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Incentivos e barreiras ao teste de HIV entre mulheres profissionais do sexo no Ceará

RESUMO

OBJETIVO

Estimar a prevalência do HIV e descrever os incentivos e barreiras à realização do teste para o HIV entre mulheres profissionais do sexo.

MÉTODOS

Este estudo transversal recrutou 402 mulheres de 18 anos ou mais, residentes em Fortaleza, CE, que informaram ter tido relação sexual em troca de dinheiro nos últimos quatro meses. A amostra foi recrutada por meio da técnica Respondent Driven Sampling, entre agosto e novembro de 2010.

RESULTADOS

A adesão ao teste de HIV foi de 84,1% e a prevalência estimada da infecção pelo HIV foi de 3,8%. A amostra era jovem (25 a 39 anos), solteira (80,0%), com um a três filhos (83,6 %), tinham oito anos ou mais de estudo (65,7%) e pertencia às classes sociais D/E (53,1%). A maioria exercia a profissão em locais fechados (bares, motéis, hotéis, sauna – 88,9%), e a prostituição era a única fonte de renda (54,1%). Cerca de 25% da amostra desconhecia onde o teste de HIV era realizado na rede pública e 51,8% nunca fez o teste ou se testou há um ano ou mais. As principais barreiras ao teste foram acreditar que não corre risco de se infectar (24,1%) e o medo da discriminação caso o teste fosse reagente (20,5%). Os incentivos foram relacionados à maior oferta de locais para o teste (57,0%) e de unidades de saúde com horários alternativos (44,2%).

CONCLUSÕES

A prevalência foi semelhante à encontrada em outras cidades brasileiras de diferentes regiões do país, apesar de superiores a de mulheres não profissionais do sexo. A disponibilidade do teste em locais não relacionados à saúde e a oferta nas unidades básicas em horário não comercial são fatores que incentivam a realização do teste. Não se considerar sob-risco, medo de ser discriminada e desconhecimento dos locais onde o teste é realizado podem ser uma barreira para a realização do exame.

Profissionais do Sexo; Soroprevalência de HIV; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Sexo sem Proteção, prevenção & controle; Fatores de Risco; Infecções por HIV, prevenção & controle

ABSTRACT

OBJECTIVE

Estimating HIV prevalence and describing the incentives and barriers for HIV testing among female sex workers.

METHODS

This cross-sectional study recruited 402 women aged 18 years or older, residing in Fortaleza, state of Ceará, Brazil, who reported having had sexual intercourse in exchange for money in last four months. The sample was recruited using Respondent Driven Sampling, between August and November 2010.

RESULTS

The 84.1% of the sample tested and the estimated prevalence of HIV infection was 3.8%. The sample was young (25 to 39 years ), single (80.0%), with one to three children (83.6%), had eight or more years of schooling (65.7%), and belonged to social classes D/E (53.1%). The majority worked in fixed locations (bars, motels, hotels, sauna - 88.9%), and prostitution was their only source of income (54.1%). About 25% of the sample did not know where to test in the public health sector and 51.8% either never tested or hadn’t tested for over a year or more. The main reported barriers to testing were the perceptions that there was no risk of becoming infected (24.1%), and, alternatively, fear of discrimination if the test was positive (20.5%). Incentives for testing were the greater availability of testing sites (57.0%) and health facilities with alternative schedules (44.2%).

CONCLUSIONS

Prevalence for HIV was similar to that found in other Brazilian cities in different regions of the country, although higher than the general female population. Non-traditional venues not associated with the health system and availability of testing in health units during non-commercial hours are factors that encourage testing. Not considering oneself to be at risk, fear of being discriminated against and not knowing testing locations are barriers.

Sex Workers; HIV Seroprevalence; Health Knowledge, Attitudes, Practice; Unsafe Sex, prevention & control; Risk Factors; HIV Infections, prevention & control

INTRODUÇÃO

Em muitos países, especialmente nos países de baixa e média renda, as mulheres profissionais do sexo (MPS) têm níveis mais elevados da infecção pelo HIV do que as mulheres em idade reprodutiva que não exercem o trabalho sexual (MNPS). Um estudo realizado em 10 capitais brasileiras mostrou que a prevalência de HIV entre as MPS pode chegar a ser até 15 vezes maior que nas mulheres em geral11. Malta M, Magnanini MM, Mello MB, Pascom AR, Linhares Y, Bastos FI. HIV prevalence among female sex workers, drug users and men who have sex with men in Brazil: a systematic review and meta-analysis. BMC Public Health. 2010;10:317. https://doi.org/10.1186/1471-2458-10-317
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,22. Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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.

O risco de adquirir a infecção pelo HIV sofre influência de fatores comportamentais, biológicos e do contexto de trabalho da MPS. Comportamentos como, uso de drogas injetáveis, início sexual precoce, múltiplas parcerias sexuais e uso inconsistente de preservativos acarretam aumento do risco para adquirir HIV e outras doenças de transmissão sexual, como a sífilis e as hepatites virais11. Malta M, Magnanini MM, Mello MB, Pascom AR, Linhares Y, Bastos FI. HIV prevalence among female sex workers, drug users and men who have sex with men in Brazil: a systematic review and meta-analysis. BMC Public Health. 2010;10:317. https://doi.org/10.1186/1471-2458-10-317
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,33. Baral S, Beyrer C, Muessig K, Poteat T, Wirtz AL, Decker MR, et al. Burden of HIV among female sex workers in low-income and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis. Lancet Infect Dis. 2012;12(7):538-49. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(12)70066-X
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. Fatores estruturais como a violação dos direitos e a violência (física e sexual) contribuem na ampliação do risco para HIV e da vulnerabilidade da MPS22. Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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,44. Beyrer C, Crago AL, Bekker LG, Butler J, Shannon K, Kerrigan D, et al. An action agenda for HIV and sex workers. Lancet. 2015;385(9964):287-301. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)60933-8
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.

O cenário de estigma, discriminação e violência social favorece a negação do trabalho sexual e amplia as vulnerabilidades. A exclusão social contribui para afastar as MPS dos serviços de saúde. Isso aumenta os riscos aos quais estão sujeitas no exercício da profissão, como infecções sexualmente transmissíveis, interseção do uso de drogas injetáveis, sexo com mais parceiros HIV-positivos, uso baixo e inconsistente do preservativo, dentre outros1–3,5,6. A junção de todos esses fatores aliada à limitação da acessibilidade financeira, analfabetismo, discriminação, exclusão social e segregação tornam um desafio a prevenção e o tratamento da infecção para o HIV e outras doenças de transmissão sexual entre MPS11. Malta M, Magnanini MM, Mello MB, Pascom AR, Linhares Y, Bastos FI. HIV prevalence among female sex workers, drug users and men who have sex with men in Brazil: a systematic review and meta-analysis. BMC Public Health. 2010;10:317. https://doi.org/10.1186/1471-2458-10-317
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,44. Beyrer C, Crago AL, Bekker LG, Butler J, Shannon K, Kerrigan D, et al. An action agenda for HIV and sex workers. Lancet. 2015;385(9964):287-301. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)60933-8
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.

O diagnóstico e o tratamento precoce da infecção pelo HIV contribuem para a redução da progressão clínica da doença e da transmissão do vírus para parceiro(s)77. Marks G, Crepaz N, Senterfitt JW, Janssen RS. Meta-analysis of high-risk sexual behavior in persons aware and unaware they are infected with HIV in the United States: implications for HIV prevention programs. J Acquir Immune Defic Syndr. 2005;39(4):446-53. https://doi.org/10.1097/01.qai.0000151079.33935.79
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,88. Mahoney MR, Fogler J, Weber S, Goldschmidt RH. Applying HIV testing guidelines in clinical practice. Am Fam Physician. 2009 [cited 2017 Nov 19];80(12):1441-4. Available from: http://www.aafp.org/afp/2009/1215/p1441.pdf
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. Assim, a testagem para HIV é fortemente recomendada para populações sob-risco frequente de adquirir a infecção, incluindo MPS, e é recomendada a realização em intervalos de três a quatro meses55. Kakchapati S, Singh DR, Rawal BB, Lim A. Sexual risk behaviors, HIV, and syphilis among female sex workers in Nepal. HIV AIDS (Auckl). 2017;9:9-18. https://doi.org/10.2147/HIV.S123928
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. Apesar de reconhecer as MPS como população-chave a ser priorizada para o controle da epidemia de AIDS, os incentivos e barreiras para a realização do teste para o HIV entre MPS são pouco estudados11. Malta M, Magnanini MM, Mello MB, Pascom AR, Linhares Y, Bastos FI. HIV prevalence among female sex workers, drug users and men who have sex with men in Brazil: a systematic review and meta-analysis. BMC Public Health. 2010;10:317. https://doi.org/10.1186/1471-2458-10-317
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,33. Baral S, Beyrer C, Muessig K, Poteat T, Wirtz AL, Decker MR, et al. Burden of HIV among female sex workers in low-income and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis. Lancet Infect Dis. 2012;12(7):538-49. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(12)70066-X
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.

Este artigo teve como objetivo descrever os principais incentivos e barreiras para a realização do teste para o HIV entre MPS. Os achados fornecerão subsídios aos gestores de saúde que enfrentam desafios para redução das taxas de transmissão do HIV entre populações-chave no país.

MÉTODOS

Estudo de corte transversal realizado em Fortaleza, CE, entre agosto e novembro de 2010, com 402 mulheres com 18 anos ou mais que relataram relação sexual em troca de dinheiro nos últimos quatro meses. As MPS foram recrutadas por meio do método Respondent Driven Sampling (RDS). O RDS foi proposto no final da década de 1990 e é utilizado para acessar populações de difícil acesso, incluindo a MPS, por apresentarem comportamentos estigmatizados e até ilegais em alguns países99. Kendall C, Kerr LR, Gondim RC, Werneck GL, Macena RH, Pontes MK, et al. An empirical comparison of respondent-driven sampling, time location sampling, and snowball sampling for behavioral surveillance in men who have sex with men, Fortaleza, Brazil. AIDS Behav. 2008;12(4 Suppl):S97-104. https://doi.org/10.1007/s10461-008-9390-4
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,1010. Johnston LG, Malekinejad M, Kendall C, Iuppa IM, Rutherford GW. Implementation challenges to using respondent-driven sampling methodology for HIV biological and behavioral surveillance: field experiences in international settings. AIDS Behav. 2008;12(4 Suppl):S131-41. https://doi.org/10.1007/s10461-008-9413-1
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.

A pesquisa formativa foi realizada com pesquisadores e liderança do movimento de MPS para apresentar a proposta do estudo, negociar adesão, firmar acordo e, principalmente, definir as estratégias para o desenvolvimento do campo, como a seleção das sementes (os primeiros recrutadores), natureza dos ressarcimentos, procedimentos e logística (locais, dias, horários), e critérios de inclusão.

A amostra foi calculada considerando uma estimativa de prevalência de HIV de 6,1% (3,7% de erro amostral, α = 5,0% e poder de 70,0%), dado oficial no país1111. Ministério da Saúde (BR), Secretaria ade Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Avaliação da efetividade das ações de prevenção dirigidas às profissionais do sexo, em três regiões brasileiras. Brasília (DF); 2004 [cited 2017 Nov 19]. (Estudos Pesquisas e Avaliação, 7). Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/avaliacao_efetividade_acoes_prevencao_profissional_sexo.pdf
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. O tamanho mínimo da amostra foi de 204 mulheres. Contudo, foi considerado o efeito do desenho (deff) proposto por Salganik1212. Salganik MJ. Variance estimation, design effects, and sample size calculations for respondent-driven sampling. J Urban Health. 2006;83(6 Suppl):i98-112. https://doi.org/10.1007/s11524-006-9106-x
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para compensar eventuais perdas e para resguardar a precisão. Assim, a amostra final foi composta por 410 mulheres, incluindo as cinco sementes. Dessas 410 MPS, seis (1,5%) foram inelegíveis e duas (0,5%) não tinham respondido ao questionário; assim, 402 foram incluídas na amostra final. Nenhuma mulher foi impedida de participar da pesquisa.

As sementes foram recrutadas por conveniência, considerando a diversidade de rendimento financeiro, escolaridade e locais do trabalho sexual (centro da cidade e na área litorânea). Duas ONG (Organização Não Governamental) direcionadas ao público-alvo contribuíram para a seleção das sementes. Cada semente recebeu três convites numerados e não falsificáveis para convidar MPS de sua rede social. O procedimento foi repetido até alcançar o tamanho da amostra.

Cada entrevistada recebeu incentivo primário (R$15,00) para ressarcimento das despesas (transporte e alimentação) e incentivo secundário (R$10,00) para cada recrutada que comparecesse ao estudo), para ressarcimento das despesas com contatos telefônicos e deslocamento.

A coleta foi realizada em duas unidades da rede pública de saúde (A: horário diurno e B: horário vespertino e noturno). As entrevistas foram pré-agendadas por telefone ou por demanda espontânea na unidade de saúde, mediante apresentação do convite numerado.

Os dados foram coletados por questionário digitado em Pocket PC, aconselhamento e realização de teste rápido (TR) para HIV. O questionário incluía rede social, perfil sociodemográfico, histórico de testagem para HIV, comportamento sexual, conhecimento sobre HIV/Aids, assistência de saúde e DST; discriminação e violência. As variáveis não contempladas neste artigo serão objetos de futuras análises.

O aconselhamento e a realização de TR para HIV eram oferecidos a todas MPS após a aplicação do questionário. Caso o resultado fosse reagente, a mulher era encaminhada para um dos Serviços Ambulatoriais Especializados (SAE) que compunham a rede de atenção as PVHA de Fortaleza.

As variáveis foram examinadas para os valores missing e extremos, bem como para a consistência lógica. A seguir, foi realizada análise descritiva e foram estimadas as prevalências brutas e ajustadas das variáveis de maior interesse, escolhidas para permitir comparabilidade com estudos nacionais. Foram estabelecidos os intervalos de 95% de confiança. Nessa fase da análise, foi utilizado o software Respondent Driven Sampling Analysis Tool (RDSat), versão 6.0. Foram considerados os parâmetros de 15.000 reamostragens e intervalos de confiança com coeficiente de confiança igual a 95% (α = 0,025), e as demais opções iguais ao padrão do software.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (Protocolo 263/09). Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Quase metade das entrevistadas era jovem (entre 25 e 39 anos; média = 33,0 anos; DP = 10,8 anos; amplitude = 18–67 anos). A maioria se identificou como sendo de cor preta/morena/mulato/marrom ou parda (81,9%), tinha oito anos ou mais de estudo (65,7%), era solteira (80%), tinha de um a três filhos (83,6%) e pertencia às classes sociais D/E (53,1%). A maioria exercia a profissão em locais fechados como bares, motéis, hotéis, termas e saunas (88,9%) e informou exclusivamente a prostituição como trabalho (54,1%) (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas de mulheres profissionais do sexo. Fortaleza, CE, 2010.

Quase todas as MPS informaram ter conhecimento sobre a finalidade e as vantagens de fazer o teste de HIV (> 90%), todavia percentuais elevados das MPS não reconheceram a importância dessa medida de saúde para iniciar precocemente o tratamento uma vez infectada pelo HIV (59,2%), para cuidar melhor do corpo ou da saúde (67,0%) ou para aumentar a sobrevida ou melhorar a qualidade de vida (74,1%). Não acreditaram que o teste de HIV servisse para proteger os parceiros sexuais (79,1%) e achavam que não deveria ser feito como rotina para todos (77,0%) (Tabela 2).

Tabela 2
Conhecimento sobre os benefícios do teste de HIV de mulheres profissionais do sexo. Fortaleza, CE, 2010.

Cerca de 25% da amostra não sabia onde o teste de HIV poderia ser realizado gratuitamente na rede pública, 28,2% nunca fez o teste para HIV, e 23,6% se testou há mais de um ano ou não sabe quando se testou. Dentre as que se testaram, o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) foi o local mais acessado (52,1%) e o teste rápido foi o método de escolha (54,6%). A adesão ao teste de HIV na pesquisa foi alta (84,1%) e a prevalência estimada da infecção pelo HIV foi de 3,8% (Tabela 3).

Tabela 3
Conhecimento das profissionais do sexo em relação à testagem de HIV. Fortaleza, CE, 2010.

Acreditar que não corre risco de se infectar ou não pertencer a grupos de risco (24,1%) e o medo de ser discriminada caso o teste fosse reagente para HIV (20,5%) foram os principais motivos alegados pelas entrevistadas para não se submeteram ao teste. Os principais fatores motivadores ou de incentivo à testagem para HIV foram: a disponibilidade do teste em locais não relacionados à saúde (57,0%) e a oferta na maioria das unidades básicas e/ou em horário não comercial (44,2%) (Tabela 4).

Tabela 4
Incentivos e barreiras à testagem pelo HIV entre mulheres profissionais do sexo. Fortaleza, CE, 2010.

DISCUSSÃO

A prevalência estimada da infecção pelo HIV neste estudo (3,8%, IC95% 1,2–6,9) é semelhante a estudos realizados em diferentes regiões do país nos últimos 17 anos11. Malta M, Magnanini MM, Mello MB, Pascom AR, Linhares Y, Bastos FI. HIV prevalence among female sex workers, drug users and men who have sex with men in Brazil: a systematic review and meta-analysis. BMC Public Health. 2010;10:317. https://doi.org/10.1186/1471-2458-10-317
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,22. Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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,1313. Broutet N, Queiroz-Sousa A, Basilio FP, Sá HL, Simon F, Dabis F. Prevalence of HIV-1, HIV-2 and HTLV antibody, in Fortaleza, Ceara, Brazil, 1993-1994. Int J STD AIDS. 1996;7(5):365-9.. Alguns fatores precisam ser considerados na mensuração das prevalências do HIV entre MPS ao longo dos anos: (i) a maioria dos estudos, incluindo este, foi realizado em áreas urbanas e mais industrializadas11. Malta M, Magnanini MM, Mello MB, Pascom AR, Linhares Y, Bastos FI. HIV prevalence among female sex workers, drug users and men who have sex with men in Brazil: a systematic review and meta-analysis. BMC Public Health. 2010;10:317. https://doi.org/10.1186/1471-2458-10-317
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,22. Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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,1414. Macena, RHM. Profissionais do sexo feminino em três áreas do Ceará: fatores que ampliam a vulnerabilidade para DST/AIDS [tese]. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; 2009 [cited 2017 Nov 19]. Available from: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/864/1/2009_tese_rhmmacena.pdf
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; (ii) há heterogeneidade metodológica entre os estudos22. Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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,1313. Broutet N, Queiroz-Sousa A, Basilio FP, Sá HL, Simon F, Dabis F. Prevalence of HIV-1, HIV-2 and HTLV antibody, in Fortaleza, Ceara, Brazil, 1993-1994. Int J STD AIDS. 1996;7(5):365-9.,1414. Macena, RHM. Profissionais do sexo feminino em três áreas do Ceará: fatores que ampliam a vulnerabilidade para DST/AIDS [tese]. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; 2009 [cited 2017 Nov 19]. Available from: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/864/1/2009_tese_rhmmacena.pdf
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; (iii) ocorreram modificações políticas e sociais no período e local de recrutamento22. Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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,44. Beyrer C, Crago AL, Bekker LG, Butler J, Shannon K, Kerrigan D, et al. An action agenda for HIV and sex workers. Lancet. 2015;385(9964):287-301. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)60933-8
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,88. Mahoney MR, Fogler J, Weber S, Goldschmidt RH. Applying HIV testing guidelines in clinical practice. Am Fam Physician. 2009 [cited 2017 Nov 19];80(12):1441-4. Available from: http://www.aafp.org/afp/2009/1215/p1441.pdf
http://www.aafp.org/afp/2009/1215/p1441....
,1515. Gökengin D, Geretti AM, Begovac J, Palfreeman A, Stevanovic M, Tarasenko O, et al. 2014 European guideline on HIV testing. Int J STD AIDS. 2014;25(10):695-704. https://doi.org/10.1177/0956462414531244
https://doi.org/10.1177/0956462414531244...
,1616. Sousa RMRB. “Não sei direito como é, eu só sei que é AIDS”: incentivos e barreiras ao teste de HIV/AIDS entre profissionais do sexo [tese]. Fortaleza: Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará; 2013 [cited 2017 Nov 19]. Available from: http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/16317
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.

Apesar da recomendação para a realização mais frequente do teste para HIV entre as chamadas populações-chave44. Beyrer C, Crago AL, Bekker LG, Butler J, Shannon K, Kerrigan D, et al. An action agenda for HIV and sex workers. Lancet. 2015;385(9964):287-301. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)60933-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)60...
,1515. Gökengin D, Geretti AM, Begovac J, Palfreeman A, Stevanovic M, Tarasenko O, et al. 2014 European guideline on HIV testing. Int J STD AIDS. 2014;25(10):695-704. https://doi.org/10.1177/0956462414531244
https://doi.org/10.1177/0956462414531244...
, foi baixa a proporção das MPS que haviam feito o teste nos três meses anteriores à pesquisa. Mulheres de um modo geral, trabalhadoras do sexo ou não, associam o teste de HIV como um dos elementos da assistência decorrente do pré-natal, e não por sua exposição ao risco55. Kakchapati S, Singh DR, Rawal BB, Lim A. Sexual risk behaviors, HIV, and syphilis among female sex workers in Nepal. HIV AIDS (Auckl). 2017;9:9-18. https://doi.org/10.2147/HIV.S123928
https://doi.org/10.2147/HIV.S123928...
,1717. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST Aids e Hepatites Virais. Pesquisa de Conhecimento Atitudes e Práticas na População Brasileira - PCAP. Brasília (DF); 2011 [cited 2017 Nov 19]. (Série G. Estatística e Informação em Saúde). Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pesquisa_conhecimentos_atitudes_praticas_populacao_brasileira.pdf
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. Apesar disso, a proporção das entrevistadas que já tinha feito o teste na vida neste estudo é mais elevada que na população em geral do Brasil22. Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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,1717. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST Aids e Hepatites Virais. Pesquisa de Conhecimento Atitudes e Práticas na População Brasileira - PCAP. Brasília (DF); 2011 [cited 2017 Nov 19]. (Série G. Estatística e Informação em Saúde). Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pesquisa_conhecimentos_atitudes_praticas_populacao_brasileira.pdf
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.

As MPS mostraram elevado nível de conhecimento sobre a finalidade e as vantagens do teste, porém poucas reconheceram a necessidade da realização rotineira do teste, os benefícios para a saúde e dos parceiros sexuais. Estudos relatam aumento da testagem entre MPS quando se autopercebe com riscos aliados ao trabalho sexual, como recusa do preservativo por parte dos clientes, sexo forçado devido à ausência de preservativo, rompimento do preservativo, uso de substâncias psicoativas, dentre outros1,3,6,18–20.

O estilo de vida, os fatores socioeconômicos e o acesso a serviços de saúde e conhecimento podem influenciar na percepção do risco individual e na adoção de práticas sexuais seguras seja com clientes ou não clientes22. Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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,55. Kakchapati S, Singh DR, Rawal BB, Lim A. Sexual risk behaviors, HIV, and syphilis among female sex workers in Nepal. HIV AIDS (Auckl). 2017;9:9-18. https://doi.org/10.2147/HIV.S123928
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,2121. Musheke M, Ntalasha H, Gari S, Mckenzie O, Bond V, Martin-Hilber A, et al. A systematic review of qualitative findings on factors enabling and deterring uptake of HIV testing in Sub-Saharan Africa. BMC Public Health. 2013;13(1):220. https://doi.org/10.1186/1471-2458-13-220
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. Neste estudo, a negação do risco de se infectar pelo HIV foi a principal barreira relacionada à realização do teste. Contudo, como em outros países, as relações sexuais desprotegidas com parceiros fixos foram mais frequentes do que com parceiros comerciais55. Kakchapati S, Singh DR, Rawal BB, Lim A. Sexual risk behaviors, HIV, and syphilis among female sex workers in Nepal. HIV AIDS (Auckl). 2017;9:9-18. https://doi.org/10.2147/HIV.S123928
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,2222. Ahoyo AB, Alary M, Ndour M, Labbé AC, Ahoussinou C. VIH et infections sexuellement transmissibles chez les travailleuses du sexe au Benin. Med Trop (Mars). 2009;69(5):457-62..

Os principais incentivos para realização da testagem do HIV foram relacionados à disponibilidade do teste em outros locais que não UBS (Unidade Básica de Saúde), estar disponível na maioria das UBS ou em horários extracomerciais e oferta de teste rápido. Os fatores apontados como incentivadores sinalizam contrapontos como redução do tempo dispensado com o procedimento de testagem1414. Macena, RHM. Profissionais do sexo feminino em três áreas do Ceará: fatores que ampliam a vulnerabilidade para DST/AIDS [tese]. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; 2009 [cited 2017 Nov 19]. Available from: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/864/1/2009_tese_rhmmacena.pdf
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,2323. Beattie TS, Bhattacharjee P, Suresh M, Isac S, Ramesh B, Moses S. Personal, interpersonal and structural challenges to accessing HIV testing, treatment and care services among female sex workers, men who have sex with men and transgenders in Karnataka state, South India. J Epidemio Community Health. 2012;66 Suppl 2:ii42-48. https://doi.org/10.1136/jech-2011-200475
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,2424. Surratt HL, O’Grady CL, Kurtz SP, Buttram ME, Levi-Minzi MA. HIV testing and engagement in care among highly vulnerable female sex workers: implications for treatment as prevention models. J Health Care Poor Underserved. 2014;25(3):1360-78. https://doi.org/10.1353/hpu.2014.0113
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; acesso a testes rápidos que reduzem o tempo de espera do resultado1515. Gökengin D, Geretti AM, Begovac J, Palfreeman A, Stevanovic M, Tarasenko O, et al. 2014 European guideline on HIV testing. Int J STD AIDS. 2014;25(10):695-704. https://doi.org/10.1177/0956462414531244
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,1616. Sousa RMRB. “Não sei direito como é, eu só sei que é AIDS”: incentivos e barreiras ao teste de HIV/AIDS entre profissionais do sexo [tese]. Fortaleza: Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará; 2013 [cited 2017 Nov 19]. Available from: http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/16317
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e o temor de ser reconhecido acessando serviço de atendimento ao HIV.

Uma proporção importante das MPS desconhecia os locais onde o teste era realizado gratuitamente na rede pública de saúde, e esse fator foi apontado como barreira para a realização do exame11. Malta M, Magnanini MM, Mello MB, Pascom AR, Linhares Y, Bastos FI. HIV prevalence among female sex workers, drug users and men who have sex with men in Brazil: a systematic review and meta-analysis. BMC Public Health. 2010;10:317. https://doi.org/10.1186/1471-2458-10-317
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,22. Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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,2323. Beattie TS, Bhattacharjee P, Suresh M, Isac S, Ramesh B, Moses S. Personal, interpersonal and structural challenges to accessing HIV testing, treatment and care services among female sex workers, men who have sex with men and transgenders in Karnataka state, South India. J Epidemio Community Health. 2012;66 Suppl 2:ii42-48. https://doi.org/10.1136/jech-2011-200475
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. A elevada adesão ao teste oferecido durante a execução deste estudo permite especular que a facilidade ao acesso é um dos fatores que pode ampliar a adesão à testagem para HIV22. Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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,1414. Macena, RHM. Profissionais do sexo feminino em três áreas do Ceará: fatores que ampliam a vulnerabilidade para DST/AIDS [tese]. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; 2009 [cited 2017 Nov 19]. Available from: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/864/1/2009_tese_rhmmacena.pdf
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,2424. Surratt HL, O’Grady CL, Kurtz SP, Buttram ME, Levi-Minzi MA. HIV testing and engagement in care among highly vulnerable female sex workers: implications for treatment as prevention models. J Health Care Poor Underserved. 2014;25(3):1360-78. https://doi.org/10.1353/hpu.2014.0113
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. Entretanto, o acesso facilitado não garante a adesão ao teste, posto que esta pode ser influenciada pela dificuldade percebida para o enfrentamento do potencial diagnóstico da infecção1414. Macena, RHM. Profissionais do sexo feminino em três áreas do Ceará: fatores que ampliam a vulnerabilidade para DST/AIDS [tese]. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; 2009 [cited 2017 Nov 19]. Available from: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/864/1/2009_tese_rhmmacena.pdf
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,2424. Surratt HL, O’Grady CL, Kurtz SP, Buttram ME, Levi-Minzi MA. HIV testing and engagement in care among highly vulnerable female sex workers: implications for treatment as prevention models. J Health Care Poor Underserved. 2014;25(3):1360-78. https://doi.org/10.1353/hpu.2014.0113
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.

O medo de ser discriminada caso o teste seja reagente para o HIV também é uma barreira importante para a adesão ao teste11. Malta M, Magnanini MM, Mello MB, Pascom AR, Linhares Y, Bastos FI. HIV prevalence among female sex workers, drug users and men who have sex with men in Brazil: a systematic review and meta-analysis. BMC Public Health. 2010;10:317. https://doi.org/10.1186/1471-2458-10-317
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,22. Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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,55. Kakchapati S, Singh DR, Rawal BB, Lim A. Sexual risk behaviors, HIV, and syphilis among female sex workers in Nepal. HIV AIDS (Auckl). 2017;9:9-18. https://doi.org/10.2147/HIV.S123928
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,1616. Sousa RMRB. “Não sei direito como é, eu só sei que é AIDS”: incentivos e barreiras ao teste de HIV/AIDS entre profissionais do sexo [tese]. Fortaleza: Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará; 2013 [cited 2017 Nov 19]. Available from: http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/16317
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. Situações de estigma e exclusão social decorrente da condição socioeconômica, profissão, raça, entre outros, parecem contribuir para distanciar as MPS do sistema de saúde, reduzindo a chance de acesso ao diagnóstico precoce para HIV22. Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr. 2011;57 Suppl 3:S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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,55. Kakchapati S, Singh DR, Rawal BB, Lim A. Sexual risk behaviors, HIV, and syphilis among female sex workers in Nepal. HIV AIDS (Auckl). 2017;9:9-18. https://doi.org/10.2147/HIV.S123928
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,66. Wahed T, Alam A, Sultana S, Alam N, Somrongthong R. Sexual and reproductive health behaviors of female sex workers in Dhaka, Bangladesh. PLoS One. 2017;12(4):e0174540. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0174540
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,2424. Surratt HL, O’Grady CL, Kurtz SP, Buttram ME, Levi-Minzi MA. HIV testing and engagement in care among highly vulnerable female sex workers: implications for treatment as prevention models. J Health Care Poor Underserved. 2014;25(3):1360-78. https://doi.org/10.1353/hpu.2014.0113
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.

Este estudo teve dificuldades para acessar MPS em redes sociais com maior rendimento financeiro ou com escolaridade mais elevada. A limitação pode estar associada a diversos fatos: (1) MPS com maior poder aquisitivo têm mais alto nível de independência na organização do trabalho sexual e possuem redes sociais de baixa densidade; (2) agenciamento e o favorecimento da prostituição bem como rufianismo são considerados crimes no país. Assim, a proibição velada de proprietárias de casas de prostituição de alto nível para a participação no estudo; (3) o trabalho sexual na cidade ocorre em diferentes espaços da cidade, o que não permite o cruzamento das redes sociais. O possível impacto neste estudo da menor participação deste seguimento das MPS poderia ser uma redução da prevalência, considerando que elas cobram mais caro, podem selecionar melhor os clientes e não negociam o sexo sem camisinha.

A prevalência de HIV entre MPS no Ceará é semelhante à de outras cidades brasileiras de diferentes regiões do país, apesar de superiores à de mulheres não profissionais do sexo. Condições estruturais de acesso ao teste para HIV (disponibilidade do teste em locais não relacionados à saúde e a oferta em horário extracomercial) são elementos importantes no incentivo à realização da testagem entre MPS. Por outro lado, fatores pessoais (negação do risco, receio de ser discriminada) e de acesso aos serviços de saúde (desconhecimento dos locais de realização do teste) podem ser barreiras ao teste para o HIV nessa população.

Faz-se imperioso a continuidade do monitoramento da infecção pelo HIV por meio da vigilância comportamental, do desenvolvimento de pesquisas (incluindo as áreas rurais) e do desenho de novas estratégias de ampliação do acesso ao teste para HIV. Além disso, são fundamentais ações de prevenção que envolvam a sociedade civil que atua junto a esse público.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    5 Out 2016
  • Aceito
    17 Maio 2017
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