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Uso de tabaco por estudantes adolescentes portugueses e fatores associados

Smoking and its associated factors in Portuguese adolescent students

Resumos

OBJETIVO: Descrever o uso de tabaco e identificar os seus determinantes em estudantes adolescentes. MÉTODOS: Estudo transversal, tendo sido avaliadas 1.052 meninas e 984 meninos de 13 anos de idade matriculados em escolas públicas e privadas da cidade do Porto, Portugal. A proporção individual de participação foi de 77,5%. O adolescente e o seu responsável preencheram um questionário sobre informações sociodemográficas e de comportamento em suas casas. Na escola, o adolescente completou outro questionário, com informações sobre o tabagismo. As variáveis contínuas foram comparadas pelo teste Kruskal-Wallis e as proporções pelo teste de qui-quadrado. As estimativas de risco e respectivos intervalos de confiança de 95% foram calculados por regressão logística não condicional. RESULTADOS: Dos adolescentes avaliados, 19,9% (22,4% das meninas e 17,1% dos meninos) experimentaram fumar mas não eram fumantes; 1,8% (2,0% das meninas e 1,5% dos meninos) fumavam ocasionalmente e 1,3% (2,0% das meninas e 0,4% dos meninos) fumavam pelo menos um cigarro por dia. A razão mais referida como a mais importante para experimentar fumar foi a curiosidade (46,3% das meninas e 45,6% dos meninos). Após ajuste para os hábitos tabágicos dos progenitores, dos irmãos e dos amigos, a associação mais forte foi com o tabagismo dos amigos, nas meninas (OR=4,03; IC 95%: 2,69-6,04) e nos meninos (OR=5,39; IC 95%: 3,34-8,70). CONCLUSÕES: Uma elevada proporção tinha experimentado fumar e ter amigos fumantes foi o mais forte determinante para experimentar fumar.

Tabagismo; Comportamento do adolescente; Fatores de risco


OBJECTIVE: To describe smoking habits and to identify their determinants in adolescent students. METHODS: A cross-sectional study was carried out on smoking habits comprising 1,052 girls and 984 boys aged 13 years attending public and private schools in the city of Porto, Portugal. The proportion of participation was 77.5%. Information on sociodemographic and behavioral characteristics was obtained from a questionnaire filled out at home by participants and their parents. At school, another self-administered questionnaire was used to obtain information about tobacco use. Several independent samples were compared using the Kruskal-Wallis test and proportions were compared by Chi-square test. Odds ratio and 95% confidence intervals were calculated by unconditional logistic regression. RESULTS: Overall, 19.9% (22.4% of girls and 17.1% of boys) students only had ever experimented smoking but were not smokers; 1.8% (2.0% of girls and 1.5% of boys) were occasional smokers and 1.3% (2.0% of girls and 0.4% of boys) smoked at least one cigarette/day. Curiosity was the main reason given by adolescents to experiment smoking (48.4% of girls and 45.6% of boys). After adjustment to parental, siblings' and friends' smoking habits, the stronger association was with the smoking habits of their friends for both girls (OR=4.03; 95% CI: 2.69-6.04) and boys (OR=5.39; 95% CI: 3.34-8.70). CONCLUSIONS: A high proportion of students had ever experimented smoking. Smoking habits among peers proved to be the strongest determinant of smoking during adolescence.

Smoking; Adolescent behavior; Risk factors


Uso de tabaco por estudantes adolescentes portugueses e fatores associados

Smoking and its associated factors in Portuguese adolescent students

Sílvia Fraga; Elisabete Ramos; Henrique Barros

Serviço de Higiene e Epidemiologia. Faculdade de Medicina. Universidade do Porto. Porto, Portugal

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Sílvia Fraga Serviço de Higiene e Epidemiologia Faculdade de Medicina da Universidade do Porto 4200-319 Porto, Portugal E-mail: silfraga@med.up.pt

RESUMO

OBJETIVO: Descrever o uso de tabaco e identificar os seus determinantes em estudantes adolescentes.

MÉTODOS: Estudo transversal, tendo sido avaliadas 1.052 meninas e 984 meninos de 13 anos de idade matriculados em escolas públicas e privadas da cidade do Porto, Portugal. A proporção individual de participação foi de 77,5%. O adolescente e o seu responsável preencheram um questionário sobre informações sociodemográficas e de comportamento em suas casas. Na escola, o adolescente completou outro questionário, com informações sobre o tabagismo. As variáveis contínuas foram comparadas pelo teste Kruskal-Wallis e as proporções pelo teste de qui-quadrado. As estimativas de risco e respectivos intervalos de confiança de 95% foram calculados por regressão logística não condicional.

RESULTADOS: Dos adolescentes avaliados, 19,9% (22,4% das meninas e 17,1% dos meninos) experimentaram fumar mas não eram fumantes; 1,8% (2,0% das meninas e 1,5% dos meninos) fumavam ocasionalmente e 1,3% (2,0% das meninas e 0,4% dos meninos) fumavam pelo menos um cigarro por dia. A razão mais referida como a mais importante para experimentar fumar foi a curiosidade (46,3% das meninas e 45,6% dos meninos). Após ajuste para os hábitos tabágicos dos progenitores, dos irmãos e dos amigos, a associação mais forte foi com o tabagismo dos amigos, nas meninas (OR=4,03; IC 95%: 2,69-6,04) e nos meninos (OR=5,39; IC 95%: 3,34-8,70).

CONCLUSÕES: Uma elevada proporção tinha experimentado fumar e ter amigos fumantes foi o mais forte determinante para experimentar fumar.

DESCRITORES: Tabagismo, epidemiologia. Comportamento do adolescente. Fatores de risco.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe smoking habits and to identify their determinants in adolescent students.

METHODS: A cross-sectional study was carried out on smoking habits comprising 1,052 girls and 984 boys aged 13 years attending public and private schools in the city of Porto, Portugal. The proportion of participation was 77.5%. Information on sociodemographic and behavioral characteristics was obtained from a questionnaire filled out at home by participants and their parents. At school, another self-administered questionnaire was used to obtain information about tobacco use. Several independent samples were compared using the Kruskal-Wallis test and proportions were compared by Chi-square test. Odds ratio and 95% confidence intervals were calculated by unconditional logistic regression.

RESULTS: Overall, 19.9% (22.4% of girls and 17.1% of boys) students only had ever experimented smoking but were not smokers; 1.8% (2.0% of girls and 1.5% of boys) were occasional smokers and 1.3% (2.0% of girls and 0.4% of boys) smoked at least one cigarette/day. Curiosity was the main reason given by adolescents to experiment smoking (48.4% of girls and 45.6% of boys). After adjustment to parental, siblings' and friends' smoking habits, the stronger association was with the smoking habits of their friends for both girls (OR=4.03; 95% CI: 2.69-6.04) and boys (OR=5.39; 95% CI: 3.34-8.70).

CONCLUSIONS: A high proportion of students had ever experimented smoking. Smoking habits among peers proved to be the strongest determinant of smoking during adolescence.

KEYWORDS: Smoking, epidemiology. Adolescent behavior. Risk factors.

INTRODUÇÃO

O consumo de tabaco é a causa de aproximadamente 4,9 milhões de mortes anualmente no mundo,1 1 World Health Organization. An international treaty for tobacco control. Available from http://www.who.int/features/2003/08/en/ [access in 2005 Apr 29] e estima-se que nos países em desenvolvimento 2,4 milhões de pessoas morrem cada ano por doenças associadas ao tabaco.2 2 European Commission. Tobacco control in E C Development Policy. A background paper for the High Level Round Table on Tobacco Control and Development PolicyBrussels.3-4 February 2003. Available from

http://europa.eu.int/comm./health/ph_determinants/life_style/Tobacco /Documents/

030129ec_paper_com_en.pdf

Isso faz do tabagismo o fator de risco modificável com maior número de mortes atribuídas.1 1 World Health Organization. An international treaty for tobacco control. Available from http://www.who.int/features/2003/08/en/ [access in 2005 Apr 29]

A quase totalidade dos fumantes adquirem o hábito durante a adolescência.6 Apesar dos programas e campanhas de prevenção desenvolvidos, muitos adolescentes começam a fumar ainda em idade escolar,16 estimando-se que 150 dos 300 milhões de jovens fumantes no mundo irão morrer por causas relacionadas com o tabaco.3 3 World Health Organization. Child and adolescent health and development prevention and care of illness. Available from

http://www.who.int/child-adolescent-health/PREVENTION/

Adolescents substance.htm

Embora haja um declínio na frequência de adultos e meninos fumantes nos países desenvolvidos, o tabagismo feminino está aumentando em alguns deles, como Portugal. Em conseqüência, além das complicações comuns a ambos os sexos espera-se adicionais consequências na função reprodutiva e no resultado da gravidez.12

O risco de adoecer é tanto maior quanto mais cedo se iniciar o tabagismo.6 Um dos principais problemas associados à precocidade do hábito é a dificuldade de parar. Um forte investimento na prevenção primária é a aproximação fundamental à resolução do problema. Para definir essas estratégias preventivas com efetividade é fundamental conhecer os determinantes da aquisição deste comportamento e as características dos fumantes.10

O presente trabalho teve por objetivo descrever o uso de tabaco por adolescentes com 13 anos de idade e identificar determinantes para esse comportamento.

MÉTODOS

A informação foi recolhida no âmbito de um estudo de base populacional, designado Epiteen, desenvolvido com o objetivo principal de constituir uma coorte de adolescentes a serem acompanhados para estudar determinantes sociais e biológicos de risco cardiovascular.

Participaram do estudo os adolescentes nascidos em 1990 e que no ano letivo 2003-2004 estavam inscritos nas escolas públicas e privadas da cidade do Porto. Todos se encontravam na idade estudada e em período de escolaridade obrigatóriade acordo com a lei portuguesa,4 4 Diário da República Portuguesa n. 217/97, Série I-A, Pub. L. n. 115/97, Lei de Bases do Sistema Educativo Português. sendo que a proporção de crianças nesta idade que freqüentam a escola é praticamente 100% na cidade do Porto.

Para identificação dos adolescentes, contactaram-se as 24 escolas privadas e as 27 escolas públicas da cidade, das quais 19 escolas privadas e a totalidade das escolas públicas aceitaram participar. No conjunto de escolas participantes estavam inscritos 2.788 adolescentes nascidos em 1990 (2.126 em escolas públicas e 662 em escolas privadas), e 44 não puderam ser contactados. Assim, 2.161 adolescentes participaram no estudo, sendo a proporção individual de participação de 77,5%, semelhante em escolas públicas e privadas (77,7% vs 76,7%; p=0.603).

Informações sobre características sociais, demográficas e de comportamento, e as histórias pessoal e familiar de doença foram recolhidas utilizando dois questionários estruturados. Um questionário foi preenchido em casa, pelo adolescente e o seu responsável. O outro questionário foi respondido pelo adolescente na escola e visava essencialmente recolher informações sobre comportamentos, em particular o uso de tabaco. Estavam incluídas neste questionário perguntas para avaliar o exercício físico englobando múltiplas atividades cotidianas, e considerou-se prática de esporte apenas a atividade planejada e regular realizada fora do âmbito escolar. Além disso, os adolescentes foram submetidos a exame físico. Uma equipe de profissionais de saúde deslocou-se a cada escola e procedeu a um conjunto de observações, incluindo avaliação antropométrica, medição da pressão arterial, medição da densidade mineral óssea e estudo da função respiratória.

O peso e a estatura foram medidos com os adolescentes descalços e vestindo apenas roupas leves. A avaliação do peso foi realizada utilizando um equipamento com bio-impedância (Tanita®), com o participante sobre o centro da plataforma da balança de forma a que o peso se distribuísse igualmente pelos dois pés. A estatura foi medida com um estadiômetro portátil, em pé, com os calcanhares unidos, com a cabeça posicionada no plano horizontal de Frankfurt, e com calcanhares, nádegas, espáduas e cabeça apoiados à parede posterior do estadiômetro.

O índice de massa corporal (IMC) foi calculado dividindo o peso (em quilogramas) pelo quadrado da estatura (em metros), e os adolescentes foram classificados em categorias de acordo com o valor da distribuição em percentis, para o sexo e a idade, elaborada pelos Centers for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos.9Foram classificados com excesso de peso os participantes com IMC superior ao percentil 85.

Entretanto, ocorreram mais 125 perdas: para 102 adolescentes obteve-se informação apenas por meio do questionário respondido em casa; para cinco obtiveram-se os dados das medições mas não as respostas a qualquer dos questionários e 18 adolescentes não responderam ao questionário na escola. Foram portanto considerados para o presente estudo os restantes 2.036 (1.052 meninas e 984 meninos) para os quais estava disponível informação sobre o uso de tabaco e demais informações dos questionários: 1.540 frequentando escolas públicas e 496 escolas privadas.

Os participantes foram classificados em quatro categorias: nunca ter fumado, apenas ter experimentado, fumar mas não todos os dias _ fumante ocasional, e fumar pelo menos um cigarro por dia _ fumante habitual. As razões para experimentar fumar foram identificadas usando uma lista de nove razões, às quais o aluno respondia se tinha sido, ou não, uma razão para experimentar fumar, além de uma pergunta aberta para assinalar se tinha outra razão que não uma das referidas. Após esta listagem era perguntado qual das opções assinaladas era a que o adolescente considerava como a mais importante.

Como indicador de classe social foi usada a escolaridade dos progenitores, medida como o número máximo de anos completados com aproveitamento, tendo-se considerado na análise o valor correspondente ao progenitor com escolaridade mais alta. Para a classificação do tabagismo dos progenitores foi considerada a informação declarada pelo próprio aluno.

As variáveis contínuas são apresentadas em média (± desvio-padrão) e foram comparadas pelo teste Kruskal-Wallis e as proporções foram comparadas pelo teste de qui-quadrado. A magnitude da associação entre os hábitos tabagísticos dos progenitores, irmãos e amigos e o início do tabagismo dos adolescentes foi estimada pelo cálculo de odds ratio e respectivos intervalos de confiança de 95%, usando regressão logística não condicional. A análise estatística foi realizada no programa Stata 7.0.

RESULTADOS

Dos adolescentes avaliados, 394 (19,9%; 274 meninas e 180 meninos) declararam apenas ter experimentado fumar, 35 (1,8%) fumavam ocasionalmente e 25 (1,3%) fumavam diariamente. A proporção de meninas que já tinham experimentado fumar (26,8%) era superior à dos meninos (19,5%, p<0,001). Considerando apenas os que fumam regularmente, a freqüência também é superior nas meninas (4,0% vs 1,9%). Nos que já tinham experimentado fumar, o uso de tabaco era também mais freqüente nas meninas: 7,7% declararam fumar ocasionalmente e 7,7% declararam fumar pelo menos um cigarro por dia, enquanto nos meninos a freqüência foi 7,8% e 2,2%, respectivamente (p=0,045).

Na Tabela 1 apresentam-se os motivos indicados para experimentar fumar. A curiosidade foi a razão mais referida, 48,4% das meninas e 45,6% dos meninos. A segunda razão mais citada foi ter algum amigo fumante (13,6% e 21,1%, respectivamente para meninas e meninos).

Os meninos experimentaram o primeiro cigarro significativamente (p<0,001) mais cedo (10,8±1,8 anos) que as meninas (11,6±1,3 anos). A média de idade para experimentarem o primeiro cigarro foi 12,1 (±0,8) anos nas meninas que moravam com pais não fumantes, 11,4 (±1,7) nas que moravam com pelo menos um dos pais fumantes, 11,6 (±1,2) se ambos os pais eram fumantes, e 11,1 (±1,4) nas meninas que não viviam com os pais (p=0,030). Em relação aos meninos, os resultados foram respectivamente, 11,1 (±1,5) anos, 10,8 (±1,9) anos, 10,8 (±1,8) anos e 10,4 (±2,1) anos, não sendo as diferenças estatisticamente significativas (p=0,760).

Em ambos os sexos a escola foi o local referido como o mais frequentemente usado para fumar, quer pelos adolescentes que apenas experimentaram (36,7%) quer pelos fumantes habituais (43,6%).

Quanto ao número de cigarros fumados no mês que antecedeu à aplicação do questionário, 68,9% (80,0% meninos e 63,2% meninas) referiram ter fumado menos de 10 cigarros durante esse mês. Ainda, 11,7% (11,4% dos meninos e 11,8% das meninas) fumaram 10 cigarros e 19,4% (8,6% dos meninos e 25,0% das meninas) referiram ter fumado mais de 10 cigarros ao longo do mês. A diferença por sexo não foi estatisticamente significativa (p=0,125).

A Tabela 2 apresenta a prevalência do uso de tabaco de acordo com a natureza social da escola, escolaridade dos pais, aproveitamento escolar, índice de massa corporal e prática de esporte. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas na prevalência dos hábitos tabágicos de acordo com o tipo de escola, escolaridade dos pais ou prática de esporte.

No sexo masculino houve uma maior prevalência de fumantes nos que já repetiram algum ano (25,0% vs 17,2%) e nos indivíduos com excesso de peso (23,6% vs 17,8%).

Em ambos os sexos, se verificou maior freqüência de adolescentes que já alguma vez fumaram se: algum dos progenitores fuma ou fumou, há alguma pessoa em casa que fume, os irmãos mais velhos fumam e algum amigo fumar. Na Tabela 3, observa-se que após ajuste, ter amigos fumantes foi o determinante com associação forte ao uso de tabaco, no sexo masculino (OR=5,39; IC 95%: 3,34-8,70) e no sexo feminino (OR=4,03; IC 95%: 2,69-6,04). Adicionalmente, nas meninas, o OR para experimentar fumar foi de 4,99 (IC 95%: 2,29-10,85) nas que não viviam com os pais, quando comparadas com as que viviam com pais não fumantes.

DISCUSSÃO

O presente estudo foi realizado numa amostra representativa de adolescentes vivendo num grande centro urbano português e revelou que aos 13 anos, 20% já experimentaram fumar e cerca de 3% fumam com regularidade. A freqüência de meninas que fumam regularmente é superior à dos meninos (4,0% vs 1,9%).

Estes resultados mostram uma freqüência inferior à descrita numa amostra de adolescentes brasileiros com idade entre os 12 e 14 anos, também de base populacional e residentes em área urbana, na qual 5,3% fumaram pelo menos um cigarro por semana no mês anterior à avaliação.8

Embora não tenha sido possível obter informação sobre os alunos das escolas que não participaram, é pouco provável que este fato tenha enviesado de modo importante os resultados encontrados. Nas escolas não avaliadas apenas estavam inscritos cerca de 200 alunos elegíveis, e estas escolas têm características semelhantes às restantes escolas privadas. Embora a não participação desses alunos possa ser uma limitação torna-se difícil especular sobre o seu eventual efeito na validade da estimativa final. Isso porque não foi possível obter informação que permita comparar as suas características com as dos participantes.

A evolução da epidemia do tabaco é descrita em quatro estágios: no estágio 1, fumar é um comportamento pouco comum e típico das classes favorecidas; no estágio 2 o hábito de fumar é mais comum nos homens, de todas as classes sociais, e a prevalência nas mulheres está atrasada em 10-20 anos, e adotado pelas mulheres de classes sociais altas; no estágio 3 a prevalência do hábito de fumar diminui e nas mulheres atinge o pico; no estágio 4, o uso de tabaco diminui em ambos os sexos sendo mais prevalente nas classes sociais baixas.11

Um estudo recente15 realizado com população adulta do Porto mostrou que encontravam-se numa fase de transição do estágio 2 para o 3, sendo a prevalência de hábitos tabagísticos ainda mais elevada nos homens. Nas mulheres o impacto é claro das classes sociais mais altas no consumo de tabaco.

Um estudo1 realizado em 1996 em escolas secundárias do Porto, que avaliou a prevalência do uso de tabaco em adolescentes dos 12 aos 19 anos, mostrou que a prevalência de fumantes regulares era aproximadamente 15%. Nesse estudo a prevalência de fumantes era mais alta nos meninos, embora a diferença entre sexos não fosse estatisticamente significativa.

Os resultados do presente estudo concordam com os de outros países desenvolvidos do sul da Europa, onde se assiste a um declínio do início do hábito de fumar por parte dos meninos e um aumento por parte das meninas.3 Tal fato apóia a hipótese de Portugal estar no que se poderá especular como sendo uma fase inicial do estágio 3. Ao mesmo tempo, revela que as políticas e as medidas específicas tomadas foram insuficientes para evitar a evolução da epidemia e acelerar a diminuição da prevalência de fumantes. Por exemplo, os preços praticados em relação aos produtos derivados do tabaco ainda não representam um desincentivo ao seu consumo,14,15 principalmente para os adolescentes e adultos jovens.

O European Smoking Prevention Framework Approach3 (ESFA), iniciado em 1998, envolveu sete cidades de seis países da Europa (Dinamarca, Finlândia, Holanda, Portugal, Espanha e Reino Unido) e acompanhou durante quatro anos uma amostra de 23.531 adolescentes com média de idade de 13,3 anos no momento da primeira avaliação. A prevalência de fumantes regulares nesse estudo foi de 4,0%. A média de idades dos alunos portugueses avaliados era 13,5 anos e a prevalência de fumantes regulares foi também superior no sexo feminino (3,0% nos meninos e 4,2% nas meninas). Estes valores refletem também maior prevalência no sexo feminino, mas são superiores aos do presente estudo. A diferença pode resultar de a amostra do ESFA ter uma média de idade ligeiramente superior e, neste período de vida, alguns meses de diferença podem ter um elevado impacto no aumento da prevalência. Poderá tratar-se também de uma esperada diminuição da prevalência, mas só comparações futuras o permitirão verificar.

Trabalhos anteriores5,7 mostraram que os adolescentes fumantes praticam menos exercício físico e cerca de 35% começaram a fumar no mesmo ano em que deixaram de praticar esporte. Contudo, o presente estudo não encontrou diferenças na prevalência de uso de tabaco de acordo com a prática de esporte.

Um estudo realizado na Suécia revelou que os adolescentes de famílias de estrato econômico mais baixo tinham maior probabilidade de se tornarem fumantes.2 Também os adolescentes com pais de menor escolaridade têm maior probabilidade de experimentar fumar mais cedo e se tornarem fumantes.6 Na sociedade portuguesa e na idade estudada não foi encontrado um gradiente com a escolaridade dos progenitores, nem diferenças significativas entre escolas públicas e privadas.

De acordo com a teoria da aprendizagem social, ter pais fumantes poderia aumentar o risco da criança se tornar fumante.10 Tem-se observado que quando os pais fumam, os filhos têm maior probabilidade de se tornarem fumantes.1,4,13 Ter irmãos mais velhos fumantes também é um fator associado ao hábito de fumar.1,13 No presente estudo, o fato de os pais fumarem foi determinante do início do hábito em ambos os sexos, observando-se uma relação dose-efeito. Isto é, a proporção máxima de fumantes estava presente quando o progenitor ou progenitores com quem os adolescentes viviam eram fumantes. No entanto, a prevalência de filhos fumantes era mais alta quando viviam em família monoparental com progenitor fumante, e particularmente mais alta nas meninas que não viviam com os pais.

O risco é aumentado também em relação com os amigos fumantes, pois os adolescentes tendem para comportamentos e atitudes similares entre eles,4 facilitando dessa forma a sua integração nos grupos. Ter amigos fumantes é um fato descrito como determinante para a decisão de experimentar ou querer tornar-se fumante.1,2,4 A amostra estudada revelou que ter amigos que fumam é um fator importante para que o adolescente experimente ou inicie o hábito de fumar, reforçando a importância das relações de proximidade.

Finalmente, um aspecto merece especial menção: a escola é freqüentemente indicada como o local onde mais se fuma, fato já anteriormente constatado num estudo realizado na mesma cidade.1 Esse fato revela a importância da educação para a saúde no meio escolar e também como os sistemas de repressão do tabagismo em vigor são mais teóricos que efetivos.

Recebido: 8/8/2005

Revisado: 17/1/2006

Aprovado: 10/2/2006

Pesquisa parcialmente financiada pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (POCTI/SAU-ESP/62399/2004).

ER foi bolsista pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/BD/11114/2002).

Baseado em tese de doutorado apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, em 2006.

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  • Correspondência | Correspondence:
    Sílvia Fraga
    Serviço de Higiene e Epidemiologia
    Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
    4200-319 Porto, Portugal
    E-mail:
  • 1
    World Health Organization. An international treaty for tobacco control. Available from
    http://www.who.int/features/2003/08/en/ [access in 2005 Apr 29]
  • 2
    European Commission. Tobacco control in E C Development Policy. A background paper for the High Level Round Table on Tobacco Control and Development PolicyBrussels.3-4 February 2003. Available from
  • 3
    World Health Organization. Child and adolescent health and development prevention and care of illness. Available from
  • 4
    Diário da República Portuguesa n. 217/97, Série I-A, Pub. L. n. 115/97, Lei de Bases do Sistema Educativo Português.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Revisado
      17 Jan 2006
    • Recebido
      08 Ago 2005
    • Aceito
      10 Fev 2006
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