no primeiro ano dos mandatos presidenciais. De acordo com a autora, o efeito "lua-de-mel", previsto pela literatura (MAYHEW, 1991; Khrebiel apud LEMOS, 2005, p. 93), não funciona pra o Brasil. Os anos iniciais dos mandatos tendem a ser o período mais contencioso (ver gráfico abaixo).

Esse aspecto pode ser mais bem compreendido se levarmos em consideração que mecanismos de controle dessa natureza são recursos, em geral, utilizados pelos membros da oposição. De um total de 382 pedidos solicitando informação ao Ministro das Relações Exteriores, apresentados entre 6 de outubro de 1988 e 31 de dezembro de 2007, 269 (70,4%) foram apresentados pelos parlamentares de oposição ao presidente em exercício no momento da solicitação e 113 (29,6%) pelos membros da coalizão governista.

Ressaltamos anteriormente a possibilidade de a própria base governista adotar uma postura oposicionista. Nossos dados indicam que todos os governos receberam solicitações de informação originárias de sua própria base, no entanto, o governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o que mais tem sofrido ataques de "fogoamigo", conforme indicado no Quadro 5 abaixo.


Aventamos a possibilidade de que ações oposicionistas advindas da própria base governista podem fazer parte de um cálculo estratégico, em que o autor da ação supõe que terá algum ganho, sem, no entanto, causar maiores prejuízos ao partido da situação. Os partidos da oposição, por outro lado, tenderiam a solicitar informação sobre temas que pudessem causar algum constrangimento ao governo.

Os dados confirmam parcialmente nossas suposições. Há pedidos de informação solicitados somente pela base governista, e de tamanha generalidade, que é difícil imaginar que poderiam causar algum dano ao governo, como, por exemplo, informações sobre "as ações do governo no exterior" ou os critérios para concessão de vistos.

Há temas que mobilizam igualmente situação e oposição, por exemplo, informações relacionadas a relações comerciais e financeiras entre o Brasil e os demais países; temas sobre a situação e à ação de estrangeiros no nosso país; e questões ligadas à fronteira. Por outro lado, há assuntos que mobilizam intensamente a oposição, são eles: acordos internacionais negociados pelo poder Executivo; a situação de brasileiros no exterior; informação sobre a ocupação de cargos no Ministério ou nas embaixadas; denúncias veiculadas na imprensa; despesas e gastos com viagens; e a posição oficial do país em casos específicos. O Quadro 6 apresenta os dados aqui mencionados e o Apêndice alguns exemplos dentro de cada uma das classificações.


Em resumo, nossos dados indicam que instrumentos de controle como os requerimentos de informação foram usados predominantemente pelos partidos da oposição, que, de forma geral, buscam interpelar o governo sobre temas que possam causar algum constrangimento eleitoral. Quanto à apresentação de requerimentos pelos membros da base governista, estes parecem não ter um impacto negativo sobre o governo.

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os mecanismos de controle legislativo podem ser de duas ordens: ex ante e ex post. O primeiro pode se manifestar mediante a promulgação de leis altamente detalhadas nas quais ficam impressas as primazias do poder Legislativo, deixando pouco espaço à discricionalidade do Executivo. O segundo visa limitar e/ou alterar ações já iniciadas pelo poder Executivo. O consenso estabelecido é que os controles mais efetivos são os ex ante. Um agente que não tem o poder ou a vontade de impor controles de antemão dificilmente pode impor controles ex post de modo eficiente.

No Brasil, por determinação constitucional, a ação dos parlamentares é ex post: os parlamentares brasileiros não têm como estabelecer parâmetros previamente à negociação entre o poder Executivo e os atores externos.

A ação ex post, a pequena quantidade de atos internacionais que sofreram ressalvas, bem como o número insignificante de atos rejeitados têm levado à interpretação de que o papel do poder Legislativo nas questões externas é secundário. Nosso argumento é de que, dadas as prerrogativas constitucionais para deliberação dos Atos Internacionais, não se pode esperar que o processo de deliberação dos mesmos funcione como controle ex ante. O relator da matéria tem que se limitar a apresentar ressalvas ou rejeitar o ato internacional, ou seja, o campo para atuação dos parlamentares é bastante circunscrito. Conforme destacou Santos (2003, p. 166), "não foram criados instrumentos que garantissem ao legislativo a competência de definir ex ante os parâmetros gerais das posições negociadoras do Executivo no plano internacional".

A reconstituição do trâmite legislativo dos PDLs permitiu-nos identificar o padrão de interação entre os poderes. O poder Executivo domina a deliberação dos acordos internacionais. Para além do fato do Legislativo ter somente a prerrogativa de apresentar ressalvas aos decretos legislativos, o Executivo tem como controlar o tempo para deliberação dos Atos Internacionais nas comissões permanentes e a indicação dos relatores na maioria dos casos. Vimos que na primeira instância deliberativa, a CRE, a maioria dos PDLs tramita em regime ordinário, mas não encontramos o mesmo padrão quando acompanhamos o trâmite legislativo nas demais comissões permanentes. Nessas instâncias, é significativa a incidência de pedidos de urgência, levando a deliberação do Ato para o Plenário.

Figueiredo e Limongi (1999) já demonstraram o quanto os pedidos de urgência são primordiais para assegurar o sucesso do poder Executivo nas matérias referentes à política doméstica. Mais que determinar o tempo para apreciação, a solicitação de urgência coloca nas mãos dos Presidentes das Mesas e do Colégio de Líderes recursos significativos para assegurar aprovação à proposição de interesse do Executivo. Encontramos o mesmo padrão no que diz respeito aos acordos internacionais.

Outra limitação para o exercício do controle legislativo por parte dos parlamentares relaciona-se com o processo de escolha dos relatores. Embora as regras formais não proíbam, as informais dificultam a atuação de parlamentares da oposição. A grande maioria das relatorias é entregue aos parlamentares da coalizão governista, o que resulta em baixa capacidade efetiva para o exercício do controle legislativo.

Em resumo, mais até do que na política doméstica, os preceitos da Constituição Federal e os mecanismos de controle da agenda à disposição do poder Executivo restringem significativamente o campo de atuação do Legislativo na deliberação dos acordos internacionais, principalmente no que diz respeito ao "controle legislativo". A eficácia de mecanismos de controle do tipo "político", como os pedidos de informação, ficam circunscritos a possíveis constrangimentos de ordem eleitoral.

É possível que a médio e longo prazo esse cenário venha a sofrer significativas alterações. Nos últimos anos, foram apresentadas inúmeras propostas de emendas constitucionais e de decretos legislativos visando a aumentar a participação do poder Legislativo nos acordos internacionais (INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2006).

No âmbito do Mercosul, dois temas têm mobilizado os legisladores: a institucionalização do Parlamento do Mercosul e a aprovação da Venezuela como membro do bloco.

No primeiro caso, precursor ao Parlamento do Mercosul foi a criação da Comissão Parlamentar Conjunta (CPC), com o objetivo de auxiliar o Grupo Mercado Comum (órgão executor), ambos previstos no Tratado de Assunção de 1991. Posteriormente, essa comissão passou a denominar-se Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul, tendo por atribuição, dentre outros aspectos, solicitar aos poderes Executivos de cada um dos Estados-Membros informação que seja necessária no plano político, econômico, social, cultural e legislativo para o cumprimento dos objetivos previstos no Tratado de Assunção (BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2009b).

Cabe ressaltar que a Representação tem caráter consultivo, e não deliberativo. Nesses termos, ela aproximar-se-ia do que aqui denominamos de "controle parlamentar", sem capacidade de exercer prerrogativas de "controle político". No entanto, recentemente a "Representação" ganhou visibilidade em razão da necessidade de se definir as regras para escolha dos representantes no Parlamento do Mercosul, que deverão ser eleitos em 2010.

Definidas tais regras e com o pleno funcionamento do Parlamento do Mercosul, é possível que, ao menos em relação aos atos concernentes ao Bloco Sul-Americano, o poder Legislativo conquiste maior espaço de atuação, não só propositiva, mas também de controle.

O debate impulsionado em razão da inclusão da Venezuela no Bloco do Mercosul é outro exemplo de que cada vez mais o poder Legislativo tem se envolvido nas questões externas. O Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul foi enviado para deliberação da Câmara dos Deputados em 25 de julho de 2007 e ali permaneceu até dezembro de 2008. Aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e pela Comissão de Relações Exteriores, o Protocolo seguiu para deliberação no Plenário da Câmara.

A deliberação foi marcada por intenso debate. Parlamentares do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) foram os mais enfáticos na defesa do voto contrário à inclusão da Venezuela. O Deputado Antonio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) assim se pronunciou: "Não é uma posição contrária à Venezuela; é contrária à circunstância em que a Venezuela vive, neste momento, no Governo do Presidente Chávez" (BRASIL. Câmara dos Deputados, 2008).

A base governista conseguiu aprovar um requerimento de "encerramento da discussão" e de encaminhamento da votação. A apreciação deu-se por votação nominal: 265 deputados votaram pelo "sim", 61 pelo "não" e 6 se abstiveram.

Encerrada a deliberação na Câmara, o Protocolo seguiu para a apreciação dos Senadores. Até o momento de encerramento deste artigo, a matéria ainda estava pendente para deliberação no Plenário do Senado.

O embate travado entre deputados e, posteriormente, entre os senadores quanto à deliberação do Protocolo dá mostras de que cada vez mais os nossos parlamentares têm que voltar suas atenções ao tratamento de questões relacionadas à política externa do país.

Recebido em 2 de dezembro de 2008.

Aprovado em 23 de junho de 2009.

Simone Diniz (dinizsimone@hotmail.com) é Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e Professora na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

Cláudio O. Ribeiro (professorclaudio@gmail.com) é Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e Professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

  • ABRANCHES, S. 1988. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, p. 5-33.
  • ALLISON, G. 1971. Modelos conceptuales y la crisis de los misiles Cubanos. In: VILLANUEVA, L. F. A. (org.). La hechura de las políticas Ciudad de México: Porrúa.
  • AMES, B. 2003. Os entraves da democracia no Brasil Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
  • AMORIM NETO, O. & SANTOS, F. 2001. A conexão presidencial: facções pró e antigoverno e disciplina partidária no Brasil. Dados, Rio de janeiro, v. 44, n. 2. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script= sci_arttext&pid=S0011-52582001000200003 Acesso em: 1.set.2010.
  • FIGUEIREDO, A. 2001. Instituições e política no controle do Executivo. Dados, Rio de Janeiro, v. 44, n. 4, p. 689-727. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582001000400002 Acesso em: 1.set.2010.
  • FIGUEIREDO, A. & LIMONGI, F. 1999. Executivo e legislativo na nova ordem constitucional.Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
  • FUCHS, R. & NOLTE, D. 2005. Os pedidos de informação escritos e orais como instrumentos de controle parlamentar: Argentina e Alemanha em uma perspectiva comparada. In: LLANOS, M. & MUSTAPIC, A. M. (orgs.). Controle parlamentar na Alemanha, na Argentina e no Brasil Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer.
  • INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS 2006. Congresso Nacional: mapeamento de propostas com escopo internacional em tramitação. Brasília: INESC.
  • KIEWIET, D. R. & MCCUBBINS, M. D. 1991. The Logic of Delegation: Congressional Parties and the Appropriations Process. Chicago: University of Chicago.
  • LEMOS, L. 2005. Como o Congresso Brasileiro controla o Executivo? O uso de requerimentos de informação, convocação de autoridades e propostas de fiscalização e controle. In: LLANOS, M. & MUSTAPIC, A. M. (orgs.). Controle parlamentar na Alemanha, na Argentina e no Brasil Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer.
  • LIMA, M. R. S. 2000. Instituições democráticas e política externa. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 265-303. Disponível em: http://publique.rdc.puc-rio.br/contextointernacional/media/Lima_vol22n2.pdf Acesso em: 1.set.2010.
  • LIMA, M. R. S. & SANTOS, F. 2001. O Congresso e a política de comércio exterior. Lua Nova, São Paulo, n. 52, p. 121-149.
  • LIMONGI, F. 2007. Presidencialismo e governo de coalizão. In: AVRITZER, L. & ANASTASIA, F. Reforma política no Brasil Belo Horizonte: UFMG.
  • LIMONGI, F. & FIGUEIREDO, A. 2005. Processo orçamentário e comportamento legislativo: emendas individuais, apoio ao Executivo e programas de governo. Dados, Rio de Janeiro, v. 48, n. 4, p. 737-776. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582005000400002 Acesso em: 1.set.2010.
  • LLANOS, M. & MUSTAPIC, A. M. 2005. Controle parlamentar na Alemanha, na Argentina e no Brasil. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer.
  • MAIA, C. & CESAR, S. 2004. A diplomacia congressual: análise comparativa do papel dos Legislativos brasileiro e norte-americano na formulação da política exterior. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 41, n. 163, p. 363-388.
  • MAZZUOLI, V. O. 2001. O Treaty-Making Power na Constituição Brasileira de 1988: Uma Análise Comparativa do Poder de Celebrar tratados à Luz da Dinâmica das Relações Internacionais. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 44, n. 2, p. 82-108. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73292001000200005 &script=sci_arttext Acesso em: 1.set.2010.
  • MELO, C. R. F. 2000. Partidos e migração partidária na câmara dos deputados. Dados, Rio de Janeiro, v. 43, n. 2. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582000000200001 Acesso em: 1.set.2010.
  • O'DONNELL, G. 1991. Democracia delegativa? Novos Estudos, São Paulo, n. 31, p. 25-40.
  • _____ 1998a. Accountability horizontal e novas poliarquias. Lua Nova, São Paulo, n. 44, p. 27-54. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64451998000200003&script=sci_arttext&tlng=en Acesso em: 1.set.2010.
  • _____ 1998b. Poliarquias e a (in)efetividade da lei na América Latina. Novos Estudos, São Paulo, n. 51, p. 37-62.
  • OLIVEIRA, A. J. 2003. Legislativo e política externa: das (in)conveniências da abdicação. Working papers, Centro de Estudos das Negociações Internacionais, São Paulo, n. 3. Disponível em: http://caeni.com.br/index2.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=22&Itemid=39 Acesso em: 1.set.2010.
  • PEREIRA, C. & MUELLER, B. 2000. Uma teoria da preponderância do poder Executivo: o sistema de comissões no Legislativo brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 15, n. 43, p. 45-67. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092000000200004 Acesso em: 1.set.2010.
  • _____ 2003. Partidos fracos na arena eleitoral e partidos fortes na arena legislativa: a conexão eleitoral no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v. 46, n. 4, p. 735-771.
  • PUTNAM, R. D. 1998. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two Leves Games. International Organization, Cambridge, v. 42, n. 3, p. 427-460.
  • SANTOS, F. 1997. Patronagem e poder de agenda na política brasileira. Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 3. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011-52581997000300007&script=sci_arttext Acesso em: 1.set.2010.
  • _____ 2003. O Congresso brasileiro e a política de comércio exterior. In: O Poder Legislativo no presidencialismo de coalizão Belo Horizonte: UFMG.
  • _____ 2007. Governos de coalizão no sistema presidencial: o caso do Brasil sob a égide da Constituição de 1988. In: AVRITZER, L. & ANASTASIA, F. (orgs.). Reforma política no Brasil Belo Horizonte: UFMG.
  • STROM, K. 2000. Delegation and Accountability in Parliamentary Democracies. European Journal of Political Research, Hoboken, n. 37, p. 353-376.OUTRAS FONTESBRASIL Câmara dos Deputados. 2008. Diária da Câmara dos Deputados, Brasília, 18.dez., p. 60706.
  • _____ 2009a. Sítio eletrônico. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/ . Acesso em: 6.ago.2009.
  • _____ 2009b. Sistema de comissões Disponível em: http://www2.camara.gov.br/ Acesso em: 6.ago.2009.
  • 1
    Ver Santos (1997); Figueiredo e Limongi (1999); Melo (2000); Amorim Neto e Santos (2001) entre outros.
  • 2
    De acordo com Maia e César (2004, p. 378), em 1996, foi criada a Comissão do Mercosul. O papel dessa comissão não é o de apreciação formal dos tratados internacionais, como ocorre com as demais comissões. Ela exerce um trabalho de acompanhamento da evolução do Mercosul, servindo como ponto de referência e informação.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      02 Dez 2008
    • Aceito
      23 Jun 2009
    Universidade Federal do Paraná Rua General Carneiro, 460 - sala 904, 80060-150 Curitiba PR - Brasil, Tel./Fax: (55 41) 3360-5320 - Curitiba - PR - Brazil
    E-mail: editoriarsp@gmail.com